O mundo está enfrentando a pior crise financeira desde pelo menos os anos 1930, “se não a pior de todas”, disse o presidente do Banco Central da Inglaterra na semana passada, enquanto tentava explicar para um crescentemente cético e fatigado público a decisão do Banco da Inglaterra de imprimir ainda mais dinheiro para comprar ainda mais títulos do governo. Duvido que suas palavras ou suas ações ajudarão a restaurar a confiança. E obviamente elas não significarão o fim desta crise.
Que tipo de crise é esta?
Esta certamente é uma crise financeira. Suas origens estão firmemente localizadas no sistema financeiro e monetário: dinheiro, crédito, endividamento e setor bancário. E não creio que o presidente do Banco da Inglaterra tenha exagerado quando especulou sobre a magnitude da crise. Esta definitivamente é a maior de todas.
Dado que todos nós concordamos que o que estamos vivenciando não é apenas mais um ciclo econômico corriqueiro, a pergunta é: com o que exatamente estamos lidando aqui? Como devemos definir esta crise e em qual contexto ela pode ser mais bem compreendida?
Esta crise é sistêmica, e não cíclica. É uma crise de instituições. É uma crise de políticas. É uma crise da nossa arquitetura financeira.
Quando a crise começou em 2007 e se intensificou ao longo de 2008, ela foi frequentemente rotulada como sendo uma “crise do capitalismo”. Hoje você não mais ouve esse slogan com tanta frequência. É verdade que ainda há aqueles lapsos ocasionais, tristemente pronunciados até mesmo por economistas, mas quanto mais a crise se prolonga e quanto mais os holofotes permanecem direcionados sobre os sistemas bancários e financeiros, mais se torna explícito para o público o tanto que a atual arquitetura financeira é evidentemente conduzida não pela “mão invisível” do mercado, mas sim pela mão controladora do estado.
Sempre que uma nova rodada de “recapitalização” de bancos é anunciada, presumivelmente à custa dos pagadores de impostos — explicitando assim mais uma vez o fato de que os bancos estão acima do status de empresas capitalistas normais e falíveis —, e quando se anuncia pela enésima vez que a salvação de nossa extremamente endividada economia dar-se-á por meio de ainda mais endividamento do governo ou por meio de mais injeções de dinheiro criado do nada pelo banco central (um monopólio estatal) — o qual será entregue às pessoas como um aparente incentivo para elas se endividarem ainda mais —, o público começa a imaginar se as autoridades econômicas não estão completamente perdidas, e se não deveríamos temer mais os “pacotes de estímulo” do que o mercado desregulamentado.
Por que estamos nessa bagunça?
“Bancos descapitalizados” é um eufemismo para bancos que emprestaram demasiadamente, mais do que deveriam. Como podem os bancos ter emprestado tanto assim — algo que eles obviamente vêm fazendo há anos, até mesmo há décadas, e o fizeram ao redor de todo o mundo nesta que foi a mais duradoura e persistente farra creditícia da história — estando todos eles sob o controle de seus respectivos bancos centrais estatais? Afinal, sabe-se que, em um sistema de dinheiro de papel, os bancos centrais possuem o monopólio da impressão (ilimitada) de reservas bancárias, e são eles que administrativamente decretam as taxas básicas de juros da economia, o que significa que eles podem controlar as condições em que são realizados empréstimos. Logo, por que o atual colapso não é mais adequadamente rotulado de falha estatal, em vez de falha de mercado?
Lembrem-se de que a mudança de um sistema monetário apolítico, inflexível e baseado em uma commodity pra um sistema monetário em que há impressão ilimitada de dinheiro de papel, tudo sob total controle do estado, foi uma decisão puramente política, e não o resultado de forças de mercado. E tudo isso só desabrochou completamente com a abolição dos últimos resquícios do padrão-ouro, por obra e graça de Richard Nixon, em 1971. O atual sistema financeiro é resultado de planejamento político e de teorias macroeconômicas populares, ambas as quais foram criadas para proveito próprio dos governos e que agora se revelam completamente falhas, justamente por não serem resultado da espontânea cooperação humana que ocorre nos mercados.
A adoção de um sistema monetário cuja moeda é fiduciária e totalmente elástica libertou tanto os governos quanto seus protegidos — o setor bancário — dos grilhões impostos por uma moeda-commodity naturalmente inelástica, como era o ouro. Sem a camisa de força de um padrão-ouro, os governos obtiveram controle irrestrito sobre as impressoras de dinheiro, o que lhes permitiu “gerenciar” a economia, socorrer bancos, impedir ou encurtar recessões, e determinar as condições dos empréstimos — condições mais generosas, é claro, inclusive para si próprio.
