Análise do livro Where Keynes Went Wrong And Why Governments Keep Creating Inflation, Bubbles, and Busts (Onde Keynes Errou e Por Que os Governos Continuam Criando Inflação, Bolhas e Recessões,) por Hunter Lewis, Axios Press, 2009
Os seguidores de Keynes frequentemente alegam que ele defendia o capitalismo. Suas medidas intervencionistas não tinham como finalidade a substituição do capitalismo pelo socialismo ou fascismo. Muito pelo contrário, alega-se: a intenção de Keynes era salvar e manter a ordem predominante.
De acordo com Keynes, o mercado livre e desimpedido não pode, por si só, se recuperar de uma severa depressão; na melhor das hipóteses, tal recuperação só viria após vários anos de privação e desemprego maciço. Assim, Keynes descobriu uma maneira por meio da qual o governo poderia devolver prosperidade à economia: aumentando os gastos públicos. Somente puristas teimosos e obstinados poderiam desdenhar dessa contribuição de Keynes ao capitalismo. Sem ela, não seria de se esperar que a pressão revolucionária se avolumasse e se transformasse em uma severa depressão, destruindo o capitalismo e substituindo-o pelo socialismo ou pelo fascismo?
O escritor Hunter Lewis convincentemente mostra o erro dessa (frequentemente divulgada) linha de raciocínio. Keynes, longe de ser o salvador do capitalismo, almejava substituir a livre iniciativa por uma economia controlada pelo estado – sendo que o estado seria gerido por “especialistas” como ele. Suas receitas para se resgatar a economia de uma depressão não salvam o capitalismo: elas deturpam o sistema de preços que coordena todo o sistema capitalista. Como era de se esperar, Keynes em momento algum apresenta argumentos sólidos para respaldar suas propostas revolucionárias. Muito pelo contrário: Keynes desafiava o bom senso e obstinadamente apelava aos paradoxos.
Com efeito, demonstra Lewis, todo o edifício keynesiano apóia-se em um paradoxo central: o de que obstruir o funcionamento do mecanismo central do livre mercado irá restaurar a prosperidade. O livre mercado funciona por meio do ajuste de preços. Se, por exemplo, os consumidores passam a demandar um produto em uma quantidade maior do que sua atual oferta, os ofertantes desse produto terão de elevar seus preços até que esse desequilíbrio deixe de existir. À medida que os consumidores vão alterando suas demandas, indo de um produto a outro, as empresas precisam ir ajustando seus planejamentos de produção de modo a satisfazer essas preferências cambiantes. Se elas não forem capazes do desafio, correm o risco de extinção.
Se uma economia está cambaleante e o desemprego está alto, isso significa que alguns preços estão muito fora do equilíbrio em relação a outros… Algumas empresas e algumas indústrias podem estar indo bem; outras podem estar em situação desesperadora. Nesse cenário, torna-se necessário fazer um ajuste de determinados salários e determinados preços dentro das empresas e entre elas, dentro das indústrias e entre elas, dentro dos setores e entre eles. Esses ajustes não são um evento único, que é feito apenas uma vez. Eles devem ser contínuos, uma vez que cada mudança leva sucessivamente a várias outras, formando um grande mecanismo de retroalimentação. (p. 232).
Os “remédios” receitados por Keynes para curar uma depressão paralisam esse processo de ajuste de preços. Em uma depressão, obviamente, vários negócios vão à falência. Ao falirem, eles liberam recursos – que até então estavam sendo mal utilizados – para ser empregados em outras atividades que farão com que as demandas do consumidor sejam mais bem satisfeitas. Se houver um aumento nos gastos do governo com o intuito de tentar estimular essas empresas falidas, as preferências dos consumidores serão prejudicadas. É exatamente isso o que Keynes propôs.
Ademais, Keynes ignorou a importância de um fator essencial. A taxa de juros também é um preço. Ela reflete as preferências dos consumidores por bens atuais em relação aos bens futuros: quanto maior a preferência temporal (isto é, quanto mais imediatista for o desejo de consumo, quanto mais preferível for satisfazer suas preferências no presente em relação ao futuro), maior a taxa de juros. O principal objetivo de Keynes na política econômica – não apenas para combater depressões, mas em termos mais gerais – era manter uma taxa de juros baixa: idealmente, ela deveria ser totalmente abolida. Tal medida vai totalmente contra as preferências do consumidor. Se a taxa de juros é forçada para um nível menor do que aquele que prevaleceria em um mercado livre e desimpedido, então as pessoas estão sendo forçadas a investir mais do que desejam.
