A hiperinflação mais negligenciada da história

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Yugoslavia-–-500-billion-dinar-1994Ao contrário do que afirma a maioria dos historiadores, a hiperinflação ocorrida na Alemanha no período 1922-23, na qual a taxa mensal de inflação de preços chegou a um pico de 29.500% no mês de outubro de 1923, não foi a mais alta da história.
A maior taxa de hiperinflação mensal da história foi registrada na Hungria, em julho de 1946, e foi 12 ordens de magnitude maior do que esta apresentada pela República de Weimar: 41.900.000.000.000.000% (quase 42 quatrilhões por cento). Para se ter uma ideia mais exata, isso representa uma taxa de inflação diária de 207%, o que significa que os preços dobravam a cada 15 horas.

Como sempre ocorre com vários dados econômicos e financeiros, esse histórico húngaro simplesmente foi relegado àquilo que George Orwell chamou de “buraco da memória”.

O que nos remete a um outro caso de hiperinflação que também foi muito mais virulento do que o sempre citado episódio de Weimar, mas que infelizmente já foi quase que completamente esquecido. Tal episódio ocorreu na Iugoslávia durante a década de 1990 e simplesmente não ficou registrado na consciência do público. Na condição de conselheiro do vice-presidente da Iugoslávia Živko Pregl, de 1990 a junho de 1991, eu havia alertado sobre a iminência deste fenômeno. E foi sem nenhuma surpresa que registrei os eventos decorrentes.

Como tudo ocorreu? De 1971 a 1991, a taxa média de inflação anual da Iugoslávia foi de 76%. Durante este mesmo período, apenas Zaire, Argentina e Brasil superaram esta pavorosa marca. Mas as coisas pioraram — e muito. No dia 7 de janeiro de 1991, o governo federal do primeiro-ministro Ante Markovic descobriu que o parlamento sérvio, sob o controle de Slobodan Milosevic, havia secretamente ordenado ao Banco Nacional Sérvio (um banco central regional) que emitisse dinares equivalentes a US$1,4 bilhão para financiar os amigos de Milosevic.

Esta pilhagem ilegal equivalia a mais da metade de todo o dinheiro que o Banco Nacional da Iugoslávia pretendia criar em 1991. Este golpe sabotou os já hesitantes planos de reforma econômica do governo Markovic, e solidificou a determinação dos líderes da Croácia e da Eslovênia de se separar da República Federal Socialista da Iugoslávia.

Sem os croatas e os eslovenos para espoliar, Milosevic recorreu diretamente à impressora do banco central. E com fúria. Começando em janeiro de 1992, o que restou da Iugoslávia sofreu a segunda maior e a segunda mais longa hiperinflação da história mundial.

A inflação de preços chegou ao ápice em janeiro de 1994, quando a taxa mensal de inflação foi de 313 milhões por cento — quatro ordens de magnitude maior que a hiperinflação de Weimar, mas bem abaixo do recorde húngaro. Uma inflação de preços desta magnitude representa uma taxa diária de 64,6%, o que significa que os preços dobravam a cada 34 horas.

A hiperinflação iugoslava durou 24 meses, apenas dois meses mais curta do que a hiperinflação soviética do início da década de 1920.

Os resultados foram devastadores. Muito antes da OTAN bombardear a Iugoslávia em 1999, a insensatez monetária de Milosevic já havia destruído a economia. Arruíne uma economia e então comece uma guerra: um antiquíssimo truque de preservação do poder.

Durante o período de 24 meses de hiperinflação, a renda per capita da população despencou mais de 50%. Os cidadãos comuns foram forçados a utilizar e exaurir toda a poupança que mantinham em outras moedas mais fortes. Tendo exaurido essa poupança, as pessoas não mais conseguiam comprar comida no mercado negro (no caso, o livre mercado). Para não morrerem de fome, elas se alinhavam em enormes filas à porta de mercearias estatais à espera de rações de baixa qualidade que eram ofertadas irregularmente. Os mais sortudos recorriam a alguns parentes que viviam no interior do país.

Todos os postos de gasolina de Belgrado ficaram fechados por um longo tempo, com a exceção de um único posto que atendia exclusivamente estrangeiros e funcionários das embaixadas. A população acabou sendo obrigado a, diariamente, gastar uma enorme quantidade de tempo no mercado negro de câmbio, que era a única maneira de conseguir alguma moeda forte com a qual comprar alimentos no mercado paralelo. Era comum trocaram enormes pilhas de dinares praticamente inúteis por uma única cédula de marco alemão ou dólar americano.

Naquilo que se tornou um procedimento padrão de chefes de estado belicosos e sob pressão, Milosevic afirmou que os iugoslavos estavam sendo vítimas de influências externas. Sua tese era a de que a hiperinflação e as subsequentes privações haviam sido causadas pelos embargos impostos pelas Nações Unidas em maio de 1992 e abril de 1993.

Na realidade, a máquina de criar dinheiro de Milosevic foi colocada em rotação máxima para financiar sua máquina de guerra e sua limpeza étnica. Mais de 80% do orçamento da Iugoslávia era destinado às forças armadas e à polícia. Em dezembro de 1993, quase 95% de todos os gastos do governo eram financiados diretamente pela simples impressão de dinares.

A orgia monetária da Iugoslávia só foi interrompida porque a Casa da Moeda simplesmente não mais conseguiu acompanhar a demanda de Milosevic por mais dinheiro. A hiperinflação estava transformando cédulas de 500 bilhões de dinares em meros trocados antes de a tinta das cédulas secar. Felizmente, a capacidade produtiva da impressora se esgotou, e as autoridades não mais conseguiram manter o ritmo das impressões.

No dia 6 de janeiro de 1994, o dinar oficialmente entrou em colapso. O governo então criou um pseudo-Currency Board tendo o marco alemão como moeda de reserva. De início, o sistema funcionou. A inflação caiu de 312 milhões por cento em janeiro para 2.143% em fevereiro e para -6,2% em março. Porém, já no final de 1995, todas as brechas deste pseudo-Currency Board já estavam visíveis para todos, e a inflação voltou. O dinar foi desvalorizado em 62,6% em novembro daquele ano e depois em 57,9% em abril de 1998. E então o câmbio passou a flutuar. Após a guerra do Kosovo e com a saída de Milosevic, e com a eleição de um novo presidente em 2000, as coisas se estabilizaram.

Para ilustrar esta horrenda história, nada mais eficaz do que observar as devastadoras desvalorizações que repetidamente dizimaram o dinar. Entre 1º de janeiro de 1991 e 1º de abril de 1998, o dinar foi oficialmente desvalorizado 18 vezes. Dentre essas 18 vezes, em três ocasiões a desvalorização excedeu 99,99%. Ao todo, nada menos que 22 zeros foram cortados da unidade de conta.

Para se ter uma ideia do impacto sobre a população local, pense no atual valor da sua conta bancária e então desloque a vírgula 22 casas decimais para a esquerda. Agora tente comprar algo com esse valor.

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Steve Hanke
Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

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