Reserva de Valor vs. Meio de Troca

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[Este artigo é o capítulo 4 do livro Sequestrando o Bitcoin, de Roger Ver e Steve Patterson.]

A verdadeira vantagem do Bitcoin está em ser uma reserva de valor confiável de longo prazo (…), não na sua capacidade de proporcionar transações ubíquas ou baratas.1

— Saifedean Ammous, The Bitcoin Standard [“O Padrão Bitcoin”]

É surpreendente que tantas pessoas tenham aceitado de modo acrítico a ideia de que o Bitcoin armazenará valor mesmo que não funcione como dinheiro digital. O exato oposto se apresenta mais provável de ser verdadeiro: caso o Bitcoin puder se comprovar como uma moeda superior por um longo período de tempo, o mercado poderá aceitá-lo como uma reserva de valor. Mas serão necessários anos de utilidade e estabilidade demonstradas antes que isso aconteça. Chamar qualquer criptomoeda existente de “reserva de valor confiável de longo prazo” é prematuro, considerando as flutuações selvagens de preço que são ocorrência regular. O fato de o BTC ter conseguido se valorizar muito em termos de preço durante os últimos dez anos não significa que ele seja uma reserva de valor.

Não Toque Nela

Saifedean Ammous possui uma das versões mais extremas do “maximalismo de ouro digital” que existem por aí. Ele vislumbra um futuro em que as pessoas comuns nem sequer tocam na blockchain, sendo as transações on-chain (dentro da cadeia de blocos) reservadas apenas para transferências de alto valor. Na obra The Bitcoin Standard, ele discorre:

O Bitcoin pode ser visto como a nova moeda de reserva emergente para transações na internet, onde o equivalente online dos bancos emitirá tokens lastreados em Bitcoin para os usuários, mantendo em cold storage (armazenamento frio) o seu montante de Bitcoins (…).2

E, numa discussão na internet, ele escreve:

Os pagamentos on-chain de Bitcoin não são para o comerciante; são para os bancos centrais. Você pode ter todas as redes de pagamento do mundo construídas em cima do Bitcoin, apenas com a liquidação sendo realizada dentro da cadeia de blocos. O BTC é como o ouro de bancos centrais sob um padrão ouro.3

Esse sentimento é ecoado por Tuur Demeester, popular comentarista de Bitcoin:

Em plena maturidade, utilizar a blockchain do Bitcoin será tão raro e especializado quanto fretar um navio petroleiro.4

Essas ideias são agora discutidas e abordadas como se tivessem sido a visão dominante desde o início. Entretanto, quando comparadas com o projeto original, elas se revelam rudes e desnecessárias. Eu certamente nunca dei apoio a essa versão do Bitcoin, nem os inúmeros outros empreendedores com quem trabalhei nos dias iniciais. Na realidade, uma parcela central da beleza do Bitcoin encontra-se exatamente no fato de que a blockchain é acessível a todos, não sendo exclusiva de banqueiros. Como tantas outras personalidades públicas que falam com confiança sobre o Bitcoin, S. Ammous e T. Demeester simplesmente pressupõem que camadas adicionais irão solucionar os problemas de usabilidade do BTC sem quaisquer problemas. Porém, quando você realmente olha para as tecnologias de segunda camada, a viabilidade delas permanece incerta, especialmente se a camada de base (base layer) não escalonar. Esses problemas geralmente não são reconhecidos pelos entusiastas do BTC, os quais, ao invés disso, acreditam que os engenheiros consertarão tudo no futuro — apesar de o histórico deles, até agora, ter sido ruim.

Ademais, um futuro de “tokens lastreados em Bitcoin” se mostra uma garantia de que a inflação arbitrária continuará assolando todos aqueles de nós que não são banqueiros centrais. A história demonstra que as moedas inevitavelmente perdem o seu lastro no decorrer do tempo; e, se as pessoas forem forçadas a utilizar promessas de Bitcoin em vez de Bitcoin de verdade, é apenas uma questão de tempo até que as promessas sejam infladas muito além da oferta real de Bitcoin. As segundas camadas apenas facilitam a condução dessa inflação.