Essa postura vai totalmente contra a teoria austríaca dos ciclos econômicos, a qual Lewis aceita por completo. A teoria austríaca nos diz que forçar a taxa de juros para um nível menor do que a taxa natural de livre mercado pode gerar uma expansão econômica insustentável. Porém, mesmo se essa teoria estivesse errada, a interferência na taxa de juros ainda assim iria distorcer o sistema econômico.
As empresas e os negócios dependem dos preços para lhes dar a informação que elas utilizarão para gerir seus empreendimentos. Se o sistema de preços para as taxas de juros está quebrado, então o sistema de preços de toda a economia será afetado. (p. 90)
Impedir que esse sistema de preços funcione não parece ser uma medida muito sábia. Por que então Keynes a recomendou? Ele argumentava que, em uma depressão, a ação governamental é necessária para prevenir o desastre. Se permitirem que as empresas quebrem, então uma onda de pessimismo será desencadeada. Empreendedores irão presumir que haverá novos e mais profundos declínios, e toda a economia entrará numa espiral descendente até chegar ao desastre completo.
Lewis não tem dificuldade em mostrar que essa linha de raciocínio é falaciosa. Por que, afinal, os recursos não seriam retirados daqueles negócios que estão falindo e direcionados para outros mais propícios à sua utilização, sem que isso provocasse um cataclisma geral? Keynes pressupunha, sem fundamentos adequados, que os investidores eram guiados por um irracional “espírito animal”. Keynes condenava aquilo que ele veio a chamar de “capitalismo de cassino”. Investidores, na visão dele, tomavam decisões irracionais baseando-se naquilo que eles supunham que os outros iriam fazer. Mas a realidade é oposta: o livre mercado elimina os empreendedores incapazes de prever acuradamente os desejos dos consumidores e recompensa aqueles mais versados nessa tarefa. Durante uma depressão, há aquilo que Rothbard chamou de “aglomerado de erros empreendedoriais” – e a tarefa de uma correta teoria dos ciclos econômicos é explicar esse fenômeno. Keynes não foi capaz de fazê-lo. Ele joga a culpa no seu “espírito animal”: os investidores por algum motivo perdem maciçamente a confiança em tudo. Mas ele não explica o motivo dessa onda de pessimismo.
Mas mesmo que Keynes não tenha explicado por que ocorrem essas oscilações entre otimismo e pessimismo, será que isso invalida seu remédio para depressões? Afinal, Keynes fornece um motivo para não se permitir que os preços caiam durante uma depressão: isso iria desencadear uma onda de reduções adicionais, levando a uma situação muito pior. Mais uma vez, Lewis desafia Keynes: por que uma redução nos preços iria induzir os empreendedores a presumir ainda mais reduções, de maneira tal que a economia seria lançada em uma desastrosa espiral descendente? Se o argumento é o de que preços menores, em conjunto com salários menores, irá gerar expectativas de gastos menores, então tudo é uma enorme confusão.
E quanto à alegação de que cortes salariais irão gerar um efeito contrário e reduzir o poder de compra do trabalhador, o que por sua vez irá reduzir as receitas das empresas? Como Henry Hazlitt observou, Keynes confunde salário com renda… enquanto os preços estiverem caindo mais rapidamente do que os salários, a renda real (ajustada pelos preços) do trabalhador estará na verdade subindo. (p. 228)
Lewis mostra de maneira completa que Keynes tinha muito mais em mente do que uma cura para as depressões. Ele achava que uma situação de expansão econômica poderia ser permanentemente mantida se as taxas de juros fossem diminuídas até quase zero. Dessa forma, a escassez de capital poderia ser abolida. NaTeoria Geral, Keynes disse:
O remédio para a expansão econômica não é uma taxa de juros mais alta, mas uma mais baixa! Pois isso pode fazer com que a expansão se prolongue indefinidamente. O remédio certo para o ciclo econômico não será encontrado na abolição das expansões, o que nos deixaria em uma semi-recessão; mas sim na abolição das recessões, o que nos deixaria permanentemente em um estado de quase-expansão (pp. 20-21)
Não é uma doutrina incrível? A taxa de juros deve ser reduzida por meio de uma expansão do crédito. Mas a produção só pode aumentar se houver um aumento dos bens de capital. Colocar pedaços de papel denominados “dinheiro” em circulação não irá por si só aumentar a prosperidade, mesmo que esse novo dinheiro seja – como Keynes desejava – integralmente gasto ao invés de guardado. Pensar que tal medida gera riqueza e crescimento seria incorrer em algum tipo de superstição.
