Tenho quase certeza de que não estarei vivo tempo suficiente para ver o anarcocapitalismo — ou o que chamo de anarquismo ordenado pelo mercado — prevalecer no meu país. Tenho a mesma certeza de que não verei um governo estritamente limitado protegendo os direitos individuais e nunca violá-los (se é que isso possui alguma coerência).
Então temos ai um empate.
Mas a partir disso não se segue que discutir alternativas individualistas, pró-propriedade e livre mercado ao atual sistema político seja tempo perdido. Longe disso! Se quisermos progredir rumo à liberdade, é melhor nos apressarmos. A única maneira adequada de prosseguir é por meio da discussão. Nada de xingamentos — nada de gritar Estatista! ou Tirano! ou Fascista! ou Opressor! ou Psicopata! ou Belicista! É só uma discussão. (Quase disse “discussão civilizada”, mas isso é redundante.) As pessoas podem estar muito erradas, mesmo tendo as melhores intenções. Todos sabemos como o caminho para o inferno está pavimentado. Mesmo assim, não insulte. Rebata. Refutar. Não vá direto ao ponto. Tenha paciência. Já ouve um tempo em que você não sabia o que está argumentando hoje.
Então vamos conversar. Pense nisso como uma espécie de meta-discussão. Não vou argumentar aqui que o anarcocapitalismo satisfaz melhor os critérios libertários e outros racionais (como eficiência) do que um governo monopolista limitado. Isso fica para outra hora e lugar. (Veja meus artigos, “Isca e Troca do Governo Limitado” e “O Mercado da Lei?)
Vamos começar por aqui: o debate entre anarquistas libertários e minarquistas libertários é um debate sobre se precisamos de um governo para proteger nossos direitos. Então, o que mais há de novo?, você vai perguntar. Meu ponto é que não se trata de um debate sobre se precisamos de governança em prol da proteção dos direitos. Agressores sempre existirão, felizmente em pequenos números. Basicamente, estamos discutindo meios, não fins. Nenhum dos lados apoia o caos ou a guerra de Hobbes de todos contra todos. Ambos os lados apoiam a cultura liberal, com expectativas de relações pacíficas, sem as quais nenhum dos sistemas tem esperança de sucesso. Apesar de algumas discordâncias sobre a aplicação, ambos acreditam na autopropriedade, que implica o direito de usar e dispor dos bens justamente adquiridos — desde terras até renda, ferramentas, escovas de dente e bifes. O estudioso do direito liberal clássico Lon L. Fuller definiu o direito, amplamente concebido (em oposição à legislação), como “a empreitada de submeter a conduta humana à governança das regras.” Isso não precisa envolver um estado.
Por definição, libertários favorecem regras de (pelo menos) dois tipos: 1) direitos, que vinculam independentemente do consentimento, e 2) restrições consentidas como condições de associação voluntária. O argumento anarquista-minarquista é sobre como estabelecer e impor melhor o primeiro tipo para que as pessoas possam buscar a felicidade com segurança. Quero enfatizar que, ao contrário do que muitos acreditam, a história revela exemplos consideráveis de tais regras sendo obtidas por métodos diferentes da legislação — de baixo para cima, por meio do costume e instituições concorrentes. No passado, legislaturas (e até reis) codificaram (e muitas vezes corromperam) regras que surgiram organicamente das interações repetidas de pessoas egoístas e orientadas a objetivos que perceberam que a violência é uma forma cara, para não falar perigosa, de alcançar os próprios fins e resolver disputas.
Lamento dizer que muitos libertários de governo limitado argumentam contra o anarcocapitalismo como se a ideia tivesse surgido de conversas na madrugada entre calouros universitários, em que libertários novatos bêbados ou chapados, que mal leram algo, declaravam: “Quem precisa do estado, afinal?” Em outras palavras, os críticos ou não sabem ou fingem não saber que o movimento libertário moderno, que remonta aos anos 1950 e especialmente desde os anos 1970, produziu um corpo substancial de literatura defendendo o anarquismo ordenado pelo mercado. Essa literatura veio de uma série de estudiosos sérios, alguns na academia, outros não, que se especializaram em história política e econômica, ciência econômica, sociologia, antropologia e outras disciplinas relevantes.
Talvez estivessem certos; talvez estivessem errados. Mas eles não eram fracos. Libertários de governo limitado precisam lidar com essa enorme evidência histórica e teórica se quiserem ser levados a sério. A posição anarquista de mercado não pode ser descartada de forma leviana e desdenhosa. Para seu crédito, alguns defensores do governo limitado, como os fundadores das escola da Escolha Pública, James Buchanan e Gordon Tullock, levaram a discussão a sério e se envolveram apresentando respostas. (Veja o debate por conta própria nas obras editadas por Edward P. Stringham Anarquia e a Lei: A Economia Política da Escolha e Anarquia, Estado e Escolha Pública. Veja também Anarquismo/Minarquismo: O Governo Faz Parte de um País Livre?, editado por Rodertick T. Long e Tibor R. Machan.)
