A realidade econômica americana e a lógica perturbada de Obama

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OBAMA_Quando dados positivos sobre a economia americana foram divulgados no início do ano, várias pessoas se tornaram convencidas de que a “recuperação” dos EUA era iminente.  No entanto, como eu já vinha alertando há meses, o tempo se encarregaria de demonstrar que tal evidência era tão confiável quanto a existência do Pé Grande: muitas pessoas alegam já tê-lo visto e algumas até mesmo reproduzem suas pegadas em um reboco de gesso; mas, no final, tudo o que havia era um cara com uma fantasia de macaco.  A recuperação econômica americana, discutida tão frequente e animadamente nos últimos meses, foi algo similarmente mítico.

Uma torrente de dados econômicos publicados recentemente revelou a debilidade da economia americana, e os investidores já estão começando a cair em si.  Semana passada, a divulgação dos dados do emprego para o mês de maio mostrou a criação de insignificantes 69.000 postos de trabalho, muito abaixo da estimativa dos “especialistas”.  Não apenas o mês de maio foi uma decepção, como também as expectativas para junho já foram revisadas para baixo, situando-se agora em 49.000.  Para completar a azedada, o crescimento do PIB do primeiro trimestre também foi revisado para baixo: de 0,55% para 0,47%.  Outro dado que ficou perdido nas manchetes foi a queda da taxa de poupança em abril, para 3,4%, o menor nível desde dezembro de 2007.  Isto mostra que os americanos poderão ter de exaurir sua já escassa poupança apenas para não se endividarem ainda mais à medida que a economia do país volta à recessão.

Estas notícias ruins abalaram o mercado de ações.  O S&P 500 já caiu 10% em relação aos níveis do início de abril.  Por outro lado, os preços dos títulos da dívida pública atingiram novas máximas (o que significa dizer que seus juros caíram) à medida que investidores buscavam segurança em um ativo ainda visto como um porto seguro.  No entanto, continuo acreditando que os títulos da dívida americana revelar-se-ão o Facebook dos portos seguros.  Antes de o Facebook abrir seu capital, todo mundo queria participar da festa.  Porém, tão logo o encantamento se esvaneceu, e as pessoas enfim se deram conta de que haviam comprado ações de uma empresa artificialmente badalada, de rendimentos duvidosos e com uma precificação estratosférica, as ações rapidamente perderam uma boa parte de seu charme.  Da mesma maneira, não obstante os esforços concertados da mídia em declarar que o encanto do ouro chegou ao fim, o metal continua brilhando.  Nos últimos dias, ele subiu mais de 4%, e hoje seu valor está apenas 3% menor do que estava em 1º de maio, período este que foi horrível para outras classes de ativo.

O preço do petróleo continua em queda à medida que os operadores do mercado se preparam para um recuo na demanda global em decorrência da volta da recessão global.  Mas o que estes operadores parecem ser incapazes de entender é que a recessão muito provavelmente será “combatida” pelos bancos centrais ao redor do mundo por meio de maciças impressões de dinheiro.  Tal medida tenderá a empurrar os preços do petróleo de volta a níveis maiores do que aqueles vivenciados antes da atual recessão.  Sim, uma recessão significa que os consumidores utilizarão muito menos petróleo, mas a inflação criada pelos bancos centrais significa que eles terão de pagar muito mais para adquirir o produto.

Nos últimos meses, com todas as atenções voltadas para a turbulência no mercado da dívida europeia, os EUA se transformaram, imerecidamente, em um porto seguro.  Mas a verdade é que os problemas nos EUA são tão ruins quanto os europeus — ou até mesmo piores.  Ironicamente, os EUA ainda não tiveram de lidar com seus problemas simplesmente porque outros problemas — menos graves — surgiram antes na Europa.  Porém, quando a Europa apresentar algumas modestas soluções para seus problemas, ou quando os investidores finalmente se derem conta de que trocar a Europa pelos EUA é o equivalente a sair da panela com água fervendo e cair diretamente no fogo, não mais haverá como o país continuar postergando a resolução de seus prementes problemas.

