A tragédia do isolamento

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Spotlight_PBNo século XX, dentre todas as explicações inventadas pelos intelectuais ocidentais para explicar as disparidades econômicas, educacionais e empreendedoriais dos indivíduos, duas se sobressaíram: nas primeiras décadas do século, dizia-se que a explicação estava no fato de haver diferenças raciais e inatas de destreza, talento e aptidão; já nas últimas décadas, dizia-se que a explicação estava na discriminação racial.

A maioria de nós consideraria ambas estas duas explicações ridículas.  No entanto, genes e discriminação eram as explicações predominantes para as diferenças entre brancos e negros oferecidas pelos intelectuais no século XX.

Em nenhuma dessas duas épocas a intelligentsia aceitava qualquer outra explicação.  Tais explicações não foram oferecidas como sendo apenas uma possibilidade dentre várias outras.  Não.  Elas foram fornecidas como sendoa verdade predominante, quando não exclusiva.  Em cada uma dessas épocas, os intelectuais estavam plenamente convencidos de que tinham a resposta correta, e rejeitavam e menosprezavam qualquer um que tentasse oferecer outras respostas.  Qualquer indivíduo que dissesse algo em contrário se arriscava a ser visto como um “sentimentalista”, no início do século, ou como um “racista”, no final do século.

Desta dogmática insistência em uma teoria generalista surgiram aberrações como as quotas raciais e toda essa infinidade de processos judiciais por racismo que superlotam os tribunais atualmente.  Tudo se baseia na presunção de que diferenças nos êxitos pessoais entre pessoas de cores distintas é uma prova de que alguém prejudicou outra pessoa.

No início do século, a teoria de que o determinismo genético explicaria as diferenças nos êxitos pessoais e seria uma prova de que algumas raças são inferiores às outras levou à defesa de coisas como a segregação racial, a eugenia e, mais tarde, culminaria no Holocausto.  A teoria atualmente predominante — a de que algum tipo de maldade explica as diferenças nos níveis de realizações entre os vários grupos étnicos e raciais — nos trouxe a era dos privilégios e do vitimismo.

Em ambas as eras, as teorias predominantes amaciaram e lisonjearam os egos dos intelectuais — no primeiro caso, eles foram vistos como salvadores da raça humana; no segundo caso, como libertadores das vítimas do racismo.

Dentre as ignoradas explicações alternativas para os diferentes níveis de êxito pessoal e grupal estavam a geografia, a demografia e a cultura.

Por exemplo, pessoas com a desvantagem geográfica de viverem isoladas em vales montanhosos raramente — para não dizer nunca — produziram façanhas de nível internacional.  Elas raramente geraram algum avanço para a ciência, para a tecnologia ou até mesmo para a filosofia.  Muito pelo contrário: as pessoas de tais localidades invariavelmente ficaram para trás em termos de progresso em relação ao resto mundo — inclusive em relação às pessoas da mesma raça que viviam nas planícies logo abaixo.  Montanheses sempre foram conhecidos por sua pobreza e atraso em todos os países ao redor do mundo, especialmente no milênio anterior à criação dos modernos meios de transporte e de comunicação, os quais aliviaram seu isolamento.

Essas comunidades montanhesas não apenas eram isoladas do resto do mundo, como também eram isoladas umas das outras.  Mesmo quando, em uma linha reta, a distância entre elas não era significativa, elas eram separadas por terrenos extremamente acidentados e escarpados.

Como bem observou o ilustre historiador francês Fernand Braudel, “a vida na montanha era persistentemente mais atrasada em relação à vida da planície”.  Um padrão de pobreza e atraso podia ser percebido das Montanhas Apalaches nos EUA às Montanhas Rife no Marrocos; dos Montes Pindo na Grécia às montanhas e planaltos do Sri-Lanka, de Taiwan, da Albânia e da Escócia.

Da mesma maneira, pessoas geograficamente isoladas em ilhas distantes ou pessoas isoladas por desertos ou por outras características geográficas raramente apresentaram — ou ao menos conseguiram imitar — os progressos da população continental.  Novamente, isso era especialmente notável antes de os modernos sistemas de transporte e comunicação terem-nas colocado em contato com o resto do mundo.

O atraso em relação às pessoas com um universo cultural mais amplo ocorria independentemente da raça das pessoas que viviam em localidades isoladas.  Por exemplo, quando os espanhóis descobriram as Ilhas Canárias no século XV, encontraram pessoas de raça caucasiana vivendo um nível de vida da idade da pedra.

Inversamente, pessoas urbanizadas quase sempre se mostraram na vanguarda do progresso, contribuindo muito mais para os avanços históricos da raça humana do que um número similar de pessoas dispersas pelas terras do interior — mesmo quando ambos os grupos eram da mesma raça.

Tão importante quanto o isolamento cultural, especificidades geográficas e geológicas são um fator igualmente importante, uma vez que nem todas as áreas geográficas são igualmente aptas à construção de grandes cidades.  Por exemplo, a esmagadora maioria das cidades foi construída sobre cursos d’água navegáveis — e não são todas as regiões do globo que possuem cursos d’água navegáveis.  Até mesmo a ausência de transporte animal fazia diferença.  Esta era a situação do hemisfério ocidental quando os europeus chegaram e trouxeram cavalos, animais desconhecidos pelos nativos da região.

Assim como é criado pela natureza, o isolamento também pode ser criado artificialmente pelo homem.  No século XV, quando a China era a nação mais avançada do mundo, seus líderes decidiram isolar o país em relação aos outros povos, todos eles considerados meros bárbaros.  Após alguns séculos de isolamento, a China se surpreendeu negativamente ao ver sua liderança ser sobrepujada por outros povos, chegando em alguns casos a ficar à mercê deles.  O Japão cometeu o mesmo erro no século XVII.

Em alguns casos, o isolamento se deve a uma cultura que resiste obstinadamente a absorver traços de outras culturas.  O Oriente Médio, por exemplo, já foi mais avançado que a Europa.  Porém, ao passo que os europeus aprenderam bastante com o Oriente Médio, os árabes não tiveram o mesmo interesse em aprender com os europeus.  A quantidade de livros que a Espanha traduzia do arábico em apenas um ano era maior do que a quantidade de livros que os árabes verteram para o arábico em mil anos.

A demografia também é outra característica crucial.  Dentre os vários motivos para os diferentes níveis de avanços e conquistas está algo tão simples quanto a idade.  A média de idade na Alemanha e no Japão é de mais de 40 anos, ao passo que a média de idade no Afeganistão e no Iêmen é de menos de 20 anos.  Mesmo que as pessoas destes quatro países tivessem absolutamente o mesmo potencial intelectual, o mesmo histórico, a mesma cultura — e os países apresentassem rigorosamente as mesmas características geográficas —, o fato de que as pessoas de determinados países possuem 20 anos a mais de experiência do que as pessoas de outros países ainda seria o suficiente para fazer com que resultados econômicos e pessoais idênticos sejam virtualmente impossíveis.

Ao se analisar os êxitos econômicos dos diferentes povos e das diferentes raças, é possível constatar várias diferenças que não têm nada a ver com genes ou com discriminação, mas sim com questões culturais, geográficas e demográficas.  No entanto, é muito mais trabalhoso examinar estes fatores e suas complexas interações do que simplesmente ser um oportunista e se agarrar à teoria predominante da época, e então se auto-congratular por ser um protetor dos oprimidos.

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Leia também: Intelectuais e raça – o estrago incorrigível

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