O papel das instituições de caridade em um sistema de saúde baseado no mercado

2

Em um sistema de saúde baseado no mercado, não existe uma única fonte principal de financiamento para o acesso a serviços médicos, mas várias. Isso inclui seguro de saúde privado, planos de saúde, pagamentos diretos e doações de caridade. Em termos simples, essas diferentes formas de financiamento se complementam, criando uma estrutura de mercado descentralizada.

O seguro de saúde privado funciona melhor quando cobre casos raros e caros, como doenças graves ou acidentes. Dessa forma, as pessoas pagam apenas uma fração dos custos, principalmente por meio de seus prêmios de seguro. Os planos de saúde, por outro lado, fornecem acesso a uma variedade de serviços de rotina, como check-ups ou visitas a especialistas. Os consumidores pagam uma taxa fixa mensal em vez de pagar por cada serviço separadamente. No entanto, há casos em que é necessário um serviço médico, mas a pessoa que precisa dele não possui seguro ou plano de saúde naquele momento. Nessa situação, o consumidor pode pagar diretamente pelo serviço. No entanto, em condições de mercado, não há problema de abastecimento e os preços são mantidos relativamente baixos graças à concorrência e ao desenvolvimento tecnológico.

Além disso, pode haver situações em que uma pessoa (família) não possa aproveitar nenhuma dessas opções. Os motivos podem variar: alto risco à saúde (por exemplo, condições pré-existentes que impedem a cobertura do seguro), falta de poupança adequada, baixa renda etc. Tais casos exigem a ativação de outra forma (privada) de pagamento e apoio, que é a caridade.

A natureza de mercado das instituições de caridade

Deve salientar-se que uma economia de mercado em desenvolvimento é uma condição prévia fundamental para o desenvolvimento deste tipo de atividades. Graças à acumulação de capital e à concorrência, entre outras coisas, é possível produzir bens de qualidade cada vez melhor em quantidades cada vez maiores, incluindo bens e serviços médicos. Isso tem várias implicações positivas para o tópico em discussão.

Em primeiro lugar, as pessoas que não precisam dessa assistência em um determinado momento podem tomar as devidas precauções com antecedência, por exemplo, adquirindo seguro de saúde e/ou plano de saúde, aumentando suas economias ou levando um estilo de vida mais saudável etc. Isto é importante porque tais medidas tornarão esta parte da sociedade mais bem protegida e menos susceptível de necessitar de assistência no futuro. Portanto, eles não colocarão um fardo financeiro significativo em suas famílias ou no resto da sociedade.

Em segundo lugar, as pessoas que estão financeiramente seguras dessa maneira podem alocar mais recursos para ajudar os membros da sociedade que precisam desse apoio em maior ou menor grau. Isso pode assumir a forma de apoio financeiro ou outras formas de assistência, como voluntariado.

Terceiro, as pessoas que fornecem esse apoio desenvolvem atitudes éticas apropriadas. O desejo de ajudar os necessitados lhes dá maior satisfação do que, por exemplo, consumir esses recursos ou gastar seu tempo livre. Além disso, tais atitudes, pelo menos até certo ponto, também se espalham para o resto da sociedade. A falta desse apoio também pode ser criticada pelas pessoas mais próximas da pessoa que o fornece, o que, em um sentido positivo, obriga outras pessoas a se envolverem em atividades semelhantes.

Em quarto lugar, o desenvolvimento tecnológico está constantemente expandindo o escopo e a eficácia desse apoio. Por exemplo, o surgimento e o desenvolvimento da internet tornaram a transferência dos fundos necessários muito mais rápida. Como resultado, as organizações de caridade podem financiar o tratamento para os necessitados com mais eficiência e alcançar um grupo cada vez maior de doadores. Mesmo doações relativamente pequenas tornam-se significativas quando milhares de pessoas doam.

Quinto, as organizações de caridade – além de seguradoras e indivíduos muito ricos – geram demanda adicional por tratamentos caros, compra de medicamentos muito caros etc. Dessa forma, eles contribuem para o desenvolvimento de pesquisas sobre produtos e serviços médicos caros e aceleram a perspectiva de sua produção em massa no futuro. Isto é também particularmente importante para cobrir os custos do tratamento de casos muito raros, para os quais a procura é significativamente limitada.

Sexto, o ato de caridade em si não está sujeito a nenhum requisito formal. Aqui, a boa vontade é o fator decisivo, o que facilita muito o processo de captação de recursos. Tal sistema também é mais flexível do que sistemas/programas públicos formalizados, onde atos de boa vontade são substituídos por procedimentos e decisões burocráticas sobre quem pode e não pode receber assistência. Além disso, os sistemas/programas públicos enfraquecem e substituem parcialmente as iniciativas privadas de base e reduzem a consciência social.

Sétimo, as próprias organizações de caridade tomam medidas para selecionar/verificar adequadamente quem deve receber ajuda primeiro. Isso ajuda a concentrar a atenção dos doadores nos casos mais urgentes e ajuda a determinar se as pessoas que pedem ajuda realmente precisam dela.

E oitavo, como mencionado no início, a base para uma ajuda eficaz é o bem-estar do resto da sociedade. Isso pode ser visto, por exemplo, no relatório do World Giving Index (WGI), que examina o nível de caridade em muitos países. Os entrevistados são solicitados a responder (SIM/NÃO) a três perguntas curtas: Você ajudou um estranho ou alguém que você não conhecia que precisava de ajuda?; Você doou dinheiro para uma instituição de caridade?; e Você ofereceu seu tempo para uma organização? Quanto maior a porcentagem de respostas positivas, maior a classificação do país.