Mudança de Narrativa

Dentro da comunidade Bitcoin, a narrativa começou a mudar de dinheiro digital para reserva de valor durante um período de vários anos. Inclusive em 2016, a maioria dos bitcoiners ainda estava promovendo a tecnologia como dinheiro online — ou, conforme gostavam de chamar, “dinheiro mágico da internet” —, e é por isso que ocorreriam comemorações sempre quando uma nova empresa anunciasse que estava aceitando o Bitcoin para pagamentos. Assim que cada comerciante adicional aceitava, o Bitcoin obtinha mais credibilidade e utilidade. Todavia, após o aumento das taxas no final de 2017, em vez de admitir que havia um problema, os defensores mais influentes do BTC, inteligentemente, começaram a modificar a narrativa — pois, se o Bitcoin consiste apenas numa reserva de valor, então taxas altas, afinal, não importam. Nos últimos anos, as pessoas inclusive foram encorajadas a não gastarem as suas moedas no comércio, porque o BTC é para adquirir e deter indefinidamente. A minha visão cínica sobre a narrativa de “adquirir, deter e nunca usar” é que se trata de uma ótima maneira de incrementar o preço criando escassez artificial. Se um número suficiente de pessoas está convencido de que pode enriquecer ao adquirir e deter um ativo com uma oferta finita, aumentos extremos de preços são o resultado inevitável.

Na minha opinião, a única esperança que a criptomoeda possui de se tornar uma verdadeira reserva de valor está em ter utilidade no mundo real. Uma criptomoeda deve ser mais útil que sistemas legados (legacy systems — sistemas convencionais estabelecidos); e taxas altas de transação prejudicam imediatamente a utilidade de qualquer moeda. Se o BTC fosse a única criptomoeda disponível, talvez ainda pudesse funcionar como uma reserva de valor; no entanto, como o mercado tem opções superiores para escolher, parece improvável que a criptomoeda mais lenta, mais cara e menos escalonlável acabe sendo escolhida como uma reserva de valor confiável de longo prazo. Por exemplo, o Bitcoin Cash possui praticamente todas as propriedades do Bitcoin Core, exceto pelo fato de que você realmente pode utilizá-lo como dinheiro digital. No longo prazo, o mercado acabará por descobrir que está pagando taxas extremamente altas no BTC sem bons motivos, visto que o mesmo produto pode ser oferecido por uma fração do custo.

A Economia da Armazenagem de Valor

Para ver os problemas com a ideia de “apenas reserva de valor”, precisamos mergulhar mais a fundo na ciência econômica. Tive a sorte de descobrir a Escola Austríaca de Economia no início da minha vida. Grandes pensadores como Ludwig von Mises e Murray Rothbard me ajudaram a entender o mundo através de uma lente econômica; e a razão pela qual eu sabia que o Bitcoin iria se tornar popular era porque eu já tinha lido as ideias deles sobre moeda. Eu pude perceber que o Bitcoin possuía as propriedades de um dinheiro de altíssima qualidade, o que significava que eu devia comprar algumas unidades de Bitcoin imediatamente.

O potencial do Bitcoin como reserva de valor compõe um quebra-cabeça econômico interessante. Aliás, o valor em si constitui um quebra-cabeça interessante que deixou os economistas perplexos por séculos. Por que algo tem valor em primeiro lugar? Um dos insights da Escola Austríaca de Economia — que, desde então, foi incorporado à economia convencional — é o insight de que o valor é subjetivo. O valor não é encontrado dentro de bens materiais; é encontrado dentro das mentes humanas. As coisas não possuem valor em si mesmas. Nós damos valor a elas porque acreditamos que podem ser usadas para satisfazer os nossos desejos.

