É cada vez mais frequente a identificação dadesigualdade de renda como a raiz de todo o mal, no mundo e no Brasil.
A solução sugerida para este problema é sempre a mesma: mais estado.
Ouvem-se — do “povo”, dos “intelectuais”, dos “políticos” — pedidos por mais impostos sobre riqueza, sobre capital, sobre patrimônio, sobre herança. Testemunhei pessoalmente um renomado professor de economia de uma universidade federal dizer que “riqueza existe para ser taxada”.
O “não-cientista econômico” (como ele mesmo se definiu certa vez) Thomas Piketty transformou-se em celebridade instantânea simplesmente por tentar prover um pano de legitimidade quantitativa que confirme aquilo que toda essa gente já tem há anos como verdade absoluta.
No Brasil, considerando a base de cálculo do imposto de renda recém-aprovada (com, mais uma vez, um reajuste menor que a inflação de preços acumulada, o que aumenta sorrateiramente a base de contribuintes e a arrecadação), uma pessoa com um salário mensal de R$ 50 mil paga nada menos que R$ 12.880,64 de Imposto de Renda por mês. São R$ 154.567,70 por ano, considerando 12 salários (para simplificar) e desconsiderando os abatimentos permitidos em lei.
Comparativamente, uma pessoa com salário de R$ 2 mil paga R$ 7,20 de IR por mês, ou R$ 86,40 por ano.
Isso significa que um único contribuinte com salário de R$ 50 mil paga, em imposto de renda, o mesmo que 1.789 trabalhadores com salário de R$ 2 mil.
Mais ainda: não seria exagero nenhum afirmar que esse contribuinte “rico” recebe de volta em serviços públicos financiados por seus impostos muito menos do que as 1.789 pessoas que ganham R$ 2 mil. Aliás, pode-se especular que ele recebe um retorno menor do que um único desses 1.789, já que o “rico” provavelmente não usa educação e saúde públicas, por exemplo. E provavelmente terá segurança privada. (O uso de infraestruturas públicas, como estradas federais não-concessionadas e aeroportos da Infraero, é custeado por taxas, como CIDE e taxas de embarque, pelas quais o “rico” paga).
No entanto, estão em curso várias tentativas paralelas de aumentar ainda mais os impostos sobre os “muito ricos”. O argumento rasteiro é que, em relação à renda, os “ricos” pagam menos impostos do que os “pobres”, devido ao peso dos chamados “impostos indiretos”, como aqueles sobre produção, comercialização e consumo, na carga tributária total do Brasil.
Esta matéria da BBC — para citar apenas uma de várias neste tema — diz que:
O grande problema é que esses impostos indiretos são iguais para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando mais os mais pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo, independentemente de sua renda. Logo, significa uma proporção maior da remuneração de quem ganha menos.
Este raciocínio é capenga, pois ignora um pequeno (mas nada desimportante) detalhe: “ricos” consomem mais que “pobres”. Alguém que ganha R$ 50 mil por mês não vai deixar o dinheiro na gaveta. Ele vai gastar, investir ou doar esse dinheiro. Se gastar, vai pagar imposto. Se investir, não apenas também vai pagar imposto como irá gerar emprego. Se doar para uma instituição de caridade, estará abrindo mão de consumir ou investir para ajudar alguém em situação de dificuldade, o que é mais ou menos o que o estado diz fazer ao tributar o “rico” para bancar programas sociais.
Logo, é incrivelmente ingênuo afirmar que “o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo”, como se isso significasse uma “injustiça tributária”. Um “rico” não vai comprar a mesma quantidade de arroz e bilhetes de metrô que o “pobre”. O “rico” vai consumir comidas mais caras e com carga tributária muito maior que a do arroz; e, em vez de andar de metrô, ele vai dirigir um confortável e seguro SUV importado (com tributação que talvez passe de dois terços do preço na etiqueta). Estando no Brasil, possivelmente vai ainda mandar blindar o carro, pagando sobre isto ainda mais impostos.
E o que dizer do título da matéria, “Rico é menos taxado no Brasil do que na maioria do G20”?
Em primeiro lugar, o que eles estão dizendo é que o “rico” paga menos imposto de renda no Brasil do que em outros países do G20 — logo, esse título tenta induzir à conclusão falsa de que a tributação total sobre o “rico” é menor.
Em segundo lugar, é razoável que os ricos paguem menos imposto de renda no Brasil do que na média do G20 exatamente porque nosso sistema é sobrecarregado de impostos indiretos.
Por fim, como já mencionado, há de se questionar essa máxima de que os “ricos” pagam proporcionalmente menos impostos do que os “pobres”, pois ninguém calcula exatamente quanto “ricos” e “pobres” pagam efetivamente em impostos no total, uma vez que os impostos em cascata são tantos e tão complexos que talvez seja impossível fazer esse cálculo precisamente (Steve Jobs, por exemplo, certa vez rotulou nosso sistema tributário de “super crazy“).
