A utilidade marginal decrescente é uma lei

0

3100Por que os diamantes, que são quase que meras bugigangas decorativas, são muito mais valiosos do que a água, uma substância sem a qual todos nós morreríamos?  A resposta para esta pergunta milenar é que o valor de um bem é determinado na margem.  Isto significa que não valoramos a categoria “diamantes” em relação à categoria “água”; não fazemos uma comparação direta entre ambos os produtos, que são distintos não apenas em sua composição, como também em suas finalidades.  O que realmente fazemos é valorar uma unidade a mais de diamante em relação a uma unidade a mais de água.  Este é o conceito de margem.

A água é um bem superabundante.  Diamantes não.  Este é um dos motivos por que um diamante é tão caro, ao passo que a água é financeiramente acessível a todos.  Isso também ilustra um importante ponto acerca de tomadas de decisões: em vez de “estabelecer prioridades” e enxergar as coisas como se fossem decisões do tipo ‘tudo ou nada’, devemos analisar as opções e estabelecer prioridades.

Um dos mais importantes princípios da economia é o de que as decisões são feitas na margem, e um dos principais problemas da economia clássica envolvia a origem do valor.  A lei da utilidade marginal decrescente é um dogma fundamental da economia, além de ser uma lei tão científica quanto a lei da gravidade (talvez seja até mais científica do que a lei da gravidade, pois ela pode ser deduzida de um axioma — o homem age — que é autoevidente e verdadeiro).  A utilidade marginal não é decrescente só porque assumimos ser; a lei da utilidade marginal é uma implicação do axioma da ação, e não meramente uma suposição ad hoc.

A “utilidade” que uma pessoa obtém ao consumir um bem ou ao incorrer em uma determinada atividade é mais bem entendida quando se imagina um conjunto de desejos que podem ser satisfeitos ao se empregar determinados meios.  (Utilidade não é um resultado matemático de uma função de consumo representada por um conjunto de números reais.)

Seguindo esta definição, a “utilidade marginal” de se empregar uma unidade adicional de uma oferta homogênea de bens ou serviços deve ser entendida como o desejo adicional que pode ser satisfeito ao se empregar esta unidade marginal.  Do axioma fundamental da praxeologia — que diz que a ação humana é o uso de meios para se chegar aos fins desejados — podemos ver que a utilidade marginal de se empregar a unidade n é preferível à utilidade marginal de se empregar a unidade n+1.  Na linguagem da economia convencional, a utilidade marginal deve ser decrescente.

Assim, imagine um indivíduo, João, que tem uma esposa, uma filha, um cachorro e a seguinte escala de valores:

  1. Alimentar sua família com um bolo
  2. Alimentar sua filha com um ovo
  3. Alimentar sua esposa com um ovo
  4. Alimentar a si próprio com um ovo
  5. Alimentar seu cachorro com um ovo

Suponha que ele necessite de quatro ovos para fazer um bolo.  Com seu primeiro ovo, ele irá alimentar sua filha, pois ele prefere isto a todos os outros conjuntos de desejos que podem ser satisfeitos com apenas um ovo.  Com seu segundo ovo ele irá alimentar sua esposa, e com seu terceiro ovo ele irá alimentar a si próprio.

Agora, suponha que João compre um quarto ovo.  Isso nos leva a um possível falso juízo: o leitor mais desatento pode se sentir tentado a olhar para esta situação e exclamar, “Ahá!  Com o quarto ovo, João pode alimentar toda a sua família com o bolo, arranjo este que ele claramente prefere a alimentá-la apenas com ovos mexidos!  Portanto, é óbvio que a utilidade marginal do quarto ovo é maior que a utilidade marginal do terceiro ovo.  Logo, a utilidade marginal está aumentando!”

Mas esta linha de raciocínio ignora um ponto crucial: o quarto ovo só pode ser utilizado para fazer um bolo junto com os três primeiros ovos.  Dado que a “utilidade marginal” é um conceito que pode ser aplicado somente aunidades homogêneas de uma dada oferta, “um ovo” deixa de ser a unidade relevante da análise.  A homogeneidade das unidades é determinada pelo conjunto de desejos que podem ser satisfeitos com uma unidade de um bem; neste caso, a unidade relevante para a análise é “1 unidade = um arranjo de quatro ovos”.  Assim, a escala de valores de João passa a ser

  1. Alimentar sua família com um bolo
  2. Alimentar sua família com ovos mexidos

Ele obviamente irá escolher alimentar sua família com um bolo.  E, caso ele obtenha um segundo conjunto de quatro ovos, fará os ovos mexidos.

O leitor astuto irá notar que a escala de valores listada acima foi elaborada de acordo com os desejos satisfeitos pela unidade marginal de um determinado bem, e não pelo bem em si.  Nosso herói João não preferia intrinsecamente o primeiro ovo ao segundo; ele preferia alimentar sua filha a alimentar sua esposa.  Se houvesse apenas um ovo disponível, ele teria de escolher entre fins concorrentes, e o fim que mais o satisfaz é alimentar sua filha.

Já deve estar evidente que a lei da utilidade marginal é merecedora deste exato status epistemológico: uma lei.  Como demonstrou Carl Menger, este teorema, que pode ser deduzido do axioma da ação, é mais do que apenas empiricamente demonstrável: ele é irrefutavelmente verdadeiro.

 

Veja também:

O que a lei da utilidade marginal decrescente pode nos ensinar?

A utilidade marginal não é nenhuma astronáutica

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui