Capítulo XVI. Os preços
1. O processo de formação dos preços
Numa permuta ocasional, na qual as pessoas que normalmente não recorrem ao comércio trocam bens, geralmente sem que haja negociação, a relação de troca é determinada de forma vaga e imprecisa. A cataláxia, a teoria das relações de troca e preços, não pode determinar qual seria a efetiva relação de troca. Tudo o que pode afirmar em relação a essas trocas é que só podem ser efetuadas se cada uma das partes atribui maior valor ao que recebe do que ao que renuncia.
A reiteração de atos individuais de troca vai dando origem ao mercado, à medida que a divisão de trabalho evolui numa sociedade baseada na propriedade privada. Como o fato de produzir para o consumo de outras pessoas se torna regra geral, os membros da sociedade necessariamente compram e vendem. A multiplicação dos atos de troca e o aumento do número de pessoas que oferecem ou desejam as mesmas mercadorias reduzem as diferenças de valoração entre as partes. O aperfeiçoamento da troca indireta, graças ao uso da moeda, dividiu as transações em duas partes diferentes: compra e venda. O que para uma das partes é uma venda, para a outra é uma compra. A divisibilidade da moeda, ilimitada na prática, torna possível determinar com precisão as relações de troca, que passam a ser conhecida, em via de regra, por preços expressos em moeda. Estes são determinados entre margens bastante estreitas: por um lado, as valorações do comprador marginal e do ofertante marginal, que se abstém de vender, e, por outro lado, as valorações do vendedor marginal e do comprador potencial marginal, que se abstém de comprar.
A concatenação do mercado é o resultado das atividades de empresários, promotores, especuladores, corretores e negociantes de mercados futuros. Há quem pense que a cataláxia se baseia no pressuposto — que contraria a realidade — de que todos os que operam no mercado são dotados de um conhecimento perfeito e, portanto, estão em condições de obter a maior vantagem possível de todas as oportunidades de compra e venda. É verdade que alguns economistas realmente acreditavam que esse pressuposto estava implícito na teoria dos preços. Esses autores foram não só incapazes de perceber em quais aspectos um mundo povoado por homens que tivessem o mesmo conhecimento e a mesma capacidade de previsão seria diferente do mundo real; falharam também por não perceber que nem mesmo eles recorreram a tal pressuposto ao formular suas próprias teorias sobre preços.
Num sistema econômico, no qual todo agente tem condições de reconhecer corretamente a situação do mercado com o mesmo grau de percepção, o ajustamento dos preços a qualquer mudança dos dados seria alcançado instantaneamente. É impossível imaginar tal uniformidade de conhecimento e avaliação das mudanças dos dados, a não ser pela intervenção de forças sobre-humanas. Teríamos de supor que cada homem seria informado por um anjo sobre a mudança de dados ocorrida, e receberia instruções de como ajustar sua conduta, da maneira mais adequada, a essa mudança. Certamente, o mercado com o qual a cataláxia lida é composto por pessoas que têm diferentes graus de informação sobre as mudanças de dados e que, mesmo quando têm a mesma informação, avaliam-na de forma diferente. O funcionamento do mercado reflete o fato de que as mudanças nos dados são percebidas inicialmente apenas por umas poucas pessoas e que pessoas diferentes chegam a conclusões diferentes ao avaliar os seus efeitos. Os indivíduos mais empreendedores e mais brilhantes tomam a dianteira e são seguidos pelos outros. Os mais observadores avaliam melhor as situações que os menos inteligentes e, desta forma, são mais bem-sucedidos nas suas ações. Os economistas não devem jamais subestimar o fato de que a desigualdade dos homens, inata ou adquirida, faz com que eles se ajustem de forma diferente às condições do seu meio ambiente.
A força motriz do processo de mercado não provém dos consumidores nem dos proprietários dos meios de produção — terra, bens de capital e trabalho -; provém dos empresários que inovam e especulam. São pessoas que buscam o lucro, tirando proveito das diferenças de preços. Mais perspicazes e com maior visão do que os outros homens, procuram descobrir oportunidades de lucro. Compram quando e onde consideram que os preços estão muito baixos e vendem quando e onde consideram que os preços estão muito altos. Abordam os proprietários dos fatores de produção e, ao competir entre si, provocam um aumento nos preços desses fatores até o limite correspondente à sua previsão dos preços futuros dos produtos. Abordam também os consumidores e igualmente a competição provoca uma redução nos preços dos bens de consumo até o ponto em que toda a oferta possa ser vendida. A especulação visando ao lucro é a força motriz do mercado e também da produção.
No mercado, a agitação não para nunca. A construção imaginária de uma economia uniformemente circular não tem contrapartida no mundo real. Não é possível, jamais, sobrevir um estado de coisas no qual a soma dos preços dos fatores complementares de produção, levando-se em conta a preferência temporal, seja igual ao preço dos produtos e no qual nenhuma futura mudança seja esperada. Há sempre uma oportunidade de lucro esperando por alguém. Os especuladores são sempre atraídos pela perspectiva de lucro.
A construção imaginária da economia uniformemente circular é uma ferramenta mental para compreensão do que são lucros e perdas empresariais. Certamente não serve como modelo para explicar o processo de formação dos preços. Os preços finais correspondentes a essa concepção imaginária não são, de forma alguma, idênticos aos preços de mercado. As atividades dos empresários ou de quaisquer outros atores da cena econômica não são guiadas por considerações do gênero preços de equilíbrio ou economia uniformemente circular. O que os empresários consideram é a sua estimativa de qual será o preço futuro e não preços finais ou preços de equilíbrio. Descobrem discrepâncias entre a soma dos preços dos fatores complementares de produção e a sua estimativa do preço futuro dos produtos, e procuram aproveitar-se dessas discrepâncias. Essa atuação dos empresários resultaria finalmente no surgimento da economia uniformemente circular, se não houvesse novas mudanças nos dados.
A atividade dos empresários provoca uma tendência à equalização dos preços de produtos idênticos em todas as subdivisões do mercado, levando-se na devida conta os custos de transporte e o tempo nele gasto. As diferenças de preços que não sejam meramente transitórias e que não estejam condenadas a desaparecer em consequência da ação empresarial são sempre fruto de obstáculos específicos que obstruem a tendência inerente à equalização.
Alguma intervenção impede a atuação daqueles que procuram obter lucros. Um observador que não esteja bem familiarizado com as particularidades do mercado em questão geralmente não tem condições de perceber a barreira institucional que impede a equalização dos preços. Mas os comerciantes do ramo sabem muito bem o que lhes impossibilita tirar vantagem de tais diferenças.
Os estatísticos abordam este problema muito superficialmente. Quando observam diferenças no preço por atacado de uma mercadoria entre duas cidades ou países, que não sejam inteiramente imputáveis a custos de transporte, tarifas e impostos, concordam em afirmar que o poder de compra da moeda e o “nível” de preços são diferentes.[1] Com base nestas informações estatísticas, são feitos programas para eliminar tais diferenças através de medidas monetárias. Entretanto, a causa dessas diferenças não é de índole monetária. Se os preços em ambos os países são cotados em termos da mesma moeda, é preciso explicar o que impede os homens de negócio de se engajarem em operações comerciais que fariam desaparecer as diferenças de preço. A situação não se altera, se os preços são expressos em moedas diferentes porque a relação de troca entre vários tipos de moeda tende para um ponto no qual não haja mais margem para extrair lucros das diferenças de preços das mercadorias.
Sempre que persistem diferenças nos preços das mercadorias entre duas praças, cabe à história econômica e à economia descritiva investigar as barreiras institucionais que impedem a realização de transações que resultariam na equalização dos preços.
Todos os preços que conhecemos são preços passados. São fatos da história econômica. Ao falarmos de preços atuais, está implícito que supomos que os preços do futuro imediato não serão diferentes dos preços do passado recente. Entretanto, tudo o que se pode afirmar em relação a preços futuros é mera inferência da nossa compreensão de como serão os eventos futuros.
A história econômica nos diz apenas que, numa determinada data e num determinado lugar, duas partes, A e B, trocaram uma determinada quantidade de mercadoria a por um determinado número de unidades da moeda p. Quando, com base em tais atos de compra e venda, nos referimos ao preço de mercado de a, estamos sendo guiados por uma percepção teórica, de base apriorística. É a percepção segundo a qual, na ausência de fatores específicos que produzam diferenças de preço, os preços pagos no mesmo tempo e lugar para quantidades iguais da mesma mercadoria tendem a ser iguais, isto é, tendem a um preço final. Mas os efetivos preços de mercado nunca alcançam esse estado final. Os vários preços de mercado dos quais podemos obter informação são engendrados sobre condições diferentes. É inadmissível confundir médias calculadas a partir desses preços efetivos com preços finais.
Somente em relação a bens fungíveis negociados em mercados organizados como as bolsas de valores ou de mercadorias é que podemos admitir, ao comparar preços, que estes se referem à mesma qualidade. Fora de tais casos e dos preços de mercadorias cuja homogeneidade pode ser exatamente estabelecida através de análise técnica, constitui erro grave desconsiderar as diferenças de qualidade das mercadorias em questão. Mesmo no comércio atacadista de fibras vegetais para fabricação de tecidos, a diferença de qualidade tem uma importância decisiva. Uma comparação de preços de bens de consumo é ilusória, sobretudo graças à diferença de qualidade. A quantidade negociada numa transação também é relevante na determinação do preço pago por unidade. Ações de uma companhia vendidas num grande lote obtêm um preço diferente do que obteriam se fossem vendidas em diversos pequenos lotes.
É necessário insistir e repisar estes fatos porque é comum, hoje em dia, contrapor dados estatísticos de preços à teoria dos preços. Entretanto, os dados estatísticos de preços são inteiramente questionáveis. São precários, porque são baseados em circunstâncias que, geralmente, não permitem a comparação dos vários dados entre si, sua colocação em séries e o cálculo de suas médias. No afã de realizar operações matemáticas, os estatísticos deixam de considerar a heterogeneidade dos dados disponíveis. A informação de que certa firma vendeu numa determinada data um determinado par de sapatos por seis dólares constitui um fato da história econômica. Um estudo do comportamento dos preços dos sapatos de 1923 a 1939 é conjectural, por mais sofisticados que sejam os métodos aplicados.
A cataláxia mostra que as atividades empresariais tendem a fazer desaparecer as diferenças de preços não devidas a custo de transporte ou barreiras comerciais. Nenhuma experiência jamais conseguiu contradizer esse teorema. Os resultados obtidos pela comparação arbitrária de coisas desiguais são irrelevantes.
2. Valoração e avaliação
Os preços se constituem, em última instância, por julgamentos de valor dos consumidores. São o resultado da valoração, do ato de preferir a a b. São um fenômeno social, na medida em que são consequência da interação das valorizações de todos os indivíduos que participam do funcionamento do mercado. Cada indivíduo, ao comprar ou não comprar e ao vender ou não vender, dá sua contribuição para a formação dos preços de mercado. Mas quanto mais amplo o mercado, menor o peso de cada contribuição individual. Por isso a estrutura dos preços de mercado parece, ao indivíduo, um dado ao qual ele deve ajustar sua própria conduta.
As valorações que resultam na determinação dos preços são diferentes. Cada parte atribui um valor maior ao bem que recebe do que ao bem que abandona. A relação de troca — o preço — não decorre de uma igualdade nas valorações feitas pelas partes, mas, ao contrário, é fruto de uma discrepância entre essas valorações.
É necessário distinguir claramente avaliação de valoração. Uma avaliação não depende, de forma alguma, da valoração subjetiva de quem avalia. Quem avalia não pretende estabelecer o valor de uso subjetivo do bem em questão, mas antecipar o preço que o mercado lhe atribuirá. Valoração é um julgamento de valor que exprime uma preferência. Avaliação é uma antecipação de um fato esperado. Visa a estabelecer que preços sejam pagos no mercado por certa mercadoria ou que quantidade de dinheiro será necessária para comprar uma determinada mercadoria.
Não obstante, valoração e avaliação estão estreitamente ligadas. Nas suas valorações, um agricultor autárquico limita-se a comparar diretamente a importância que atribui aos diferentes meios de diminuir o seu desconforto. As valorações de um homem que compra e vende no mercado não podem deixar de considerar os preços do mercado; elas dependem da avaliação. Para saber o significado de um preço, é preciso conhecer o poder de compra da quantidade de dinheiro correspondente. É necessário, de uma maneira geral, estar familiarizado com os preços daqueles bens que se pretendem adquirir e, com base nesse conhecimento, avaliar quais serão os seus preços futuros. Quando um indivíduo fala do custo incorrido na compra de algum bem, ou do custo a ser incorrido na compra de bens que pretende adquirir, exprime esses custos em termos de moeda. Mas esta quantidade de moeda representa, a seu juízo, o grau de satisfação que poderia obter se a utilizasse para adquirir outros bens. A valoração usa a avaliação feita com base na estrutura de preços do mercado; mas o seu objetivo final é sempre comparar modos alternativos para diminuir o desconforto.
