[Este artigo é o capítulo 23 do livro TEORIA DA MOEDA E DO CRÉDITO, de Ludwig von Mises, cuja tradução está em andamento. Para saber mais detalhes, confira aqui]
- Política Monetária e a Tendência Atual ao Planejamento Total
A população de todos os países concorda com a constatação de que a situação atual dos assuntos monetários é insatisfatória, sendo muito desejável uma mudança. No entanto, as ideias acerca do tipo de reforma necessária — e acerca do objetivo a ser almejado — diferem amplamente. Ocorrem conversas confusas sobre estabilidade e sobre um padrão que não seja inflacionário nem deflacionário. A imprecisão dos termos empregados obscurece o fato de que as pessoas ainda estão empenhadas naquelas doutrinas espúrias e autocontraditórias cuja própria aplicação engendrou o caos monetário atual.
A destruição da ordem monetária foi resultado de ações deliberadas por parte de vários governos. Os bancos centrais controlados pelos governos — e, nos Estados Unidos, o Federal Reserve System (“Sistema de Reserva Federal”) controlado pelo governo americano — foram os instrumentos utilizados nesse processo de desorganização e demolição. Entretanto, sem exceção, todas as propostas para uma melhoria dos sistemas monetários atribuem aos governos a supremacia irrestrita em questões de moeda e projetam imagens fantásticas de superbancos superprivilegiados. Até mesmo a futilidade manifesta do Fundo Monetário Internacional não impede os autores de se entregarem a sonhos sobre um banco mundial fertilizando a humanidade com enxurradas de crédito barato.
A inanidade de todos esses planos não é acidental. Trata-se do resultado lógico da filosofia social dos seus concebedores.
A moeda configura o meio de troca utilizado de maneira geral. Ela é um fenômeno de mercado. A sua esfera é aquela de negócios transacionados por indivíduos ou grupos de indivíduos no contexto de uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção e na divisão do trabalho. Esse modo de organização econômica — a economia de mercado ou o capitalismo — é, no momento, condenado por unanimidade por governos e partidos políticos. As instituições de ensino, das universidades às creches; o teatro, a televisão e o cinema legítimos; as editoras; a imprensa, o rádio — tudo está quase totalmente dominado por pessoas em cuja opinião o capitalismo se apresenta como o mais medonho de todos os males. O objetivo das suas políticas é substituir a suposta ausência de planos da economia de mercado pelo “planejamento”. A palavra planejamento — conforme a utilizam — significa, é claro, o planejamento central realizado pelas autoridades, impingido pelo poder policial. Denota a anulação do direito de cada cidadão de planejar a sua própria vida. Transforma os cidadãos individuais em meros peões nos esquemas da diretoria planificadora, seja ela chamada de Politburo, de Reichswirtschaftsministerium ou de algum outro nome. O planejamento não difere do sistema social que Marx defendia sob os nomes de socialismo e comunismo. Ele transfere para o governo o controle de todas as atividades produtivas; e, dessa forma, elimina completamente o mercado. Onde não existe mercado, também não existe moeda.
Embora a tendência atual das políticas econômicas conduza ao socialismo, os Estados Unidos e alguns outros países ainda preservaram os traços característicos da economia de mercado. Até agora, os proponentes do controle governamental dos negócios empresariais ainda não conseguiram alcançar o seu objetivo supremo.
O partido Fair Deal afirmou que seja dever do governo determinar quais preços, taxas salariais e lucros são justos e quais não são e, depois, impor as suas decisões por meio do poder policial e dos tribunais. Ele, ademais, declara que seja uma função do governo a manutenção da taxa de juros num nível justo por meio da expansão de crédito. Por fim, incita um sistema de tributação que busque a equalização de renda e riqueza. A aplicação plena do primeiro ou do último desses princípios consumaria, por si só, a instalação do socialismo. Mas as coisas ainda não foram tão longe neste país. A resistência dos defensores da liberdade econômica ainda não foi completamente quebrada. Existe ainda uma oposição que impediu o estabelecimento permanente do controle direto de todos os preços e salários e que refreou o confisco total de todas as rendas acima de uma dimensão considerada justa por aqueles cuja renda fosse menor. Nos países deste lado da Cortina de Ferro, a batalha entre os prosélitos e os oponentes do planejamento totalitário de plena abrangência ainda se encontra indecisa.
Neste grande conflito, os defensores do controle público não podem proceder sem a inflação. Eles precisam dela para financiarem a sua política de realizar gastos imprudentes e de subsidiar e subornar os eleitores de forma esbanjada. A consequência indesejável, mas inevitável, da inflação — o aumento nos preços — lhes fornece um pretexto bem-vindo para estabelecer o controle de preços e, assim, passo-a-passo, colocar em prática o seu esquema de planejamento total. Os lucros ilusórios que a falsificação inflacionária do cálculo econômico torna aparentes são tratados como se fossem lucros reais; ao tributá-los sob o rótulo enganoso de lucros excessivos, partes do capital investido são confiscadas. Ao espalhar descontentamento e agitação social, a inflação promove condições favoráveis para a propaganda subversiva dos autodenominados defensores do bem-estar e do progresso. O espetáculo que a cena política das últimas duas décadas ofereceu tem sido realmente incrível. Os governos, sem qualquer hesitação, embarcaram em vasta inflação; e os economistas governamentais proclamaram os gastos deficitários e a gestão “expansionista” da moeda e do crédito como o caminho mais seguro para a prosperidade, para o progresso constante e para a melhoria econômica. Mas esses mesmos governos, junto com os seus capangas, lançaram acusações contra os negócios empresariais pelas consequências inevitáveis da inflação. Apesar de defenderem os preços elevados e as taxas salariais altas como uma panaceia e elogiarem a administração por ter aumentado a “renda nacional” (expressada, é claro, em termos de uma moeda depreciada) a um patamar sem precedentes, eles culparam a iniciativa privada por cobrar preços ultrajantes e lucrar com isso. Apesar de restringirem deliberadamente a produção de itens agrícolas com a intenção de elevar os preços, os estadistas tiveram a audácia de dizer que o capitalismo cria escassez e que, se não fosse pelas maquinações sinistras dos grandes negócios empresariais, haveria muito de todas as coisas. E milhões de eleitores engoliram tudo isso.
É necessário perceber que as políticas econômicas dos autodenominados progressistas não podem funcionar sem a inflação. Eles não podem — e nunca irão — aceitar uma política de moeda sólida, sonante, saudável. Não podem abandonar as suas políticas de gastos deficitários; não podem descartar o auxílio que a sua propaganda anticapitalista recebe das consequências inexoráveis da inflação. Sim, é verdade que discorrem sobre a necessidade de acabar com a inflação. Mas aquilo que eles de fato querem dizer com isso não é eliminar a política de aumento da quantidade de moeda em circulação, mas sim estabelecer o controle de preços — ou seja, montar esquemas fúteis para fugir da emergência que inevitavelmente resulta das suas políticas.