Dado que os efeitos inebriantes dos estímulos monetários do Fed estão acabando, a ressaca está voltando.  Para postergar a dor, creio ser pouco controverso afirmar que o Fed irá colocar em ação sua próxima rodada de estímulos, agora na forma de um QE3.  Meu palpite é que o Fed sempre soube que mais uma rodada de QE era necessária, mas preferiu esperar pelo momento mais politicamente palatável para anunciá-la.  E esta nova injeção de esteróides não irá demorar, considerando-se a ruindade dos dados econômicos e a proximidade das eleições presidenciais.

Com o tempo, cada vez mais pessoas irão perceber o quão precária é a situação fiscal dos EUA.  Será nesse momento que os juros dos títulos públicos do governo americano finalmente voltarão a subir.  Não há como justificar juros em níveis historicamente baixos em um país cuja situação fiscal é tão atroz.  Creio que os juros americanos irão subir a níveis comparáveis aos dos países europeus mais endividados.  Quando se tornar óbvio que o Fed está disposto a continuar imprimindo quantias estupefacientes de dólares para protelar uma inevitável recessão, as pessoas que hoje estão se refugiando nos títulos da dívida americana sofrerão daquilo que chamam de ‘arrependimento do comprador’.  Quando elas repensarem suas suposições, assim como claramente ocorreu com os compradores das ações do Facebook, o Fed passará a ser não apenas o comprador de última instância, mas também o comprador de única instância.  E então, nesse momento, o real colapso da economia americana será inadiável.

Obama e sua lógica perturbada

Com a proximidade das eleições, Obama vem aumentando o tom e deixando mais explícitas suas crenças econômicas.  O presidente deixou claro que acredita que a fonte de toda a força econômica dos EUA sempre foi a ação coletiva, a redistribuição de renda e as políticas governamentais voltadas à proteção dos trabalhadores contra a devastação criada pelos ricos.  Só reiterando, Obama estava se referindo aos Estados Unidos e não à União Soviética.  Ele afirmou que a prosperidade “cresce de dentro da classe média para fora” e que ela “nunca advém de cima para baixo, do sucesso dos ricos para os mais pobres”.  Apropriadamente, ele concluiu que a atual má fase da economia americana decorre do fato de tais políticas exitosas de redistribuição de renda terem sido abandonadas.

Para chegar a estas conclusões, Obama se baseou na clássica premissa de que “calçadas molhadas provocam chuva”, e pressupôs que um efeito pode ser a mãe da causa.  Porém, para se retirar a economia americana do atoleiro em que ela se encontra, é necessário antes saber onde colocar a carruagem e onde colocar o cavalo.

Para ilustrar seu ponto, Obama recorreu ao exemplo do pioneiro dos automóveis, Henry Ford, que se tornou famoso por pagar um dos maiores salários do mundo na época em que sua empresa começou a produzir em massa o Modelo T.  Por pagar salários tão altos, crê Obama, Ford criou consumidores que passaram a poder comprar seus próprios carros da Ford, o que garantiu à empresa capacidade de crescimento.  Baseando-se neste raciocínio, qualquer programa governamental que coloque dinheiro no bolso dos consumidores será bem-sucedido em criar crescimento econômico, especialmente se este dinheiro for confiscado via impostos sobre os mais ricos, que têm menos propensão a gastar.  Consequentemente, Obama argumenta que quaisquer propostas que visem a controlar os gastos do governo e a cortar benefícios para as pessoas de baixa renda vão contra este objetivo benevolente.

