A Tragédia do Euro

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1. Introdução

A recente crise do euro abalou tanto os mercados financeiros quanto os governos.  O euro se desvalorizou acentuadamente em relação a outras moedas em um ritmo inquietante para as elites políticas e financeiras.  Eles temem perder o controle.  O boletim mensal do Banco Central Europeu (BCE), publicado em junho de 2010, reconhece que o sistema bancário europeu estava à beira do colapso já no início de maio daquele ano.  Vários governos europeus, inclusive o da França, estavam no limiar de um calote.  Com efeito, os riscos de calote de alguns bancos europeus, mensurados pela cotação de seus credit default swaps,[1] elevaram-se repentinamente para níveis mais altos do que aqueles atingidos durante o pânico que se seguiu ao colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008.Como resposta à crise, a classe política tentou desesperadamente salvar seu projeto socialista de um papel-moeda único e de curso forçado para toda a Europa.  Até o presente momento, eles têm tido algum êxito.  Após intensas negociações, um “pára-quedas de socorro”, com o inaudito valor de €750 bilhões, foi criado para dar suporte aos ultraendividados governos europeus e ao combalido sistema bancário.  Ao mesmo tempo, no entanto, o BCE deu início àquilo que muitos até então imaginavam ser impensável: ele começou a comprar títulos diretamente dos governos, uma medida que solapa sua credibilidade e independência.[2]  Em decorrência disto, a percepção do público e dos mercados quanto ao arranjo monetário da União Monetária Europeia (UME) jamais será a mesma.

Uma resistência a essas medidas sem precedentes já é sentida principalmente naqueles países de políticas orçamentárias e monetárias tradicionalmente conservadoras.  Uma recente pesquisa na Alemanha mostrou que 56% dos alemães eram contra a criação de um fundo de socorro aos países europeus.[3]

Não é surpresa alguma que a maioria dos alemães queira o retorno ao marco alemão.[4]  Eles parecem intuitivamente compreender que são eles que estão do lado perdedor de um sistema complexo.  Eles perceberam que estão tendo de se sacrificar e apertar os cintos ao mesmo tempo em que os governos de outros países se entregam gostosamente a uma descontrolada gastança.  Uma perfeita ilustração disto é programa “Turismo Para Todos” da Grécia: os pobres gregos recebem dinheiro do governo para viajar de férias.  Mesmo em meio à crise, o governo grego manteve o programa, embora reduzindo o número de noites de férias subsidiadas para apenas duas.[5] O governo grego também mantém um sistema previdenciário mais generoso que o da Alemanha.  Os trabalhadores gregos recebem uma aposentadoria que pode chegar a 80% da média de seus salários.  Para os trabalhadores alemães, esse valor é de apenas 46%, e irá cair para 42% no futuro.  Ao passo que os gregos recebem quatorze aposentadorias por ano, os alemães recebem doze.[6]

Os alemães veem os pacotes de socorro à Grécia como uma espoliação.  Tais pacotes tornam ainda mais explícito o fato de que a UME nada mais é do que um arranjo de transferências involuntárias.  Porém, a maioria das pessoas ainda assim não entende exatamente como e por que elas estão sendo espoliadas para pagar por tudo isso.  Elas apenas suspeitam que o euro tenha algo a ver com toda a bagunça.

O projeto do euro foi criado e implantado por socialistas europeus com o intuito de expandir e aprimorar seu sonho de um estado europeu centralizador.  Mas esse projeto está prestes a fracassar.  O colapso está longe de ser uma mera coincidência.  Ele já estava implícito na estrutura institucional da UME, cuja evolução iremos remontar e delinear neste livro.  A história envolve intrigas e interesses políticos e econômicos.  Trata-se de uma fascinante história, na qual políticos brigam por poder, influência e pela primazia de seus próprios egos.



[1] O “Credit Default Swap” (CDS), algumas vezes traduzido como Swap de Crédito, corresponde a uma espécie de seguro contra um eventual calote da instituição referida. Ao emitir um CDS — por meio de terceiros —, essa instituição poderá colocar em circulação um título que permita ao seu titular receber uma compensação caso ocorra alguma moratória.[N. do T.]

[2] Aproximadamente um ano antes de começar a comprar títulos diretamente dos governos, o BCE já havia começado a comprar covered bonds [títulos garantidos por financiamentos imobiliários ou comerciais (com garantia real dos imóveis) e por empréstimos ao setor público] emitidos pelos bancos alemães.  As compras foram progressivas e chegaram a €60 bilhões.

[3] Cash-online, “Forsa: Deutsche überwiegend gegen den Euro-Rettungsschirm.” Notícia de 7 de junho de 2010, http://www.cash-online.de.

[4] Shortnews.de, “Umfrage: Mehr als die Hälfte der Deutschen wollen die DM zurück haben.” Notícia de 29 de junho de 2010, http://shortnews.de.

[5] GRReporter, “The Social Tourism of Bankrupt Greece,” July 12, 2010, http://www.grreporter.info. No verão de 2010, vários empreendedores gregos não quiseram atender clientes que estavam participando deste programa, pois o governo grego costumava pagar as contas destas pessoas com um atraso de seis meses — quando pagava.

[6] D. Hoeren and O. Santen, “Griechenland-Pleite: Warum zahlen wir ihre Luxus-Renten mit Milliarden-Hilfe?”bild-online.de, April 27, 2010,  http://bild.de.

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