A importância do revisionismo

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John Bright (1811-1889), e Richard Cobden (1804-1865)

O rei da Prussia, Frederick II (“o grande”), confessou que ele tomou a província de Silésia da imperatriz Maria Teresa em 1740 porque, como um recém-chegado ao trono, ele tinha que colocar seu nome na história. Isto causou a guerra com a Áustria que culminou em uma guerra a nível global (na guerra indiana, francesa e da América do Norte), e continuou até 1763. Obviamente, dezenas de milhares morreram nesta sequência de guerras.

Entretanto, geralmente os estados são muito mais prudentes quando se trata de revelar os verdadeiros motivos de suas guerras e os métodos que usam para conduzi-las. Pretextos e evasivas proliferam. Nas sociedades democráticas, eles são corroborados – e muitas vezes inventados – por escritores e intelectuais condescendentes.

Desmascarar estas desculpas para a guerra é chamado de revisionismo histórico, ou simplesmente revisionismo.

Revisionismo e o liberalismo clássico (que hoje é chamado de libertarianismo) sempre foram intimamente ligados.

O grande pensador liberal clássico em assuntos internacionais foi Richard Cobden, cuja cruzada contra as Corn Laws resultou em livre comércio e prosperidade para a Inglaterra em 1846.  A obra em dois volumes de Cobden, Political Writings (republicada pela Garland Publishing em 1973) lida em sua totalidade com a política externa britânica.

Cobden sustentava que, “A classe média e trabalhadora da Inglaterra só podem se interessar pela preservação da paz. As honras, a fama, as compensações de guerra não pertencem a ela; o campo de batalha é o local de colheita da aristocracia, irrigado pelo sangue do povo.” Ele ansiou por uma época onde o slogan “nenhuma política externa” se tornasse o lema de todos que se considerassem representantes de um povo livre. Cobden chegou a traçar a origem da calamitosa guerra inglesa contra a França revolucionária – que acabou apenas em Waterloo – ao medo e ódio que as classes altas britânicas tinham das políticas anti-aristocráticas francesas.

Reprimir a aristocracia por seu suposto desejo de guerra era o padrão dos escritores liberais das primeiras gerações. Mas a opinião de Cobden começou a mudar quando ele observou entusiasmo popular intenso pela Guerra da Crimeia, contra a Rússia e a favor dos turco-otomanos. Sua oposição explícita a guerra, auxiliado pelo seu amigo e co-líder da Escola de Manchester, John Bright, custou a ambos seus postos no parlamento britânico nas eleições subsequentes.

Bright viveu 20 anos a mais que seus colegas, testemunhando a crescente paixão imperialista de seu país. Em 1884, o famoso primeiro ministro liberal, William Gladstone, ordenou que a marinha britânica bombardeasse Alexandria, para que as dívidas que os egípcios tinham com investidores britânicos fossem pagas. Bright a rejeitou desdenhosamente a chamando de “guerra de agiotas”, e pediu demissão do gabinete britânico. Mas ele nunca esqueceu do que o levou a começar a trilhar o caminho do anti-imperialismo. Quando Bright passou com seu neto mais novo na frente da estátua de Londres chamada “Criméia”, o garoto perguntou o significado do memorial. Bright respondeu, simplesmente, “Um Crime”.

Herbert Spencer, o filósofo mais lido de sua época, se enquadrava na tradição liberal clássica. Sua hostilidade ao estatismo é exemplificada por sua declaração de que, “Sendo ou não verdade que o Homem é moldado em iniquidade e concebido em pecado, é inquestionavelmente verdade que o Governo é gerado por agressão e para agressão.” Enquanto notava a tendência inerente do estado a “militância” – ao contrário do intercâmbio pacífico da sociedade civil – Spencer denunciou as diversas apologias das guerras de seu país durante sua vida, na China, África do Sul e alhures.

Nos Estados Unidos, o autor e ativista Lysander Spooner era um renomado abolicionista, até mesmo conspirando com John Brown para promover uma insurreição servil no Sul. Todavia ele se opôs radicalmente a Guerra Civil, argumentando que ela violava o direito de secessão dos estados sulistas de uma união que não mais os representava. E. L. Godkin, influente editor da revista The Nation, se opôs ao imperialismo americano até o fim de sua vida, condenando a guerra contra a Espanha. Como Godkin, William Graham Sumner era um firme proponente do livre comércio e do padrão ouro e um inimigo do socialismo. Ele foi o primeiro professor de sociologia (em Yale) e foi o autor de muitos livros extraordinários. Mas seu trabalho mais duradouro foi o ensaio “A conquista dos Estados Unidos pela Espanha”, republicado muitas vezes e hoje disponível online. Nesta obra intitulada ironicamente, Sumner retratou a brutal guerra dos EUA contra as Filipinas, que custou a vida de 200.000 filipinos, como uma versão americana de imperialismo e desejo por colônias que levou a Espanha a lamentável condição de seu tempo.

Como era de se esperar, o revisionista liberal mais radical foi Gustave de Molinari, originador do que viria a ser conhecido como anarcocapitalismo. Em sua obra sobre a Grande Revolução de 1789, Molinari eviscerou o mito da fundação da República Francesa. A França estava procedendo gradualmente e organicamente em direção a uma reforma liberal no fim do século XVIII; a revolução pôs um fim neste processo, substituindo-o por uma expansão sem precedentes do poder do estado. Os autoproclamados partidos liberais do século XIX eram, na verdade, máquinas para a exploração da sociedade pelas agora vitoriosas classes médias, que lucravam com contratos do governo, tarifas e empregos disponíveis na eternamente crescente burocracia.

Em seu último trabalho, publicado um ano antes de sua morte em 1912, Molinari nunca cedeu. A Guerra Civil Americana não foi simplesmente uma cruzada humanitária para libertar os escravos. A guerra “arruinou as províncias conquistadas”, mas os plutocratas do norte mexeram os pauzinhos para alcançar seu objetivo: a imposição de um protecionismo pernicioso que no final das contas levou “ao regime de fundos e produziu os bilionários.”

O revisionismo libertário continuou no século XX. A Primeira Guerra Mundial forneceu uma bela safra, na qual podemos destacar The Myth of a Guilty Nation de Albert Jay Nock, e H. L. Mencken continuadamente expondo com espiritualidade as mentiras das guerras americanas e dos promotores dessas guerras. Na geração seguinte, Frank Chodorov, o último dos grandes da Velha Direita, escreveu “Isolacionismo não é uma diretriz política, é uma posição natural de uma pessoa.” Deixando-as escolher livremente, as pessoas “não sentem nenhuma vontade de impor seus próprios costumes e valores a estranhos”. Recusando-se de esquivar-se da palavra assustadora, Chodorov exortou uma “volta ao isolacionismo que por mais de 100 anos fez a nação prosperar e ganhar respeito e admiração do mundo”. Chodorov rompeu com a “nova Direita” (também conhecida como neocons daquela época) por causa de sua oposição a Guerra da Coréia.

Murray Rothbard foi o herdeiro de todo este legado, totalmente familiarizado com ele e o atualizando. Além de suas outras contribuições verdadeiramente maravilhosas, Murray e seu colega Leonard Liggio introduziram o revisionismo histórico ao florescente movimento libertário americano. Este é um trabalho que agora é levado em frente com muito gosto por Lew Rockwell, o Mises Institute e seus estudiosos talentosos.

 

Tradução de Fernando Chiocca

Artigo original aqui

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