Capítulo XIII. O cálculo econômico como um instrumento da ação
1. O cálculo monetário como um método de pensar
O cálculo monetário é a estrela guia da ação no sistema social baseado na divisão do trabalho. É a bússola do homem que pretende produzir algo. O homem usa o cálculo para distinguir um processo de produção lucrativo dos não lucrativos; para distinguir aquilo que os consumidores soberanos provavelmente aprovarão daquilo que provavelmente desaprovarão. Todo o simples passo da atividade empresarial está sujeito a um exame minucioso a ser feito por intermédio do cálculo econômico. A premeditação de ações planejadas torna-se, com o cálculo, uma antecipação dos custos e receitas esperadas. A constatação retrospectiva do resultado da atividade passada torna-se a contabilidade de lucros e perdas.
O sistema de cálculo econômico em termos monetários está condicionado por certas instituições sociais. Só pode funcionar num quadro institucional de divisão do trabalho e de propriedade privada dos meios de produção, no qual bens e serviços de todas as ordens são comprados e vendidos através do uso generalizado de um meio de troca chamado moeda.
O cálculo monetário é o método de cálculo empregado pelas pessoas que agem no contexto de uma sociedade baseada no controle privado dos meios de produção. É um instrumento da ação dos indivíduos; é um modo de computar que tem por objetivo avaliar a riqueza e a renda privada e os lucros e perdas dos indivíduos que agem por conta própria numa sociedade de livre empresa.[1] Todos os seus resultados referem-se somente a ações individuais. Quando os estatísticos sumarizam esses resultados, o total obtido é uma soma de ações autônomas da pluralidade de indivíduos que se dirigem a si mesmos, e não o resultado da ação de um corpo coletivo, de um conjunto ou de uma totalidade. O cálculo monetário é inteiramente inaplicável e inútil para qualquer consideração que não contemple as coisas do ponto de vista de indivíduos. Implica no cálculo de lucros individualizados e não no de valores ”sociais” imaginários ou de bem estar ”social”.
O cálculo monetário é o principal veículo de planejamento e ação no contexto de uma sociedade livre, dirigida e controlada pelo mercado e seus preços. Desenvolveu-se nesse contexto e foi sendo gradualmente aperfeiçoado, na medida em que no mecanismo de mercado se expandia o conjunto de coisas negociadas com o uso de moeda. Foi o cálculo econômico que conferiu à quantificação, aos números e às operações aritméticas o papel que representam em nossa civilização quantitativa e calculadora. As medições da física e da química só fazem sentido para a ação prática porque existe o cálculo econômico. Foi o cálculo monetário que fez da aritmética uma ferramenta na luta por uma vida melhor.
Proporciona um modo de usar as conquistas obtidas em experiências de laboratório para diminuir o desconforto de maneira mais eficaz.
O cálculo monetário atinge sua maior perfeição na contabilidade de capital. Estabelece os preços em moeda dos meios disponíveis e confronta este total com as mudanças produzidas pela ação e pela operação de outros fatores. Esta confrontação mostra as mudanças que ocorreram nos negócios dos indivíduos e a magnitude dessas mudanças; torna legível o sucesso e o fracasso, o lucro e a perda. Intitulou-se de capitalismo o sistema de livre empresa com o evidente intuito de denegri-lo e difamá-lo. Entretanto, esse termo pode ser considerado como bastante pertinente. Evoca o traço mais característico do sistema, seu aspecto mais eminente, qual seja o papel que a noção de capital representa na gestão da livre empresa.
Há pessoas para as quais o cálculo econômico é algo repugnante. Não querem ser despertadas de seus devaneios pela voz crítica da razão. A realidade lhes aborrece, preferem fantasiar sobre um mundo de oportunidades ilimitadas. Incomoda-lhes a maldade de uma ordem social onde tudo é primorosamente calculado em dólares e centavos. Consideram seus resmungos de desaprovação como um comportamento nobre, digno dos amigos do espírito, da beleza e da virtude em contraposição à baixeza ignóbil e à torpeza dos Babbitt.[2] Entretanto, o culto da beleza e da virtude, a sabedoria e a busca do conhecimento não são prejudicadas pela racionalidade de uma mente que conta e calcula. Aquela atitude se trata apenas de devaneio romântico que não pode prosperar diante de uma crítica séria. O calculador de cabeça fria é o censor severo do visionário estático.
Nossa civilização está inseparavelmente ligada aos métodos de cálculo econômico. Pereceria, se tivesse de renunciar a essa preciosa ferramenta intelectual da ação. Goethe tinha razão em qualificar a contabilidade de partidas dobradas como ”uma das mais belas invenções da mente humana”.[3]
2. O cálculo econômico e a ciência da ação humana
A evolução do cálculo econômico capitalista foi a condição necessária para o estabelecimento de uma ciência da ação humana, sistemática e coerentemente lógica. A praxeologia e a economia têm um lugar definido na evolução da história humana e no processo de pesquisa científica. Só poderiam tomar corpo quando o agente homem tivesse êxito na criação de um método de pensar que tornasse possível calcular suas ações. A ciência da ação humana, no seu início, era simplesmente uma disciplina que lidava com as ações que podiam ser testadas pelo cálculo monetário. Lidava exclusivamente com o que poderia ser chamado de economia, num sentido restrito, isto é, com aquelas ações que numa sociedade de mercado são efetuadas com a intermediação da moeda. Os primeiros passos no caminho de seu aprimoramento foram investigações avulsas relativas às moedas em circulação, ao crédito e aos preços dos vários produtos. O conhecimento transmitido pela lei de Gresham, as primeiras formulações aproximadas da teoria quantitativa da moeda — como as de Bodin e Davanzati — e a lei de Gregory King são o primeiro albor da percepção da regularidade de fenômenos e da necessidade inevitável que prevalecem no campo da ação humana. O primeiro sistema mais abrangente de teoria econômica — essa brilhante realização dos economistas clássicos — foi essencialmente uma teoria da ação calculável. Traçou implicitamente a linha divisória entre o que deve ser considerado como econômico e como extra econômico, segundo a linha que separa as ações que podem ser calculadas em termos monetários das demais ações. Partindo dessa base, os economistas tiveram condições de ampliar pouco a pouco o campo de seus estudos, até finalmente desenvolverem um sistema capaz de lidar com todas as escolhas humanas, uma teoria geral da ação.
[1] Nas sociedades ou companhias embora constituídas de mais de um indivíduo, são sempre figuras individuais que agem.
[2] Babbitt — termo tirado do livro de mesmo título do escritor norte-americano Sinclair Lewis (1885-1951). É empregado nos EUA para designar, depreciativamente, empresários ou homens de negócios. (N.T.)
[3] Ver Goethe, Wilhelm Meister’s Apprenticeship, livro I, cap. X.