A mentira esportiva

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Tamara e Irina Press

Na minha juventude, por mais difícil que seja me lembrar dela atualmente, eu era muito bom nos esportes. Nunca poderia, no entanto, ser mais que apenas muito bom neles, porque nunca os levei suficientemente a sério para isso. Um jogo era, para mim, apenas um jogo; eu me dedicava a ele de corpo e alma apenas enquanto ele estava sendo jogado. Depois que ele terminava, era como se não tivesse passado de fumaça dispersada pelo vento.

Não tinha nada contra aqueles que se dedicavam aos esportes, mas achava-os tolos; eu continuava a jogar tênis, regularmente, às vezes, mas vencer ou perder me causava apenas uma emoção fugaz, exultante ou triste, de acordo com o caso. Para mim, na verdade, o jogo é que importava.

Mas os Jogos Olímpicos me causaram repulsa desde o início, com suas conotações políticas perversas, ao mesmo tempo infantis e sinistras, suas trapaças óbvias (alguém realmente acreditou que Tamara e Irina Press eram mulheres como quaisquer outras?), seu falso amadorismo, e sua deformação de vidas humanas dedicadas, por exemplo, a arremessar o peso uma polegada à frente de onde ele havia sido arremessado antes. Uma vida passada nas minas de carvão me parecia muito mais bem vivida do que essa.

Desde então, minha maneira de encarar os esportes só se tornou mais inflexível, e sinto agora um desgosto visceral por eles. Se isto significa uma mudança em mim, ou nos esportes, não tenho certeza. Os esportes são, hoje em dia, um pouco como a propaganda numa sociedade totalitária: inescapáveis. Recentemente, por exemplo, estava num restaurante muito bom em Washington D.C., onde, apesar disso, havia uma grande televisão de tela plana que exibia um jogo de beisebol. Alguém me explicou certa vez as regras do beisebol, mas elas me entediaram antes mesmo que eu tivesse começado a compreendê-las. Os jogadores pareciam gordos demais para serem atletas de verdade, e as garotas sacudindo pompons e os homens vestindo as cores de seu time favorito pareciam arquétipos da suspensão espontânea da inteligência e do autorrespeito.

As coisas não são melhores na Europa, onde é o futebol que é inescapável. As pessoas falam sobre ele enquanto andam pelas ruas; os jornais estão repletos dele, e, na verdade, mais repletos dele do que qualquer outra coisa; os bares e pubs o transmitem, aparentemente, vinte e quatro horas por dia; e, o que é mais sinistro, as pessoas têm medo de não demonstrar qualquer interesse por ele.

Um antigo estudante meu, atualmente um eminente professor, deu recentemente uma entrevista num jornal acadêmico, e lhe foi perguntado sobre o que lhe dava mais prazer na vida. Ele respondeu que era quando o time pelo qual ele torcia marcava um gol.

Tentei imaginar o que seria pior, se ele estivesse mentindo ou falando a verdade. Se fosse verdadeiro, significaria uma existência um tanto quanto triste, na qual uma bola sendo chutada na rede do gol adversário por um mercenário muito bem pago, que jogaria sem pestanejar pelo oponente se lhe fosse oferecido alguns míseros milhões a mais por ano ou por semana para fazê-lo, e que não tinha qualquer ligação, seja ela geográfica, cultural, pessoal, familiar ou até mesmo nacional, com a região do time pelo qual ele jogava, era o ponto mais alto imaginável. Mas, se falso, por que a mentira, por que fingir que um gol marcado pelo “seu” time lhe era tão importante?

Ele não estava sozinho nessa deformação da alegria. Praticamente todas as pessoas importantes entrevistadas na imprensa ou em qualquer outro lugar alegam “torcer” por um time ou outro. Isto se tornou tão onipresente que não se pergunta aos entrevistados se eles se interessam por futebol, mas para que time torcem, como se fosse inconcebível eles não torcerem para time algum. Não me recordo de uma única pessoa que ousasse dizer com todas as letras que não tinha qualquer interesse por futebol, quanto mais que o abominasse.

Por que essa reticência? Será realmente verdade que todos os nossos políticos, principais executivos, intelectuais, cientistas, artistas, jornalistas, e assim por diante, são entusiastas deste esporte? Acredito que este suposto interesse pelo futebol é um apelo implícito a um igualitarismo puramente simbólico. Veja bem, diz o entrevistado, posso ganhar numa semana o que outros ganham durante toda uma vida, posso sentar no topo da árvore ou de toda uma floresta de árvores, posso ter casas em todos os lugares do mundo, frequentar apenas os círculos sociais mais elevados, mas na realidade sou exatamente como você: eu também amo, penso, sonho com o Juventus, Real Madrid, Corinthians ou Manchester United. O interesse compulsório pelo futebol é como a igualdade perante a lei, mas sem o significado filosófico dela. Ele só poderia existir numa era de ansiedade, justificada ou não, com a desigualdade econômica. O interesse pelo futebol é, para o grande executivo moderno, o que se vestir de camponesa era para Maria Antonieta (e veja de que lhe adiantou fazer isso).

