No livro A luta pela liberdade, Ralph Raico – um dos principais historiadores libertários do século XX – oferece uma crítica abrangente e penetrante de John Stuart Mill. Com clareza, profundidade histórica e um toque paixão bem colocado, Raico destrói o mito de que Mill pertence ao panteão do liberalismo clássico. Em vez disso, Raico expõe Mill como um precursor do estado progressista moderno: aquele que despojou o liberalismo de sua ênfase essencial na liberdade econômica e abriu a porta para um novo moralismo coercitivo imposto pelo governo.
Essa crítica é mais do que acadêmica – ela vai ao cerne de como a tradição liberal é entendida e deturpada, mesmo por aqueles tipicamente confiáveis na defesa da liberdade. Como Raico argumenta, o legado de Mill é profundamente incompreendido. Sua influência marcou uma mudança decisiva do liberalismo laissez-faire de figuras como Frederic Bastiat, Herbert Spencer e Wilhelm von Humboldt para uma forma de estatismo moralizado envolto na linguagem da liberdade. E, tragicamente, esse mal-entendido persiste, com pensadores tão influentes quanto Friedrich Hayek interpretando Mill como um herdeiro genuíno da tradição liberal clássica.
Raico começa sua crítica fundamentando o liberalismo em suas raízes clássicas: um compromisso com a liberdade individual, a propriedade privada, a livre troca e os limites radicais para o Estado. Esse liberalismo – emergindo no contexto das instituições medievais descentralizadas da Europa e atingindo seu ponto alto no século XIX – via o Estado principalmente como uma ameaça à liberdade. Os verdadeiros liberais procuraram restringi-lo, não fortalecê-lo. No entanto, John Stuart Mill, em Sobre a Liberdade e em outros lugares, reimaginou o liberalismo como um projeto idealista de elevação moral e social, que cada vez mais exigia o poder do Estado não apenas para proteger os direitos, mas para cultivar as faculdades “superiores” do indivíduo e moldar a sociedade de acordo com visões utilitaristas do bem.
A concepção de liberdade de Mill, aponta Raico, está muito distante do tipo de liberdade do liberalismo tradicional entendida como “estar livre de” (estar livre de coerção, tributação ou regulamentação). Em vez disso, Mill introduz a ideia de “estar livre para” – estar livre para se auto-realizar, melhorar, transcender as convenções. À primeira vista, isso soa nobre. Mas para Raico, o problema está na mudança de autoridade: quem decide o que conta como melhoria? Para Mill, a resposta é perturbadoramente clara – se os costumes sociais ou a moralidade tradicional impedem um indivíduo de alcançar o que ele considera um nível mais alto de ser, o Estado pode intervir justificadamente. Como diz Raico, Mill “abriu a porta para o relativismo hedonista apoiado pela coerção estatal”.
Esta não é a visão de liberdade defendida por liberais anteriores como von Humboldt – a quem Mill elogia, mas não segue. Onde Humboldt enfatizou a autonomia do indivíduo e a delimitação estrita da ação estatal, Mill mudou o foco para o progresso gerenciado pelo Estado. Ao fazer isso, ele inadvertidamente preparou o terreno para as próprias formas de paternalismo moral às quais os liberais clássicos se opuseram por séculos. Sob a influência de Mill, o Estado tornou-se não apenas um protetor da liberdade, mas um promotor de valores “mais elevados”, capaz de moldar os indivíduos como os reformadores da elite acham que eles deveriam ser.
Para Raico, isso não é apenas um passo em falso teórico – isso tem consequências no mundo real. As ideias de Mill ajudaram a lançar as bases intelectuais para o moderno Estado de bem-estar social. Onde os liberais mais antigos temiam o império, a burocracia e o controle centralizado, Mill admirava o império britânico e apoiava intervenções estrangeiras para “civilizar” povos inferiores. Em casa, seu utilitarismo flexível abriu espaço para crescentes intrusões estatais em nome da melhoria moral ou social.
A análise de Raico é profundamente revisionista, e essa é a sua força. Ele desafia o cânone padrão do liberalismo não descartando seus insights, mas esclarecendo seus limites. Mill, insiste Raico, não pertence à linhagem de liberais clássicos radicais como Richard Cobden, Gustave de Molinari ou William Leggett, mas sim aos ancestrais ideológicos do liberalismo progressista moderno. A mudança de Mill dos direitos para os resultados, da liberdade como autopropriedade para a liberdade como auto-realização, distorce o projeto liberal clássico e o transforma em algo muito mais perigoso: um gerencialismo tecnocrático que justifica o uso do poder do Estado para impor uma visão particular do florescimento humano – quer os cidadãos queiram ou não.
Essa crítica ganha ainda mais peso graças ao trabalho editorial de Ryan McMaken, cuja meticulosa transcrição e anotação das palestras de Raico em 2004 no Ludwig von Mises Institute trazem essa poderosa análise para uma nova geração de leitores. McMaken ajudou a garantir que as advertências de Raico sobre Mill – e sobre a traição do liberalismo clássico pelos intelectuais liberais modernos – não sejam esquecidas. Como McMaken observa na introdução, A luta pela liberdade representa a narrativa histórica mais coesa de Raico, entrelaçando aprendizado profundo, análise afiada e a paixão de um homem determinado a defender a causa da liberdade.
O projeto de Raico é corretivo e construtivo. Ao expor a descaracterização de Mill como um liberal clássico, ele visa recuperar a verdadeira linhagem do liberalismo – enraizada na propriedade, na troca voluntária, na responsabilidade moral e na dignidade da restrição. Ele nos convida a reler a tradição liberal não como uma marcha em direção aos valores progressistas modernos, mas como uma luta para proteger a sociedade precisamente desse tipo de cruzada moral por meio do governo.
No final, o veredicto de Raico é claro: Mill não pertence ao panteão liberal como um herói, mas sim como um conto de advertência. Seu legado é de traição bem-intencionada – uma transformação do liberalismo em uma ideologia que esquece sua missão original e se torna um facilitador da coerção estatal a serviço da virtude aprovada pela elite. Nesse contexto, o trabalho de Raico é um grito de guerra para todos os que valorizam a liberdade não como a realização de alguma personalidade idealizada, mas como o espaço dentro do qual os indivíduos perseguem seus próprios fins – livres da tutela do Estado.
Para aqueles que apreciam a verdadeira tradição liberal, A luta pela liberdade é uma leitura essencial. Graças ao trabalho dedicado de Ryan McMaken e do Mises Institute, a voz feroz e brilhante de Ralph Raico continua a nos lembrar o que a liberdade realmente significa – e por que ela deve ser defendida não apenas de seus inimigos, mas também de seus falsos amigos.
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Podemos falar certamente que esse John Stuart Mill foi, por assim dizer, um traidor do movimento liberal. Ou também pode ser o melhor representante. Aqui o problema é considerar o liberalismo clássico como o mito fundador da liberdade. Nesse sentido o comunismo seria uma heresia e o libertarianismo uma espécie de protestantismo em busca daquela origem perdida. Aqueles a quem se costuma chamar de liberais – ou mentecaptos randianos, seriam uma oposição controlada pelo sistema.
Qual o erro aqui? essa papagaiada de luta pelos direitos individuais – que certamete inclui a liberdade de comércio, como se eles fossem completamente ausentes e inexistentes no período da idade média. Para esse discurso ter sentido, alguém deveria provar que antes da revolução liberal, que a vida dos indivíduos era um pesadelo sem fim. O que está muito longe de ser verdade. O que pensaria um camponês da idade média ao saber que executivos de multinacionais são obrigados a morar em apartamentos menores do que o galinheiro do seu campo?