Multimilionários como Hillary Clinton e Lou Dobbs (apresentador da CNN, conhecido como o paladino da classe média) ganham seu sustento defendendo a classe média americana. Eles estão corretos quanto ao problema, mas o remédio que sugerem – protecionismo, assistencialismo, regulamentações, subsídios e reforma tributária – iria apenas piorar o problema.
A classe média realmente enfrenta muitos problemas econômicos importantes, mas na realidade eles se resumem a três problemas atuais, e a um que vai se tornando cada vez mais volumoso, prestes a estourar no futuro. Todos esses quatro descendem de uma causa comum – o Federal Reserve (o Banco Central americano). E a história nos mostra que ou nós nos livramos dessa causa ou teremos de enfrentar um colapso econômico.
O primeiro e mais óbvio problema é a inflação de preços. Gasolina e leite custam hoje quase 4 dólares por galão. O óleo vegetal está custando $15 por galão e o preço do óleo de oliva que costumo comprar acabou de aumentar 25%. Recentemente espiei de maneira sorrateira o gerente do mercado onde compro (ele estava remarcando os preços dos produtos que já estavam nas prateleiras). Atrás dele, eu comentei: “Ei, pare de provocar inflação”. Ele se virou para mim com um olhar preocupado e disse suavemente: “Pois é, eu sei, os preços de tudo estão subindo”.
Também recentemente eu estava fazendo compras em uma mercearia que só vende comidas naturais e orgânicas, como nozes, grãos, farinha de todos os tipos, etc. Os produtos eram dispostos em contêineres a granel de modo que você pode comprar a quantia exata que você quer a um preço bom. A gerente da loja e o balconista estavam debatendo como eles poderiam criar uma lista de preços que fosse fácil de ser atualizada. A lista que existia era mudada tão frequentemente que já estava praticamente inutilizável. A gerente me disse que praticamente tudo o que ela encomendava estava vindo com preços mais altos. Ela se disse assustada e murmurou algo sobre construir um abrigo subterrâneo.
O preço do ouro tem subido constantemente, um sinal claro de inflação monetária e de problemas econômicos. Adicionalmente, tudo que é importado também está mais caro, até mesmo produtos da China. Conheço várias pessoas que cancelaram seus planos de visitar a Europa e é cada vez mais comum ver os destinos turísticos dos EUA abarrotados de estrangeiros. Isso se deve ao valor declinante do dólar, mas esse declínio é o resultado da inflação monetária feita pelo Federal Reserve. Sim, o “programa” do etanol é uma estupidez, e sim, ele aumenta o preço do milho, mas ele não causa inflação por si só.
O segundo problema é o colapso do mercado imobiliário. Tivemos uma prosperidade súbita e relativamente longa nesse setor, e agora enfrentamos as inevitáveis conseqüências. As pessoas estão empobrecendo, proprietários de casas estão tendo suas hipotecas executadas porque eles não conseguem pagá-las e operários da construção civil e empreiteiros estão encontrando menos trabalho e mais desemprego. Esses problemas inevitavelmente escorrem até as indústrias relacionadas, como os credores hipotecários, os bancos, as madeireiras, os negociantes de móveis e de utensílios domésticos, os decoradores e paisagistas, etc. E, finalmente, o problema acaba vazando para toda a economia por causa das reduções na renda e no gasto, de modo que até mesmo restaurantes, vendedores de tecidos, artistas, etc. enfrentam uma redução nas vendas e possíveis falências.
Por todos os cômputos, a economia americana enfrenta um momento de correção, e praticamente todos que vivem no mundo real acreditam que ela está em recessão. É provável que isso se intensifique porque ainda existem vários investimentos problemáticos esperando o momento de sua inevitável correção. O reembolso de impostos feito pelo governo, assim como as medidas inéditas tomadas pelo Federal Reserve para salvar Wall Street não vão impedir que essa recessão venha a acontecer. O parecer do Fed e de seus asseclas é que não foram eles que causaram a bolha imobiliária e, muito menos, o colapso dela. Quando a recessão se tornar oficial, eles vão alegar que fizeram tudo que podiam para impedi-la e para torná-la menos severa. O Federal Reserve culpa os consumidores pela atual bagunça. E a verdade é que é o Fed quem deve ser responsabilizado.