Após 40 anos de moeda totalmente controlada pelo governo, eis aí o resultado.
Esta crise é o inevitável resultado da perigosa crença de que baixas taxas de juros, investimentos e prosperidade duradoura podem ser estimulados por meio do atalho fornecido pela impressão de dinheiro e por seus dois filhos gêmeos: empréstimos a juros artificialmente baixos e criação infinita de crédito bancário. A intenção era justamente abolir a maneira mais difícil (a maneira capitalista) de se enriquecer: o tradicional método de poupar e acumular capital genuíno.
Esta não é uma crise do capitalismo. Meu bom amigo Brian Micklethwait criou uma frase muito melhor para defini-la: estamos vivenciando a segunda crise do socialismo. Estamos testemunhando a morte do padrão-dinheiro-de-papel, 40 anos após o sistema financeiro global ter perdido seu último elo com o ouro e todo o sistema monetário ao redor do mundo ter se tornado simplesmente um monopólio territorial e irrestrito dos governos. O que estamos descobrindo agora é isto: o estado e os bancos precisam de uma camisa de força, caso contrário eles irão, mais cedo ou mais tarde, arrastar todos nós para um buraco negro.
Por que este sistema é socialista?
Há duas maneiras pelas quais um sistema monetário pode ser organizado: ou o mercado escolhe qual será seu dinheiro, ou o estado o faz.
O dinheiro escolhido pelo livre mercado, pelo capitalismo, sempre foi uma moeda-commodity que estivesse fora do controle político. Sempre que o público teve liberdade de escolha, ele optou por utilizar como dinheiro commodities cuja oferta fosse razoavelmente inelástica. Quase todas as sociedades, em todas as culturas e civilizações, utilizaram metais preciosos como dinheiro.
Um dinheiro baseado em commodity é um dinheiro apolítico. Ninguém pode criá-lo à vontade para se financiar a si próprio ou para manipular a economia. De maneira crucial, a cooperação humana por meio do comércio não acaba nas fronteiras políticas, de modo que a moeda-commodity sempre transcendeu tais fronteiras. Se o ouro era a moeda de um lado da fronteira, ele normalmente também era dinheiro do outro lado da fronteira, independentemente de qual imagem ou figura estava estampada nele.
Em contraste, sistemas baseados completamente em um dinheiro de papel que não possui elos a nenhuma commodity são e sempre serão criação de políticos. Em tais sistemas, o dinheiro pode ser “imprimido” essencialmente a custo zero — e, logo, praticamente sem limite. Mas não por qualquer pessoa. Impressão de dinheiro é privilégio exclusivo do estado e de seu banco central. O dinheiro, neste sistema, é totalmente elástico. No entanto, trata-se de um dinheiro político e estreitamente ligado às autoridades políticas. Em um mundo de dinheiro de papel, se você cruza uma fronteira política você tem de trocar seu dinheiro por um dinheiro diferente. Toda a eficiência dos atuais mercados de câmbio, que funcionam 24 horas por dia e movimentam vários trilhões de dólares, e que tão facilmente impressionam o observador leigo — para quem ele exemplifica o próprio capitalismo global —, nada mais é do que a tentativa do mercado de lidar da melhor maneira possível com a ineficiência do nacionalismo monetário e da segregação monetária, que são resultado do fato de todos os governos nacionais quererem ter seu próprio dinheiro de papel sob seu próprio controle político e territorial.
Chamar este sistema de capitalista significa despojar a palavra capitalismo de qualquer significado.
Neste admirado novo sistema de papel-moeda fiduciário e totalmente elástico, deixamos nossas questões financeiras não nas mãos do mercado livre e desimpedido, mas sim nas mãos do estado, de políticos e de bancos centrais. Seria muito mais adequado rotular este sistema de socialista, e não de capitalista. E este sistema fracassou. Novamente.
Quem são os beneficiários?
Por décadas, este sistema beneficiou o estado, os bancos, a ampla indústria financeira — todos os quais cresceram muito mais do que qualquer outra área da sociedade —, e todos aqueles que possuem ativos que são utilizados como colateral para alavancar os balancetes dos bancos: imóveis, ações, opções. Os custos deste sistema foram difundidos para todo o público por meio de inflação e de ocasionais pacotes de socorro financiados pelo contribuinte. Isto é socialismo para os ricos.
