Boulos não é um comunista radical, mas isso o torna ainda mais perigoso

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A direita tem se acostumado a rotular muitos de seus oponentes como socialistas de extrema esquerda – até mesmo como completos comunistas.

Faz parte do trabalho de uma campanha política deixar as pessoas aterrorizadas com o que pode acontecer se o outro lado vencer. Mas há vários problemas em rotular Lula, Boulos, o PT etc. de comunista.

Primeiro, estrategicamente, essa abordagem corre o risco de tirar o fôlego das melhores partes do movimento anti-esquerda. Grande parte do apelo da nova direita veio de sua oposição ao establishment político. Ao enquadrar seus adversários como extremistas, a direita está implicitamente colocando sua campanha do lado do status quo.

Mas, além de ser uma estratégia de campanha ruim, a alegação de que um Boulos é um comunista radical simplesmente não é verdadeira. E isso é importante para seus críticos entenderem, porque a ameaça que ele representa é realmente muito mais perigosa.

Antes de continuar com o que poderia facilmente ser desviado para um debate semântico, é importante definir alguns termos.

O socialismo é um sistema econômico em que a propriedade privada foi abolida no que se refere à produção de bens e serviços. Todas as decisões de produção são determinadas pelos comandos do estado ou dos gerentes cooperativos em um ambiente não mercantil – ou seja, sem preços.

O comunismo é uma forma mais extrema de socialismo, onde a propriedade privada, a hierarquia e a classe social são abolidas em todas as partes da vida. Embora partes de uma economia mista possam ter e tenham qualidades socialistas, o comunismo é um sistema totalitário que engloba tudo.

Nenhum desses termos descreve o atual sistema político-econômico do Brasil. Vivemos sob o que pode ser melhor chamado de intervencionismo.

O intervencionismo é um sistema em que uma pequena classe política usa intervenções governamentais em uma economia de mercado para transferir coercitivamente riqueza para seus próprios bolsos. Como Ludwig von Mises detalhou em vários de seus livros e ensaios, o intervencionismo inevitavelmente se move em direção ao socialismo à medida que as consequências previsivelmente ruins das intervenções são usadas para justificar mais intervenções, levando a mais e mais controle do governo sobre a economia.

Mas enquanto os políticos, burocratas e líderes empresariais politicamente conectados que compõem a classe política muitas vezes confiam na retórica socialista e nos acadêmicos marxistas para justificar suas próximas intervenções, não é do interesse deles pular direto para uma economia socialista completa. Há muito dinheiro a ser ganho ao longo do caminho, e eles querem que seus lucros extraídos coercitivamente permaneçam privados.

Lula, Boulos, Tábata Amaral são intervencionistas. Estão totalmente comprometidos com o grande esquema no centro do sistema político e da economia. Isso é o que os tornam tão perigosos.

Embora o comunismo em si seja muito pior do que o sistema intervencionista com o qual estamos lidando hoje, ter um comunista nos governando, no comando ostensivo de um governo comprometido com o intervencionismo, não transformaria nosso país em um país comunista.

Por exemplo, como ficou claro pelo declínio cognitivo de Joe Biden enquanto ele permanece na Casa Branca, a posição real do presidente é essencialmente uma autoridade simbólica, um líder fantoche sem autoridade. Os governantes têm poder – e é por isso que as eleições ainda são importantes. Mas, como vimos no primeiro mandato de Bolsonaro e Trumpe estamos vendo no primeiro ano de Milei, é praticamente impossível para os presidentes implementarem mudanças radicais às quais o resto da classe política se opõe totalmente. A burocracia federal mostrou que está disposta e é capaz de anular silenciosamente as ordens executivas com as quais discorda.

Um comunista literal no poder seria bastante limitado no que poderia realizar. A classe política de hoje nunca apoiaria as políticas que um presidente comunista estaria mais inclinado a seguir – como desmembrar as maiores empresas e entregar o controle total aos trabalhadores. Os chefes de grandes bancos, grandes empreiteiras e gigantes do varejo, da tecnologia, das indústrias e seus amigos no governo garantiriam que tal ordem ou projeto de lei nunca visse a luz do dia. Um comunista ideologicamente comprometido também teria princípios com os quais não estaria disposto a ceder – minimizando ainda mais os danos que poderia causar ao país.

A esquerda em geral não apenas não tem princípios, mas também está totalmente de acordo com o esquema intervencionista que a classe política está exercendo sobre o resto de nós. As ordens executivas e a legislação que ela busca certamente acelerarão a espiral descendente intervencionista. Mas elas também serão lucrativas para o resto da classe política – o que significa que é muito mais provável que se concretizem do que qualquer coisa que um comunista almejaria.

Ao tentar caracterizar a esquerda como comunista radical extremista, a direita política não está apenas implicitamente tomando o lado das próprias pessoas contra as quais sua campanha deve ser dirigida, mas também está enganando seus apoiadores sobre a natureza do problema que nosso país enfrenta. Para o establishment político ser derrotado, ele primeiro deve ser entendido.

 

 

 

 

Adaptado a partir deste artigo

Leia também:

O grande triunfo da esquerda: uma direita socialista

2 COMENTÁRIOS

  1. Essa perspectiva de trazer o real problema para o cerne da questão – no caso o problema do estatismo de maneira correta (nesse caso aplicado a realidade das democracias modernas) – é realmente importante. Mas é também preciso entender que o comunismo ou os esquemas comunistas não são uma doutrina rígida ou código de regras a seguir como uma fórmula tal qual poderia ter sido entendido no início das experiencias socialistas. E mesmo se os objetivos imediatos e realizáveis dos socialistas jamais sejam aqueles expressamente trazidos das experiencias passadas – como questão de expropriações, estatizações etc., não impedem que os arranjos e esquemas de poder ambicionados por eles tenham como fim distante ou próximo um modelo de sociedade alicerçando esses valores. Então sim, Boulos é um comunista, seus objetivos, valores, modelos de sociedade e ambições são socialistas, e fazer a esquerda perpetuar ou aceder o poder é o que faz com que ele e demais socialistas menos radicais haja conforme a música é uma forma de usar os meios disponíveis para atingir esse objetivo nem que seja no longo prazo. Usar dos esquemas de democracia representativa, corrupção, partidarismo, associação com grandes empresários e apropriação da coisa pública para isso nunca foi de fato um caminho ignorado por comunistas.

    de poder são exatamente isso

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