A reconstrução monetária, incluindo o abandono da inflação e o retorno à moeda sólida, não configura meramente um problema de técnica financeira que possa ser resolvido sem mudanças na estrutura das políticas econômicas gerais. Não pode haver moeda estável dentro de um ambiente dominado por ideologias hostis à preservação da liberdade econômica. Empenhados em desintegrar a economia de mercado, os partidos no poder certamente não concordarão com reformas que os destituiriam da sua arma mais formidável, a inflação. A reconstrução monetária pressupõe, em primeiro lugar, a rejeição completa e incondicional das políticas pretensamente progressistas que, nos Estados Unidos, são designadas pelos bordões New Deal e Fair Deal.
- O Padrão Ouro Integral
A moeda sólida ainda significa atualmente o que significava no século XIX: o padrão ouro.
A eminência do padrão ouro consiste no fato de que ele torna a determinação do poder de compra da unidade monetária independente das medidas dos governos. Ele arranca das mãos dos “czares econômicos” o seu instrumento mais formidável; faz com que a ação de inflar lhes seja impossível. É por isso que o padrão ouro sofre furiosos ataques lançados por todos aqueles que esperam ser beneficiados por recompensas provenientes da bolsa aparentemente inesgotável do governo.
Antes de tudo, o que se configura necessário é forçar os governantes a gastarem apenas aquilo que, por meio de legislação devidamente promulgada, eles recolheram como impostos. Se os governos devem tomar empréstimos do público; e, se esse for o caso, até que ponto devem tomá-los — trata-se de questões que não são importantes para a análise de problemas monetários. O principal é que o governo não mais deva estar em posição de aumentar a quantidade de moeda em circulação, assim como o montante de dinheiro em contas correntes não totalmente — ou seja, 100% — cobertas por depósitos preenchidos pelo público. Nenhuma porta de fundos por onde a inflação possa adentrar deve ser deixada aberta. Nenhuma emergência pode justificar um retorno à inflação. Ela, a inflação, não pode fornecer as armas de que uma nação necessita para defender a sua independência; não pode suprir os bens de capital necessários para qualquer projeto. A inflação não soluciona condições insatisfatórias. Ela apenas auxilia os governantes cujas políticas provocaram a catástrofe a se eximirem da culpa.
Um dos objetivos da reforma sugerida é explodir e matar para sempre a crença supersticiosa de que governos e bancos tenham o poder de, a partir do nada, sem nem mesmo fazer com que ninguém fique mais pobre, tornar mais rica a nação ou mais ricos os cidadãos individuais. O observador superficial vê apenas as coisas que o governo conseguiu realizar ao gastar a moeda recém-criada. Ele não enxerga as coisas cuja execução inexistente propiciou os meios para o sucesso governamental. Tal observador deixa de perceber que a inflação não cria bens adicionais, mas apenas transfere riqueza e renda de alguns grupos de pessoas para outros. Ele, aliás, negligencia a ação de tomar conhecimento dos efeitos secundários da inflação: os investimentos errôneos e a desacumulação de capital.
Não obstante a propaganda apaixonada dos inflacionistas de todas as tonalidades, está aumentando o número de pessoas que compreendem a necessidade de sustar completamente a inflação que beneficia o tesouro estatal. O keynesianismo está perdendo prestígio inclusive nas universidades. Alguns anos atrás, os governos orgulhosamente se gabavam dos métodos “não ortodoxos” de gastos deficitários, de estímulos e de robustecimento da “renda nacional”. Eles não descartaram esses métodos, mas não mais se gabam deles. Os governos até mesmo admitem ocasionalmente que não seria uma coisa tão ruim ter orçamentos equilibrados e estabilidade monetária. As chances políticas de um retorno à moeda sólida ainda são diminutas, mas certamente são melhores em contraste com o que eram em qualquer outro período desde 1914.
Todavia, a maioria dos defensores da moeda sólida não quer ir além da eliminação da inflação para propósitos fiscais. Desejam impedir qualquer tipo de ação governamental de tomada de empréstimos de bancos que emitam cédulas ou creditem o tomador com uma conta sujeita a saque. Mas não querem impedir da mesma maneira a expansão de crédito por causa do seu interesse nos empréstimos aos negócios. A reforma que tais defensores têm em mente é, em geral, a proposta de trazer de volta a situação de coisas que prevalecia antes das inflações da Primeira Guerra Mundial. A ideia deles de moeda sólida é aquela dos economistas do século XIX, com todos os erros da Escola Bancária Britânica que a desfiguraram. Ainda se apegam aos esquemas cuja aplicação, ao promover a recorrência quase regular de períodos de depressão econômica, promoveu o colapso dos sistemas bancários europeus e das moedas da Europa e fez a economia de mercado ser desacreditada.
Não há necessidade de adicionar algo à análise desses problemas conforme fornecida na Terceira Parte deste livro e na minha obra Ação Humana. Caso se queira evitar a recorrência de crises econômicas, é necessário evitar a expansão do crédito que cria a bonança e, inevitavelmente, provoca a queda.
Mesmo que, por motivos de argumento, não nos refiramos a essas questões, é preciso perceber que as condições não são mais como aquelas que os defensores do século XIX da expansão de crédito bancário tinham em mente.
Tais estadistas e autores consideravam as necessidades financeiras do governo como a principal — e praticamente a única — ameaça à solvência do(s) banco(s) privilegiado(s). Ampla experiência histórica demonstrara que o governo poderia forçar — e, de fato, assim o fez — os bancos a emprestarem a ele. A suspensão da conversibilidade das cédulas e os dispositivos de curso forçado transformaram as moedas “fortes” de muitos países em papel-moeda questionável. A conclusão lógica a ser extraída desses fatos teria sido eliminar completamente o(s) banco(s) privilegiado(s) e submeter todos os bancos ao império da lei e aos códigos comerciais que obrigam todos a cumprir contratos em plena fidelidade à palavra assumida. A livre atividade bancária — o sistema do free banking — teria poupado o mundo de muitas crises e catástrofes. Mas o erro trágico da doutrina bancária do século XIX foi a crença de que a diminuição da taxa de juros abaixo da dimensão que ela teria num mercado desobstruído seja uma bênção para uma nação e de que a expansão do crédito seja o meio correto para a realização desse objetivo. Assim surgiu a duplicidade característica da política bancária. O(s) banco(s) central(ais) não deve(m) emprestar ao governo, mas deveria(m) ser livres, dentro de limites determinados, para expandir o crédito aos negócios empresariais. A ideia era que, dessa forma, seria possível tornar a função de banco central independente do governo.
