Os recentes eventos ocorridos em Wall Street, o colapso da Lehman Brothers e a liquidação da Merrill Lynch, são eventos magníficos e inspiradores. Estamos testemunhando a ocorrência de mudanças fundamentais e impetuosas, uma imensa reviravolta que afeta toda uma sociedade, e para melhor. Trata-se de uma realocação maciça de recursos, em que estes são retirados de aplicações falhas e redirecionados para aplicações mais produtivas.
Centenas de bilhões de dólares estão em movimento, arrasando tudo que se ponha no caminho. E, contudo, observe uma coisa: o que está realizando isso não é uma guerra. Não é a violência. Nada disso é resultado de um comitê de planejamento central. Nenhuma eleição foi necessária. Nenhum ato terrorista ocorreu. Não houve um decreto governamental.
O agente de mudança aqui é a combinação de todas as trocas mundiais que implacavelmente direcionam recursos para essa e para aquela direção, de forma a encontrarem as aplicações mais economicamente valiosas em uma determinada sociedade.
Não há uma pessoa no comando. As inúmeras decisões tomadas por milhões e bilhões de pessoas são o mecanismo essencial que faz com que o processo siga adiante. Todas essas decisões, escolhas e palpites são agregados em um único número chamado preço, e esse preço pode então ser utilizado naquele simples processo de cálculo que indica sucesso ou fracasso. A cada instante de tempo ao redor do mundo esse cálculo é feito, e resulta em mudanças, circulação e progresso.
Mas por mais formidáveis que sejam essas mudanças e movimentos diários, o que é realmente inspirador são os imponentes atos de destruição criativa, como quando empresas tradicionais como a Lehman Brothers e a Merrill Lynch derretem perante nossos olhos, tendo seus ativos bons transferidos para mãos mais competentes e seus passivos ruins banidos da face da terra.
Esse é o tipo de choque e espanto que todos nós deveríamos celebrar. Conquanto seja algo que vai contra os desejos de todos os principais jogadores, é algo que vai de acordo com o desejo da sociedade como um todo. É nada mais do que uma imposição do mercado, que é quem dita o que é desnecessário e supérfluo, e que por isso deve ser liquidado. Não importa quão grande, quão arraigada, quão exaltada seja a instituição, ela sempre estará vulnerável às forças do mercado, que podem dizimá-la a qualquer momento[*] — tanto quanto a barraquinha de limonada da esquina.
A necessidade de mudanças dramáticas é essencial para o progresso. Mas adaptar-se às constantes mudanças e tornar-se um agente daquela mudança, adaptando-se às tendências e se antecipando a elas, esse é o verdadeiro desafio. Decretar mudanças — qualquer tipo de mudança, mas principalmente as grandes e fundamentais — é algo que às vezes parece impossível nesse mundo. Todos nós desejamos isso e sabemos ser necessário. A busca por um renascimento tem seu encanto. Mas encontrar o mecanismo que torna isso possível é incrivelmente difícil.
Tente mudar uma instituição desde dentro e você encontrará resistência de tudo que é lado. Burocracias são quase impossíveis de serem alteradas. Mesmo empresas da iniciativa privada são relutantes em se adaptar, e só vai acontecer algum movimento quando houver empurrões significativos advindos dos livros contábeis. Igrejas e outras instituições de caridade podem murchar e morrer sem passar por qualquer mudança ou reestruturação fundamental. Muitas instituições crescem envoltas pelo princípio da “estabilidade em primeiro lugar”. A estrutura organizacional tende em direção ao modo defensivo, com todos os funcionários assumindo comportamentos discretos e resistindo em fazer algo de diferente hoje e amanhã em relação ao que fizeram ontem e anteontem. A inércia é o modo padrão.
Como evitar esse problema é o grande desafio. A teoria da democracia diz que todos nós, através do mecanismo do voto, somos capazes de promulgar e forçar mudanças. Mas o problema é que votos e alterações da equipe mudam apenas o semblante do governo, mas não vão muito além da superfície. Guerras e revoluções podem gerar mudanças, mas a um custo muito alto. Já a mudança moldada pelo mercado vai direto ao âmago da questão. Ela cria e quebra instituições inteiras, algumas vezes da noite para o dia. E o faz de maneira benéfica para o todo, sem sangue e sem riscos de criar calamidades imprevistas.
Todos os planos dos figurões, todas as vontades dos nossos governantes supremos, todos os desejos e sonhos das pessoas que se imaginam maiores e mais importantes que o resto de todos nós, derretem como neve em um dia ensolarado.
Nesse sentido, o mercado é a grande força niveladora, a força do universo que torna humilde todas as pessoas e que as relembra que elas não são mais importantes do que qualquer outra; e que suas vontades devem, em última instância, ser postas de lado quando defrontadas com o devastador desejo dos participantes do mercado de que uma outra realidade surja.
Por essa razão, todos têm motivos para celebrar o fim da Lehman e da Merrill. Durante a noite, enquanto dormíamos, os aparentemente poderosos se tornaram humildes, os primeiros se tornaram os últimos e os últimos viraram os primeiros. Os maiores se tornaram os menores, e tudo isso sem que um único tiro fosse disparado.
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[*] Assim como aconteceu com a Varig, por exemplo. [N. do T.]