Estorvo olímpico em Paris

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Uma pesquisa com motoristas de táxi em Paris que eu mesmo fiz no período que antecedeu as Olimpíadas mostrou que não havia praticamente nenhum entusiasmo entre eles. Embora essas pesquisas de opinião possam não ser representativas dos motoristas de táxi, muito menos da população como um todo, esse é um método empregado por muitos jornalistas e muitas vezes é tão preciso quanto qualquer outro. Os motoristas de táxi têm antenas sensíveis.

Longe de se alegrar com a perspectiva de aumento das tarifas, a maioria daqueles com quem conversei queria fugir da cidade durante os Jogos: eles decidiram tirar suas férias anuais enquanto durasse as Olimpíadas. Eles estavam exasperados com as constantes obras viárias de antemão, que aumentavam muito a dificuldade e o agravamento de se locomover pela cidade, tudo para um festival efêmero pelo qual eles não se interessavam.

O Marquês de Custine, em seu grande livro Rússia em 1839, observou a respeito dos desfiles militares russos czaristas que as tiranias se esforçam muito para produzir trivialidades, uma observação posteriormente confirmada em todas as ditaduras comunistas. Mas quando as democracias realizam os Jogos Olímpicos, elas não ficam muito atrás. A vida parisiense foi interrompida por meses pelos preparativos para este evento, que terá custado muito mais do que foi aprovado. Você pode ter certeza que qualquer governo irá fazer investimentos ruins.

Os entusiastas dos Jogos alegaram que eles trariam turistas extras: mas Paris, com 44 milhões de visitantes por ano, está longe de precisar de mais turistas. Pelo contrário, muitas vezes há tantos turistas que nas calçadas normais parece que se tratar de uma multidão indo ou sendo despejada de um estádio esportivo próximo. Em St. Michel, às vezes tive que fazer fila como pedestre apenas para atravessar a rua em um cruzamento.

Mas as Olimpíadas tiveram o efeito inverso ao pretendido. A Air France relata uma queda significativa no número de pessoas que desejam vir para a cidade. Os hotéis estão menos cheios do que o normal e os preços caíram em vez de subir, como era esperado com confiança, mas erroneamente. Apenas o preço do bilhete de metrô dobrou. Os turistas comuns querem evitar a cidade durante os Jogos, e acho que estão certos em fazê-lo.

Os Jogos têm sido um poderoso estímulo ao autoritarismo. Sendo a situação mundial o que é, medidas de segurança rígidas contra o terrorismo e a perturbação interna devem ser grandes. Um deputado de esquerda da Assembleia Nacional, cujo eleitorado é majoritariamente muçulmano, disse que os atletas israelenses não são bem-vindos nas Olimpíadas, o que está longe de ser uma tentativa de acalmar a situação.

Dezenas de milhares de policiais foram destacados para a ingrata tarefa de tornar os Jogos seguros, e para isso os Jogos tiveram que ser protegidos até de ataques de drones. Diz-se que 20.000 imigrantes ilegais sem-teto, alguns deles abrigados em favelas ao longo das rodovias para a cidade, foram varridos e dispersos por todo o país. Não sou um defensor da imigração ilegal ou de suas consequências, mas isso foi feito não para resolver o problema, mas para enganar os visitantes dos Jogos e fazê-los se sentirem mais confortáveis ou menos desconfortáveis: o tipo de coisa que as ditaduras fazem.

Pessoas que conheço não terão permissão para dirigir seus carros durante os Jogos e terão que portar passes para ter acesso às suas próprias ruas e casas. Para evitar viver sob uma espécie de toque de recolher, eles estão deixando a cidade e indo para o campo.

E tudo para quê? A última coisa que os Jogos tratam é de amizade internacional: eles se parecem muito mais com rivalidade internacional. Os regimes mais terríveis muitas vezes tentaram se justificar ou se legitimar pelo número de medalhas que seus atletas ganharam, muitas vezes com um custo grande e desumano para os próprios atletas, que foram drogados e quase torturados desde tenra idade.

Essa rivalidade nacionalista não é novidade e é um aspecto inexpugnável dos Jogos. Recentemente, li o relato das primeiras Olimpíadas modernas, realizadas em Atenas em 1896, por Charles Maurras, que mais tarde seria um defensor do marechal Pétain. É claro que uma espécie de nacionalismo febril estava presente desde o início, apenas esperando para ser explorado pelo pior dos totalitários, como se o desempenho de algum feito atlético marginalmente melhor do que qualquer outro redundasse na glória da pátria do atleta vencedor e justificasse ou desculpasse a supressão da dissidência, o assassinato de oponentes e a prisão em condições abomináveis de incontáveis milhares. Apenas um grande país se destacou consistentemente em sua resistência ao estúpido “ideal” olímpico, a gloriosa Índia.

Os verdadeiros campeões das Olimpíadas

A maioria das pessoas com quem conversei, tanto em Paris quanto em outros lugares, avaliou os Jogos de antecipadamente com tristeza e um pressentimento. Eles pensavam neles como o projeto de estimação imposto à população por uma classe política autopromocional, para não dizer megalomaníaca. O critério de sucesso dos Jogos, no que lhes dizia respeito, era o fim deles sem que um incidente terrorista grave ocorresse – não algo exatamente indicativo de uma antecipação de alegria. E eles pensaram que o legado mais provável dos Jogos, salvo um incidente sério, seria mais uma montanha de dívidas.

As Olimpíadas de Londres de 2012 foram consideradas um grande sucesso porque pareceram correr bem e nada de terrível aconteceu durante elas. Isso foi em uma situação mundial consideravelmente menos tensa do que a atual, mas ainda assim eles deixaram o gosto amargo da dívida com pouco a mostrar, exceto uma torre de aço horrível, contorcida e sem sentido projetada pelo escultor Anish Kapoor que só deu prejuízo.

Curiosamente, em 2005, quando foi anunciado que Londres e não Paris sediaria as Olimpíadas de 2012, os franceses ficaram muito desapontados. Foi a terceira vez em vinte anos que Paris foi rejeitada pelo Comitê Olímpico Internacional como sede das Olimpíadas. “Os franceses”, escreveu Jacques Julliard, o historiador e jornalista, “tiveram a impressão de uma profunda injustiça, quase uma conspiração… Foi um dia de grande humilhação nacional.”

E agora muitos pensam: “Se ao menos o Comitê Olímpico Internacional tivesse rejeitado Paris pela quarta vez!”

 

 

 

 

 

Artigo original aqui

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Theodore Dalrymple
Theodore Dalrymple é médico psiquiatra e escritor. Aproveitando a experiência de anos de trabalho em países como o Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde trabalhou como médico em uma prisão, Dalrymple escreve sobre cultura, arte, política, educação e medicina. Além de seu trabalho em medicina nos países já citados, ele já viajou extensivamente pela África, Leste Europeu, América Latina e outras regiões.

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