Um arranjo desses pressupõe que o governo e os negócios empresariais sejam duas esferas distintas da condução das atividades. O governo impõe tributos, mas não interfere na maneira como os variados empreendimentos operam. Se o governo se intromete nos assuntos de banco central, o seu objetivo é tomar empréstimos em favor do Tesouro, não induzir os bancos a emprestarem mais aos negócios. Ao tornar contrários à legislação os empréstimos bancários ao governo, a administração do banco está habilitada a avaliar as suas operações de crédito apenas conforme as necessidades dos negócios.
Sejam quais possam ter sido os méritos ou os deméritos desse ponto de vista em tempos anteriores,[1] é óbvio que essa visão não mais exerce qualquer efeito. A principal motivação inflacionária dos nossos dias é a pretensa política de pleno emprego, não a incapacidade do Tesouro de suprir os seus cofres vazios a partir de fontes que não sejam empréstimos bancários. A política monetária é considerada — erroneamente, é claro — como um instrumento para manter as taxas salariais acima da dimensão que teriam alcançado num mercado de trabalho sem obstáculos. A expansão de crédito é subserviente aos sindicatos. Caso cem ou setenta anos atrás o governo de uma nação ocidental tivesse se aventurado a extorquir um empréstimo do banco central, o público teria unanimemente ficado ao lado do banco e frustrado a trama. Mas, por muitos anos, houve pouca oposição à expansão de crédito por causa do interesse na “criação de empregos” — isto é, no fornecimento, para os negócios empresariais, do dinheiro necessário para o pagamento das taxas salariais que os sindicatos, muito auxiliados pelo governo, forçam as empresas a conceder. Ninguém prestou atenção nas vozes que exprimiam avisos e advertências quando a Inglaterra em 1931 e os Estados Unidos em 1933 se envolveram na política para a qual Lord Keynes, alguns anos depois no seu livro Teoria Geral, tentou inventar uma justificativa; e quando Blum, em 1936, ao impor aos empregadores franceses os supostos acordos Matignon, ordenou ao Banco da França que emprestasse livremente às empresas as somas necessárias para cumprir os ditames dos sindicatos.
A inflação e a expansão de crédito são os meios para ofuscar o fato de que prevalece uma escassez, dada pela natureza, das coisas materiais de que a satisfação de desejos humanos depende. O principal interesse da iniciativa privada capitalista é remover essa escassez tanto quanto possível e fornecer um padrão de vida continuamente melhor para uma população crescente. O historiador não pode deixar de perceber que o laissez-faire e o individualismo áspero foram bem-sucedidos, numa escala sem precedentes, nos seus esforços para oferecer à pessoa comum, de forma cada vez mais ampla, comida, abrigo e muitas outras comodidades. Porém, por mais notáveis que possam ser essas melhorias, sempre haverá um limite rigoroso para a quantidade que pode ser consumida sem reduzir o capital disponível para a continuação da produção e, mais ainda, para a expansão dela.
Em tempos mais antigos, os reformadores sociais acreditavam que tudo que fosse necessário para melhorar as condições materiais dos estratos mais pobres da sociedade era confiscar o excedente dos ricos e distribuí-lo entre aqueles que tinham menos. A falsidade dessa fórmula, apesar do fato de ainda ser o princípio ideológico que norteia a tributação atual, não é mais contestada por nenhuma pessoa razoável. Podemos deixar de enfatizar o fato de que tal distribuição pode adicionar apenas uma quantia insignificante à renda da imensa maioria. O principal é que a quantidade total produzida em uma nação ou em todo o mundo durante um período de tempo definido não configura uma magnitude independente do modo de organização econômica da sociedade. A ameaça de ser destituído, pelo confisco, de uma parcela considerável — ou, inclusive, da maior parte — dos rendimentos das suas próprias atividades enfraquece, afrouxa a busca do indivíduo por riqueza e, portanto, resulta numa diminuição do produto nacional. Os socialistas marxistas uma vez se entregaram a devaneios sobre um fabuloso aumento de riquezas a ser esperado do modo socialista de produção. A verdade é que toda violação de direitos de propriedade e toda restrição à livre iniciativa prejudicam, debilitam a produtividade do trabalho. Um dos principais interesses de todos os partidos hostis à liberdade econômica é obstruir o conhecimento disso por parte dos eleitores. As várias marcas de socialismo e intervencionismo não poderiam manter a sua popularidade caso as pessoas descobrissem que as medidas cuja adoção recebe a saudação de progresso social limitam a produção e tendem a promover a desacumulação de capital. A ocultação esses fatos do público configura um dos serviços que a inflação presta às pretensas políticas progressistas. A inflação é o verdadeiro ópio do povo, sendo administrada a ele por governos e partidos anticapitalistas.
- Reforma Monetária na Ruritânia
Quando comparada com as condições nos Estados Unidos ou na Suíça, a Ruritânia parece um país pobre. A renda média de um ruritano está abaixo da renda média de um americano ou um suíço.
Uma vez, no passado, a Ruritânia estava no padrão ouro. Mas o governo emitiu pequenas folhas de papel impresso para as quais atribuiu o poder de curso forçado na proporção de um rur de papel por um rur de ouro. Todos os residentes da Ruritânia foram forçados a aceitar qualquer quantidade de rures de papel como os equivalentes à mesma quantidade nominal de rures de ouro. O próprio governo não cumpriu a regra que decretara. Não convertia rures de papel em rures de ouro conforme a proporção de 1:1. À medida que continuava aumentando a quantidade de rures de papel, surgiam os efeitos que a Lei de Gresham descreve. Os rures de ouro desapareceram do mercado. Eles foram acumulados por ruritanos ou vendidos no exterior.
Quase todas as nações da Terra se comportaram da maneira como o governo ruritano se comportou. Mas as taxas do aumento inflacionário das quantidades de dinheiro fiduciário nacional de cada uma têm sido diferentes. Algumas nações foram mais moderadas na emissão de quantidades adicionais, algumas o foram menos. O resultado é que as proporções de troca entre as moedas fiduciárias locais de várias nações não são mais as mesmas proporções que prevaleciam entre as suas moedas no período anterior à sua saída do padrão ouro. Naqueles velhos tempos, cinco rures de ouro eram iguais a um dólar de ouro. Embora o dólar de hoje não seja mais o equivalente à massa de ouro que representava sob o padrão ouro — ou seja, antes de 1933 —, 100 rures de papel são necessários para comprar um desses dólares depreciados. Há pouco tempo, oitenta rures de papel podiam comprar um dólar. Se as taxas atuais de inflação, tanto nos Estados Unidos quanto na Ruritânia, não mudarem, o rur de papel cairá cada vez mais em termos de dólares.