Mas com a carga tributária indo rapidamente em direção a 40% do PIB — e sendo, na realidade, de 46% do PIB quando se considera a sonegação, o que colocaria o Brasil no posto de terceira maior carga tributária do mundo —, a única coisa que uma pessoa normal pode fazer é concluir que qualquer iniciativa que aumente ainda mais esse percentual deve ser repudiada veementemente.
(Colocando em perspectiva, o gráfico que ilustra esta matéria da The Economist mostra que a carga tributária brasileira, tanto a efetiva quanto a real (de 46% do PIB), já supera até mesmo a média dos países ricos.)
A matéria da BBC diz, mais adiante, que
quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil defenderam a redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os pobres, e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança.
Está fora do escopo deste texto discorrer sobre todas as consequências não-premeditadas de um aumento dos impostos sobre o mais rico. Este artigo já fez o serviço de maneira completa. Aqui, basta apenas questionar: os políticos brasileiros realmente irão reduzir os impostos indiretos? A se considerar nosso histórico, o que irá realmente ocorrer é que o governo irá aumentar os impostos sobre renda, propriedade e herança — em nome da “justiça tributária e social” — e não irá fazer absolutamente nada para simplificar e reduzir os impostos indiretos.
Na melhor das hipóteses, o governo vai aprovar uma reforma de faz-de-conta, que vai apenas agrupar dois ou mais impostos em um novo imposto (com outro nome). Ele jamais fará o mais importante, que é reduzir a carga tributária, cuja dimensão é sagrada.
A coisa certa a se fazer neste assunto, obviamente, seria reduzir o tamanho e o custo do estado, começando pelo custo do próprio governo. Qualquer reforma tributária só será digna deste nome se simplificar e reduzir a carga tributária. E qualquer redução de carga tributária só será possível com a redução do tamanho do estado.
Como dito neste artigo:
Nossa economia precisa, como condição necessária — embora não suficiente — de uma forte e vigorosa — e posso até afirmar categoricamente: radical — mudança no regime fiscal, porém conduzida nos seguintes termos: reforma tributária para valer, com eliminação de nosso manicômio tributário, extinção da maioria dos tributos e expressiva redução de alíquotas; e cortes profundíssimos nos gastos do setor público, especialmente nos destinados ao custeio.
É evidente que tais condições pressupõem reformas pesadas no estado, como a administrativa, a previdenciária, uma desregulamentação severa, privatizações abrangentes e conduzidas sem espalhafato e sem leilões, mas com a simples venda em bolsa de ações das empresas estatais ao setor privado, e outras reformas que apontem no mesmo sentido e que sejam respaldadas na convicção — infelizmente, inexistente entre nós — de que o estado não é nosso patrão e muito menos nosso pai, mas sim nosso criado e que, quanto menor seu tamanho, maior será o dos indivíduos e empresas.
Medidas nessa linha ainda se encaixam no plano dos sonhos e quimeras, mas somente elas podem mudar de fato o regime fiscal, com a garantia de que no longo prazo, primeiro, o estado será o menor possível, e segundo, que o equilíbrio de suas contas estará garantido.
Mas o Brasil segue no caminho oposto, com o estado custando mais e arrecadando mais ano a ano, seja qual for o partido no poder. Em 1989, segundo dados do ministério da Fazenda, a carga total era de aproximadamente 24% do PIB; em 2013, chegou a 36% – um crescimento de 50%, ou algo como 1,7% ao ano.
E mesmo com a arrecadação indo “rumo ao infinito e além”, a conta segue não fechando, e o estado segue se endividando cada vez mais e torrando parte relevante do que arrecada apenas para pagar os juros dessa dívida. Assim, não haverá nunca “ricos” em número suficiente para taxar, mesmo porque não há, em nenhuma sociedade, um número grande o bastante de ricos que possam custear sozinhos os crescentes gastos efetuados pelo estado. É ingenuidade crer que as pessoas mais ricas irão simplesmente quedar inertes e aceitar pagar alíquotas mais altas. O buraco continuará crescendo.
Em tempo: ainda segundo a matéria da BBC,
Fernando Gaiger […] propõe que haja mais duas alíquotas de Imposto de Renda — uma de 35% para quem ganha por mês entre R$ 6 mil e R$ 13,7 mil e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Caso a proposta feita pelo “especialista” citado na matéria da BBC fosse incorporada à tabela atual (ou seja, alíquotas de 35% para quem ganha de R$ 6 mil a R$ 13,7 mil por mês e de pornográficos 45% para quem recebe acima disso), aquele nosso hipotético trabalhador com salário de R$ 50 mil pagaria algo como R$ 19.810,64 por mês em imposto de renda, ou a fortuna de R$ 237.727,70 por ano — algo ao norte de R$ 83 mil a mais do que na tabela atual.
Neste caso, sua “contribuição” (a palavra “contribuinte” só pode ser provocação quando o assunto é, como o nome diz, imposto) equivaleria à soma de 2.751 trabalhadores com salário de R$ 2 mil.