Uma “reserva de valor” não pode literalmente “armazenar” valor, como se fosse uma caixa física na qual se coloca valor para retirada posterior. Em vez disso, se algo é uma reserva de valor, isso só significa que esse algo possui um histórico consistente de receber valor dos seres humanos. E, por causa da sua história de sucesso, as pessoas têm boas razões para acreditar que isso prosseguirá recebendo valor no futuro. Assim, esse algo mantém o seu poder de compra no decorrer do tempo. Muitas coisas são utilizadas para armazenar valor. O gado, por exemplo, tem sido uma reserva de valor desde há muito tempo. Os seres humanos têm boas razões para acreditar que o gado pode ser usado para satisfazer as suas necessidades. Você pode ordenhá-lo, ingerir a carne dele, usá-lo para o trabalho agrícola, além de muitas outras coisas. Por causa dessa utilidade, se você quiser vender o seu gado, provavelmente encontrará compradores. O setor imobiliário constitui outra reserva popular de valor com um longo histórico. Os seres humanos têm boas razões para acreditar que possuir terras irá beneficiá-los. Eles podem viver na terra; usá-la para produzir alimentos; construir edificações nela; arrendá-la; etc. Daqui a mil anos, é provável que o gado e os imóveis ainda sejam valorizados pelas pessoas. A reserva de valor mais popular é o dinheiro.

O dinheiro mostra-se um pouco mais complexo como fenômeno econômico quando comparado ao gado ou aos imóveis. Para compreendê-lo, temos de apreender mais um conceito: a diferença entre troca direta e troca indireta. Imagine uma situação em que um fazendeiro cria galinhas e mora ao lado de um alfaiate que produz camisas. Se o fazendeiro quer uma camisa e o alfaiate deseja um par de galinhas, eles podem se envolver no tipo mais simples de troca econômica, chamado de “troca direta” ou “escambo”, que acontece quando o fazendeiro troca as suas galinhas diretamente pela camisa do alfaiate. O escambo tende a ser desajeitado e ineficiente, visto que exige que ambas as partes queiram especificamente o item que a outra pessoa esteja negociando. Se, em vez de uma camisa, o fazendeiro desejasse sapatos, a troca não ocorreria.

Ao contrário do escambo, a “troca indireta” acontece quando os bens comercializados/negociados não são os bens finais desejados. Assim, o fazendeiro pode trocar as suas galinhas por um pouco de gasolina, não porque ele quer a gasolina, mas porque ele pode trocá-la com o alfaiate pela camisa que ele deseja. Nessa situação, chamaríamos a gasolina de “meio de troca” — um passo intermediário entre o fazendeiro e os bens finais desejados por ele.

Os meios de troca são incríveis. Possibilitam que enormes redes de pessoas negociem e colaborem entre si sem terem de conhecer umas às outras, falar a mesma língua ou compartilhar das mesmas preferências. O meio de troca mais popular numa economia é o dinheiro, o qual essencialmente permite que quaisquer produtos sejam trocados por quaisquer outros. Um fazendeiro pode transformar as suas galinhas numa Lamborghini se, primeiro, vender um número suficiente delas por dinheiro.

O dinheiro torna muito mais fáceis as ações de planejar, poupar e investir. O fazendeiro pode vender as suas galinhas no verão por um dinheiro que planeja usar no inverno. Ou ele pode investir o seu dinheiro em projetos que geram retornos. Sem o dinheiro, o investimento é muito mais difícil de coordenar — um fazendeiro precisaria encontrar projetos que aceitassem galinhas diretamente como investimento. Usando dinheiro em vez disso, ele pode vender as suas galinhas por, digamos, euros e, em seguida, investir esses euros em outros projetos. Na realidade, o dinheiro constitui uma grande invenção que nos torna todos mais ricos.

O dinheiro — a moeda — também se apresenta como uma excelente reserva de valor. A Escola Austríaca de Economia fornece a melhor explicação para o porquê. Conforme discorre Ludwig von Mises:

As funções da moeda como transmissora de valor através do tempo e do espaço também podem ser diretamente rastreadas até a sua função como meio de troca.5

Murray Rothbard também chega à mesma conclusão:

Muitos livros didáticos dizem que a moeda possui várias funções: meio de troca; unidade de conta ou “medida de valores”; “reserva de valor”; entre outras. Mas deve ficar claro que todas essas funções simplesmente constituem consequências, corolários, da única grande função: a de meio de troca.6

Em outras palavras, é exatamente porque o dinheiro é o meio de troca usado de maneira comum que ele armazena valor. Então, caso se espere que o Bitcoin seja dinheiro, então afirmar que ele possa armazenar valor sem ser um meio de troca significa colocar a charrete na frente dos bois.