Em última análise, são sempre os julgamentos subjetivos de valor feitos pelos indivíduos que determinam a formação dos preços. A cataláxia, ao conceber o processo de formação dos preços, retorna à categoria fundamental da ação: preferir a a b. Tendo em vista os erros em que frequentemente se incorre, convém enfatizar que a cataláxia lida com preços reais, isto é, com preços que efetivamente são pagos em transações específicas, e não com preços imaginários. O conceito de preço final é uma mera ferramenta mental para abordar um problema especial, o do surgimento do lucro e perda empresarial. O conceito de preço “justo” ou “legítimo” é desprovido de qualquer significado científico; é um disfarce para certos desejos, uma tentativa de fugir da realidade. Os preços de mercado são inteiramente determinados pelos julgamentos de valor tais como os homens os revelam ao agir.
Quando alguém diz que os preços tendem para um ponto no qual a demanda total é igual à oferta total, está recorrendo a outra maneira de expressar a mesma concatenação de fenômenos. A oferta e a demanda são o resultado da conduta de compradores e vendedores. Se a oferta aumenta, mantidas inalteradas as demais circunstâncias, os preços devem diminuir. Pelo preço anterior, antes de ter aumentado a oferta, todos os que estivessem dispostos a pagá-lo poderiam comprar a quantidade que quisessem. Quando a oferta aumenta, é preciso que os antigos compradores adquiram quantidades maiores ou que novos compradores se interessem em comprar. Isto só pode ser obtido a um preço menor.
É possível representar graficamente essa interação por meio de duas curvas — a da oferta e a da procura — cuja interseção indica o preço. Também é preciso compreender que essas representações gráficas ou matemáticas não alteram a essência da nossa interpretação e não acrescentam nada à nossa percepção. É importante lembrar que não temos qualquer conhecimento ou experiência que nos revele a forma dessas curvas. O que realmente sabemos, sempre, são os preços de mercado — isto é, apenas um ponto que interpretamos como a interseção de duas curvas hipotéticas e não as curvas em si. Desenhar tais curvas pode ser um modo prático para explicar o problema a estudantes. Para as verdadeiras tarefas da cataláxia, trata-se de mero acessório.
3. Os preços dos bens de ordens superiores
O mercado é um processo coerente e indivisível. É um entrelaçamento indissolúvel de ações e reações, de avanços e recuos. Entretanto, a insuficiência de nossa capacidade mental nos obriga a dividi-lo em partes e a analisar separadamente cada uma delas. Ao recorrer a tais divisões artificiais, não devemos esquecer que a aparente existência autônoma dessas partes é um artifício de nossa mente. São apenas partes, isto é, não podem ser concebidas como independentes da estrutura geral do todo.
Os preços dos bens de ordens mais elevadas são, em última análise, determinados pelos preços dos bens da ordem mais baixa, da primeira ordem, ou seja, dos bens de consumo.
Consequentemente, dependem basicamente das valorações subjetivas de todos os membros da sociedade de mercado. Entretanto, é importante assinalar que estamos diante de uma conexão de preços e não de uma conexão de valorações. Os preços dos fatores complementares de produção são condicionados pelos preços dos bens de consumo. Os fatores de produção são avaliados em função dos preços dos produtos, e dessa avaliação emerge o seu preço. As avaliações, e não as valorações, é que são transferidas dos bens de primeira ordem para os bens de ordens mais elevadas. Os preços dos bens de consumo engendram as ações que resultam na formação dos preços dos fatores de produção. Estes preços estão diretamente ligados aos preços dos bens de consumo. Em relação às valorações dos indivíduos, os preços dos fatores de produção estão ligados apenas de forma indireta, qual seja, por intermédio dos preços dos bens de consumo para cuja produção são utilizados.
Os problemas que a teoria dos preços dos fatores de produção tem obrigação de resolver devem ser abordados pelos mesmos métodos utilizados na análise dos preços dos bens de consumo. Concebamos o funcionamento do mercado de bens de consumo em dois tempos. Imaginemos primeiro, um estado de coisas que resulte em atos de troca; nesta hipótese, o desconforto de vários indivíduos pode ser diminuído porque as várias pessoas valoram os mesmos bens de uma maneira diferente.
Em seguida, imaginemos uma situação na qual não ocorram mais atos de troca porque os atores não esperam obter qualquer aumento de satisfação com essas novas trocas. Procedamos da mesma maneira para compreender a formação dos preços dos fatores de produção: o funcionamento do mercado é impulsionado e mantido em movimento pelo empenho de empresários — promotores ansiosos por aproveitar a diferença entre os preços dos fatores de produção e os preços que esperam obter pelos produtos. Esse mercado ficaria paralisado se algum dia surgisse uma situação em que a soma dos preços dos fatores complementares de produção — considerando-se os juros — fosse igual aos preços dos produtos, e ninguém acreditasse que pudesse ocorrer novas mudanças de preços. Está, assim, descrito o processo, de forma adequada e completa, assinalando-se, positivamente, o que o impulsiona e, negativamente, o que paralisaria o seu funcionamento.
Importância maior deve ser dada à descrição positiva. A descrição negativa, que corresponde às construções imaginárias do preço final e da economia uniformemente circular, é meramente uma explicação auxiliar. Porque o essencial não é analisar conceitos imaginários, que jamais se apresentam na vida e na ação, mas examinar como se formam os preços pelos quais são efetivamente vendidos e comprados os bens de ordens mais elevadas.
Devemos esse método a Gossen, Carl Menger e Böhm-Bawerk. O principal mérito consiste em mostrar que o fenômeno de formação de preços está inextricavelmente ligado ao funcionamento do mercado. Esse método faz uma distinção entre: a) a valoração direta dos fatores de produção, que relaciona o valor do produto com o conjunto de fatores complementares de produção, e b) os preços dos diversos fatores de produção que são formados no mercado, resultantes da competição entre os que desejam comprá-los. A valoração tal como pode ser praticada por um ator isolado (Robinson Crusoé ou um comitê diretor da produção socialista) não pode resultar na determinação de algo como uma cotação de valor. A valoração pode apenas ordenar os bens segundo uma escala de preferências.
Jamais poderá atribuir a um bem algo que possa ser considerado como uma quantidade ou magnitude de valor. Seria absurdo falar de uma soma de valorações ou de valores. O que se pode afirmar é que, levando-se na devida conta a preferência temporal, o valor atribuído a um produto é igual ao valor do conjunto inteiro de fatores complementares de produção. Mas seria absurdo afirmar que o valor atribuído a um produto é igual “à soma” dos valores atribuídos aos vários fatores complementares de produção. Não se podem somar valores ou valorações. Podem-se somar preços expressos em termos de moeda, mas não escalas de preferência. Não se podem dividir valores nem isolar uma parte deles. Um julgamento de valor consiste apenas em preferir a a b.
O processo de imputação de valor não possibilita inferir o valor de cada um dos fatores de produção a partir do valor do produto por eles formado. Não fornece dados que possam servir como elementos para o cálculo econômico. Somente o mercado, ao estabelecer preços para cada fator de produção, torna possível o cálculo econômico. O cálculo econômico lida sempre com preços e nunca com valores.
O mercado determina os preços dos fatores de produção da mesma maneira que determina os preços dos bens de consumo. O processo de mercado é uma interação de homens que, deliberadamente, procuram eliminar, da melhor maneira possível, a sua insatisfação. É impossível omitir ou eliminar do processo de mercado os homens que, por seus atos, o fazem funcionar. Não se pode estudar o mercado de bens de consumo, sem se considerarem as ações dos consumidores. Não se pode estudar o mercado de bens de uma ordem mais elevada, sem se considerarem as ações dos empresários e o fato de que o uso de moeda é essencial nas suas transações. Não há nada automático ou mecânico no funcionamento do mercado.
Os empresários, no desejo de obter lucros, se apresentam como se fossem compradores num leilão, no qual os proprietários dos fatores de produção colocam à venda a terra, os bens de produção e o trabalho. Cada empresário quer superar seus competidores pela oferta de preços maiores. Suas ofertas são limitadas, de um lado, pela previsão que fazem dos preços futuros dos produtos e, do outro, pela necessidade de arrebatar os fatores de produção das mãos de outros empresários com quem estão competindo.
É o empresário que impede a persistência de uma atividade produtiva que não atenda aos desejos mais urgentes dos consumidores pelo menor custo possível. Todas as pessoas procuram obter a melhor satisfação possível de seus desejos e, nesse sentido, procuram colher o maior benefício possível. A mentalidade dos promotores, especuladores e empresários não é diferente da dos seus semelhantes. Simplesmente, eles são superiores às massas em energia e poder mental. São os líderes que iluminam o caminho do progresso material. São os primeiros a perceber que há uma discrepância entre o que é feito e o que poderia ser feito. Imaginam o que os consumidores gostariam de ter e procuram satisfazê-los. Ao perseguirem seus objetivos, oferecem preços maiores por alguns fatores de produção e provocam a redução do preço de outros fatores de produção pela redução da respectiva demanda. Ao fornecerem ao mercado os bens de consumo cuja venda proporciona os lucros mais elevados, criam uma tendência para uma redução nos seus preços. Ao restringirem a produção dos bens de consumo que não oferecem perspectivas de lucro, produzem uma tendência a que seus preços aumentem. Todas essas transformações sucedem-se incessantemente e só poderiam parar se fosse alcançada a situação irrealizável da economia uniformemente circular e do equilíbrio estático.
Ao traçarem seus planos, os empresários consideram, em primeiro lugar, os preços do passado imediato que são erradamente chamados de preços atuais. É claro que os empresários nunca usam esses preços nos seus cálculos, sem considerarem as mudanças previsíveis. Os preços do passado imediato são apenas o ponto de partida para prognosticar os preços futuros. Os preços do passado não influenciam a determinação dos preços futuros. Pelo contrário, é a antecipação dos preços futuros dos produtos que determina os preços dos fatores complementares de produção. A formação de preços não tem — no que concerne às mútuas relações de troca entre várias mercadorias[2] — qualquer relação causal direta com os preços do passado. A alocação de fatores de produção não conversíveis entre os vários setores de produção[3] e a quantidade de bens de capital disponível para produção futura são grandezas históricas; neste sentido, o passado influi na elaboração da produção futura e afeta os preços do futuro. Mas, de forma direta, os preços dos fatores de produção são determinados exclusivamente pela previsão dos preços futuros dos produtos. O fato de que ontem as pessoas valoravam e avaliavam as mercadorias de forma diferente é irrelevante. Os consumidores não se importam com investimentos feitos em função de condições do mercado já ultrapassadas; tampouco se inquietam com os interesses estabelecidos dos empresários, capitalistas, proprietários de terras e trabalhadores que podem ser prejudicados por mudanças na estrutura de preços. Tais sentimentos não influem na formação dos preços. (É precisamente o fato de o mercado não respeitar interesses estabelecidos que faz com que os interessados peçam a interferência do governo). Os preços do passado são, para o empresário, que é quem determina a produção futura, mera ferramenta mental. Os empresários não constroem de novo, a cada dia, uma estrutura de preços inteiramente nova, nem redistribuem os fatores de produção entre os vários setores da indústria. Limita-se a transformar o legado recebido do passado, adaptando-o melhor às novas condições. Dependendo da intensidade com que tais condições tenham mudado, será maior ou menor o grau de mudança ou de preservação da situação anterior.
O processo econômico é uma contínua interação de produção e consumo. As atividades de hoje são ligadas às do passado através do conhecimento tecnológico existente, da quantidade e qualidade dos bens de capital disponíveis e da distribuição da propriedade desses bens entre os diversos indivíduos. São ligadas ao futuro pela própria essência da ação humana; qualquer ação visa sempre à melhoria de condições futuras. Para encontrar seu caminho num futuro incerto e desconhecido, o homem pode recorrer a duas ajudas: a experiência dos eventos passados e a sua capacidade de compreensão. O conhecimento dos preços passados é uma parte dessa experiência e, ao mesmo tempo, o ponto de partida para a compreensão do futuro.