O terceiro problema que enfrentamos é a questão da distribuição de renda. Nos últimos vinte e cinco anos, os EUA se tornaram uma nação mais rica. Entretanto, a distribuição de renda tem sido em favor dos mais ricos e em detrimento da classe média. Muitos americanos ganham acima de $1 milhão por ano e alguns poucos ganham mais de $1bilhão de dólares por ano, incluindo vários administradores de fundos hedge. Ao mesmo tempo, as pessoas das classes trabalhadoras viram seus salários – que são ajustados pela inflação – se estagnarem ou até mesmo caírem. Esse tipo de resultado poderia muito bem advir de forças econômicas naturais, mas ele também pode ser o resultado de políticas governamentais que sistematicamente favorecem uma classe econômica em detrimento de outra.
É claro que o maior beneficiário da inflação praticada pelo Federal Reserve é o próprio governo, mas, além disso, as políticas do Fed colocaram uma divisória na escala de renda, favorecendo imensamente aqueles no topo em prejuízo de todos nós da escala inferior. Sua política de inflar a oferta monetária, manter baixas as taxas de juros, e, por fim, salvar financeiramente aqueles que têm prejuízos nas subseqüentes e inevitáveis crises financeiras tem sido uma grande bênção para todos que estão no escalão superior do sistema bancário e financeiro. O Fed não apenas barateou o insumo (o crédito) dessa classe, como também reduziu enormemente sua preocupação principal (riscos de perdas). Isso explica os lucros extraordinários obtidos nos mercados financeiros.
Imagine que você e eu tenhamos as duas únicas empresas que produzem e distribuem massas em nível nacional e que nós dois desfrutamos de uma grande lealdade dos nossos respectivos consumidores. O governo então aprova duas leis. A primeira cria um subsídio gigantesco para o trigo, que é o principal ingrediente dos nossos produtos. A segunda oferece bilhões de dólares em contratos de pesquisa para a publicação de artigos que versam sobre os benefícios à saúde de se comer massa. O que você acha que iria ocorrer com as nossas rendas sob essas circunstâncias? O Fed faz algo similar – e clandestinamente – para os bancos e para Wall Street.
O Fed sempre foi uma fraude para iludir a classe média, mas a lição da redistribuição da renda é bem menos conhecida do que as conexões entre o Fed, a inflação de preços e os ciclos econômicos (e mesmo essas não são amplamente conhecidas por todos). Mesmo que alguns economistas tradicionais reconheçam, vez por outra, o impacto negativo da inflação sobre os salários reais, poucos estão dispostos a admitir que existem beneficiários e perdedores. De fato, a política do Fed de manter baixas as taxas de juros não só estimula a gastança e os empréstimos, como também desestimula aquilo que mais ajuda as pessoas a ascenderem às classes econômicas mais altas – a poupança. Portanto, já deveria estar claro que o Fed está trabalhando sistematicamente contra os interesses do americano comum.
Com a inflação vem também a “maldição do ganhador”. Grandes riquezas, especialmente quando são rápida e facilmente conquistadas, podem ter efeitos perniciosos sobre o caráter de uma pessoa e em seus relacionamentos. Antigamente dizia-se que tal pessoa “caiu no luxo”. No século XVIII, isso também era chamado de epicurinismo ou o que podemos chamar hoje de hedonismo. No rastro das bolhas havidas nas empresasMississipi e South Sea, muitos estudiosos do século XVIII foram rápidos em ligar crédito público ao “luxo”.
Em 1999, tive uma longa conversa com o administrador de três casas de praia que pertenciam a um importante – e hoje completamente execrado – executivo. O trabalho integral desse administrador era coordenar todos os decoradores, projetistas e empreiteiros que trabalhavam nessas três volumosas casas de praia. Por exemplo, era comum que o assoalho de uma das casas tivesse que ser reconstruído especialmente para uma festa. Todas as instalações do banheiro eram trocadas de prata para ouro e depois novamente para prata. Os banheiros eram alterados de maneira tal que requeriam um encanamento novo a cada troca. Festas majestosas eram planejadas apenas para ser canceladas no último minuto. Sempre que eu leio ou ouço a palavra “devassidão”, essa conversa retorna gritantemente à minha memória.