Em 2019, foi publicado um relatório resumido contendo os resultados de 2009-2018. Os EUA – o país economicamente mais desenvolvido do mundo – ficaram em primeiro lugar, o que não deve ser surpresa. Além disso, um total de sete países desenvolvidos estavam entre os dez primeiros. Isso não significa que essa seja a única condição para o desenvolvimento de tais atitudes na sociedade, mas sem dúvida as torna mais fáceis e eficazes.

Alguns pontos adicionais

Alguns potenciais apoiadores podem ter certas reservas quanto às atividades das organizações de caridade em questão. Estes podem dizer respeito, por exemplo, à transparência das suas atividades, ao montante das comissões cobradas pelos custos administrativos ou aos salários dos seus trabalhadores.

No entanto, nesses casos, as instituições beneficentes também estão sujeitas às leis de mercado e devem lidar com a concorrência – neste caso, de instituições com maior credibilidade, uma gama mais ampla de serviços, uma missão mais bem articulada e implementada ou uma estrutura de gestão mais transparente. Além disso, uma vantagem inquestionável dessas instituições de base é a ausência de coerção, o que não pode ser dito sobre os sistemas públicos de saúde. Tal como acontece com muitos outros bens ou serviços, a falta de satisfação por parte dos doadores pode levar à retirada do seu apoio a uma determinada instituição, razão pela qual também deve envidar todos os esforços para atrair e reter o maior número possível de apoiadores.

Outra questão que pode ser controversa é o nível de salários recebidos pelos funcionários dessas instituições. Alguns podem argumentar que eles devem ser relativamente baixos, pois não se trata de uma atividade comercial. No entanto, o critério da atividade comercial/não comercial que justifica salários baixos (ou mesmo nenhum salário) é, na verdade, um beco sem saída que não leva a conclusões construtivas.

Vale ressaltar aqui que as instituições de caridade também precisam empregar especialistas de várias áreas: especialistas em TI, especialistas em marketing e promoção, contadores etc. Essas pessoas têm habilidades específicas e são adequadamente produtivas. Graças a elas, essas instituições podem funcionar de forma eficiente e, assim, ajudar os necessitados. Elas podem renunciar voluntariamente a salários mais altos, mas se não o fizerem, não devem estar sujeitos a críticas.

Salários adequadamente altos os recompensam por seu trabalho árduo. E, como mencionado anteriormente, isso permite que elas se protejam melhor contra eventos indesejáveis. Além disso, o aumento dos salários nessas instituições envia um sinal importante do mercado e indica uma demanda por funcionários nessas instituições. E, se delas se espera um certo tipo de sacrifício e trabalho em tais instituições, não se deve esquecer que elas abrem mão voluntariamente de empregos e de progressão na carreira no setor comercial. Seus altos salários são tão justificados quanto os ganhos de CEOs ou gerentes que contribuem para o desenvolvimento das empresas para as quais trabalham.

Além disso, é apenas um fato aparentemente paradoxal que a atividade comercial – com seus cálculos econômicos e orientação para o lucro – realmente impulsione o desenvolvimento de instituições de caridade. É muito fácil imaginar seu desenvolvimento (ou melhor, a falta dele) em um mundo sem empreendedores, dinheiro e competição. Ajudar os necessitados seria altamente ineficaz em tal mundo. Na verdade, existe uma simbiose natural (de mercado) entre a atividade orientada para o lucro e a atividade de caridade.

Conclusão

Instituições de caridade e doações voluntárias são uma parte importante do sistema de saúde baseado no mercado. Apesar da falta de uma estrutura centralizada, cada vez mais instituições desse tipo estão surgindo com o desenvolvimento econômico. Isso também contribui positivamente para o desenvolvimento de atitudes éticas adequadas na sociedade e mostra que existe uma alternativa de mercado real aos sistemas públicos formalizados e compulsórios, que também podem funcionar de forma eficiente ao lado de soluções comerciais.

Por isso é tão importante enfatizar esse tipo de apoio, que é a única forma verdadeira de assistência, pois não se baseia na coerção. Além disso, como não está consagrado na lei, também motiva os necessitados a se tornarem o mais independentes possível após receberem assistência e, portanto, não cria pobreza estatutária e promove o desenvolvimento de relacionamentos interpessoais.

 

 

 

 

Artigo original aqui

2 COMENTÁRIOS

  1. O pior que um dia eu cheguei a cair nessa pasmaceira de caridade liberal de mercado, por assim dizer. Alienação completa. E vejo que este Sr. consegue ser mais alienado ainda. Fora da Igreja Católica Apostólica Romana não existe caridade.

    “Vale ressaltar aqui que as instituições de caridade também precisam empregar especialistas de várias áreas: especialistas em TI, especialistas em marketing e promoção, contadores etc.”

    Tem um asilo aqui em Porto Alegre, que ao que consta, foi fundado pela própria Princesa Isabel. Tinham centenas de idosos, que eram cuidados por meia dúzia de freiras e alguns padres que apareciam de vez em quando. Com a crise da Igreja causada pelos arruaçeiros do Latrocínio Vaticano II, sumiram as vocações religiosas. Hoje o asilo é oficialmente da Igreja, mas é “administrado” pelo setor privado. Resultado: tem mais funcionários do que internos. E não se pode nem culpar a máfia estatal….

    “É muito fácil imaginar seu desenvolvimento (ou melhor, a falta dele) em um mundo sem empreendedores, dinheiro e competição. Ajudar os necessitados seria altamente ineficaz em tal mundo. Na verdade, existe uma simbiose natural (de mercado) entre a atividade orientada para o lucro e a atividade de caridade.”

    Esse negócio é uma fraude tão grande, que a casa deste cidadão deveria ser invadida por comandos armados de baionetas e granadas de fragmentação… fazia pouco tempo que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha voltado para a casa do Pai, e a Igreja Católica já era a maior organização de caridade do mundo. E segue sendo…

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui