A recuperação mundial e a bolha imobiliária da China

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china2Há um velho ditado no mercado financeiro que diz: “Sell in May and go away” (que, numa tradução livre, significa “Venda em maio e caia fora”).  Dados recentes reforçam esse provérbio.

As bolsas de todo o mundo estão em queda.  O primeiro mercado que começou a cair foi o da China.  Ele atingiu seu pico em agosto de 2009.  Depois começou a cair, recuperou-se — porém nunca voltando ao seu pico de agosto —, e agora voltou a cair de novo.  E o declínio está acelerando.  Só em 2010, a queda já é de 25%.  Veja o gráfico.

O mercado de ações americano também sofreu um forte baque em maio.  O mesmo ocorreu com os mercados europeus.  Eles estão despencando.  Os gráficos estão aqui.

Os preços das commodities estão caindo — não como uma pedra, mas caindo.  O pico foi na primeira semana de janeiro.  O gráfico está aqui.

Nos EUA, a inflação de preços ao consumidor está desacelerando, embora muito pouco, e somente se você aceitar a medição do CPI (Índice de Preços ao Consumidor): queda de 0,1% em abril.  Se você utilizar o CPI médio, como eu faço, o índice permaneceu inalterado nos últimos dois meses.  Mais importante, a taxa de aumento de preços, no período de um ano, está desacelerando.  Em novembro em dezembro, o CPI médio foi de 1,2%.  Em janeiro, foi de 1%.  Em abril, foi de 0,5%.  Os números estão aqui.

O ouro caiu.  A prata caiu.  O petróleo caiu.  O euro caiu.  As hipotecas caíram.  Os pedidos de hipoteca caíram.

A única coisa que subiu foi o calote no pagamento de hipotecas.  Pelo menos 10% das famílias americanas deixaram de pagar um mês de hipoteca durante os primeiros três meses de 2010.  Trata-se de um recorde no período do pós-guerra.  A taxa foi de 9,1% no primeiro trimestre de 2009.  Subiu para 9,5% no último trimestre.  A tendência é sinistra.  Tradicionalmente, os americanos preferem deixar de pagar qualquer outra categoria de dívida antes de darem o calote em algum mês de hipoteca.  O fato de eles já estarem deixando de pagar suas hipotecas indica que eles estão em uma situação financeira bastante apertada.

O que está acontecendo?  Isso não é consistente com o keynesianismo.  Os keynesianos também não previram a recessão de 2008-2009.  As outras escolas de pensamento econômico que também não previram a recessão não são capazes de explicar por que estão ocorrendo atualmente esses sinais de uma iminente depressão secundária, não obstante o enorme aumento ocorrido na base monetária e nos déficits governamentais.

Apenas uma escola de pensamento econômico previu a recessão de 2008-2009: a Escola Austríaca.  Seria a teoria austríaca capaz de explicar essa nova situação?

OS CICLOS ECONÔMICOS

A teoria austríaca dos ciclos econômicos, desenvolvida por Ludwig von Mises em 1912, ensina que, quando os bancos centrais inflacionam, com o intuito de manter os juros baixos, isso cria falsos sinais de preços.  Mais especificamente, isso cria falsos sinais em relação ao preço e à disponibilidade de capital.  Isso, por sua vez, faz com que empreendedores peguem dinheiro emprestado para investir em novos projetos.  Quando o banco central deixa de inflacionar, esses projetos se revelam empreendimentos não-lucrativos.

Por todo o mundo, ao final de 2008, os bancos centrais inflacionaram maciçamente a fim de salvar a estrutura financeira.  Eles compraram títulos do governo.  Eles emprestaram dinheiro aos bancos comerciais.  O Federal Reserve trocou títulos com os maiores bancos, dando a eles títulos do Tesouro pelo valor de face e recebendo em troca ativos tóxicos que não possuíam qualquer valor de mercado.  Foi como trocar moedas de prata por latas de cerveja amassadas.  O congresso americano não protestou.  Os economistas keynesianos aplaudiram o brilhantismo de Bernanke.

O colapso dos grandes bancos foi adiado.  Sua sobrevivência permitiu que eles engolissem gigantes quebrados como o Wachovia.  O Fed comprou ativos ruins e tempo.  Os ativos continuam ruins; o tempo está passando.