Exatamente como a primeira crise do socialismo — o colapso das economias planejadas sob orientação soviética em 1989 —, esta atual crise, a crise das finanças controladas pelos governos, também irá testemunhar a derrubada do atual establishment, embora as lideranças partidárias continuem nos dizendo que está tudo sob controle: “Não há nada a temer, camaradas! Bastam mais alguns déficits e novas rodadas astutas de impressão de dinheiro, e a produção de tratores rapidamente voltará aos níveis de antes.”
E assim como ocorreu durante o colapso dos estados socialistas, a burocracia do papel-moeda estatal também possui seus crentes fervorosos, que se negam a enxergar o óbvio. Pessoas como o economista Adam Posen, grande entusiasta das políticas de “afrouxamento quantitativo” do Banco da Inglaterra mantêm um otimismo e uma fé pueris no poder mágico da impressora. Se 200 bilhões de libras criadas pelo Banco Central inglês, engenhosamente colocados nos cofres dos bancos e do governo, não solucionaram a crise, então certamente as próximas 75 bilhões de libras irão. E por que parar por aí? Com mais 175, ou 275 ou 375 bilhões de libras, todos os britânicos irão novamente encontrar bons empregos, com bons salários. Para pessoas como Posen, o problema com uma economia planejada não é que ela seja planejada, mas sim que o planejamento não esteja sendo suficientemente ousado.
Já o presidente do Banco Central da Inglaterra, Mervyn King, parece fazer as vezes de Gorbachev: ele não é um descrente, mas é cético e esperto o bastante para não se apresentar como um membro completo deste Politburo. Há uma fascinante entrevista sua, de setembro do ano passado, que não ganhou a atenção que deveria nos círculos financeiros, presumivelmente porque era parte de um programa de história da BBC sobre o papel-moeda da China e não sobre as políticas monetárias atuais. Você pode conferi-la aqui, vale muito a pena. Se você for ao marco de 11 minutos e 58 segundos, verá a seguinte pergunta lhe sendo feita: estariam todos os sistemas baseados em dinheiro de papel fadados ao colapso? King responde que não, crê ele, nem todos (embora absolutamente todos de fato já tenham fracassado), mas admite que a recente crise fez com que ele se tornasse um pouco mais cauteloso quanto a essa sua afirmação. Talvez o júri que irá decidir sobre o destino do dinheiro de papel ainda não tenha retornado à bancada. Pensamento notável para um banqueiro central.
Em meu novo livro Paper Money Collapse – The Folly of Elastic Money and the Coming Monetary Breakdown, demonstro — conclusivamente, creio eu — que sistemas baseados em dinheiro elástico são sempre inferiores a sistemas baseados em dinheiro inelástico, e que sistemas de dinheiro elástico não podem se manter estáveis; eles sempre, inevitavelmente, desorganizam e perturbam o mercado, levando a um acúmulo de desequilíbrios ao longo do tempo. Eles inevitavelmente acabam em desintegração econômica e caos. O dinheiro de papel não é apenas ineficiente; ele é insustentável.
Esta crise ilustra simplesmente o fim da mais recente encarnação de um sistema monetário fiduciário e estatal. Assim como a primeira crise do socialismo, esta crise também irá afetar as vidas de inúmeras pessoas, irá causar revoltas, sublevações e irá desalojar toda uma elite financeira de sua arraigada e bem estabelecida posição de poder e privilégio. Assim como a primeira crise do socialismo, temos uma oportunidade de liberdade.
Porém, ao contrário da primeira crise do socialismo, desta vez não há um Muro de Berlim a ser derrubado, e nem um canteiro lamacento no interior da Hungria com um buraco na cerca, por meio do qual podemos atravessar. O atual socialismo monetário é global. E o colapso deste sistema também será global.
Obviamente, os estados têm tudo a perder, e o poder estatal tem o hábito de não aceitar pacificamente perdas de poder. Sabe-se lá o que pode acontecer. Talvez haja estatizações de bancos, imposição de controles de capital, confisco de ouro em posses privadas ou mesmo uma pesada tributação do metal, banimento total da Bitcoin e a imposição de que todos os fundos de pensão comprem mais títulos do governo.
Neste caso, pode-se argumentar que não estamos no verão de 1989, mas sim na primavera de 1968. Não mudaria o estágio final, apenas a linha do tempo. Mas ainda assim creio que já é tarde demais. Estamos mais próximos do ‘momento Muro de Berlim’ do atual sistema do que muita gente imagina.
Até lá, a devastação do papel-moeda vai continuar.