O Federal Reserve também desempenha um papel central no futuro problema da falência nacional. Com a sua habilidade de criar dinheiro do nada, o banco central encoraja o governo a pegar dinheiro emprestado para fazer gastos correntes e a fazer promessas que de outra maneira ele não poderia cumprir. Monarquias podiam pegar emprestado grandes somas de dinheiro porque elas controlavam tarifas, receitas coloniais e vendiam alvarás e direitos monopolísticos. E se as coisas piorassem pra valer, elas podiam e iriam depreciar a moeda. Governos republicanos não podiam fornecer aos financiadores a mesma garantia que a autoridade suprema e a linhagem familiar podiam. Isso era obviamente uma coisa boa, e os primeiros governos republicanos, como os de Veneza e Amsterdã, prosperaram sem dívidas. Isso também foi verdade para os EUA e, em um grau menor, para a Inglaterra.
Com o tempo, Veneza, Amsterdã e a Inglaterra adotaram bancos centrais. Esses bancos ajudaram a pagar por guerras desnecessárias, por colônias não-lucrativas e também a expandir o estado em casa. Com o tempo, todos esses bancos centrais geraram crises econômicas e desvalorizações. Enquanto isso, os EUA permaneceram relativamente livres de um banco central durante o século XIX e se tornaram a superpotência econômica mundial. O país só começou a sofrer com o crescimento do governo, com guerras contínuas, com um império colonial em constante expansão e com uma dívida nacional em crescimento descontrolado quando o Federal Reserve foi criado em 1913. O ritmo da mudança acelerou quando se deu a ruptura do último laço que havia com o padrão-ouro, em 1971.
A atual dívida nacional americana está rapidamente chegando a $10 trilhões e a soma total das obrigações futuras não consolidadas está se aproximando dos 60 trilhões de dólares atuais. Essas obrigações são literalmente avassaladoras e continuam crescendo. Podíamos simplesmente dar o calote e, assim, arruinar o crédito futuro do governo. Alternativamente, podemos cortar o tamanho do governo e pagar a dívida, mas isso parece risível dado o atual clima político. O caminho mais provável é o de mais inflação. O Fed pode imprimir mais dinheiro e, com isso, decrescer o valor real dos benefícios governamentais, das pensões, dos títulos, etc., bem como o valor do dólar. Mais uma vez, quando o inevitável se impor sobre Washington, DC, pode apostar que Washington vai jogar o ônus de seu próprio “luxo” nas costas do americano comum.
A única maneira de evitar esse cenário é restabelecer o padrão-ouro. Dentre as alternativas, essa é a que produziria o menor tormento econômico, sendo que a grande parte desse tormento iria ser sentida pelos beneficiários do Fed que estão no topo da escala da riqueza, ao invés de nós, que estamos bem abaixo. Ademais, o padrão-ouro nos protegeria contra o retorno das políticas ruinosas engendradas pelos bancos centrais. Essencialmente, o padrão-ouro cria um campo de batalha nivelado entre os cidadãos, os interesses financeiros e o governo. Para terminar, vale a pena citar um trecho do grande Joseph Schumpeter falando sobre a necessidade política do padrão-ouro:
“[O padrão-ouro] é extremamente sensível aos gastos governamentais e até mesmo a atitudes ou políticas que não envolvam gastos diretamente como, por exemplo, política externa, certas políticas de taxação e, em geral, precisamente todas aquelas políticas que violam os princípios do liberalismo econômico. Esta é a razão pela qual o ouro é tão impopular agora e também o motivo de ele ter sido tão popular na era burguesa. Ele impõe restrições sobre governos e burocracias, restrições essas que são muito mais poderosas do que meras críticas parlamentares. Ele é tanto a insígnia como a garantia da liberdade da classe média – da liberdade não simplesmente no interesse da classe média, mas liberdade no sentido ordinário do termo. Nessa perspectiva, um homem pode racionalmente lutar pelo padrão-ouro, mesmo se totalmente convencido da validade de tudo que já foi ressaltado contra ele em termos econômicos. Da perspectiva do estatismo e do planejamento central, um homem não pode condená-lo de maneira menos racional, mesmo se totalmente convencido de tudo que já foi ressaltado a favor do padrão-ouro em termos econômicos. (Schumpeter 1954, 405-6)”
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Referências
Schumpeter, Joseph Alois. 1954. História da Análise Econômica. New York: Oxford University Press.