É útil pensar na ideia de “armazenar valor” como semelhante à ideia de fazer uma previsão. Você está tentando adivinhar quais bens serão valorizados no futuro. Se algo se mostra útil para as pessoas — como imóveis —, é mais provável que seja valorizado. Se algo já está sendo utilizado como meio de troca — como o dinheiro em papel —, trata-se de um ótimo sinal de que continuará a receber valor no futuro. Isso não é garantia alguma, já que vemos casos de dinheiro em papel sendo arruinado por bancos centrais inflando a sua oferta monetária, mas ainda se trata de um forte sinal.

Se as pessoas estão menos confiantes de que algo será usado como meio de troca no futuro, elas ficam menos propensas a utilizar esse algo como reserva de valor. Imagine que você esteja vivendo numa ilha na qual conchas marinhas são usadas de maneira comum como meio de troca. Um dia, você ouve no rádio que um estudo inovador demonstra que as conchas marinhas são perigosas de segurar e podem causar câncer. Você esperaria que muito menos pessoas aceitassem tais conchas como meio de troca, o que significa que elas, as conchas, acabarão se tornando uma pior reserva de valor. Ainda que o estudo estivesse errado e as conchas marinhas não causassem câncer, a mera crença pública de que elas poderiam causá-lo seria suficiente para transformar um dinheiro funcional em algo sem valor. As falhas de rede do Bitcoin Core de 2017 e de 2021 — e o subsequente comportamento contrário à adoção apresentado por empresas que o abandonaram como opção de pagamentos — deram motivos para duvidar que o BTC possa funcionar como um meio de troca, o que o torna menos provável de se transformar numa verdadeira reserva de valor no futuro.

Dinheiro e Valor

Embora todos os dinheiros armazenem valor, nem todas as reservas de valor são dinheiro. O gado e os imóveis são muitas vezes considerados reservas de valor sem serem dinheiro pelo fato de que possuem outros usos não monetários. Isso levanta esta importantíssima questão: o Bitcoin é como o dinheiro que armazena valor porque é utilizado como meio de troca — ou o Bitcoin é como o gado e os imóveis, que armazenam valor por razões não monetárias? Em 2010, Satoshi discutiu esse assunto nos fóruns, onde as pessoas estavam debatendo sobre como o Bitcoin poderia obter valor e por quê. Ele afirmou:

Como um experimento mental, imagine que existisse um metal ordinário tão escasso quanto o ouro, mas com as seguintes propriedades:

– tem um cinza enfadonho como cor

– não é um bom condutor de eletricidade

– não é particularmente forte, mas também não é dúctil ou facilmente maleável

– não se mostra útil para qualquer finalidade prática ou ornamental

e uma propriedade especial e mágica:

– pode ser transportado através de um canal de comunicação

Se, de alguma forma, esse metal adquiriu algum valor por qualquer motivo, então qualquer pessoa que quisesse transferir riqueza a longa distância poderia comprar algumas unidades, transmiti-las e fazer com que o destinatário as vendesse. Talvez esse metal possa obter um valor inicial circularmente, conforme você sugeriu, pela ação de pessoas prevendo a sua utilidade potencial para trocas. (Eu, definitivamente, iria desejar algumas unidades.) Talvez colecionadores — ou qualquer razão aleatória — poderiam desencadear isso.

