20. Liberdade e Custo de Oportunidade
Em primeiro lugar, sempre que houver escassez de algum recurso, existirão usos alternativos dos mesmos. O mais popular erro de análise econômica – a falácia do almoço grátis – nega esse princípio. Quantas vezes ouvimos falar das realizações dos políticos, sem sequer uma palavra proferida sobre os custos dos projetos implementados? Mas, se algo for feito, sempre será à custa de outra coisa útil que deixou de existir. Apesar disso, quantas vezes nas aulas de Economia Brasileira ouvimos a história de que se o governo brasileiro não tivesse adotado medidas protecionistas, o Brasil não teria se industrializado? Será que as pessoas ficariam de fato inertes, plantando banana?
A falta de imaginação sobre caminhos alternativos se relaciona com outro aspecto da noção de custo: sua natureza subjetiva. Isso significa que o custo de oportunidade de uma escolha depende de quem faz essa escolha. Sendo assim, o custo da leitura dessas páginas será, para certo indivíduo, deixar de ler outros textos, para outro, deixar de paquerar uma vizinha, ou não assaltar a geladeira naqueles minutos, para um terceiro. Poderíamos concluir então que o custo de oportunidade da política protecionista depende de quem a analisa? Para o intervencionista, tal custo seria plantar bananas. Para o liberal, uma economia ainda mais industrializada. De fato, como o conceito de custo está relacionado à noção de escolha, as decisões políticas tomadas pelo intervencionista ou pelo liberal refletem suas opiniões sobre o valor das alternativas disponíveis.
Isso nos leva a outro aspecto dos custos, relacionado ao seu caráter subjetivo: sua natureza conjectural. Se fizermos uma escolha, o custo dessa escolha será, estritamente falando, para sempre desconhecido. Se alguém escolhe profissionalmente a academia, abdica de se dedicar ao mercado financeiro. Essa escolha implica que a primeira alternativa é preferida, mas, quem garante que, ao se dedicar ao mercado, essa pessoa não teria descoberto sua “verdadeira vocação” ou mesmo uma nova teoria, com base em sua experiência? Sendo assim, não há como medir os custos de uma decisão se não tivermos uma máquina do tempo que nos levasse de volta ao passado, possibilitando que explorássemos, em um universo paralelo, o que ocorreria se a decisão fosse outra.
Mas, se os custos são subjetivos e conjecturais, nada pode ser dito sobre seu conteúdo? Na verdade, se nos afastarmos da “pura lógica da escolha” utilizada para estudar uma decisão de um único indivíduo e passarmos a estudar as decisões nos mercados, o grau de subjetivismo do conceito é menor e os agentes podem de fato discordar sobre o valor dos bens[2]. Os agentes podem, por exemplo, se enganar sobre o valor que os outros atribuiriam a certo produto. No mercado, o custo monetário do aluguel de um imóvel, por exemplo, reflete seu custo de oportunidade, já que a disposição a pagar por esse serviço por parte dos demais empresários reflete a opinião que esses têm sobre a capacidade de imóveis semelhantes gerarem riqueza em outros mercados, que operam ao mesmo tempo. Quanto mais usos alternativos são possíveis simultaneamente, mais concreto será o custo de oportunidade. Sob competição, existem incentivos para que a atividade empresarial seja dirigida à avaliação dos usos alternativos e uma má avaliação tende a resultar em prejuízo, corrigindo assim a opinião equivocada sobre o valor dos bens. Sob monopólio, por outro lado, esses incentivos são diminuídos – os custos de oportunidades começam a sofrer de falta de imaginação. Uma decisão de que carreira seguir, por sua vez, envolve custo de oportunidade mais indefinido, como vimos. De fato, um engenheiro poderia apenas conjecturar quão feliz seria se fosse um bailarino profissional. Isso ocorre porque não existe a possibilidade de se dedicar simultaneamente a várias carreiras. Finalmente, se tomarmos uma decisão de política econômica, pelo fato de que apenas uma delas pode ser testada por vez, é muito mais difícil perceber o custo de oportunidade das escolhas feitas.
Nas ilustrações acima, quanto mais alternativas houver para serem exploradas, mais definido será o custo de oportunidade de uma ação. Isso nos leva de volta à tese deste capítulo: quanto mais nos aprofundamos na trilha intervencionista, mais difícil será conceber alternativas liberais. Quanto mais intervencionista for uma sociedade, maior a quantidade de escolhas tomadas sob ambientes controlados centralmente, sobrando menos espaço para que a ação livre tente caminhos alternativos não imaginados anteriormente. Menos soluções tentadas simultaneamente – menor imaginação a respeito de alternativas.
O leitor pode testar essa tese propondo, em encontros com colegas, a desestatização de qualquer serviço, ou uma reforma mais modesta, mas na direção de menor controle. A reação negativa sempre inclui observações sobre a impossibilidade de se viver sem as instituições presentes. Sem regulação no setor aéreo, o que garante que rotas menos importantes seriam mantidas? Sem correio estatal, o que garantiria que cartas seriam entregues em lugares remotos? Sem reservas fracionárias, o que garantiria que a poupança financiasse o investimento? Sem bancos centrais, o que garante que os preços sejam estabilizados? Sem faróis estatais, o que garante que os navios não se choquem com recifes, já que seria impossível cobrar de navios que usem o serviço, mas se recusam a pagar por ele?
Em todos esses casos, a dificuldade em perceber que existiriam alternativas resiste até mesmo a ensaios históricos que mostram como as coisas de fato eram diferentes em tempos passados ou ainda hoje em outras sociedades. Embora Coase[3] tenha mostrado como na Inglaterra faróis sinalizadores privados resolveram o problema da cobrança de seus serviços, ainda assim esse serviço é utilizado nos livros-textos modernos como um dos principais exemplos de serviços que não poderiam ser ofertados por firmas privadas.
É sempre muito divertido mencionar a proposta de Hayek sobre a desnacionalização do dinheiro e observar a reação do seu interlocutor. Este, invariavelmente, ficará irritado com a simples discussão de uma hipótese interessante, mas radicalmente diferente das instituições que santifica. Ironicamente, será você o acusado de dogmatismo.
Naturalmente, propostas muito diferentes das adotadas no presente não passaram por um processo de seleção por tentativas e erros. Nesse caso, o conservadorismo tem papel crucial para a preservação da civilização. Contudo, isso não serve como desculpa para justificar indiscriminadamente o monopólio estatal e o status quo. Em muitos casos, se as alternativas fossem de fato inviáveis, porque o temor? Por que proibi-las? Além de preservar privilégios, a garantia do monopólio impede que alternativas sejam vislumbradas.
Em um mundo intervencionista, o estatista é o verdadeiro conservador. Uma crucial tarefa “progressista” do liberal será então mostrar que existem alternativas ao estatismo, por meio de estudos teóricos e históricos que mitiguem a falta de imaginação a respeito do custo de oportunidade das escolhas de políticas econômicas.
O uso de trabalhos históricos, em particular, seria muito importante para o desenvolvimento do estudo comparativo de instituições proposto ao longo deste livro. Porém, a História é um campo do conhecimento fortemente influenciado pelo pensamento marxista e raramente podemos encontrar análises que levam em conta a teoria econômica atual. Concluiremos assim a segunda parte deste livro com a discussão da importância da ilustração histórica de nossa teoria do intervencionismo.
[1] As características da noção de custo que exploraremos aqui são expostas de forma brilhante por Buchanan (1993).
[2] Hayek (1937).
[3] Coase (1974).