Caso os bancos comerciais tivessem emprestado o dinheiro que eles legalmente poderiam emprestar, os EUA estariam hoje em meio a uma hiperinflação.  Defino hiperinflação como um aumento de preços superior a 30% ao ano.  O Fed duplicou seus balancetes e, por conseguinte, a base monetária.

Os bancos comerciais americanos estão legalmente autorizados a dobrar seu número de empréstimos, algo que iria dobrar a oferta monetária.  Mas os banqueiros estão tão assustados com o atual estado da economia que eles têm se recusado a emprestar.  Eles voluntariamente têm preferido deixar todo o seu excesso de reservas depositado junto ao Fed, valor esse que chega a US$ 1,2 trilhão.  É isso que tem contrabalanceado o aumento da base monetária feito pelo Fed.

Os déficits de todas as grandes nações estão em níveis gigantescos atualmente.  Os governos estão se endividando para socorrer suas economias.  Mas o dinheiro está sendo desperdiçado.  Ele está sendo direcionado para atividades improdutivas, porém politicamente aceitáveis, e sendo utilizado para o benefício de grupos de interesse.  Ele não está sendo utilizado para financiar projetos voltados para atender às demandas do consumidor.

Essas políticas de inflação monetária, dívidas governamentais crescentes e benefícios concedidos a grupos de interesse são a essência do keynesianismo.  Elas são politicamente conhecidas como ‘adiar o problema’.  A essência do keynesianismo é que os governos se endividem maciçamente com o intuito de resolver os problemas criados pelo menor nível de endividamento anterior dos governos, empreendedores e consumidores.

A recuperação econômica se baseia na ideia de que é produtivo substituir o endividamento e o gasto privado pelo endividamento e gasto governamental.  O keynesiano acredita que o setor privado não irá pegar empréstimos enquanto os empreendedores não perceberem as demandas futuras dos consumidores.  Os keynesianos acreditam que os políticos são capazes de restaurar o crescimento econômico simplesmente gastando dinheiro em seus projetos favoritos.

Sempre que os empreendedores — que utilizam o próprio dinheiro ou dinheiro emprestado — concluem que a probabilidade de tomarem prejuízo será muito alta até que os bens de capital e a mão-de-obra fiquem mais baratos, os keynesianos exortam os governos a se endividarem, os bancos centrais a inflacionarem e os consumidores a gastar, gastar, gastar.  Por quê?  Para evitar que os bens de produção e a mão-de-obra fiquem mais baratos.  Por quê?  Porque quando os bens de capital ficam mais baratos, as doações das grandes empresas para o partido da oposição aumentam.  Quando a mão-de-obra fica mais barata, os eleitores votam no partido da oposição.

Em todo o mundo, os políticos estão utilizando dinheiro emprestado e dinheiro recém-criado para impedir que os preços dos bens de capital caiam.  Isso funcionou até o início de janeiro.  Mas não está funcionando mais.  Os preços das commodities estão caindo.  E vão continuar caindo.  Por quê? Porque os bancos comerciais do mundo desenvolvido não estão emprestando, e os negócios não estão pedindo empréstimos.  Nos EUA, o mercado de trabalho ainda está paralisado.  Com o desemprego na faixa dos 10%, as hipotecas atrasadas estão na faixa dos 10%.  Algum assombro?

JIM VS. JIM

Jim Rogers é otimista em relação à China.  Jim Chanosé pessimista em relação ao mercado imobiliário chinês.  Jim Rogers prevê alta nas commodities.  Jim Chanos aposta na baixa das ações das empresas que exportam para o setor imobiliário chinês.

Jim Rogers diz não se considerar um especialista em acertar o tempo do mercado.  Já Jim Chanos é soberbo nessa especialidade, pois seu negócio é ficar sempre vendido.  Ele apostou na baixa da Enron e se deu bem.

Estou com Chanos em relação à China.  Isso porque cheguei à mesma conclusão em relação à bolha do mercado imobiliário chinês antes de Chanos anunciar publicamente sua posição.  Chanos concorda comigo, portanto obviamente estou com Chanos.