Considero que as qualificações tradicionais para o dinheiro foram escritas com a suposição de que, tendo em vista o fato de que há tantos objetos concorrentes no mundo que são escassos, um objeto com a inicialização automática de valor intrínseco certamente obterá vitória sobre aqueles objetos sem valor intrínseco. Mas, se não houvesse nada no mundo com valor intrínseco que pudesse ser usado como dinheiro, apenas algo escasso, mas sem valor intrínseco, penso que as pessoas ainda adotariam alguma coisa.7

Essa é uma ótima citação por alguns motivos. Em primeiro lugar, nesse contexto, Satoshi está usando a expressão “valor intrínseco” como denotando valor de uso não monetário. O ouro e a prata, por exemplo, são ótimos meios de troca, podendo também ser utilizados na indústria. O tabaco e o sal, outros históricos meios de troca, podem ser consumidos diretamente. O Bitcoin tem, de fato, algum valor não monetário, o qual será explicado em breve, na seção seguinte, mas o experimento mental de Satoshi mostra que, mesmo que o Bitcoin tivesse zero usos não monetários, o simples fato de ser escasso e conseguir ser enviado por um canal de comunicação — i.e., os custos de transação são extremamente baixos — poderia ser suficiente para lhe dar valor por causa da “sua utilidade potencial para trocas”. Em outras palavras, Satoshi raciocinou que o Bitcoin tinha a possibilidade de ser capaz de inicializar o seu próprio valor pela ação das pessoas em reconhecerem que ele poderia funcionar como um excelente meio de troca. Isso faz do Bitcoin uma invenção bastante singular. Trata-se de um sistema de pagamentos propositalmente construído que utiliza um dinheiro que foi configurado para ter melhores propriedades monetárias que qualquer dinheiro existente.

Outros Usos

À primeira vista, não parece que o Bitcoin possa fazer algo além de ser enviado para outra pessoa. Mas há, de fato, outros usos. A blockchain do Bitcoin constitui um registro contábil (livro-razão; ledger) público online que é mantido por uma rede descentralizada de computadores, e as transações de Bitcoin controlam as entradas nesse registro contábil. Essa funcionalidade pode ser utilizada para várias finalidades não monetárias. Por exemplo, a blockchain pode ser usada para armazenar dados valiosos, embora esse método seja significativamente mais custoso que outros métodos de armazenamento de dados. Existem novas empresas de mídia social que usam esse recurso para criar plataformas incensuráveis na blockchain. Outras aplicações podem ser coisas como: registros de ativos; novos sistemas para votação; ou verificação de identidades para aprimorar a segurança online. Em relação à utilidade do Bitcoin como um sistema geral de pagamento, tais capacidades parecem menos importantes, mas existem.

Pensar que o Bitcoin se qualifique como uma “reserva de valor” por causa das suas propriedades não monetárias é como pensar que as cédulas de dólar americano sejam uma reserva de valor porque podem ser usadas como papel higiênico ou como ignição de fogueiras. Embora essa utilidade realmente exista, ela se mostra pequena quando comparada ao valor de ser um meio de troca seguro, internacional e de funcionamento suave, sem atritos. Satoshi compreendeu que a transmissibilidade do Bitcoin compunha uma característica central que lhe dava valor. Todavia, esse recurso foi intencionalmente destruído pelos desenvolvedores do Bitcoin Core, deixando o BTC praticamente sem nenhuma proposta única de valor quando comparado com outras criptomoedas. Não só outras moedas possuem taxas mais baixas, mas também têm funcionalidade não monetária superior.

Dada a natureza subjetiva do valor, é concebivelmente possível que o mercado possa escolher o BTC como reserva de valor. Mas também se mostra concebível que o mercado possa escolher meias de ginástica velhas e mal-cheirosas como reserva de valor. Possível, mas improvável. Parece mais razoável pensar que a criptomoeda com a melhor chance de se tornar uma reserva de valor necessita maximizar todas as suas propriedades positivas e minimizar as suas propriedades negativas. Ter transações desajeitadas e caras não constitui uma característica desejável de qualquer reserva de valor ou de qualquer meio de troca. O famoso empresário da internet Kim Dotcom, fundador do website de hospedagem de arquivos MegaUpload, expressou sentimentos semelhantes numa conversa em janeiro de 2020, dizendo:

Para ser uma criptomoeda de muito sucesso, você precisa fornecer transações rápidas e baratas, não há como contornar isso. É bacana ser uma reserva de valor; mas, se você realmente quer ter sucesso neste jogo, você precisa ser dinheiro eletrônico.