O que acabei de dizer deve indicar que o argumento a favor do anarquismo de mercado não é produto do racionalismo raso, ou seja, da manipulação de conceitos desligados da realidade. Pelo contrário, o argumento é amplamente empírico, guiado por uma compreensão da ação humana. Episódios históricos são considerados como gerando generalizações razoáveis, que podem informar nossas escolhas. (Veja, por exemplo, Terry H. Anderson e Peter J. Hill O Velho Oeste Não Tão Selvagem: Direitos de Propriedade na Fronteira, ou este artigo baseado no livro.) Justificar o anarquismo de mercado não é um simples jogo de xadrez.
Minarquistas argumentarão que a história não oferece um caso de uma sociedade puramente anarquista de mercado. Talvez (se não contarmos o Oeste americano). No espírito da justiça, eles também reconhecerão que não há caso de estado de mínimo limitado a ser um vigia noturno. Mas o anarquista de mercado pode responder que a história sugere fortemente que o anarquismo de mercado provavelmente funcionará em uma cultura essencialmente liberal. Por exemplo, a Lei Mercante, que surgiu organicamente das atividades de comerciantes de toda a Europa na Baixa Idade Média, demonstrou que a lei justa e eficiente pode surgir pacificamente dos costumes, das negociações constantes e das expectativas que esses geram. É importante perceber que relações comerciais complexas a longas distâncias não precisavam esperar a formação de um código e sistema legal. O direito consuetudinário e o mercado floresceram juntos. Não era como a pergunta do ovo ou galinha. Na verdade, “a luz amanheceu gradualmente sobre o todo”, como Wittgenstein colocou em outro contexto. (ver Roderick Long)
Os minarquistas responderão que a Lei Mercante só agia porque o estado pairava, pronto para intervir quando necessário. O estado realmente existia, embora dificilmente consolidado, como ficaria depois. Isso não explica a conformidade generalizada por comerciantes que buscam lucro. Os incentivos que impulsionavam compradores e vendedores eram incentivos poderosos para a geração espontânea do direito consuetudinário, além da aplicação de instituições e procedimentos justos e eficientes. A moderna indústria competitiva de seguros automotivos, na qual as empresas rotineiramente resolvem disputas de clientes por meio de arbitragem não estatal e nunca recorrem a tiroteios, é outro caso instrutivo. (Veja o pioneiro e magistral de Harold J. Berman Direito e Revolução: A Formação da Tradição Jurídica Ocidental. Preste atenção à competição entre tribunais, sobre a qual Adam Smith escreveu em A Riqueza das Nações.)
Infelizmente, alguns defensores do governo limitado frequentemente participam do que parece ser um jogo de xadrez racionalista. A história mostrou repetidamente que os governos tendem a crescer. Que ilustração melhor poderia haver do que os Estados Unidos? Muitos minarquistas são entusiasmados com a Constituição dos EUA, embora com algumas reservas. Mas olhe para o Leviatã dos EUA de hoje. Como isso aconteceu? Lysander Spooner escreveu em 1870 — isso não é erro de digitação, 1870! — “Mas seja a Constituição uma coisa ou outra, isso é certo — que ou ela autorizou um governo como o que tivemos, ou foi impotente para impedi-lo. Em qualquer um dos casos, ela não serve para nada.”
Manter a esperança, depois de todo esse tempo, de que de alguma forma o governo poderia se limitar a proteger direitos sugere um caso sério de racionalismo. A escola da Escolha Pública nos mostra por que devemos esperar que o governo cresça, confisque, regule, se intrometa e oprima. Outros estudiosos, como Anthony de Jasay, buscaram em vão maneiras de limitar o estado. O grande predador não ficará enjaulado por muito tempo.
Nenhum sistema social pode prometer perfeição. Todas as pessoas são falíveis, e algumas buscarão poder. Não devemos cometer o que o economista Harold Demsetz chamou de Falácia do Nirvana: comparar um suposto ideal (governo mínimo) ao mundo real bagunçado. Maçãs com maçãs, por favor, e realidade com realidade. Nenhum sistema pode garantir justiça, então é uma questão de comparar as perspectivas. Por uma série de razões, o anarquismo de mercado teria mecanismos de freios e contrapesos melhores voltados para a proteção contra a tirania do que um monopólio do uso da força.
Se isso não for suficiente, pergunte a si mesmo: se o governo é indispensável, não precisamos de um governo mundial poderoso para disciplinar os 200 governos nacionais que existem, em relação uns aos outros, em um estado de anarquia? Afinal, não é logicamente impossível que a Inglaterra possa entrar em guerra com a França amanhã.
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