O governo ruritano sabe muito bem que tudo que deve fazer para impedir uma nova depreciação do rur de papel diante do dólar é desacelerar o déficit de gastos que ele financia por meio da inflação continuada. Na realidade, para manter uma taxa de câmbio estável diante do dólar, o governo ruritano não seria forçado a abandonar completamente a inflação. Ele somente teria de reduzi-la a uma taxa na proporção devida à extensão da inflação americana. Mas, dizem os funcionários do governo, é impossível para a Ruritânia, sendo um país pobre, equilibrar o seu orçamento com uma quantidade menor de inflação que a quantidade atual. Pois tal redução traria consigo a necessidade de desfazer alguns dos resultados do progresso social e de recair nas condições de “atraso social” dos Estados Unidos. O governo estatizou ferrovias, telégrafos e telefones e dirige várias usinas, minas e seções da indústria como empresas estatais. Todos os anos, a condução das atividades de quase todos os empreendimentos públicos origina um déficit que deve ser coberto pelos impostos recolhidos do minguante grupo de empresas ainda não estatizadas. Os negócios privados são uma fonte para as receitas do Tesouro. A indústria estatizada é um dreno sobre os fundos do governo. Mas esses fundos seriam insuficientes na Ruritânia caso não fossem ampliados por mais e mais inflação.
Do ponto de vista da técnica monetária, a estabilização da proporção de troca de uma moeda nacional perante as moedas estrangeiras menos inflacionadas — ou perante o ouro — é uma questão simples. O passo preliminar é abster-se de qualquer aumento adicional na quantidade de moeda interna. Isso, no início, irá sustar a subida adicional nas taxas de câmbio e no preço do ouro. Depois de algumas oscilações, aparecerá uma taxa de câmbio um pouco estável, cuja dimensão depende da paridade do poder de compra. Nesse ritmo, não faz mais diferença se alguém compra ou vende em relação à moeda A ou à moeda B.
Mas essa estabilidade não pode durar indefinidamente. Enquanto um incremento na produção de ouro — ou um aumento na emissão de dólares — continua no exterior, a Ruritânia agora tem uma moeda cuja quantidade é rigidamente limitada. Nessas condições, não pode mais prevalecer a correspondência completa entre os movimentos dos preços das mercadorias nos mercados ruritanos e aqueles nos mercados estrangeiros. Se os preços em termos de ouro ou de dólares estão subindo, aqueles em termos de rures irão ficar para trás ou até mesmo cair. Isso significa que a paridade de poder de compra está mudando. Uma tendência surgirá em direção a um aumento no preço do rur expressado em ouro ou dólares. Quando essa tendência se torna manifesta, chega o momento propício para a conclusão da reforma monetária. A taxa de câmbio que, nessa conjuntura, prevalece no mercado deve ser promulgada como a nova paridade legislada entre o rur e o ouro ou o dólar. A conversibilidade incondicional a essa taxa legislada de cada rur de papel em relação ao ouro ou aos dólares — e vice-versa — deve, a partir daí, ser o princípio fundamental.
A reforma consiste, portanto, em duas medidas. A primeira é acabar com a inflação por meio da instalação de uma barreira intransponível a qualquer aumento adicional na oferta de moeda interna. A segunda é impedir a deflação relativa que a primeira medida, após um determinado tempo, trará em termos de outras moedas cuja oferta não é rigidamente limitada da mesma forma. Assim que o segundo passo tiver sido dado, qualquer quantidade de rures pode ser convertida em ouro ou dólares sem qualquer atraso — e qualquer quantidade de ouro ou dólares, em rures. A agência à qual a legislação de reforma confiar a execução dessas operações de câmbio, seja qual for a denominação dela, precisa, por razões técnicas, de uma determinada pequena reserva de ouro ou dólares. Mas a sua principal preocupação é, pelo menos no estágio inicial do seu funcionamento, como fornecer os rures necessários para a troca de ouro ou moeda estrangeira por rures. Para que a agência seja capaz de realizar essa tarefa, ela deve ter o direito de emitir rures adicionais em relação a uma cobertura total — 100% — de ouro ou moeda estrangeira adquirido(a) do público.
É politicamente conveniente não encarregar essa agência de quaisquer responsabilidades e deveres que não sejam a compra e a venda de ouro ou moeda estrangeira de acordo com a paridade legislada. A sua tarefa é tornar essa paridade legislada uma efetiva taxa real de mercado, impedindo, pelo resgate incondicional dos rures, uma queda no seu preço de mercado em relação à paridade legislada e, por meio da aquisição incondicional de ouro ou moeda estrangeira, uma subida no preço dos rures em relação à paridade legislada.
No início mesmo das suas operações, a agência precisa, conforme foi mencionado, de uma determinada reserva de ouro ou moeda estrangeira. Essa reserva tem de lhe ser emprestada pelo governo ou pelo banco central e estar livre da incidência de juros, devendo nunca ser recolhida. Nenhum negócio além desse empréstimo preliminar deve ser celebrado entre, de um lado, o governo e qualquer banco ou instituição dependente do governo e, de outro, a agência.[2] O montante total de rures emitidos antes do início do novo regime monetário não deve ser aumentado por nenhuma operação por parte do governo; apenas a agência tem a liberdade de emitir novos rures adicionais, cumprindo rigidamente em tal emissão com a regra de que cada um desses novos rures deve ser totalmente coberto por ouro ou moeda estrangeira pago(a) pelo público em troca deles.
A casa-da-moeda do governo pode continuar a cunhar e emitir tantas moedas fracionárias ou subsidiárias quanto parecer, pelo público, ser necessário. Para impedir o governo de, sob o pretexto de atender a demanda dos indivíduos por “mudanças”, abusar do seu monopólio de cunhagem em prol de empreendimentos inflacionários e inundar o mercado com grandes quantidades de tais moedas fracionárias, duas disposições são imperativas. No tocante a essas moedas fracionárias, apenas um poder de curso forçado estritamente limitado deve ser concedido para pagamentos a quaisquer beneficiários, com a exceção de pagamentos ao governo. Somente perante o governo elas devem ter ilimitado poder de curso forçado; e o governo, aliás, deve ser obrigado a resgatar em rures, sem qualquer atraso e sem qualquer custo para o portador, qualquer quantia apresentada, seja por quaisquer pessoa, firma ou corporação privadas, seja pela agência. O poder de curso forçado ilimitado deve ser reservado às diversas denominações de cédulas de um rur e acima desse valor emitidas antes da reforma — ou, se após a reforma, em relação à cobertura total em ouro ou moeda estrangeira.
Além dessa troca de moedas fracionárias por rures de curso forçado, a agência deve lidar exclusivamente com o público — e não com o governo ou qualquer uma das instituições dependentes dele, em especial o banco central. A agência atende o público e lida exclusivamente com aquela parte do público que deseja se beneficiar, por sua própria livre vontade, dos serviços da agência. Mas nenhum privilégio é outorgado à agência. Ela não recebe o monopólio da negociação de ouro ou moeda estrangeira. O mercado está perfeitamente livre de qualquer restrição. Todo mundo tem a liberdade de comprar ou vender ouro ou moeda estrangeira. Não há centralização dessas transações. Ninguém é forçado a vender ouro ou moeda estrangeira para a agência — ou a dela comprar ouro ou moeda estrangeira.