Se os preços passados fossem apagados da memória, o processo de formação de preços se tornaria uma tarefa árdua, mas não impossível, no que concerne às relações de troca entre as várias mercadorias. Seria mais difícil para os empresários ajustar a produção à demanda do público, mas, ainda assim, poderiam fazê-lo. Ser-lhes-ia necessário reunir de novo todos os dados necessários às suas operações. Incidiriam, inevitavelmente, em erros que hoje conseguem evitar graças à experiência de que dispõem. Flutuações de preços seriam mais intensas no princípio; fatores de produção seriam desperdiçados; necessidades deixariam de ser satisfeitas. Mas, decorrido algum tempo e depois de se pagar caro, seria readquirida a experiência necessária ao bom funcionamento do mercado.
O fato essencial é que a competição entre os empresários na busca de lucros não permite que persistam preços falsos para os fatores de produção. A atuação dos empresários é o elemento que plasmaria uma irrealizável economia uniformemente circular, se não ocorressem novas mudanças. Na hasta pública mundial que chamamos de mercado, os empresários são os licitantes dos fatores de produção. Ao licitarem, são, por assim dizer, os mandatários dos consumidores. Cada empresário representa um aspecto diferente dos desejos dos consumidores, por oferecerem ou uma mercadoria diferente, ou outro modo de produzir a mesma mercadoria. A competição entre empresários é, em última análise, uma competição entre as várias possibilidades de que dispõe a humanidade para diminuir o mais possível, pela aquisição de bens de consumo, o seu desconforto. As decisões dos consumidores de comprar uma mercadoria e adiar a compra de outra determinam os preços dos fatores de produção necessários à fabricação dessas mercadorias. A competição entre empresários faz com que os preços dos bens de consumo sejam determinantes na formação dos preços dos fatores de produção. Reflete no mundo exterior o conflito que a inexorável escassez dos fatores de produção provoca no íntimo de cada indivíduo. Faz com que sejam obedecidas as decisões dos consumidores quanto a que uso deve ser feito dos fatores de produção não específicos e quanto à intensidade com que devem ser usados os fatores de produção específicos.
O processo de formação de preços é um processo social. Consuma-se pela interação de todos os membros da sociedade. Todos colaboram e cooperam, cada um no papel específico que escolheu para si mesmo no contexto da divisão do trabalho. Competindo na cooperação e cooperando na competição, estamos todos contribuindo para realizar o resultado final, qual seja, a estrutura de preços do mercado, a alocação dos fatores de produção de modo a satisfazer os diversos tipos de necessidades e a determinação da cota de cada indivíduo.
Estes três eventos não são três coisas diferentes. São apenas aspectos diferentes de um fenômeno indivisível que nosso exame analítico subdivide em três partes. No mercado, ocorrem em conjunto e no mesmo ato. Somente as pessoas inspiradas por pendores socialistas, ou que não conseguem libertar-se dos métodos e anseios socialistas, falam de três processos diferentes ao lidar com os fenômenos de mercado: a determinação dos preços, o direcionamento do esforço de produção e a distribuição.
Uma limitação à formação dos preços dos fatores de produção
O processo que faz com que os preços dos fatores de produção derivem dos preços dos produtos só pode atingir seu objetivo se não mais do que um dos fatores complementares é absolutamente específico e não tem substituto, isto é, não é apropriado a nenhum outro uso. Se a produção de um produto requer o emprego de dois ou mais fatores absolutamente específicos, estes terão necessariamente um preço cumulativo. Se todos os fatores de produção fossem absolutamente específicos, o processo de formação de preços seria apenas cumulativo. Permitiria somente afirmação do seguinte tipo: considerando-se que ao combinar 3a e 5b obtêm uma unidade de p, 3a mais 5b é igual a 1p, e o preço final de 3a + 5b, levando-se na devida conta a preferência temporal, é igual ao preço final de 1p. Como não existem empresários interessados em licitar por a e b com o intuito de produzir algo diferente de p, torna-se impossível determinar preços de uma forma mais elaborada. Somente se surgir uma demanda por a (ou por b) provocada por empresários que desejem empregar a (ou b) para outros fins, haverá disputa entre estes empresários e aqueles que pretendem produzir p, fazendo existir um preço para a (ou para b) que determine também o preço de b (ou de a).
Um mundo em que todos os fatores de produção fossem absolutamente específicos poderia operar com tais preços cumulativos. Em tal mundo, não existiria o problema de como alocar os meios dos vários setores de produção. No nosso mundo real, as coisas são diferentes. Existem muitos meios de produção escassos, que podem ser empregados com vários propósitos. Na realidade, portanto, o problema econômico consiste em procurar saber como empregar esses fatores de tal maneira, que nenhuma unidade seja usada para satisfação de uma necessidade menos urgente, se esta utilização impedisse a satisfação de uma necessidade mais urgente. É este o problema que o mercado resolve ao determinar os preços dos fatores de produção. O serviço social prestado para essa solução não fica diminuído pelo fato de que para fatores que só possam ser empregados cumulativamente só possa haver preços cumulativos.
Os fatores de produção que, combinados entre si numa certa proporção, podem ser usados para produção de várias mercadorias, e que não podem ser empregados de nenhuma outra forma, devem ser considerados como fatores específicos de produção. São absolutamente específicos em relação à produção de um produto intermediário que pode ser utilizado com vários propósitos. O preço desse produto intermediário só lhes pode ser atribuído de forma cumulativa. Não faz diferença se esse produto intermediário pode ser diretamente percebido pelos sentidos ou se é meramente o resultado invisível e intangível de seu emprego conjunto.
4. Contabilidade de custo
Nos cálculos do empresário, custos são o montante em moeda necessário para adquirir os fatores de produção. O empresário procura engajar-se naqueles negócios que previsivelmente produzirão o maior superávit de receitas sobre custos e evitar negócios que produzirão um menor resultado ou até mesmo um prejuízo. Ao agir assim, está ajustando seu esforço à melhor satisfação possível das necessidades dos consumidores. O fato de um projeto não ser lucrativo porque os seus custos são maiores que suas receitas resultam do fato de que existe a possibilidade de empregar os fatores de produção de forma mais útil. Ou seja, existem outros produtos pelos quais os consumidores estão dispostos a pagar preços que cobrem o custo dos aludidos fatores de produção.
Por outro lado, os consumidores não estão dispostos a pagar preços rentáveis por aquelas mercadorias cuja produção não é lucrativa. A contabilidade de custos é afetada pelo fato de que nem sempre ocorrem as duas condições seguintes: Primeira, cada aumento na quantidade dos fatores despendidos na produção de um bem de consumo aumenta sua capacidade de diminuir o desconforto. Segunda, cada aumento na quantidade de um bem de consumo requer um aumento proporcional, ou até mesmo mais que proporcional, do dispêndio dos fatores de produção.
Se estas duas condições fossem sempre e sem exceção preenchidas, cada incremento z gasto para aumentar a quantidade m de uma mercadoria g seria empregado para satisfazer uma necessidade considerada como menos urgente do que a menos urgente das necessidades já satisfeitas pela quantidade m anteriormente disponível. Ao mesmo tempo, o incremento z necessitaria do emprego de fatores de produção que deixariam de ser usados para satisfazer outras necessidades consideradas como mais prementes do que aquelas cuja satisfação deixou de ser atendida para que se pudesse produzir a unidade marginal de m. Por um lado, o valor marginal da satisfação obtida com o aumento na quantidade disponível de g diminuiria. Por outro, os custos necessários à produção de quantidades adicionais de g teriam uma desutilidade marginal maior; fatores de produção deixariam de ser empregados na satisfação de necessidades mais urgentes. A produção deve parar no momento em que a utilidade marginal do incremento deixa de compensar o aumento marginal de desutilidade dos custos.
Ora, essas duas condições ocorrem com frequência, mas não de modo geral e sem exceção. Existem muitas mercadorias, de todas as ordens de bens, cuja estrutura física não é homogênea e que, portanto, não são perfeitamente divisíveis.
Evidentemente, seria possível escamotear o descumprimento da primeira condição mencionada acima por um sofisticado jogo de palavras. Alguém poderia dizer: metade de um automóvel não é um automóvel. Se acrescentarmos à metade de um automóvel um quarto de um automóvel, não aumentamos a “quantidade” disponível; somente quando se completa o processo de fabricação, produzindo-se um carro completo, teremos um aumento na “quantidade” disponível. Não obstante, esta interpretação não vai ao fundo da questão. O problema que nos interessa é que nem todo aumento de dispêndio aumenta proporcionalmente o valor de uso objetivo, ou seja, a capacidade física de prestar um determinado serviço. Os vários incrementos de dispêndio produzem resultados diferentes. Existem incrementos cujo dispêndio é inútil, a não ser que eles sejam complementados por determinadas quantidades de incrementos adicionais.
Por outro lado — no caso de descumprimento da segunda condição — um aumento na produção física nem sempre requer um aumento proporcional de dispêndio e, às vezes, nem mesmo um dispêndio adicional. Pode ocorrer que os custos não aumentem, ou que o seu aumento provoque um crescimento mais do que proporcional à produção. Isto porque muitos meios de produção não são homogêneos nem perfeitamente divisíveis. Este é o fenômeno conhecido no mundo dos negócios como a superioridade da produção em larga escala. Em linguagem econômica, trata-se da lei dos rendimentos crescentes ou dos custos decrescentes.
Consideremos — caso A — uma situação na qual nem todos os fatores de produção sejam perfeitamente divisíveis e na qual a plena utilização dos serviços produtivos propiciados por cada novo elemento indivisível de um fator requeira a plena utilização de novos elementos (igualmente indivisíveis) de cada um dos fatores complementares. Assim sendo, em cada conjunto produtivo, cada um dos elementos — cada máquina, cada trabalhador, cada pedaço de matéria-prima — só pode ser plenamente utilizado se todos os serviços produtivos dos outros elementos forem também plenamente empregados.
Dentro de tais limites, a produção de uma parte da produção máxima possível não requer uma despesa maior do que a requerida pela máxima produção possível. Podemos também dizer que o tamanho mínimo industrial sempre produz a mesma quantidade de produtos; é impossível produzir uma quantidade menor de produtos, mesmo que uma parte não seja aproveitada.
Consideremos — caso B — uma situação na qual um grupo de agentes produtivos (p) é, para todos os efeitos práticos, perfeitamente divisível. Por outro lado, os agentes que não são perfeitamente divisíveis podem ser divididos de tal maneira que a plena utilização dos serviços de cada novo elemento indivisível de um agente requeira plena utilização dos elementos indivisíveis dos outros fatores complementares imperfeitamente divisíveis. Assim sendo, para aumentar a produção de um conjunto de fatores que não podem mais ser divididos, e para passar de uma produção parcial a uma mais completa utilização da sua capacidade produtiva, bastaria aumentar a quantidade de p, ou seja, dos fatores perfeitamente divisíveis. Entretanto, devemos estar prevenidos para não cometermos o erro de julgar que isto, necessariamente, implica numa diminuição do custo médio de produção. Certamente, os fatores imperfeitamente divisíveis estarão sendo mais bem utilizados e, portanto, uma vez que o custo de produção graças à utilização desses fatores não se alterou, a cota parte por unidade produzida diminui. Mas, por outro lado, um aumento no emprego de fatores de produção perfeitamente divisíveis só pode ser conseguido se tais fatores forem retirados de outras aplicações. O preço desses fatores perfeitamente divisíveis tende a aumentar — mantendo-se inalteradas as demais condições — na medida em que eles sejam usados para possibilitar um melhor aproveitamento da capacidade produtiva do conjunto de fatores que não são perfeitamente divisíveis. Não devemos limitar o exame de nosso problema ao caso em que a quantidade adicional de p seja retirada de outras empresas que produzem o mesmo produto de uma maneira menos eficiente, forçando portanto essas empresas a diminuir sua produção. É óbvio que neste caso — competição entre uma empresa mais eficiente e outra menos eficiente, ambas produzindo o mesmo produto a partir da mesma matéria-prima — o custo médio de produção daquela que está ampliando sua produção decresce. Um exame mais abrangente do problema nos leva a um resultado diferente. Se as unidades de p são retiradas de outros empregos onde estariam sendo utilizadas para a produção de outros artigos, surge uma tendência de aumento de preço dessas unidades de p. Essa tendência pode ser compensada por outras tendências que, acidentalmente, tenham um sentido contrário; às vezes pode ser tão fraca que seus efeitos são desprezíveis. Mas a tendência em questão existe sempre e, ainda que apenas potencialmente, influi na configuração dos custos.