Kim também salientou que a grande maioria das pessoas ainda não tem experiência no uso de criptomoedas e que, para integrá-las, as taxas precisam ser baixas e a confiabilidade precisa ser alta.

[A maioria das pessoas] não sabe de nada sobre as guerras atuais que estão ocorrendo ou sobre a toxicidade vigente dentro da comunidade cripto. Elas irão se aproximar da moeda que lhes ofereça as taxas mais baratas, as transações mais rápidas, a maior confiabilidade — e, na atualidade, infelizmente, isso não é o Bitcoin [Core].8

Imagine uma criptomoeda com todas as propriedades do BTC, com a exceção de que, além disso, ela possibilitasse transações instantâneas e quase gratuitas para o mundo inteiro e fosse um meio de troca — construído com esse propósito específico — para o século XXI. A sua utilidade seria ordens de grandeza maior em comparação com a utilidade de uma criptomoeda sem essa funcionalidade. Esse era o plano original para o Bitcoin, continuando a sê-lo para o Bitcoin Cash e outras criptomoedas.

 

 

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Notas

1 Ammous, The Bitcoin Standard, p. 212

2 Ammous, The Bitcoin Standard, p. 206

3 Saifedean Ammous (@saifedean), Twitter,      https://twitter.com/saifedean/status/9392176589978542

4 Tuur Demeester (@TuurDemeester), Twitter, 29 de maio, 2019, https://twitter.com/TuurDemeester/status/1133735055115866112

5 Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit [“Teoria da Moeda e do Crédito”], Alemanha: Duncker & Humblot, 1912

6 Murray N. Rothbard, What Has Government Done to Our Money? [“O Que o Governo Fez com o Nosso Dinheiro?”], Alabama: Mises Institute, 2010

7 Satoshi, “Re: Bitcoin does NOT violate Mises’ Regression Theorem”, Bitcoin Forum, 27 de agosto, 2010, https://bitcointalk.org/index.php?topic=583.msg11405#msg11405

8 Tone Vays, “On the Record w/ Willy Woo & Kim Dotcom – Can’t All ‘Bitcoiners’ Just Get Along?”, YouTube, 16 de janeiro, 2020, https://www.youtube.com/watch?v=mvcZNSwQlRU

2 COMENTÁRIOS

  1. “Daqui a mil anos, é provável que o gado e os imóveis ainda sejam valorizados pelas pessoas.”

    É por isso que não se pode dissociar o austro-libertarianismo da doutrina católica. Não exclusivamente pela sua moral superior, mas igualmente pelo fato de que não vai existir nada do que se chama mundo. Jesus Cristo já terá voltado em toda a sua glória.

    Eu pretendo estar perante a face de Deus, enquanto possa contemplar estatistas, esquerdistas e sionistas no colo de Satanás.

  2. Se Roger Ver e qualquer outra pessoa não gosta de utilizar o BTC como meio de troca, por qualquer motivo que seja, basta não usar, e recorrer ao fork que ele (e apenas ele) adotou, o BTCCash, ou qualquer outra shitcoin.

    Não entendi o propósito de publicar um artigo escrito por um scammer. Será que os libertários brasileiros não aprenderam nada com os golpes chamados Nano e Litecoin?

    Por fim, o argumento que BTC não pode ser utilizado como meio de troca por conta das “taxas altíssimas”, as quais, no momento em que redijo este comentário estão em 1 sat/vB ($0,17), esbarra na escalabilidade do BTC via Lightning Network e outras soluções de segunda camada, que permitem transferências de moedas praticamente sem taxas e sem comprometer a fungibilidade, privacidade e limite de moedas.

    No artigo, nada foi mencionado sobre Lei de Gresham, problemas lógicos que o BTC resolve (Generais bizantinos, gasto duplo, etc), força de rede, fuga e mobilidade de capitais, impenhorabilidade e inconfiscabilidade e entre outros atributos que apenas o BTC (e nenhum outro ativo do mundo) possui.

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