Quando essas medidas são uma vez alcançadas, a Ruritânia está no padrão ouro câmbio ou no padrão dólar câmbio. Ela estabilizou a sua moeda em relação ao ouro ou ao dólar. Isso é o suficiente para o começo. Nesse momento, não há necessidade de ir mais longe. Não mais ameaçada por um colapso da sua moeda, a nação pode esperar calmamente para ver como os assuntos monetários em outros países irão se desenrolar.
A reforma sugerida destituiria o governo da Ruritânia do poder de gastar qualquer rur acima das quantias arrecadadas por meio da tributação dos cidadãos ou por meio de empréstimos tomados do público, seja interno ou estrangeiro. Uma vez isso alcançado, o espectro de uma balança-de-pagamentos desfavorável desaparece. Se os ruritanos querem comprar produtos estrangeiros, eles devem exportar produtos nacionais. Caso não exportarem, não podem importar.
Mas, diz o inflacionista, o que dizer da fuga de capitais? Não será que cidadãos antipatrióticos da Ruritânia e estrangeiros que investiram capital dentro do país tentarão transferir o seu capital para outros países que ofereçam melhores perspectivas de negócios?
John Badman, um ruritano, e Paul Yank, um americano, investiram na Ruritânia no passado. Badman é dono de uma mina; Yank, de uma fábrica. Eles, agora, percebem que os seus investimentos estão inseguros. O governo ruritano está empenhado numa política que confisca não apenas todos os rendimentos dos seus investimentos, mas também, passo-a-passo, a substância deles. Badman e Yank querem salvar e recuperar o que ainda pode ser salvo e recuperado; desejam vender por rures e transferir a receitas decorrentes disso por meio da compra e da exportação de dólares. Mas o problema é encontrar um comprador. Se todos aqueles que têm os fundos necessários para tal compra pensarem como Badman e Yank, será absolutamente impossível vender inclusive pelo menor preço. Badman e Yank perderam o momento certo. Agora é tarde demais.
Mas talvez existam compradores. Bill Sucker, um americano, e Peter Simple, um ruritano, acreditam que as perspectivas dos investimentos em questão sejam mais propícias que o cenário projetado por Badman e Yank. Sucker tem dólares prontamente à disposição; ele compra rures e por esses rures adquire a fábrica de Yank. Esse indivíduo, Yank, compra os dólares que Sucker vendeu para a agência. Simple poupou rures e investe as suas economias na compra da mina de Badman. Para ele, teria sido possível empregar as suas economias de uma maneira diferente — comprar bens de produção ou de consumo na Ruritânia. O fato de Simple não adquirir esses bens provoca uma queda nos seus preços ou impede um aumento que teria ocorrido caso ele os tivesse adquirido. Isso desarranja a estrutura de preços no mercado interno de uma forma que torna possíveis exportações que não podiam ser efetuadas antes ou que impede importações que antes eram efetuadas. Isso, assim, fornece a quantidade de dólares que Badman adquire e envia ao exterior.
Um espectro que preocupa muitos defensores do controle cambial é a suposição de que os ruritanos envolvidos no comércio de exportação poderiam deixar no exterior as receitas em moeda estrangeira decorrentes dos seus negócios e, dessa maneira, destituir o seu país de uma parte da sua quantidade de moeda estrangeira.
Miller é um exportador desses. Ele compra a mercadoria A na Ruritânia e vende essa mercadoria no exterior. Miller, agora, escolhe sair do negócio e transferir todos os seus bens para um país estrangeiro. Mas isso não faz a exportação de A da Ruritânia parar. Como, conforme a nossa suposição, pode haver lucros obtidos com a compra de A na Ruritânia e a venda dessa mercadoria no exterior, o comércio continuará. Se nenhum ruritano tiver os fundos necessários para se envolver nele, os estrangeiros preencherão a lacuna. Pois sempre há pessoas em mercados não inteiramente destruídos pela sabotagem governamental que estão ávidas para aproveitar qualquer oportunidade de obter lucros.
Enfatizamos novamente este ponto: Se as pessoas querem consumir o que outras pessoas produziram, elas devem pagar por essa produção dando aos vendedores algo que elas mesmas produziram ou prestando-lhes alguns serviços. Isso é não menos verdadeiro na relação entre os indivíduos do estado de Nova York e os indivíduos do estado de Iowa que na relação entre os indivíduos da Ruritânia e os indivíduos da Laputânia. O balanço-de-pagamentos sempre se equilibra. Pois, se os ruritanos (ou os habitantes da região de Nova York) não pagarem, os laputanos (ou os habitantes da região de Iowa) não venderão.
- O Retorno dos Estados Unidos a uma Moeda Sólida
Perante os políticos de Washington e os comentaristas de Wall Street, o problema de um retorno ao padrão ouro configura um tabu. Apenas pessoas imbecis ou ignorantes, dizem os professores e jornalistas defensores da inflação, podem alimentar uma ideia tão absurda.
Tais senhores estariam perfeitamente corretos se estivessem apenas afirmando que o padrão ouro é incompatível com os métodos de gastos deficitários. Um dos principais objetivos de um retorno ao ouro é exatamente acabar com esse sistema de desperdício, corrupção e domínio arbitrário. Mas eles estão enganados se achassem que nos fariam acreditar que o restabelecimento e a preservação do padrão ouro sejam econômica e tecnicamente impossíveis.
O primeiro passo deve ser um abandono radical e incondicional de qualquer inflação adicional. A quantidade total de cédulas de dólar, sejam quais forem o seu nome ou a sua característica jurídica, não deve ser aumentada por emissão posterior adicional. Nenhum banco deve ser autorizado a expandir a quantidade total dos seus depósitos sujeitos a saque ou o saldo de tais depósitos de qualquer cliente individual, seja ele um cidadão privado ou o Tesouro dos EUA, a não ser pelo recebimento, do público, de depósitos de dinheiro em espécie na condição de cédulas de curso forçado ou pelo recebimento de um cheque pagável por outro banco atuante no território submetido às mesmas limitações. Isso significa uma reserva rígida de 100% para todos os depósitos futuros; ou seja, para todos os depósitos que ainda não existiam no primeiro dia da reforma.
Ao mesmo tempo, todas as restrições à negociação e à posse de ouro devem ser revogadas. O livre mercado de ouro deve ser restabelecido. Todos, seja um residente dos Estados Unidos, seja um residente de qualquer país estrangeiro, estarão livres para comprar e vender, emprestar e tomar emprestado, importar e exportar e, é claro, manter (ter a posse de) qualquer montante de ouro, cunhado ou não, em qualquer parte do território da nação, bem como em países estrangeiros.