Mas Keynes não se dava por satisfeito em recomendar inflação como o segredo para promover a prosperidade. Ele estendeu suas ideias e as transformou em uma completa teoria inflacionista da história. “Que o mundo após vários milênios de constante poupança individual esteja tão pobre”, afirmou Keynes, “é algo a ser explicado… [pelas] altas taxas de juros” (p. 17).
Uma característica recorrente em Keynes é a utilização de palpites não sustentados em fatos. Como explica Lewis,
Keynes não oferece nem sombra de evidência de que a poupança excedeu o investimento ao longo da história humana. Esse era outro de seus palpites.
Ele está correto em dizer que sociedades ricas, assim como indivíduos ricos, poupam mais. Mas disso não se segue que elas produzem mais poupança em “excesso” ou “não utilizada”.
Lewis demonstra que Keynes frequentemente recorria a um palpite próprio para decidir um determinado ponto em seu raciocínio que não podia ser decidido em bases teóricas. A direção de seus palpites sempre ia na mesma direção que seu argumento tinha de ir, o que o permitia obter o resultado que quisesse. Como Lewis demonstra, Keynes na realidade já tinha as respostas antecipadamente; ele sabia que tipo de recomendações políticas queria fazer e ele construiu seu sistema intelectual de modo a chegar exatamente a essas respostas. Naqueles casos para os quais existiam dados empíricos na época de seus escritos, Keynes frequentemente os descartava sem qualquer contraprova.
Entretanto, o programa de Keynes ia muito além da expansão monetária. Ele queria que o governo assumisse o comando dos investimentos. Planejadores centrais iluminados e clarividentes guiariam a economia de maneira muito mais sábia do que os especuladores do “capitalismo de cassino”. Ele afirma na Teoria Geral defender “uma socialização um tanto abrangente do investimento” (p. 56).
Esse programa não parece posar uma severa ameaça à liberdade, de uma maneira já explicada classicamente por Friedrich Hayek em O Caminho da Servidão? Como as liberdades civis podem ser preservadas em uma economia controlada pelo estado? Desse perigo Keynes parecia estar bem ciente, tanto que ele elogiou Hayek por ter escrito “um grande livro”, com o qual ele estava “moralmente e filosoficamente” de acordo. Mas isso não o levou a abandonar sua inclinação pelo planejamento central. Ele achava que os perigos do planejamento poderiam ser revertidos se as decisões fossem entregues a sábios especialistas – especialistas em que ele próprio era o supremo líder. A vaidade de Keynes não conhecia limites.
Lewis apresenta Keynes como um inflacionista, mas será que não há ressalvas? Keynes recomendava o aumento dos gastos em condições econômicas adversas, mas será que ele também não pedia uma restrição nos gastos tão logo o pleno emprego fosse atingido?
Nesse caso, os gastos iriam elevar os preços, sem qualquer efeito positivo. Em resposta a essa objeção, Lewis apresenta um de seus mais valiosos pontos. Sim, é verdade que é possível encontrar nos escritos de Keynes alguns alertas contra a inflação. Porém, Keynes delineou condições tão estritas para a ocorrência da inflação, que ela praticamente nunca existiria em seu sistema. Mais especificamente, enquanto houver algum tipo de desemprego, como inevitavelmente sempre há, não haverá inflação.
Lewis expôs com uma clareza inigualável os contornos do sistema keynesiano, e nos permitiu enxergar exatamente seus efeitos deletérios. Keynes desafiou o bom senso, sendo incapaz de sustentar os brilhantes paradoxos que seu fértil intelecto constantemente inventava. O livro de Lewis é um guia ideal para a economia perigosa e destrutiva de Keynes.