Embora seja verdade que a classe média americana cresceu juntamente ao robustecimento da economia do país, foi o sucesso dos industrialistas o que permitiu que a classe média crescesse.  O capitalismo gerou e desencadeou a capacidade produtiva de empreendedores e trabalhadores, o que derrubou os custos dos bens e serviços e possibilitou altos níveis de consumo para uma ampla gama de indivíduos.  Embora Henry Ford, como observou Obama, pagasse seus empregados um salário alto o suficiente para que eles pudessem comprar carros da Ford, estes altos salários jamais teriam sido possíveis — ou seus produtos jamais seriam acessíveis — sem as inovações que Ford e outros industrialistas americanos implementaram à época.  E tais inovações só foram possíveis porque os capitalistas puderam acumular capital, sem grandes confiscos de sua renda por parte do governo.

Os economistas que Obama segue acreditam que as empresas só irão criar empregos caso já saibam de antemão que haverá consumidores com dinheiro para comprar seus produtos.  Porém, da mesma forma que calçadas molhadas não provocam chuvas, o consumo não gera a produção.  Ao contrário, a produção é que gera o consumo.  Para que algo possa ser consumido, ele tem antes de ser produzido.  Isso é economia básica.

A demanda humana é, por si só, algo infinito.  Ela não precisa ser estimulada para passar a existir.  Suponha que você queira um carro novo, mas perde seu emprego e decide postergar a compra.  Será que o seu desejo (ou demanda) pelo carro diminuiu como resultado de seu desemprego?  Se você for como a maioria das pessoas, você continua desejando aquele carro com a mesma intensidade de antes, mas talvez irá decidir não comprá-lo por causa da redução da sua renda.  Não é que você não mais queira o carro (se alguém lhe oferecer o carro com um desconto de 90%, você muito certamente irá comprá-lo); a questão é que você perdeu a capacidade de adquirir o carro dado o seu preço e a sua agora reduzida renda.  A melhor maneira de transformar demanda em consumo é reduzindo os preços até o ponto em que as coisas se tornam acessíveis.  Empresas e indústrias que operam eficientemente aumentam a oferta, reduzem seus custos e reduzem seus preços.  Foi isso que Ford fez 100 anos atrás e foi isso que Steve Jobs fez mais recentemente.

Ao introduzir processos industriais revolucionários para a produção em massa de veículos, Ford foi capaz de reduzir drasticamente o preço de um produto (automóveis) que até então era acessível apenas para a camada mais rica da sociedade.  Ford não criou o desejo de se comprar carros, o qual sempre existiu independentemente das condições de mercado.  Ele apenas expandiu enormemente a quantidade de carros baratos, o que permitiu que a demanda fosse saciada por meio do consumo.  Neste processo, ele criou riqueza para si próprio e para seus empregados (suas técnicas de produção mais eficientes possibilitaram aos trabalhadores receber salários mais altos), bem como um maior padrão de vida para toda a sociedade.

Já Obama acredita que a prosperidade só surgiu no século XX após o governo começar a redistribuir a renda de pessoas ricas como Henry Ford para as classes médias e baixas.  Ele ignora o fato de que o período de maior crescimento econômico da história dos EUA ocorreu no final do século XIX, e não no século XX, e que os EUA se tornaram disparadamente o país mais rico do mundo antes de qualquer tipo de redistribuição de renda ser implantado.

Infelizmente para Obama a realidade econômica é incontornável: a riqueza precisa antes ser criada para, só então, ser redistribuída.  Mas a redistribuição sempre cria desincentivos que resultam em menos riqueza sendo criada.  Todas as sociedades que tentaram criar riqueza por meio da redistribuição fracassaram miseravelmente.  Isso deveria ser algo óbvio para qualquer pessoa que dedique alguns minutos ao estudo da história econômica mundial.  Mas Obama está disposto a tudo par ser reeleito, e sua carta na manga se resume a incitar o conflito de classes.  É uma política que já se comprovou eficaz em termos de resultados, e Obama parece disposto a levá-la às últimas e imprevisíveis consequências para alcançar seu objetivo.

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