A economia da China é o derradeiro mostro esquizofrênico.  Os indivíduos têm liberdade de escolha para comprar e vender.  As pessoas podem se mudar de um lugar para o outro.  Há uma elite comunista, a qual está empenhada apenas em manter o poder, não importa o quê.  Há um banco central que está sob o jugo do governo central, e que inflaciona constantemente.  Há corrupção em larga escala em todos os níveis governamentais.  A estrutura familiar é tradicionalista, apesar do marxismo/maoísmo, e seus membros veem a preservação do capital familiar como o objetivo principal.

Isso está se combinando para criar a mãe de todas as bolhas imobiliárias.  Apartamentos minúsculos em Pequim e Xangai estão sendo vendidos a $4.300 o metro quadrado.  Quem está comprando esses apartamentos?  Recém-casados cuja renda total é menor que $6.000 por ano.  Como isso é possível?  Porque os pais, emergentes que enriqueceram recentemente, estão emprestando o dinheiro.  Esses investimentos parecem insensatos quando vistos de fora, porém, dentro da estrutura familiar, essas transferências de riqueza são consideradas racionais.

Por toda a China tem havido uma maciça construção de apartamentos e condomínios.  O banco central empresta dinheiro aos bancos, que por sua vez emprestam, a baixas taxas de juros, às construtoras com boas conexões políticas.  Para completar, as autoridades municipais vendem terrenos a preços altos para essas construtoras.

Isso criou uma bolha.  Essa bolha é consistente com a teoria econômica austríaca.  A inflação criada pelo banco central chinês faz com que os bancos comerciais emprestem dinheiro para financiar projetos não economicamente viáveis.  As baixas taxas de juros seduzem empreendedores.  Eles investem capital nesses projetos.

Isso eleva os custos da construção.  Quando o banco central finalmente parar de expandir a base monetária, a expansão se transformará em contração.  O fato de que os compradores desses apartamentos não estão pegando dinheiro emprestado com os bancos locais é irrelevante.  O que importa é que as construtoras se endividam para construí-los.  Os recém-casados pegam dinheiro emprestado com suas famílias.

Os investidores estão comprando múltiplos apartamentos e condomínios.  Ato contínuo, eles os mantêm fora do mercado, na esperança de que um apartamento novo irá se apreciar ainda mais rápido.  Assim, a precificação desses apartamentos não está baseada em sua capacidade de produzir um fluxo de receita no longo prazo.  Eles são comprados para especulação pura.  A mania está em força total.  Esse é o clássico marco da etapa final de uma bolha imobiliária.  Aqueles que estão encantados com ela não conseguem ver que a situação não pode perdurar.  Eles acham que esse é o último trem a sair da estação.  E eles pegam dinheiro emprestado com seus parentes para poder comprar a última passagem.

Jim Chanos já percebeu que isso não pode mais durar por muito tempo.

RECUPERAÇÃO OU ILUSÃO?

O declínio nos preços das commodities desde janeiro é consistente com os cortes de gastos que os empreendedores estão fazendo.  Eles estão convencidos de que preços dos bens de consumo final irão bater na parede no ano que vem.  Eles não estão confiando na atual economia.  Eles estão vendo os preços dos bens de consumo permanecendo inalterados.  Eles veem que ficarão encurralados caso decidam expandir suas operações.

A recuperação na indústria americana é real.  Os produtores estão expandindo a produção.  Mas a queda no valor das commodities indica que esse otimismo não é mundial.  Os preços das commodities deveriam estar subindo, já que as indústrias ao redor do mundo estão concorrendo entre si para tentar garantir quantidades maiores de matéria-prima com o intuito de convertê-las em produtos finais.  Mas está ocorrendo o oposto.  Os preços das commodities estão caindo.

Os investidores precisam se decidir se eles deveriam comprar commodities, como Jim Rogers recomenda, ou se eles deveriam ficar vendidos.  Chanos já está vendido em algumas delas — aquelas relacionadas ao boom imobiliário da China.

Eu não confio nessa recuperação.  É por isso que, em 2009, não recomendei aos meus leitores que comprassem commodities.  Creio que, enquanto os bancos comerciais não recuperarem sua confiança e retomarem os empréstimos, essa recuperação vai dar de cara na parede.  Vejo o que aconteceu com os preços ao consumidor e concluo que meu ceticismo de um ano atrás estava certo.