Finalmente, consideremos — caso C — uma situação na qual vários fatores de produção imperfeitamente divisíveis só possam ser divididos de tal maneira que, dadas as condições do mercado, qualquer que seja o tamanho da correspondente unidade produtiva por eles formada, não haja combinação alguma na qual a plena utilização da capacidade produtiva de um fator torne possível a plena utilização da capacidade produtiva dos demais fatores imperfeitamente divisíveis. Na prática, só este caso C tem importância, uma vez que os casos A e B só ocorrem excepcionalmente no mundo dos negócios. O que caracteriza o caso C é a variação desigual da configuração dos custos de produção. Se todos os fatores imperfeitamente divisíveis são utilizados aquém de sua plena capacidade, uma expansão de produção resulta numa diminuição do custo médio de produção, a não ser que um aumento nos preços a serem pagos pelos fatores perfeitamente divisíveis contrabalance essa diminuição. Mas, logo que seja atingida a plena utilização da capacidade de um dos fatores imperfeitamente divisíveis, nova expansão da produção provoca um aumento brusco dos custos. Em seguida, volta a existir uma tendência à diminuição do custo médio de produção até que, novamente, seja atingida a plena utilização de outro fator imperfeitamente divisível.
Mantidas inalteradas as demais condições, quanto mais aumentar a produção de certo artigo, mais fatores de produção serão retirados de outros empregos onde poderiam ser utilizados para a produção de outros artigos. Portanto — mantidas inalteradas as demais condições — o custo médio de produção aumenta com o aumento da quantidade produzida.
Entretanto, esta lei geral é gradualmente suplantada pelo fato de que nem todos os fatores de produção são perfeitamente divisíveis, e de que, na medida em que possam ser divididos, não o são de tal maneira que a plena utilização de um deles resulte na plena utilização de outros fatores imperfeitamente divisíveis.
O empresário, ao examinar a viabilidade de um projeto, coloca-se sempre diante da seguinte questão: em que medida os preços previstos para os produtos excederão os seus custos? Se o empresário ainda não se comprometeu em relação ao projeto em questão, porque ainda não fez nenhum investimento irrecuperável, o que lhe interessa é o custo médio do produto. Mas, se já tem um interesse estabelecido no ramo de negócio em questão, procurará ver as coisas do ângulo do custo adicional a ser despendido. Quem já possui uma instalação produtiva que não está sendo plenamente utilizada não considera o custo médio de produção, mas apenas o custo marginal. Sem considerar o montante já despendido em investimentos inconversíveis, está interessado apenas em saber se a receita proveniente da venda de uma quantidade adicional de produto excederá o custo adicional incorrido na sua produção. Mesmo que o montante total investido nessas instalações produtivas inconversíveis tenha de ser considerado como perda, o empresário continuará produzindo, desde que espere obter um razoável[4] superávit de receita sobre custos correntes.
Em virtude de erros muito comuns, convém enfatizar que, se não existem as condições necessárias ao surgimento de preços monopolísticos, um empresário não tem possibilidade de aumentar seu retorno líquido ao diminuir a produção aquém da quantidade correspondente à demanda dos consumidores. Mas este problema será tratado mais tarde na seção 6.
O fato de que um fator de produção não seja perfeitamente divisível não significa sempre que só possa ser construído e empregado nesse tamanho único. Em alguns casos, pode ser assim. Mas, como regra geral, é possível haver várias dimensões desses fatores. Quando, entre as várias dimensões possíveis de um fator — por exemplo, uma máquina -, uma dimensão é escolhida porque seus custos de produção e operação são menores por unidade produzida do que os de outras dimensões, as coisas são essencialmente idênticas. Neste caso, a superioridade da fábrica maior não consiste no fato de ela utilizar uma máquina à plena capacidade, enquanto a fábrica menor utiliza apenas uma parte da capacidade de uma máquina do mesmo tamanho. Consiste, mais exatamente, no fato de que a fábrica maior emprega uma máquina que opera com uma melhor utilização dos fatores de produção do que a máquina menor utilizada pela fábrica menor.
O fato de que muitos fatores de produção não sejam perfeitamente divisíveis tem uma importância muito grande em todos os setores de produção. Representa um papel primordial nos empreendimentos industriais. Mas devemos estar prevenidos para não interpretarmos equivocadamente o seu significado.
Um desses equívocos estava implícito na doutrina segundo a qual prevalece na indústria uma lei de retornos crescentes, enquanto que na agricultura e na mineração prevalece uma lei de retornos decrescentes. Esta falácia já foi refutada anteriormente.[5] Na medida em que exista uma diferença a este respeito entre as condições na agricultura e nas indústrias de processamento, ela decorre de circunstâncias da atividade considerada. A imobilidade do solo e o fato de que a produção agrícola depende das estações torna impossível aos fazendeiros aproveitar a capacidade dos muitos fatores de produção móveis com o mesmo grau de utilização possível na maior parte das indústrias. O tamanho ótimo de uma unidade de produção agrícola é, em geral, bem menor do que no caso das indústrias de processamento.
É óbvio, sem precisar de maiores explicações, que a concentração na agricultura não pode atingir níveis comparáveis aos atingidos pelas indústrias de transformação. Entretanto, a desigualdade na distribuição dos recursos naturais sobre a superfície terrestre, que é um dos dois fatores de onde decorre a maior produtividade da divisão do trabalho, impõe limites à concentração das indústrias de transformação. A tendência a uma progressiva especialização dos processos industriais e à sua integração e concentração num pequeno número de estabelecimentos é contrabalançada pela dispersão geográfica dos recursos naturais. O fato de a produção de matérias-primas e de alimentos não poder ser concentrado e forçar as pessoas a se dispersarem sobre a face da terra também obriga as indústrias de processamento a certo grau de descentralização. Assim sendo, torna-se necessário considerar os problemas de transporte como um fator específico dos custos de produção. Os custos de transporte devem ser ponderados face às economias que possam ser alcançadas com maior especialização. Enquanto em alguns ramos industriais a máxima concentração é o melhor método de reduzir custos, em outros ramos certo grau de descentralização é mais vantajoso. Nos setores de serviços, as desvantagens da concentração tornam-se tão grandes, que praticamente superam suas vantagens.
Há também um fator de natureza histórica. No passado, bens de capital foram imobilizados em locais onde os nossos contemporâneos não os colocariam. Pouco importa se essa localização era, para a geração que a decidiu, a mais econômica. De qualquer forma, a geração atual está diante de um fait accompli; deve ajustar suas operações a essa realidade e deve levá-la em consideração ao lidar com problemas de localização de indústrias de transformação.[6]
Finalmente, existem fatores institucionais. Existem barreiras comerciais e migratórias. Existem diferenças de organização política e de métodos de governo entre os vários países. Vastas áreas são administradas de tal maneira, que é praticamente fora de questão escolhê-las como sede para qualquer investimento, por mais favoráveis que sejam os seus recursos naturais.
A contabilidade de custo empresarial deve lidar com todos esses fatores geográficos, históricos e institucionais. Mas, além deles, existem fatores puramente técnicos que limitam o tamanho ótimo das fábricas e das firmas. Uma fábrica ou firma de tamanho maior pode necessitar de provisões e procedimentos que seriam desnecessários no caso de uma fábrica ou firma menor. Em muitos casos os dispêndios ocasionados por tais provisões e procedimentos podem ser compensados pela redução nos custos, decorrente de uma melhor utilização da capacidade de alguns dos fatores não perfeitamente divisíveis empregados. Em outros casos, isto pode não ocorrer.
No sistema capitalista, as operações aritméticas necessárias à contabilidade de custo e à comparação de custos e receitas podem ser facilmente efetuadas porque existem métodos disponíveis de cálculo econômico. Não obstante, a contabilidade de custo e o cálculo do significado econômico de um empreendimento não é apenas um problema matemático que possa ser resolvido satisfatoriamente por todos aqueles que estejam familiarizados com as quatro operações aritméticas. A questão principal é a determinação do equivalente em moeda dos itens a serem considerados no cálculo. É um erro supor, como fazem muitos economistas, que esses equivalentes são magnitudes dadas, determinadas unicamente pelas condições econômicas vigentes. Ao contrário, constituem uma antecipação especulativa de condições futuras incertas e, como tal, dependem da compreensão que o empresário tem do futuro estado do mercado. O termo custos fixos é, neste sentido, bastante enganador.
Toda ação visa a atender, da melhor maneira possível, a futuras necessidades. Para atingir seus objetivos deve fazer o melhor uso possível dos fatores de produção disponíveis. Entretanto, pouco importa como se desenvolveu o processo histórico que deu origem à configuração atual de fatores disponíveis. O que importa e influi nas decisões concernentes à futura ação é apenas o resultado desse processo histórico, isto é, a quantidade e qualidade dos fatores disponíveis hoje. Esses fatores são avaliados exclusivamente com base na sua capacidade de prestar serviços que resultem numa diminuição do desconforto. O montante de dinheiro gasto no passado para sua produção e aquisição é irrelevante.
Já salientamos anteriormente que um empresário, quando tem que tomar uma nova decisão, se já investiu dinheiro para realização de um determinado projeto, está numa situação diferente de quem ainda vai iniciar o seu investimento. O primeiro possui um conjunto de fatores de produção inconversíveis que podem ser empregados para certos fins. Suas decisões quanto a novas ações são influenciadas por esse fato. Avalia esse conjunto, não pelo que já gastou para adquiri-lo, mas, exclusivamente, segundo a sua utilidade para ação futura. O fato de ter gasto mais ou menos para sua aquisição é irrelevante. Serve apenas para determinar quanto o empresário ganhou ou perdeu no passado e qual o estado atual de sua fortuna; é apenas um elemento do processo histórico que resultou no estado atual de disponibilidade de fatores de produção. Mas não é considerado no planejamento da ação futura e nem no cálculo relativo a essa ação. É irrelevante que os lançamentos contábeis da firma registrem um valor diferente do preço atual de tais fatores inconversíveis de produção.
Evidentemente, os lucros e perdas já incorridos podem motivar uma firma a operar de uma maneira diferente daquela que operaria se não tivesse sido afetada por tais lucros e perdas. Perdas passadas podem tornar precária a situação financeira de uma firma, especialmente se tiverem gerado um endividamento, onerando-a com pagamentos de juros e amortização do principal. Entretanto, tais pagamentos não podem ser considerados parte dos custos fixos, pois não têm qualquer relação com as operações correntes. Não são causados pelo processo de produção, mas pelos métodos empregados pelo empresário no passado para conseguir o capital e os bens de capital necessários. São apenas acidentais do ponto de vista da continuidade operacional. Mas podem obrigar a firma em questão a uma gestão dos seus negócios diferente da que adotaria se fosse financeiramente mais forte. As necessidades de caixa para fazer em face de pagamentos devidos não afetam os seus custos; influem na avaliação que a firma faz de dinheiro à vista ou dinheiro a prazo. Podem obrigá-la a vender estoques num momento inadequado ou usar seu equipamento fixo de produção de maneira a desgastado excessivamente, prejudicando o seu uso futuro.
No que concerne à contabilidade de custo, é indiferente se uma firma possui o capital investido ou se tomou emprestado uma maior ou menor parte dele e está obrigada a cumprir os termos do contrato de empréstimo que rigidamente fixa a taxa de juros e as datas de vencimento do principal e dos juros. Os custos de produção incluem apenas os juros sobre o capital que ainda existe e é usado pela empresa. Não incluem juros sobre capitais dilapidados no passado em consequência de investimentos malfeitos ou de gestão ineficiente das operações correntes. A tarefa do empresário é, sempre, a de empregar os bens de capital disponíveis agora, da melhor maneira possível, para satisfazer necessidades futuras. Na busca desse objetivo, não deve desorientar-se em virtude de erros e falhas passadas, cujas consequências não podem mais ser evitadas. Uma fábrica já existente talvez não tivesse sido construída se o empresário tivesse previsto melhor a situação atual. É inútil lamentar um fato histórico como esse. O que importa é verificar se a fábrica ainda pode prestar serviços e, em caso afirmativo, como melhor aproveitá-la. Certamente, para o empresário, é doloroso não conseguir evitar erros. As perdas incorridas enfraquecem a sua situação financeira. Mas não afetam os custos a serem considerados no planejamento da ação futura.
É importante salientar esse ponto, porque ele tem sido deformado na interpretação corrente e na justificação de várias medidas. Não se “reduzem custos” aliviando-se a carga financeira de algumas firmas e empresas. Uma política que tem como meta abonar uma redução total ou parcial das dívidas ou dos juros correspondentes não reduz os custos.
Transfere riqueza dos credores para os devedores; desloca a incidência das perdas incorridas no passado por um grupo; por exemplo, dos portadores de ações ordinárias para os detentores de ações preferenciais ou debêntures. Este argumento de redução de custo é frequentemente usado em favor de uma desvalorização monetária. A falácia implícita é sempre a mesma.