É esperado que essa liberdade do mercado de ouro resultará na entrada de uma quantidade considerável de ouro proveniente do exterior. Cidadãos privados provavelmente investirão em ouro uma parcela dos seus encaixes em dinheiro. Em alguns países estrangeiros, os vendedores desse ouro exportado para os Estados Unidos podem acumular as cédulas de dólar recebidas e deixar intocados os saldos com os bancos americanos. Mas muitos — ou a maioria — desses vendedores de ouro provavelmente comprarão produtos americanos.
Neste primeiro período da reforma, é imperativo que o governo americano e todas as instituições dependentes dele, incluindo o Federal Reserve System, mantenham-se totalmente fora do mercado de ouro. Um livre mercado de ouro não poderia passar a existir se a administração tentasse manipular o preço por meio de vendas a valores inferiores. O novo regime monetário deve ser protegido contra atos maliciosos perpetrados por funcionários do Tesouro e do Federal Reserve System. Não pode haver dúvida de que o estamento burocrático estará ávido para sabotar uma reforma cujo principal objetivo é conter o poder da burocracia em matéria monetária.
A proibição incondicional da emissão adicional de qualquer pedaço de papel ao qual seja concedido o poder de curso forçado também se refere à emissão do tipo de cédulas chamadas de certificados de prata. Não deve ser infringida a prerrogativa constitucional do congresso de decretar que os Estados Unidos estão obrigados a adquirir quantidades definidas de uma mercadoria definida, seja prata ou batatas ou qualquer outra coisa, a um preço definido que exceda o preço de mercado e a armazenar ou despejar as quantidades adquiridas. Mas essas aquisições, a partir de agora, devem ser pagas com os fundos arrecadados por meio da tributação da população ou por meio de empréstimos tomados do público.
É provável que o preço do ouro estabelecido após algumas oscilações no mercado americano seja superior a US$ 35 por onça — a taxa da Lei da Reserva de Ouro de 1934. Pode estar entre US$ 36 e US$ 38, talvez até mesmo num patamar maior. Uma vez que o preço de mercado tenha atingido alguma estabilidade, chegará o momento de decretar essa taxa de mercado como a nova paridade legislada do dólar e de garantir a sua conversibilidade incondicional nessa paridade.
Uma nova agência será criada, a Agência de Conversão. O governo dos Estados Unidos empresta a ela uma quantia determinada — digamos, um bilhão de dólares — em barras (lingotes) de ouro (computadas na nova paridade), livre da incidência de juros, nunca devendo ser recolhida. A Agência de Conversão possui apenas duas funções: Primeiro, vender ao público, sem qualquer restrição, ao preço de paridade, barras de ouro por dólares. Depois de um curto período, quando a casa-da-moeda terá cunhado uma quantidade suficiente de novas moedas de ouro americanas, a Agência de Conversão será obrigada a distribuir tais peças de ouro por dólares de papel e cheques sacados de um banco americano solvente. Segundo, comprar, por cédulas de dólar na paridade legislada, qualquer quantidade de ouro que lhe seja oferecida. Para permitir que a Agência de Conversão execute essa segunda tarefa, ela deve ter o direito de emitir cédulas de dólar em relação a uma reserva de 100% em ouro.
O Tesouro é obrigado a vender ouro — barras ou novas moedas americanas — à Agência de Conversão na paridade legislada por qualquer tipo de cédulas de curso forçado americanas emitidas antes do início da reforma, assim como por moedas fracionárias americanas ou por cheques sacados de um banco membro. Na medida em que tais vendas reduzem as posses de ouro do governo, deve ser reduzido o montante total de todas as variedades de folhas de papel de curso forçado emitidas antes do início da reforma e de depósitos de bancos membros sujeitos a saque. Além do problema das cédulas de pequenas denominações, a ser analisado posteriormente,[3] a decisão sobre como essa redução deva ser distribuída entre as várias classes desses tipos de moeda pode ser deixada a critério do Tesouro e da Diretoria do Federal Reserve.
Para a reforma sugerida, é essencial que o Federal Reserve System seja mantido fora do seu caminho. Seja o que for que se possa pensar sobre os méritos ou os deméritos da legislação do Federal Reserve de 1913, o fato é que o sistema foi abusado pela política inflacionária mais imprudente. Nenhuma instituição e nenhuma pessoa vinculada de alguma forma com os erros e os pecados das últimas décadas devem ser autorizadas a influenciar condições monetárias futuras.
O Federal Reserve System está sobrecarregado com um problema estranho — a enorme quantidade de títulos públicos em posse dos bancos membros. Qualquer que seja a solução adotada para essa questão, ela não deve afetar o poder de compra do dólar. As finanças governamentais e o meio de troca do país devem ser, no futuro, duas coisas totalmente separadas.
As cédulas emitidas pelo Federal Reserve System, assim como os certificados de prata, podem permanecer em circulação. A conversibilidade incondicional e a proibição estrita de qualquer aumento adicional da sua quantidade terão modificado radicalmente a sua natureza cataláctica. É só isso que importa.
Todavia, uma mudança muito importante em relação à denominação dessas cédulas se faz indispensável. Aquilo de que os Estados Unidos precisam não é o padrão ouro câmbio, mas sim o antigo padrão ouro clássico, criticado pelos inflacionistas como ortodoxo. O ouro deve estar nos encaixes em dinheiro de todos. Todo mundo deve ver moedas de ouro mudando de mãos; todos devem se acostumar a ter moedas de ouro nos seus bolsos, a receber moedas de ouro quando sacam os seus salários e a gastar moedas de ouro quando compram numa loja.
Essa situação de coisas pode ser facilmente alcançada com a remoção de circulação de todas as cédulas das denominações de cinco, dez e talvez também vinte dólares. Sob o novo regime monetário sugerido, haverá duas classes de cédulas de papel de curso forçado: o estoque antigo e o estoque novo. O estoque antigo consiste em todas aquelas folhas de papel que no início da reforma estavam em circulação como papel de curso forçado, sem considerações sobre a sua denominação e a sua qualidade jurídica além do poder de curso forçado. É estritamente proibido aumentar esse estoque com a emissão posterior de quaisquer cédulas adicionais dessa classe. Por outro lado, esse estoque diminuirá na medida em que o Tesouro e a Diretoria do Federal Reserve decretarem que a redução da quantidade total das cédulas de curso forçado desse estoque antigo — mais os depósitos bancários sujeitos a saque existentes no início da reforma — deve ser efetuada pela remoção e pela destruição finais de quantidades definidas de tais cédulas de curso forçado do estoque antigo. Além disso, o Tesouro, dentro de um período de um ano após a promulgação da nova paridade áurea legislada do dólar, é obrigado, diante das novas moedas de ouro, a remover de circulação e destruir todas as cédulas de cinco, dez e talvez também vinte dólares.
Não requer qualquer menção especial a proposição de que as cédulas de curso forçado do novo estoque a serem emitidas pela Agência de Conversão devem ser emitidas apenas em denominações de um dólar ou de cinquenta dólares e acima desse valor.