Pode haver inflação maciça nos EUA.  Isso é algo garantido tão logo os bancos comecem a retirar as reservas em excesso que estão mantendo voluntariamente depositadas junto ao Fed e comecem a emprestá-las.  A recém-duplicada base monetária irá duplicar o M1 e elevar o multiplicador monetário.  Nesse sentido, o Fed criou uma bomba relógio para a economia americana.  A bomba ainda está na contagem regressiva por causa do pessimismo dos bancos.  Eles não estão emprestando, principalmente para as pequenas empresas, as quais historicamente são as que fazem a maioria das novas contratações.

O declínio nos preços das commodities é consistente com o declínio na taxa de aumento nos índices de preços.  O aumento nos preços das commodities que ocorreu em 2009 na expectativa de que a recuperação da economia seguiria o formato de um V acabou logo em janeiro deste ano.  Quando você olha esse gráfico, é possível ver quando o otimismo se esfacelou.

Os empreendedores — que ganham dinheiro justamente prevendo o comportamento dos preços e, portanto, a demanda final dos consumidores por commodities — decidiram em janeiro que essa recuperação não era confiável; que ela não geraria um aumento da demanda.  Eles começaram a vender commodities nos mercados futuros.  Na margem, eles decidiram que era mais sensato ficar vendido ao invés de comprado.

Talvez eles estivessem errados.  Talvez a recuperação mundial irá prosseguir.  Mas se prosseguir, ela será marcada por baixa ou nenhuma inflação de preços.  Não é que a queda nos preços das commodities irá gerar uma queda nos preços dos bens de consumo; a questão é que os preços das commodities caíram porque os empreendedores não esperaram inflação de preços em 2010.  Eles pararam de concorrer entre si para comprar commodities.

CONCLUSÃO

A expansão da base monetária feita pelos bancos centrais de todo o mundo, cujo dinheiro criado foi utilizado para comprar ativos poderes e socorrer empresa que deveriam ter quebrado, foi uma resposta desvairada para um iminente colapso que assombrava os grandes bancos de Nova York e as instituições financeiras.  Os mercados de capital estavam vetando as políticas dos bancos centrais, e os burocratas reagiram imprimindo dinheiro.

No balancete do Fed, os títulos da dívida do Tesouro foram substituídos por títulos podres dessas instituições.  Com um déficit de US$ 1,5 trilhão estimado para esse ano, o Fed pôde se dar ao luxo de parar de inflacionar e deixar que o setor privado financie o déficit.  Esse dinheiro poderia estar sendo direcionado para o financiamento de atividades produtivas no setor privado.  O fato de isso não estar acontecendo é um indicador da fragilidade da recuperação da economia americana.

Os mercados de capital estão vetando as políticas adotadas pelos bancos centrais e pelos políticos.  Isso pode mudar.  A confiança pode voltar.  Mas o fiasco do governo grego desencadeou a reação de políticos nervosos e apavorados no norte da Europa.  Eles seguiram o roteiro keynesiano.  Prometeram um enorme pacote de socorros.  Já ficou claro que farão isso de novo caso sejam requeridos.  E serão requeridos.

Classificar essa recuperação como frágil é uma simples questão de aceitar os fatos.  Em maio, o medo foi dominante.  O que os bancos centrais e os políticos podem fazer para restaurar a confiança não está claro.  A Europa já tentou sua aventura fiscal.  Não deu certo.  Outra rodada de estímulos irá servir apenas para mandar a seguinte mensagem: “Resgates para sempre”.  O mesmo dilema assombra Bernanke.

Os políticos gostam de adiar os problemas.  Porém, quando os bancos comerciais dos EUA começarem a emprestar dinheiro, Bernanke será obrigado a tomar medidas mais drásticas.  Mas, até o momento, os mercados estão sinalizando que os bancos ainda não farão isso, por ora.

Os especialistas dizem ser improvável que essa atual recuperação americana seja duradoura.  Eles estão dizendo que os consumidores não estão propensos a gastar.  Isso é má notícia para os keynesianos.  Com consumidores reagindo desta forma, os keynesianos precisam recomendar outra rodada de déficits descomunais.  Imaginei que US$ 1,5 trilhão era algo monstruoso pra um déficit anual.  Aparentemente, sou muito conservador.

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