O que habitualmente denominamos de custos fixos são também custos relativos à utilização dos fatores de produção já existentes, que são rigidamente inconversíveis ou só podem ser adaptados a outra atividade produtiva com uma perda considerável. Estes fatores têm uma característica de maior durabilidade do que os outros fatores necessários. Mas não são permanentes. São utilizados no processo de produção. A cada unidade produzida, uma parte da capacidade produtiva da máquina é exaurida. A extensão desse desgaste pode ser precisamente determinada pela tecnologia e, consequentemente, pode ser calculada em termos de moeda.
Mas não é somente o equivalente em moeda do desgaste da máquina que o cálculo empresarial tem de considerar. O homem de negócios não está preocupado apenas com a duração da vida tecnológica da máquina; ele tem de considerar o futuro estado do mercado. Embora uma máquina possa ainda ser utilizável do ponto de vista técnico, as condições do mercado podem torná-la obsoleta e sem valor. Se a demanda por seus produtos diminui consideravelmente ou desaparece completamente, ou se surgem métodos mais eficientes de fabricação desses produtos, a máquina em questão, do ponto de vista econômico, é mera sucata. Ao planejar a gestão do seu negócio, o empresário tem de considerar com o maior cuidado o futuro estado do mercado. O montante dos custos “fixos” a serem considerados nos seus cálculos depende da sua compreensão dos eventos futuros. Não podem ser fixados simplesmente por um raciocínio tecnológico.
O técnico pode determinar qual será a produção ótima de um conjunto de equipamentos. Mas este ótimo tecnológico pode ser diferente daquele que o empresário considera no seu cálculo econômico. Suponhamos que uma fábrica esteja equipada com máquinas que podem ser utilizadas por um período de dez anos. A cada ano, consideram-se 10% do seu custo original como depreciação. No terceiro ano, as condições do mercado colocam o empresário diante de um dilema: ele pode dobrar sua produção do ano em curso e vendê-la a um preço que (além de cobrir o aumento dos custos variáveis) excede a cota de depreciação do corrente ano e o valor presente da depreciação correspondente ao último ano.
Mas esta duplicação da produção triplica o desgaste do equipamento, e o superávit proveniente da venda da produção duplicada não é suficiente para compensar o valor presente da depreciação correspondente ao nono ano. Se o empresário fosse adotar nos seus cálculos a depreciação anual como um elemento rígido, teria de considerar a duplicação da produção como algo não lucrativo, uma vez que a receita adicional é menor que o custo adicional. Abster-se-ia de expandir a produção além do ótimo tecnológico. Mas o empresário não calcula dessa maneira, embora na sua contabilidade possa adotar a mesma depreciação para cada ano. O empresário pode preferir ter agora uma fração do valor presente da depreciação correspondente ao nono ano, em vez dos serviços tecnológicos que a máquina poderá prestar-lhe no nono ano; depende da sua opinião acerca do futuro estado do mercado.
A opinião pública, os governos e os legisladores, assim como o fisco, consideram uma instalação produtiva como uma fonte permanente de receitas. Acreditam que o empresário, ao fazer as devidas provisões para a depreciação anual, estará sempre em condições de colher um razoável retorno do capital investido nos seus bens duráveis de produção. Na realidade, as coisas são diferentes. Uma instalação de produção, como, por exemplo, uma fábrica e seu equipamento, é um fator de produção cuja utilidade depende das condições cambiantes do mercado e da habilidade do empresário de usá-la, ajustando-se a essas mudanças de condições.
Não há, no campo do cálculo econômico, nada que seja constante, no sentido em que este termo é usado em relação aos fatos econômicos. Os elementos essenciais do cálculo econômico são antecipações especulativas de condições futuras. Os usos e costumes comerciais e o direito comercial estabeleceram normas específicas para contabilidade e auditoria. A contabilidade é exata, se bem que apenas em relação a essas regras. Os registros contábeis não refletem com precisão o estado real dos negócios. O valor de mercado de um conjunto de bens duráveis de produção pode ser diferente do valor contábil. A prova disso é que a Bolsa de Valores valora as ações sem considerar essas cifras.
Portanto, a contabilidade de custo não é um processo aritmético que possa ser estabelecido e examinado por um árbitro indiferente. Não opera com base em grandezas determinadas de uma forma única que possa ser constatada objetivamente. Seus itens essenciais são o resultado de um julgamento das condições futuras, julgamento esse que é sempre e necessariamente influenciado pela opinião que o empresário tem quanto ao futuro estado do mercado.
Tentativas para estabelecer a contabilidade de custos numa base “imparcial” estão fadadas ao fracasso. O cálculo de custos é uma ferramenta mental da ação, o desígnio propositado de fazer o melhor uso dos meios disponíveis, a fim de melhorar uma situação futura. É necessariamente volitivo e não factual. Se fosse feito por um árbitro indiferente, o seu caráter mudaria completamente. O árbitro não lida com o futuro; lida com o passado morto e com regras rígidas que são inúteis na vida real e na ação. Ele não antecipa mudanças; está inconscientemente imbuído do preconceito de que a economia uniformemente circular é o estado normal e o mais desejável dos negócios humanos. No seu programa, não há lugar para lucros. Sua noção de taxa de lucro “legítima” ou de um retorno “legítimo” do capital investido é confusa. Entretanto, essas coisas não existem. Na economia uniformemente circular não existem lucros. Na economia real, os lucros não são determinados com base num conjunto de regras que permita classificá-los como legítimo ou ilegítimo. O lucro nunca é normal. Onde há normalidade, isto é, ausência de mudança, não pode haver lucros.
5. Cataláxia lógica versus cataláxia matemática
Os problemas de preços e de custos também foram tratados por métodos matemáticos. Houve até mesmo economistas que sustentaram que o único método apropriado para lidar com problemas econômicos é o método matemático; escarneciam os economistas lógicos chamando-os de “literários”.
Se esse antagonismo entre economistas lógicos e matemáticos fosse apenas um desacordo em relação ao procedimento mais adequado a ser usado no estudo de economia, seria supérfluo perder tempo com este assunto. O melhor método mostraria sua superioridade, ao proporcionar melhores resultados. Pode ser também que diferentes tipos de procedimento sejam necessários para a solução de problemas diferentes e que, para alguns deles, um método seja melhor do que outro.
Entretanto, não se trata de uma disputa sobre questões heurísticas, mas uma controvérsia que atinge a base da ciência econômica. O método matemático deve ser rejeitado não só por sua aridez; é um método inteiramente vicioso, que parte de falsas premissas e chega a conclusões erradas. Seus silogismos não são apenas estéreis; eles desviam o interesse do estudo dos problemas reais e deturpam as relações entre os vários fenômenos.
As ideias e procedimentos dos economistas matemáticos não são uniformes. Existem três correntes de pensamento que precisam ser tratadas separadamente. A primeira é representada pelos estatísticos que procuram descobrir leis econômicas a partir do estudo da experiência econômica. Procuram transformar a economia numa ciência “quantitativa”. Seu programa está condensado no lema da Sociedade Econometria: ciência quer dizer medição.
O equívoco fundamental implícito nesse raciocínio já foi mostrado anteriormente.[7] A história econômica trata sempre de fenômenos complexos. Não pode jamais transmitir um conhecimento do mesmo gênero do que um pesquisador extrai de uma experiência de laboratório. A estatística é um método para apresentação de fatos históricos relativos a preços e outros dados relevantes da ação humana. Não é economia e não pode produzir teoremas ou teorias econômicas. A estatística de preços é história econômica. A percepção de que, ceteris paribus, um aumento na demanda resultará num aumento dos preços não decorre da experiência. Ninguém jamais esteve ou estará em condições de observar uma mudança em um dos dados do mercado, ceteris paribus. O que costumam chamar de economia quantitativa simplesmente não existe. Todas as quantidades econômicas que conhecemos são dadas da história econômica. Nenhuma pessoa razoável poderá alegar que a relação entre preço e oferta é, de maneira geral, ou em relação a certas mercadorias, constante. Ao contrário, sabemos que os fenômenos externos afetam pessoas diferentes de diferentes maneiras; que as reações das mesmas pessoas aos mesmos eventos externos variam e que não é possível classificar os indivíduos em grupos de pessoas que tenham as mesmas reações. Esta percepção é um produto de nossa teoria apriorística. É verdade que os empiristas rejeitam esta teoria; asseguram que todo conhecimento deriva da experiência histórica. Não obstante, contradizem seus próprios princípios quando vão além do registro puro e simples de cada um dos preços vigentes e começam a tirar médias e construir séries. Somente um preço pago, num determinado momento e lugar, por certa quantidade de uma mercadoria específica, pode ser considerado um dado da experiência e um fato estatístico. A formação de grupos de vários preços, assim como o cálculo de preços médios, implica em considerações teóricas que lhes são lógica e temporalmente antecedentes. A maior ou menor importância a ser atribuída a certos detalhes concomitantes ou a certas contingências circunstanciais dos preços em questão depende igualmente de um raciocínio teórico. Ninguém se atreveria a sustentar que um aumento de a por cento na oferta de qualquer mercadoria deve sempre — em qualquer país e em qualquer tempo — resultar na diminuição de b por cento no seu preço. Mas, como nenhum economista quantitativo jamais se atreveu a definir precisamente, com base na experiência estatística, as condições específicas que fazem variar a relação a:b, fica evidente a inutilidade desse tipo de esforço. Acresce também que a moeda não é um padrão de medida dos preços; é um meio cuja relação de troca varia da mesma maneira, se bem que, geralmente, não com a mesma velocidade e com a mesma extensão com que variam as relações de troca recíprocas das diversas mercadorias e serviços vendáveis.
Não há necessidade de nos estendermos mais sobre a refutação das pretensões da economia quantitativa. A despeito dos pomposos pronunciamentos de seus defensores, na prática, ninguém conseguiu demonstrar seus teoremas. O finado Henry Schultz dedicou sua pesquisa à medição da elasticidade da demanda de diversas mercadorias. O professor Paul H. Douglas exaltou o resultado dos estudos de Schultz como “um trabalho tão necessário para fazer da economia uma ciência mais ou menos exata, quanto o foi a determinação dos pesos atômicos para o desenvolvimento da química”.[8] A verdade é que Schultz nunca pretendeu determinar a elasticidade da demanda de qualquer mercadoria como tal; os dados nos quais se apoiava diziam respeito apenas a certas áreas geográficas e certos períodos históricos. Suas conclusões quanto a uma determinada mercadoria, por exemplo, batatas, não se referem a batatas em geral, mas a batatas nos Estados Unidos nos anos de 1875 a 1929.[9] São, quando muito, contribuições bastante discutíveis e insatisfatórias a capítulos da história econômica.
Certamente não representam um esclarecimento do confuso e contraditório programa da economia quantitativa. Deve ser enfatizado que as duas outras escolas de economia matemática têm plena consciência da futilidade da economia quantitativa; jamais se atreveram a usar quaisquer grandezas descobertas pelos econometristas nas suas fórmulas e equações e, portanto, jamais as adotaram para solução de problemas concretos. Não há, no domínio da ação humana, nenhuma possibilidade de lidar com eventos futuros, a não ser pela via da compreensão.
O segundo campo abordado pelos economistas matemáticos é o da relação entre preços e custos. Ao lidar com esses problemas, os economistas matemáticos não levam em consideração o funcionamento do mercado e, além disso, procuram abstrair-se do uso da moeda, inerente a todo cálculo econômico. Entretanto, como falam de preços e custos em geral, e comparam preços e custos, tacitamente subentendem o uso e a existência de moeda.
Os preços são sempre representados por quantidades de moeda e os custos só podem ser considerados no cálculo econômico se expressos em termos de moeda. Se não fosse assim, os custos seriam expressos em termos de um conjunto de quantidades de diversos bens e serviços a serem gastos para obtenção de um produto. Por outro lado, os preços — se é que cabe aplicar este vocábulo a relações de troca efetuadas por simples permuta — seriam a enumeração de quantidades de vários bens pelos quais o “vendedor” pode trocar uma determinada mercadoria. Os bens considerados como “preços” não são os mesmos a que se referem os “custos”. Uma comparação de tais preços e custos, expressos em quantidades de bens, é impossível. Sabemos já, com base na compreensão praxeológica, que o vendedor atribui aos bens que entrega um valor menor do que aos que recebe; sabemos também que vendedor e comprador estão em contínuo desacordo quanto à valoração, que é subjetiva, dos dois bens trocados; e sabemos, ainda, que o empresário só se engaja num projeto quando espera receber, pelo produto, bens aos quais atribui maior valor do que aos bens gastos na produção. É esse conhecimento apriorístico que nos permite prever a conduta que um empresário adotará ao recorrer ao cálculo econômico. Mas o economista matemático ilude a si mesmo quando procura lidar com esses problemas de uma maneira mais geral omitindo qualquer referência às expressões monetárias. É inútil estudar as questões suscitadas pela imperfeita divisibilidade dos fatores de produção, sem aludir ao cálculo econômico em termos de moeda. Tal estudo nunca pode ir além do conhecimento já disponível, isto é: todo empresário procura produzir os artigos cuja venda lhe proporcionará uma receita de valor maior do que o conjunto de todos os bens gastos na sua produção. Mas, se não há troca indireta e se nenhum meio de troca é usado, o empresário só poderá ser bem-sucedido se for dotado de uma inteligência sobre-humana. Teriam de perceber, num só relance, todas as relações de troca possíveis no mercado, e conseguir atribuir, a cada bem, sua posição segundo essas mesmas relações de troca.