Fiquei, portanto, extasiado quando descobri, recentemente, na França, um livro chamado L’Idéologie sportive: Chiens de garde, courtisans, et idiots utiles du sport (A Ideologia Esportiva: Cães de Guarda, Cortesãos e Idiotas Úteis do Esporte), um livro escrito por um grupo de autores anônimos da extrema esquerda que, com um toque sutil de um sarcasmo desdenhoso, dissecam e destroem as supostas justificativas do esporte no mundo moderno. Embora a minha visão de mundo seja diametralmente oposta à deles em diversos aspectos, me peguei rindo da maneira com que expuseram as idiotices cometidas por intelectuais em sua defesa desta arma de distração em massa que é o esporte.

O esporte é moral e financialmente corrupto, de cima a baixo. Sobre a corrupção nas camadas mais altas nem sequer é necessário falar. E as lições que ele ensina, até mesmo nos níveis amadores, são terríveis: vencer a qualquer custo, ser inescrupuloso, trapacear se necessário, utilizar drogas que o deixem mais forte. Ele desperta emoções primitivas, violentas, e parece estar piorando, nesse aspecto: os autores citam estatísticas que mostram que foram registradas agressões graves em 7750 jogos amadores de futebol na França entre 2006 e 2007, e, no ano seguinte, em 12.008 jogos (metade destes incidentes foi de violência real).

Não me lembro de ser assim na minha infância. Ocasionalmente, por exemplo, eu jogava uma ou outra partida de cricket nas quais, a despeito da competitividade, o bom humor e a conduta cavalheiresca prevaleciam (a menos que eu estivesse cego ao outro tipo). Mas, recentemente, estive presente numa partida de cricket de uma cidade pequena pela primeira vez em muitos anos, e descobri que até mesmo nesse nível, uma atividade chamada sledging, que consiste em insultar o oponente e intimidá-lo de diversas maneiras, teve que ser proibida, e os árbitros instruídos para expulsar de campo qualquer um que recorresse a ela. Isto era inconcebível, trinta anos atrás.

Nos últimos anos os esportes deixaram de ser um meio de propagar a cordialidade e passaram a ser um meio de destruí-la.

Restam-me poucos escrúpulos que me impedem de sugerir o banimento total dos esportes, que certamente seria a única maneira de eliminar o dopping e outras más condutas. O primeiro é que aqueles números sobre agressão e violência nas partidas de futebol amador francês compartilham de um erro estatístico comum entre os que desejam horrorizar seus leitores: eles são numeradores sem denominadores. Se tivéssemos 12.000 partidas com violência de um total de 13.000, os números seriam realmente chocantes; mas se fosse de um total de 12.000.000 de partidas, sua importância seria muito menor e nem um pouco chocante.

Meu segundo escrúpulo é que o homem sempre foi um vândalo, com tendências destrutivas e outras maldades para seu próprio deleite. Lembro-me da leitura que fiz de um livro brilhante muitos anos atrás do clássico Alan Cameron, intitulado Circus Factions: Blues and Greens at Rome and Byzantium, onde o autor demonstrou que a terrível destruição urbana acarretada por facções nos jogos não tinha nenhuma razão de ser, e não tinha nenhuma motivação política que autores anteriores relacionaram a ela. É simplesmente possível (embora eu geralmente seja avesso a este modelo hidrodinâmico de maldade humana) que se as pessoas não pudessem expressar suas maldades na arena esportiva, elas iriam expressa-la em algum outro local mais sério.

Então a questão se agiganta: O que é sério na vida? Por que não tanto o esporte quanto a filosofia?

Finalmente, o autor de L’Idéologie sportive deixa implícito que a grande massa é ludibriada por aqueles que lhe proporcionam o esporte, para seus próprios grandes lucros. As massas são ludibriadas, enganadas, da maneira que Marx pensou que os religiosos eram ludibriados e enganados. O esporte, diz o autor, é o ópio das massas.

Eu hesito em pensar que somente eu sou esperto, enquanto todos os outros (exceto aqueles poucos que concordam comigo) são tolos.

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Theodore Dalrymple
Theodore Dalrymple é médico psiquiatra e escritor. Aproveitando a experiência de anos de trabalho em países como o Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde trabalhou como médico em uma prisão, Dalrymple escreve sobre cultura, arte, política, educação e medicina. Além de seu trabalho em medicina nos países já citados, ele já viajou extensivamente pela África, Leste Europeu, América Latina e outras regiões.

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