A antiga doutrina bancária britânica proibiu pequenas cédulas (na sua opinião, cédulas menores que £5) porque queria proteger os estratos mais pobres da população, supostamente menos familiarizados com as condições do negócio da atividade bancária e, portanto, mais suscetíveis de serem enganados por banqueiros perversos. Hoje, a principal preocupação é proteger a nação contra uma repetição das práticas inflacionárias dos governos. O padrão ouro câmbio, qualquer que possa ser o argumento suscitado em prol dele, é viciado por um defeito incurável. Esse padrão oferece aos governos uma oportunidade fácil de embarcar na inflação sem o conhecimento da nação. Com exceção de alguns especialistas, ninguém fica ciente a tempo do fato de que ocorreu uma mudança radical nas questões monetárias. Os leigos — isto é, 9.999 dos 10.000 cidadãos — não percebem que não são as mercadorias que estão se tornando mais caras, mas que é a sua moeda que está se tornando mais barata.
O que se faz necessário é alertar as massas a tempo. O trabalhador, ao sacar o seu salário, deve constatar que algum truque sujo foi jogado sobre ele. O presidente, o congresso e a suprema corte demonstraram claramente a sua incapacidade — ou a sua falta de vontade — de proteger a pessoa comum, o eleitor, de ser vitimada por maquinações inflacionárias. A função de garantir uma moeda sólida deve passar para novas mãos — para as mãos da nação inteira. Assim que a Lei de Gresham começa a entrar em ação — assim que o papel ruim tira o ouro bom dos bolsos da pessoa comum —, deveria ocorrer um rebuliço. A vigilância perpétua por parte dos cidadãos pode alcançar o que mil normas e dezenas de agências conhecidas por siglas formadas por letras do alfabeto e recheadas com hordas de burocratas nunca alcançaram e nunca alcançarão: a preservação de uma moeda sólida.
O padrão ouro clássico ou ortodoxo é, por si só, uma restrição verdadeiramente eficaz ao poder do governo de inflar a moeda. Sem tal coibição, todas as outras salvaguardas constitucionais podem ser tornadas inócuas.
- A Controvérsia sobre a Escolha da Nova Paridade Áurea
Alguns defensores de um retorno ao padrão ouro discordam num ponto importante com o esquema arquitetado na seção anterior. Na opinião desses dissidentes, não existem motivos para se desviar do preço áureo de US$ 35 por onça conforme decretado em 1934. Essa taxa, afirmam, é a paridade legislada; e seria iníquo desvalorizar o dólar em relação a ela.
A controvérsia entre os dois grupos — aqueles que defendem o retorno ao ouro na paridade anterior (a quem podemos chamar de restauradores) e aqueles que recomendam a adoção de uma nova paridade conforme o valor de mercado atual da moeda a ser colocada numa base de ouro (podemos chamá-los de estabilizadores) — não é nova. Ela se intensificou sempre quando uma moeda depreciada pela inflação teve de ser devolvida a um fundamento sólido.
Os restauradores consideram a moeda principalmente como o padrão de pagamentos diferidos. Um restaurador coerente teria de argumentar desta forma: as pessoas, no passado — isto é, antes de 1933 —, firmaram contratos em virtude dos quais prometeram pagar uma quantidade definida de dólares que naquela época denotavam dólares padrão, contendo 25,8 grãos de ouro,[4] com nove décimos de finura (pureza). Seria manifestamente injusto para os credores dar aos devedores o direito de cumprir tais contratos pelo pagamento do mesmo número nominal de dólares contendo um massa menor de ouro.
Todavia, o raciocínio de tais restauradores coerentes somente estaria correto se todas as reivindicações existentes de pagamentos diferidos tivessem sido contratadas antes de 1933 e se os credores atuais desses contratos fossem as mesmas pessoas (ou os herdeiros delas) que originalmente firmaram os contratos. Ambas as suposições são contrárias aos fatos. A maioria dos contratos anteriores a 1933 já foi liquidada nas duas décadas que decorreram. Existem, é claro, também títulos públicos, títulos corporativos e hipotecas de origem anterior a 1933. Porém, em muitos ou até mesmo na maioria dos casos, essas reivindicações não são mais de posse das mesmas pessoas que tinham a posse delas antes de 1933. Por que alguém que em 1951 adquiriu um título corporativo emitido em 1928 deve ser indenizado por perdas que não foi ele mesmo que sofreu, mas sim um dos proprietários anteriores desse título? E por que um município ou uma corporação que tomou emprestados dólares depreciados em 1945 deve ser responsabilizado(a) para pagar de volta dólares de maior massa de ouro e maior poder de compra?
Na verdade, não há, nos Estados Unidos atuais, quase nenhum restaurador coerente que recomendaria um retorno ao antigo dólar anterior a Roosevelt. Existem apenas restauradores incoerentes que defendem um retorno ao dólar de Roosevelt de 1934, o dólar de 15 5/21 grãos de ouro, nove décimos de finura. Mas esse teor áureo do dólar, estabelecido pelo presidente por meio da Lei da Reserva de Ouro de 30 de janeiro de 1934, nunca foi uma paridade legislada. Era, no tocante aos assuntos internos dos Estados Unidos, meramente de valor acadêmico. Não tinha qualquer validade de curso forçado. Sob a legislação de Roosevelt, apenas as variadas folhas de papel impresso receberam curso forçado. Essas folhas de papel não podiam ser convertidas em ouro. Não mais existia paridade áurea do dólar. Para os residentes dos Estados Unidos, manter (ter a posse de) ouro foi enquadrado como um crime. O preço áureo de US$ 35 por onça (em vez do preço áureo antigo de US$ 20,67 por onça) de Roosevelt tinha validade apenas para as compras de ouro do governo e para determinadas transações entre o Federal Reserve americano e governos e bancos centrais estrangeiros. Aquelas considerações jurídicas que os restauradores coerentes poderiam suscitar em prol de um retorno à paridade do dólar anterior a Roosevelt não têm serventia quando levantadas em prol da taxa de 1934, a qual não era uma paridade.
É paradoxal, de fato, que os restauradores incoerentes tentem justificar a sua proposta por meio de referências à honestidade. Pois a função do teor áureo do dólar que desejam restaurar desempenhada na história monetária americana certamente não era honesta no sentido em que eles empregam esse termo. Tratava-se de um improviso num esquema que esses próprios restauradores condenam como desonesto.
No entanto, a principal deficiência de qualquer forma dos argumentos dos restauradores, caso defendam coerentemente o dólar de McKinley ou incoerentemente o dólar de Roosevelt, deve ser constatada no fato de que eles olham para a moeda exclusivamente do ponto de vista da sua função como padrão de pagamentos diferidos. Na opinião deles, a principal culpa — ou inclusive a única culpa — de uma política inflacionária é que ela favorece os devedores às custas dos credores. Tais restauradores negligenciam os outros efeitos mais amplos e mais graves da inflação.