Não se pode negar que todas as investigações referentes à relação entre preços e custos pressupõem tanto o uso de moeda como o processo de mercado. Mas os economistas matemáticos fecham seus olhos a este fato óbvio. Formulam equações e traçam curvas para tentar descrever a realidade; na verdade, só conseguem descrever uma situação hipotética e irrealizável, sem qualquer semelhança com os problemas catalácticos em questão. Substituem as expressões monetárias usadas no cálculo econômico por símbolos algébricos, e acreditam que este procedimento torna-lhes o raciocínio mais científico. Causam muito boa impressão a uma pessoa leiga; na realidade, apenas confundem e embaralham temas que são tratados de forma satisfatória nos livros-texto de contabilidade e aritmética comercial.
Alguns desses matemáticos chegaram a afirmar que se poderia efetuar o cálculo econômico com base em unidades de utilidade, denominando este método de análise de utilidade. Seu erro é compartilhado pelo terceiro grupo de economistas matemáticos.
O traço característico desse terceiro grupo é o fato de seus membros pretenderem, aberta e conscientemente, resolver os problemas catalácticos, sem fazer qualquer referência à economia de mercado. Seu ideal é construir uma teoria econômica segundo os padrões da mecânica. Recorrem seguidamente a analogias com a mecânica clássica que, na opinião deles, é o modelo único e perfeito para a investigação científica. Não há necessidade de explicar de novo por que esta analogia é superficial e enganadora, nem de explicitar as diferenças radicais entre ação humana propositada e movimento, que é o tema central da mecânica. Basta enfatizar um ponto: o significado prático das equações diferenciais em ambos os casos.
As reflexões que resultam na formulação de uma equação têm, necessariamente, um caráter não matemático. A formulação de uma equação é a consumação do nosso conhecimento; não aumenta, diretamente, o nosso saber. Não obstante, na mecânica, uma equação pode prestar importantes serviços. Como existem relações constantes entre diversos elementos da mecânica e como essas relações podem ser confirmadas pela experimentação, torna-se possível usar equações para solução de problemas tecnológicos específicos. A nossa civilização industrial moderna é, em grande parte, fruto dessa utilização das equações diferenciais da física. Entretanto, não existem relações constantes desse tipo entre os elementos da economia. As equações formuladas pela economia matemática não passam de uma ginástica mental inútil e assim permanecerão, mesmo que viessem a exprimir muito mais do que na realidade exprimem.
Uma reflexão econômica correta não deve esquecer nunca estes dois princípios fundamentais da teoria do valor: primeiro, que toda valoração que resulta em ação significa sempre preferir ou rejeitar; não exprime jamais equivalência ou indiferença. Segundo, que não há maneira de comparar as valorações de indivíduos diferentes ou as valorações dos mesmos indivíduos em momentos diferentes, a não ser pela verificação da ordem de preferência com que esses indivíduos classificam as alternativas em questão.
Na construção imaginária da economia uniformemente circular, todos os fatores de produção são empregados de tal maneira, que cada um deles presta o melhor serviço possível.
Nenhuma mudança concebível e viável poderia aumentar o estado de satisfação; nenhum fator é empregado para satisfazer uma necessidade a, se este emprego impedir a satisfação de uma necessidade b, considerada como preferível a a. Certamente é possível descrever esta imaginária alocação de recursos por meio de equações diferenciais e representá-la graficamente por meio de curvas. Mas tais expedientes não nos dizem nada quanto ao processo do mercado. Apenas registram uma situação imaginária na qual o processo de mercado deixaria de funcionar. Os economistas matemáticos desprezam a análise teórica do processo de mercado e se distraem examinando de forma vaga uma noção auxiliar utilizada nessa análise, mas que é desprovida de qualquer sentido quando usada fora desse contexto.
Na física, estamos diante de mudanças que os sentidos registram. Percebemos uma regularidade na sequência dessas mudanças e essas observações nos permitem formular uma ciência da física. Nada sabemos quanto às forças que geram essas mudanças. Para o pesquisador, são dados irredutíveis, cuja análise não se consegue aprofundar. Pela observação, descobrimos a conexão existente entre vários fenômenos e atributos observáveis. É essa mútua interdependência de dados que o físico descreve nas suas equações diferenciais.
Na praxeologia, sabemos antes de tudo que os homens têm o propósito de provocar mudanças. É com base nesse conhecimento que se efetua o estudo da praxeologia, diferenciando-a das ciências naturais. Conhecemos as forças que provocam as mudanças e este conhecimento apriorístico nos permite compreender os processos praxeológicos. O físico não sabe o que “é” a eletricidade. Conhece apenas os fenômenos atribuídos ao que chamamos de eletricidade. Já o economista sabe o que impulsiona o processo de mercado.
Graças a esse conhecimento é que ele pode distinguir os fenômenos de mercado de outros, e descrever o processo de mercado. Ora, o economista matemático não acrescenta nada à elucidação do processo de mercado. Limita-se a descrever um modelo auxiliar que é utilizado pelos economistas lógicos como um conceito limite, ou seja, como uma descrição de um estado de coisas no qual não haja mais ação e o processo de mercado atinja completa imobilidade. Sua contribuição resume-se a isto. Aquilo que o economista lógico descreve em palavras quando define as construções imaginárias do estado final de repouso e da economia uniformemente circular — e que o próprio economista matemático também tem que descrever em palavras antes de iniciar suas operações matemáticas — é transformado em símbolos algébricos. Em suma: trata-se de uma analogia superficial que foi levada muito além do que deveria ter sido.
Tanto o economista lógico como o matemático afirma que a ação humana, em última análise, conduz ao estabelecimento de um estado de equilíbrio, que seria alcançado se não ocorressem novas mudanças. Mas o economista lógico vai mais além. Mostra como as atividades de indivíduos empreendedores, promotores e especuladores, ansiosos por obterem lucros, aproveitando-se das discrepâncias na estrutura de preços, tendem a eliminar essas discrepâncias e, assim fazendo, secam a fonte de lucro e perda empresarial. Mostram como esse processo finalmente resultaria no advento de uma economia uniformemente circular. É essa a tarefa da teoria econômica. A descrição matemática de vários estados de equilíbrio é mera digressão. O importante é analisar o processo de mercado.
Uma comparação dos métodos de análise econômica nos permite compreender melhor a necessidade, tão frequentemente apontada, de alargar o campo da ciência econômica através da formulação de uma teoria dinâmica que não se limite simplesmente a problemas estáticos. Esta crítica não se aplica à economia lógica, que é, essencialmente, uma teoria que lida com processos e mudanças, e que só recorre a construções imaginárias de imobilidade para elucidar os fenômenos relativos à mudança. Mas não se pode dizer o mesmo em relação à economia matemática. Suas equações e fórmulas limitam-se, a descrever estados de equilíbrio e de imobilidade. Seus procedimentos matemáticos não nos podem trazer nenhuma informação acerca da formação de tais estados ou de sua transformação em outros estados. A solicitação por uma teoria dinâmica justifica-se plenamente no que diz respeito à economia matemática, que não tem como atender a essa solicitação. Os problemas de análise do processo de mercado, isto é, a única questão econômica que realmente importa, desafiam qualquer abordagem matemática. A introdução do parâmetro tempo nas equações não é uma solução; não chega sequer a indicar as deficiências essenciais do método matemático.
Proclamar que toda mudança envolve tempo e que toda mudança implica sempre uma sequência temporal é o mesmo que dizer que onde há rigidez e imobilidade não existe o fator tempo. A principal deficiência da economia matemática não é ignorar a sequência temporal, mas ignorar o funcionamento do processo de mercado.
O método matemático é incapaz de explicar como, a partir de um estado de desequilíbrio, surgem as ações que tendem a estabelecer um equilíbrio. É possível, sem dúvida, indicar as operações matemáticas necessárias para transformar a descrição matemática de um determinado estado de desequilíbrio na descrição matemática de um estado de equilíbrio. Mas essas operações matemáticas de forma alguma descrevem o processo de mercado que as discrepâncias na estrutura de preços põem em marcha. As equações diferenciais da mecânica, ao descreverem um movimento, o fazem com precisão, indicando a trajetória, a cada fração de tempo decorrido. As equações econômicas não fazem a menor referência à situação real a cada instante do intervalo de tempo entre o estado de desequilíbrio e o de equilíbrio.
Somente aqueles que estiverem inteiramente dominados pelo preconceito de que a economia deve ser uma pálida réplica da mecânica poderão subestimar o peso dessa objeção. Uma metáfora superficial e bastante imperfeita não substitui os serviços prestados pela economia lógica.
Em todos os capítulos da cataláxia podem ser observadas as devastadoras consequências do tratamento matemático dado à economia. Para ilustrar este fato, bastam dois exemplos. O primeiro nos é proporcionado pela assim chamada equação de troca,[10] uma tentativa fútil e enganadora dos economistas matemáticos para explicar as mudanças no poder de compra da moeda.[11] O segundo pode ser mais bem apresentado ao se fazer referência à observação do professor Schumpeter, segundo a qual o consumidor, ao valorar os bens de consumo “ipso facto, também valoram os meios de produção que entram na produção desses bens”.[12] Dificilmente se poderia conceber o processo de mercado de uma maneira mais errada.
A economia não é uma questão de bens e serviços, mas de ações de homens vivos. Seu objetivo não é ficar estendendo-se sobre construções imaginárias como a do equilíbrio. Estas construções são apenas ferramentas de raciocínio. A única tarefa da economia é a análise das ações dos homens, a análise de processos.
6. Preços monopolísticos
Preços competitivos é o resultado de um completo ajustamento dos vendedores à demanda dos consumidores. A totalidade da oferta disponível é vendida pelo preço competitivo, e os fatores de produção específicos são utilizados até o ponto permitido pelos preços dos fatores complementares não específicos. Nenhum estoque disponível deixa de ser ofertado no mercado e a utilização de uma unidade marginal dos fatores de produção específicos não gera receita líquida. O processo econômico como um todo funciona a serviço dos consumidores. Não há conflito entre os interesses dos compradores e os dos vendedores, entre os interesses dos produtores e os dos consumidores. Os proprietários de várias mercadorias não têm como desviar o consumo e a produção da orientação que lhes é dada pelas valorações dos consumidores, pela quantidade disponível de bens e serviços de toda espécie e pelo nível de conhecimento tecnológico.
Qualquer vendedor isolado veria sua própria receita aumentar, se uma redução das quantidades disponíveis por seus competidores aumentasse o preço pelo qual ele poderia vender seu próprio estoque. Mas, num mercado competitivo, nenhum vendedor tem condições de obter esta vantagem. Se não tiver algum privilégio decorrente de uma intervenção estatal na economia, terá de se submeter às determinações do mercado.
O empresário, enquanto tal está sempre sujeito à soberania do consumidor. O mesmo não ocorre com os proprietários de bens e fatores de produção vendáveis, nem, obviamente, com o empresário na sua qualidade de proprietário de tais bens e fatores. Em certas condições, é mais vantajoso para eles restringir a oferta e vender cada unidade por um preço maior. Os preços assim determinados, preços monopolísticos, infringem a soberania do consumidor e a democracia do mercado.
As condições e circunstâncias especiais necessárias à emergência de preços monopolísticos e suas características catalácticas são:
1. É preciso que haja monopólio de oferta. A totalidade da oferta da mercadoria monopolizada é controlada por um único vendedor ou por um grupo de vendedores que agem em comum acordo. O monopolista — seja um indivíduo ou um grupo — tem a possibilidade de restringir a quantidade oferecida à venda ou utilizada na produção, a fim de aumentar o preço por unidade vendida, sem precisar temer a interferência de outros ofertantes da mesma mercadoria.
2. O monopolista ou não tem condições de discriminar entre os compradores ou se abstém de fazê-lo.[13]
3. A reação do público comprador ao aumento do preço para um valor acima do virtual preço competitivo, reação esta que consiste em uma diminuição da demanda, não é suficiente para tornar as receitas líquidas resultantes das vendas a qualquer preço superior ao preço competitivo menores do que as receitas líquidas resultantes das vendas ao preço competitivo. Portanto, é supérfluo entrar em discussões sofisticadas sobre o que deva ser considerado como atributo de identidade de um artigo. Não é necessário discutir se todas as gravatas são exemplares de um mesmo artigo ou se deviam ser separadas segundo seu tecido, cor e desenho. É inútil estabelecer delimitações acadêmicas dos vários artigos. A única coisa que importa é a maneira pela qual os compradores reagem ao aumento do preço. Para a teoria dos preços monopolistas, é irrelevante constatar que cada fabricante de gravatas produz artigos diferentes e considerar cada um deles como um monopolista. A cataláxia não lida com o monopólio em si, mas com os preços monopolísticos. Um comerciante de gravatas diferentes das oferecidas por outros comerciantes só poderia conseguir exercer preços monopolísticos se os compradores não reagissem ao aumento de preço de maneira a torná-lo desvantajoso.
O monopólio é um pré-requisito para o aparecimento de preços monopolísticos, mas não é o único pré-requisito. É necessário atender a uma condição adicional, qual seja, certa conformação da curva da demanda. A mera existência de monopólio não significa que essa condição esteja atendida. O editor de um livro do qual detenha os direitos de publicação é um monopolista. Mas pode ser que não consiga vender uma única cópia, por menor que seja o preço solicitado. O preço pelo qual o monopolista vende sua mercadoria nem sempre é um preço monopolístico. Preços monopolísticos são apenas os preços pelos quais é mais vantajoso para o monopolista restringir a quantidade a ser vendida do que expandir suas vendas até o limite que o mercado competitivo permitiria. É o resultado de um desígnio deliberado no sentido de restringir o comércio da mercadoria em questão.
4. É um erro fundamental supor que existe uma terceira categoria de preços que não sejam nem monopolísticos nem competitivos. Se deixarmos de lado o problema da discriminação de preços de que trataremos mais adiante, um determinado preço ou é um preço competitivo ou um preço monopolístico. As afirmativas em sentido contrário se devem à crença equivocada de que as condições de competição não são livres e perfeitas, a não ser que todos tenham condições de se apresentar como vendedores de uma determinada mercadoria.
A quantidade disponível de qualquer mercadoria é limitada. Se não o fosse, em relação à demanda do público, a mercadoria em questão não seria considerada um bem econômico e nenhum preço lhe seria atribuído. Portanto, é enganador aplicar o conceito de monopólio de tal maneira que abranja todo o conjunto de bens econômicos. A mera limitação da disponibilidade existente é a fonte do valor econômico e de todos os preços; tal limitação, entretanto, não é suficiente para gerar preços monopolísticos.[14]
A expressão competição monopolística ou imperfeita tem sido aplicada a situações em que existem algumas diferenças nos produtos dos diversos fabricantes e vendedores. Isto significa a inclusão de quase todos os bens de consumo na categoria de bens monopolizados.
Não obstante, a única questão relevante no estudo da determinação de preços é a de procurar saber se essas diferenças podem ser usadas pelo vendedor para uma deliberada restrição da oferta, a fim de aumentar sua receita líquida. Somente quando esta possibilidade existe e é efetivada, podem surgir preços monopolísticos diferentes dos preços competitivos. Pode ocorrer que cada vendedor tenha uma clientela que prefira sua marca àquela dos seus competidores, e que não deixe de comprá-la, mesmo por um preço maior.
Mas o problema para o vendedor é saber se o número dessas pessoas é suficientemente grande para compensar a redução de vendas provocada pela abstenção de outros clientes. Só neste caso lhe será vantajoso substituir preços competitivos por preços monopolísticos.
Interpretações erradas da expressão controle da oferta têm dado margem a uma grande confusão. Qualquer fabricante de qualquer produto tem sua parcela de controle sobre a oferta das mercadorias que coloca à venda. Se tivesse produzido uma maior quantidade do produto a, teria aumentado a oferta e provocado uma tendência de menor preço. Mas a questão está em procurar saber por que não produziu uma quantidade maior de a. Ao produzir apenas a quantidade p do produto a, estaria ele procurando ajustar-se aos desejos dos consumidores da melhor maneira que lhe seria possível? Ou estaria ele desafiando as ordens dos consumidores em proveito próprio? No primeiro caso, se ele não produz uma quantidade maior de a, é porque, se produzisse uma quantidade de a maior do que p teria de retirar fatores de produção escassos de outros setores nos quais esses fatores teriam sido utilizados para satisfazer necessidades mais urgentes dos consumidores. Não produz p + r, mas apenas p, porque este aumento de produção tornaria seu negócio não lucrativo ou menos lucrativo, enquanto ainda existem outras aplicações mais lucrativas para investir o capital disponível. No segundo caso, deixou de produzir r porque lhe era mais vantajoso deixar uma parte da quantidade disponível de um fator específico de produção monopolizado m sem ser utilizada.
Se não detivesse o monopólio de m, teria sido impossível obter qualquer vantagem por restringir a produção de a. Seus competidores teriam fornecido o que faltasse e não lhe seria possível exercer preços mais elevados.
Ao estudar os preços monopolísticos, devemos sempre procurar o fator monopolizado m. Se este fator não existir, não pode haver preço monopolístico. A primeira condição para haver preços monopolísticos é a existência de um bem monopolizado. Se não há retenção de uma parte desse bem m, um empresário não terá possibilidade de substituir preços competitivos por preços monopolísticos.
Lucro empresarial não tem nada a ver com monopólio. Se um empresário tem a possibilidade de vender por preços monopolísticos, deve esta vantagem ao fato de deter o monopólio de um fator específico m. Realiza o ganho decorrente do monopólio pela sua condição de proprietário de m, e não pela sua atividade empresarial.
Suponhamos que um acidente deixe uma cidade sem eletricidade por muitos dias e obrigue os residentes a recorrerem unicamente à luz de velas. O preço das velas aumenta para s; a esse preço, a quantidade total disponível seria vendida. Os comerciantes de velas realizariam um bom lucro, ao venderem todo seu estoque por s. Mas tais comerciantes poderiam combinar reter uma parte do seu estoque e vender o resto pelo preço s + t. Enquanto s teria sido o preço competitivo, s + t é um preço monopolístico. O excedente ganho pelos comerciantes ao venderem pelo preço s + t, sobre o que teriam ganhado vendendo apenas por s, é o seu específico ganho monopolístico.
Pouco importa a maneira utilizada pelos comerciantes para restringir a quantidade à venda. A destruição física de uma parte do estoque disponível é um exemplo clássico de ação monopolística. Há pouco tempo atrás, foi o que fez o governo brasileiro ao queimar grande quantidade de café.[15] O mesmo efeito pode ser obtido, deixando-se de usar uma parte da quantidade disponível.
Embora os lucros sejam incompatíveis com a construção imaginária da economia uniformemente circular, os preços monopolísticos e os típicos ganhos monopolísticos não o são.
5. Quando as quantidades disponíveis do bem m são possuídas não apenas por um homem, firma, companhia ou instituição, mas por diversos proprietários que desejam substituir o preço competitivo pelo preço monopolístico, é necessário que façam um acordo entre si (comumente conhecido como um cartel e estigmatizado na legislação antitruste americana como uma conspiração) para definir a parcela de m que cada participante está autorizado a vender, obviamente pelo preço monopolístico. A parte essencial de qualquer cartel é a atribuição de quotas aos seus membros. A arte de formar um cartel consiste na habilidade em conseguir chegar a um acordo em relação às quotas. Um cartel se desintegra no momento em que seus membros não mais aceitam a quota que lhes foi atribuída. Simples conversas entre os proprietários de m quanto ao desejo de exercer preços maiores não produzem efeitos práticos.
Geralmente o que torna possível a emergência de preços monopolísticos são políticas de governo; por exemplo: barreiras alfandegárias. Se os proprietários de m não aproveitam a oportunidade de fazer um acordo para praticar preços monopolísticos, os governos, frequentemente, se encarregam de organizar o que a lei americana chamada de “restraint of trade”.[16] O poder de polícia força os proprietários de m — geralmente terra, recursos minerais e instalações de pesca — a limitarem sua produção. Os exemplos mais destacados deste método nos são proporcionados, em nível nacional, pela política agrícola americana e, em nível internacional, pelos eufemisticamente chamados Acordos Intergovernamentais de Controle de Mercadorias. Desenvolveu-se uma nova semântica para descrever este tipo de intervenção estatal na economia. O ato de restringir a produção e, consequentemente, o correspondente consumo é chamado de “evitar excedentes”; e o efeito pretendido, qual seja, um preço maior por unidade vendida, é chamado de “estabilização”. É claro que essas quantidades de m não são consideradas como “excedentes” por aqueles que não as consumiram. Também é óbvio que essas pessoas teriam preferido um preço menor a um preço maior “estabilizado”.
6. O conceito de competição não inclui a exigência de que deva haver um grande número de competidores. Competição é sempre uma disputa entre dois indivíduos ou duas empresas, qualquer que seja o número de outros interessados pela mesma recompensa. Ninguém jamais sustentou que a competição eleitoral num sistema bipartidário seja menos competitiva do que num sistema de vários partidos. O número de competidores só tem importância na análise dos preços monopolísticos na medida em que é um dos fatores de que depende o sucesso das tentativas dos concorrentes para formar um cartel.
7. Se for possível ao vendedor aumentar sua receita líquida por meio de uma restrição das vendas e de um aumento do preço das unidades vendidas, existem, normalmente, diversos preços monopolísticos que satisfazem essa condição. Em geral, um desses preços monopolísticos proporciona a maior receita líquida. Mas também pode ocorrer que vários preços monopolísticos sejam igualmente vantajosos para o monopolista. Podemos chamar esse preço monopolístico ou esses preços monopolísticos mais vantajosos de preço monopolístico ótimo ou preços monopolísticos ótimos.
8. O monopolista não sabe de antemão de que maneira o consumidor irá reagir a um aumento nos preços. Precisa recorrer ao processo de tentativa e erro para saber se o bem monopolizado pode ser vendido com vantagem a qualquer preço superior ao preço competitivo e, sendo assim, qual dos vários preços monopolísticos possíveis é o preço monopolístico ótimo ou um dos preços monopolísticos ótimos. Na prática, isso é muito mais difícil do que o economista imagina, quando, ao traçar curvas de demanda, atribui ao monopolista uma infalível capacidade de previsão. Devemos, pois, incluir uma condição especial para o surgimento de preços monopolísticos: a aptidão do monopolista para descobrir tais preços.
9. Um caso especial é o do monopólio incompleto. A maior parte da qualidade total disponível pertence ao monopolista; o resto pertence a uma ou algumas pessoas que não estão dispostas a cooperar com o monopolista num acordo para restringir as vendas, o que, desse modo, possibilitaria a existência de preços monopolísticos. Entretanto, a relutância desses proprietários menores não impede o estabelecimento de preços monopolísticos, se a porção p1controlada pelo monopolista é suficientemente grande em comparação com a porção p2 correspondente a todos os proprietários menores. Suponhamos que a oferta total (p=p1+p2) possa ser vendida ao preço c por unidade e que uma quantidade p-z, ao preço monopolístico d. Se d (p1-z) é maior do que cp1, é vantajoso para o monopolista restringir suas vendas, qualquer que seja o comportamento dos proprietários menores. Estes tanto podem continuar vendendo ao preço c, como podem aumentar seus preços para d. O único ponto importante é que os proprietários menores não estejam dispostos a reduzir as quantidades que eles estão vendendo. A redução total necessária deve ser absorvida pelo proprietário de p1. Tal circunstância influirá nos seus planos e geralmente resultará no surgimento de um preço monopolístico diferente do que teria sido estabelecido se o monopólio fosse completo.[17]
10. O duopólio e o oligopólio não são tipos especiais de monopólio, mas, meramente, variantes para estabelecimento de preços monopolísticos. Duas ou mais pessoas possuem a quantidade total. Estão dispostas a vender por preços monopolísticos e a restringir suas vendas na proporção necessária. Mas, por alguma razão, não querem agir em concerto. Cada uma delas segue seu próprio caminho, sem qualquer acordo formal ou tácito com seus competidores. Mas cada uma delas sabe que seus rivais pretendem restringir monopolisticamente as suas vendas, para poderem obter preços mais altos por unidade e os correspondentes ganhos monopolísticos. Cada uma delas observa cuidadosamente a conduta de seus rivais, à qual procura ajustar seus próprios planos. Sucedem-se marchas e contramarchas, espertezas recíprocas, cujo resultado depende da sagacidade dos contendores. Os duopolistas e os oligopolistas têm dois objetivos em mira: por um lado, descobrir o preço monopolístico mais vantajoso para os vendedores e, por outro, transferir para os seus rivais, tanto quanto possível, o ônus de restringir as vendas. Precisamente porque não conseguem chegar a um acordo em relação às quotas de redução que devem corresponder a cada um, não agem em concerto como fazem os membros de um cartel.