A inflação não influencia os preços dos diversos produtos e serviços ao mesmo tempo e na mesma medida. Alguns preços sobem mais cedo; outros preços ficam para trás. Enquanto a inflação segue o seu curso e ainda não esgotou todas as suas potencialidades de afetar os preços, aparecem na nação ganhadores e perdedores. Os ganhadores — popularmente chamados de aproveitadores, caso sejam empreendedores — são pessoas que estão na posição afortunada de vender produtos e serviços cujos preços já estão ajustados à relação alterada da oferta de moeda e da demanda por moeda enquanto os preços dos produtos e serviços que estão comprando ainda correspondem a uma situação anterior dessa relação. Os perdedores são aqueles que são forçados a pagar os novos preços mais altos pelas coisas que compram enquanto as coisas que estão vendendo ainda não subiram ou subiram de forma insuficiente. Os graves conflitos sociais que a inflação desencadeia, assim como todas as queixas de consumidores, assalariados e pensionistas, são causados pelo fato de que os seus efeitos não surgem em sincronia e na mesma medida. Se um aumento na quantidade de moeda em circulação provocasse, de uma só vez, proporcionalmente o mesmo aumento nos preços de todo tipo de produtos e serviços, as mudanças no poder de compra da unidade monetária, com a exceção de afetar os pagamentos diferidos, não seriam de nenhuma consequência social; tais mudanças não beneficiariam nem prejudicariam ninguém e não incitariam inquietação política. Mas essa uniformidade nos efeitos da inflação — ou, diante do assunto em questão, da deflação — nunca pode acontecer.
A grande inflação de Roosevelt/Truman, além de destituir todos os credores de uma parte considerável do principal e dos juros, prejudicou gravemente os interesses materiais de um grande número de americanos. Mas não se pode, por meio da promoção de uma deflação, reparar o mal que foi feito. Aqueles favorecidos pelo curso não uniforme da deflação apenas em raros casos serão as mesmas pessoas que foram prejudicadas pelo curso não uniforme da inflação. Aqueles prejudicados por conta do curso não uniforme da deflação apenas em raros casos serão as mesmas pessoas a quem a inflação beneficiou. Os efeitos de uma deflação promovida pela escolha da nova paridade áurea a US$ 35 por onça não mitigariam as feridas infligidas pela inflação das duas últimas décadas. Eles simplesmente causariam novos ferimentos.
Hoje, as pessoas reclamam da inflação. Se os esquemas dos restauradores forem executados, elas reclamarão da deflação. Por razões psicológicas, os efeitos da deflação são muito mais impopulares que os efeitos da inflação; um poderoso movimento pró-inflação surgiria sob o disfarce de um programa anti-deflação, colocando seriamente em risco todas as tentativas de restabelecer uma política de moeda sólida.
Aqueles que questionam a conclusividade dessas declarações devem estudar a história monetária dos Estados Unidos. Nela, encontrarão material suficiente de corroboração. Ainda mais instrutiva é a história monetária da Grã-Bretanha.
Quando, após as guerras napoleônicas, o Reino Unido teve de enfrentar o problema de reformar a sua moeda, optou pelo retorno à paridade áurea pré-guerra da libra e não pensou na ideia de estabilizar a proporção de troca entre a libra de papel e o ouro, conforme se desenvolvera no mercado sob o impacto da inflação. Preferiu a deflação à estabilização e à adoção de uma nova paridade de acordo com a situação do mercado. Dificuldades econômicas calamitosas decorreram dessa deflação; elas provocaram inquietação social e propiciaram a ascensão de um movimento inflacionista, assim como a agitação anticapitalista na qual, depois de um tempo, Engels e Marx se inspiraram.
Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra repetiu o erro cometido depois de Waterloo. Não estabilizou o valor áureo real da libra. Retornou em 1925 à antiga paridade pré-guerra e pré-inflação da libra. Como os sindicatos não tolerariam um reajuste das taxas salariais ao valor áureo elevado (assim como ao poder de compra aumentado) da libra, disso resultou uma crise do comércio exterior britânico. O governo e os jornalistas, ambos aterrorizados pelos líderes de sindicatos, timidamente se abstiveram de fazer qualquer alusão à dimensão das taxas salariais e aos efeitos desastrosos das táticas sindicais. Eles culparam uma misteriosa supervalorização da libra pelo declínio nas exportações britânicas e pela consequente propagação do desemprego. Sabiam de apenas um remédio, a inflação. Em 1931, o governo britânico o adotou.
Não pode haver dúvida de que o inflacionismo britânico obteve a sua força das condições que se formaram a partir da reforma cambial deflacionária de 1925. É verdade que, se não fosse pela política teimosa dos sindicatos, os efeitos da deflação teriam sido absorvidos muito antes de 1931. Entretanto, o fato é que, na opinião das massas, as condições propiciaram uma justificativa aparente às falácias keynesianas. Há uma ligação próxima entre a reforma de 1925 e a popularidade da qual o inflacionismo desfrutou na Grã-Bretanha nas décadas de 1930 e 1940.
Os restauradores incoerentes levantam a favor dos seus planos o fato de que a deflação que eles promoveriam seria pequena, visto que a diferença entre um preço de ouro a US$ 35 e um preço de ouro a US$ 37 ou US$ 38 é bastante diminuta. Agora, se essa diferença deve ser ou não ser considerada pequena, isso é uma questão de juízo arbitrário. Por motivos de argumento, aceitemos a sua qualificação como pequena. É certamente verdadeiro que uma deflação menor engendra efeitos menos indesejáveis que uma deflação maior. Mas esse truísmo não configura um argumento válido em prol de uma política deflacionária cuja inconveniência se mostra inegável.
_________________________________
Notas
[1] Sobre o erro fundamental desse ponto de vista, verificar as páginas (?) – (?) deste livro.
[2] Para a única exceção a essa regra, conferir o próximo parágrafo, abaixo.
[3] Verificar a página (?), mais adiante nesta seção.
[4] “Grão”, assim como “grama” e “quilograma”, é uma unidade de massa. Que não se confunda “grão” com “grama”. (N. do T.)
E agora será a vez da B³ vergonhosamente também aderir ao infame complô global anti-ouro:
https://www.b3.com.br/data/files/A5/27/D2/0D/B816B8108BB545B8DC0D8AA8/OC%20169-2023%20PRE%20Descontinua%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Contratos%20de%20Ouro%20Ativo%20Financeiro%20na%20B3%20(PT).pdf
…após uma das três empresas (reservametais.com.br) que operavam ouro físico no País já ter deixado este mercado em Fev/2023, além do próprio Banco do Brasil também estar encerrando a modalidade de investimento em ouro escritural (www.bb.com.br/site/investimentos/ouro/) !
Pelo (des)andar da “carruagem”, em breve ser pego em posse do metal acarretará punições mais severas do que drogas “ilícitas” ou “contrabando”… 🙁