Não se deve confundir duopólio e oligopólio com monopólio incompleto ou com monopólio estabelecido através da competição. No caso de monopólio incompleto, só o grupo monopolístico está disposto a reduzir suas vendas de maneira a fazer prevalecer o preço monopolístico; os outros vendedores se recusam a limitar suas vendas. Já os duopolistas e oligopolistas estão dispostos a reter uma parte de sua produção, não a colocando à venda no mercado. No caso de dumping, um grupo A diminui drasticamente seus preços com o objetivo de obter um monopólio completo ou incompleto, forçando todos ou quase todos os seus competidores, o grupo B, a fecharem seus negócios. Reduz os seus preços a um nível que inviabiliza a operação dos seus competidores mais vulneráveis. O grupo A poderá sofrer perdas, ao vender por preço tão baixo; mas tem condições de suportar essas perdas por um tempo maior que os outros, e confia que será amplamente compensado mais tarde, por ganhos monopolísticos. Este processo não tem nada a ver com preços monopolísticos. É uma manipulação para conseguir alcançar uma posição monopolista.
Pode-se questionar se o duopólio e o oligopólio têm importância prática. Geralmente, as partes interessadas chegam pelo menos a um acordo tácito em relação às suas respectivas quotas de redução de vendas.
11. O bem monopolizado cuja retenção parcial permite o estabelecimento de preços monopolísticos pode ser um bem de uma ordem inferior ou um bem de uma ordem mais elevada, um fator de produção. Pode consistir no controle do conhecimento tecnológico necessário à produção, a “receita”. Tais receitas são em geral bens livres, uma vez que sua capacidade de produzir determinados efeitos é ilimitada. Só podem tornar-se bens econômicos se forem monopolizadas e se o seu emprego for restringido. Qualquer preço pago pelos serviços prestados por uma receita é sempre um preço monopolístico. É irrelevante se a restrição ao uso da receita resulta de condições institucionais — tais como patentes e direitos autorais — ou se resulta do fato de que a fórmula é mantida em segredo e ninguém consegue descobri-la.
O fator de produção complementar cuja monopolização pode resultar no estabelecimento de preços monopolísticos pode também consistir na possibilidade de certa pessoa intervir na produção de determinada mercadoria, quando os consumidores atribuem a esta intervenção um significado especial. Essa possibilidade pode ocorrer seja pela natureza da mercadoria ou do serviço em questão, seja por disposições institucionais que protegem as marcas registradas. As razões pelas quais os consumidores atribuem tanto valor à contribuição de uma pessoa ou firma são múltiplas. Podem advir de uma confiança especial no indivíduo ou firma em virtude de experiência anterior;[18] simplesmente de um preconceito sem fundamento ou um erro; esnobismo; crenças mágicas ou metafísicas cuja inconsistência seja ridicularizada pelas pessoas de bom senso. Um medicamento de uma determinada marca pode ter a mesma composição química e eficácia fisiológica que outro de marca diferente.
Não obstante, se os compradores atribuem um significado especial à etiqueta deste último e estão dispostos a pagar preços mais altos pelo produto que tiver este rótulo, o vendedor poderá, se a configuração da demanda é propícia, exercer preços monopolísticos.
O monopólio que permite ao monopolista restringir a oferta sem que haja reação por parte das outras pessoas pode consistir na maior produtividade de um fator de que o monopolista dispõe, em comparação com a menor produtividade do fator correspondente de que dispõem os seus competidores potenciais. Se a margem entre a maior produtividade do fator monopolizado e a produtividade de seus competidores potenciais é suficientemente grande para permitir o surgimento de um preço monopolístico, estamos diante de uma situação que podemos chamar de monopólio marginal.[19]
Ilustremos o monopólio marginal pela referência ao seu exemplo mais frequente nos dias de hoje, qual seja, a possibilidade de uma tarifa aduaneira, em certas circunstâncias, gerar um preço monopolístico. Suponhamos que Atlantis estabeleça uma tarifa t sobre cada unidade importada da mercadoria p, cujo preço no mercado internacional é s. Se o consumo interno de p em Atlantis, ao preço s + t, é a e a produção interna de p é b, sendo b menor do que a, o custo de p para um comprador marginal é s + t. Os fabricantes domésticos podem vender toda sua produção ao preço s + t. A tarifa é eficaz e oferece aos fabricantes locais o incentivo para expandir a produção de p desde a quantidade b até uma quantidade ligeiramente menor do que a. Mas, se b é maior do que a, as coisas se passam de maneira diferente. Se supusermos que b é tão grande que, mesmo ao preço s, ultrapassa o consumo interno e o excedente tem que ser exportado, a imposição de uma tarifa não afeta o preço de p. Tanto o preço interno como o preço internacional permanece inalterado. Entretanto, a tarifa, ao discriminar entre a produção nacional e a estrangeira, concede aos fabricantes nacionais um privilégio que pode ser usado para estabelecer um monopólio, desde que ocorram certas condições adicionais. Se for possível encontrar, no intervalo entre s e s + t, um preço monopolístico, torna-se lucrativo para as empresas nacionais formar um cartel. O cartel vende no mercado interno de Atlantis a um preço monopolístico e coloca o excedente no exterior ao preço internacional.
Naturalmente, como a quantidade de p oferecida no mercado mundial aumenta em consequência da restrição da quantidade vendida em Atlantis, o preço internacional diminuiu de s para s1. Há, portanto, outra condição para o surgimento do preço interno monopolístico: que a redução na receita resultante dessa diminuição do preço internacional não seja suficientemente grande a ponto de absorver todo o ganho monopolístico do cartel doméstico.
Em longo prazo, o referido cartel nacional não pode preservar sua posição monopolística se o acesso ao seu setor de atividade é livre. O fator monopolizado cuja utilização é restringida pelo cartel (no que se refere ao mercado interno) para poder exercer preços monopolísticos é uma condição geográfica que pode ser facilmente superada por qualquer novo investidor que instale uma nova usina dentro das fronteiras de Atlantis. No mundo industrial moderno, cujo traço característico é um contínuo progresso tecnológico, a fábrica mais nova geralmente será mais eficiente do que a mais antiga, e produzirá a custos médios menores. O incentivo para novos investidores é, portanto, duplo. Consiste não apenas no ganho monopolístico dos membros do cartel, mas também na possibilidade de superá-los, graças a menores custos de produção.
Quando isto ocorre, as instituições vêm em socorro dos antigos fabricantes que formam o cartel. As patentes lhes concedem um monopólio legal que ninguém pode infringir.
É claro que somente alguns dos seus processos de produção podem ser protegidos por patentes. Mas um competidor que seja impedido de recorrer a esses processos e de fabricar os artigos correspondentes pode ficar numa situação tão desfavorável que prefira não ingressar no campo de atividade da indústria cartelizada.
O detentor de uma patente usufrui de um monopólio legal que, se as demais condições forem propícias, pode ser usado para estabelecer preços monopolísticos. Fora do campo específico abrangido pela patente, esta também pode proporcionar, subsidiariamente, o estabelecimento e a preservação de um monopólio marginal, quando existirem condições institucionais favoráveis ao seu surgimento.
Podemos admitir que alguns cartéis internacionais puderam existir mesmo sem a interferência de qualquer governo cuja proteção, em outros casos, seria indispensável. Existem algumas mercadorias, como por exemplo, os diamantes e o mercúrio, cujas disponibilidades são limitadas a poucas fontes pela natureza. Os proprietários desses recursos podem facilmente associar-se para agir de comum acordo. Mas tais cartéis, no conjunto da produção mundial, desempenhariam apenas um papel secundário. Sua importância econômica seria muito pequena. A grande importância que os cartéis têm hoje em dia resulta de políticas intervencionistas adotadas pelos governos de todos os países. O problema, representado pela existência de monopólios, que a humanidade tem de enfrentar não é uma consequência do funcionamento da economia de mercado. É o resultado de deliberadas ações governamental. Não é um dos males inerentes ao capitalismo, como alardeiam os demagogos. Ao contrário, é fruto de políticas hostis ao capitalismo, que visam a sabotar e impedir o seu funcionamento.
O exemplo clássico de país dos cartéis foi a Alemanha. Nas últimas décadas do século XIX, o Reich (império) alemão iniciou um vasto plano de Sozialpolitik.[20] A ideia era elevar a renda e o padrão de vida dos assalariados, através de várias medidas da então chamada legislação trabalhista, do tão exaltado plano de previdência social de Bismark e da pressão e compulsão sindical para obtenção de salários mais elevados. Os defensores dessa política desdenharam as advertências dos economistas. As leis econômicas não existem, diziam eles.
A dura realidade é que a Sozialpolitik aumentou os custos de produção na Alemanha. Cada avanço da legislação feita com o intuito de proteger o trabalhador e cada greve bem-sucedida desequilibravam as condições industriais, em detrimento das empresas alemãs. Tornava se lhes cada vez mais difícil superar seus competidores estrangeiros, cujos custos não eram afetados pelas decisões internas da Alemanha. Se os alemães tivessem condições de poder renunciar às exportações de manufaturados e de produzir apenas para o mercado interno, as tarifas poderiam proteger as fábricas alemãs da intensa competição internacional.
A indústria alemã poderia vender seus produtos num mercado interno por preços mais elevados. O que o assalariado ganhasse a mais, em decorrência da nova legislação e dos sindicatos, seria absorvido pelos preços mais elevados que teria de pagar pelos artigos que comprasse. O salário real só cresceria na medida em que houvesse um avanço nos processos tecnológicos e, consequentemente, um aumento na produtividade do trabalho. A proteção tarifária tornaria a Sozialpolitik inócua.
Mas a Alemanha é, e já o era ao tempo em que Bismark implementou sua política trabalhista, um país predominantemente industrial. Suas fábricas exportavam uma parte considerável da sua produção. Essas exportações possibilitavam aos alemães a importação dos alimentos e matérias-primas que não conseguiam produzir no próprio país, o qual era relativamente superpovoado e mal dotado de recursos naturais. Esta situação não poderia ser corrigida simplesmente pela adoção de uma tarifa protecionista. Somente os cartéis poderiam evitar que a Alemanha sofresse as consequências desastrosas da sua política trabalhista “progressista”. Os cartéis vendiam por preços monopolísticos no mercado interno e por preços mais baixos no mercado internacional. Os cartéis são a consequência e o desfecho inevitáveis de uma política trabalhista “progressista”, na medida em que afetam indústrias dependentes de suas vendas no mercado externo. Os cartéis, sem dúvida, não podem assegurar aos trabalhadores os ganhos sociais ilusórios que os políticos trabalhistas e os líderes sindicais lhes prometeram. Não há como elevar os salários de todos aqueles desejosos de ganhar salários maiores do que os decorrentes da produtividade de cada tipo de trabalho. O que os cartéis conseguiam era, meramente, contrabalançar os ganhos aparentes em salários nominais por aumentos correspondentes nos preços domésticos das mercadorias.
Conseguiam, assim, evitar, por algum tempo, o efeito mais desastroso da fixação de salários mínimos, qual seja, desemprego permanente em larga escala. Para todas as indústrias que não podem subsistir apenas com o mercado interno e precisam vender no exterior uma parte de sua produção, a função da tarifa, nessa nossa era de intervenção governamental, é possibilitar o estabelecimento de preços domésticos monopolísticos. Quaisquer que tenham sido, no passado, os propósitos e os efeitos das tarifas, tão logo um país exportador resolva adotar medidas destinadas a aumentar a renda dos assalariados ou dos agricultores acima dos valores potenciais do mercado, terá de recorrer a programas que resultarão em preços domésticos monopolísticos para as mercadorias em questão. A força de um governo nacional é limitada ao território sujeito à sua soberania. Tem poder para aumentar os custos domésticos de produção. Não tem poder para forçar os estrangeiros a pagar preços correspondentemente mais altos pelos seus produtos. Se não quiser renunciar às exportações, terá de subsidiá-las. O subsídio pode ser pago abertamente, com os recursos provenientes da arrecadação, ou terá de ser absorvido pelos consumidores através dos preços monopolísticos do cartel.
Os defensores da intervenção governamental na economia atribuem ao “Estado” o poder de beneficiar, mediante um simples fiat, certos grupos que atuam no mercado. Na realidade, este poder é o poder que tem o governo de favorecer grupos monopolísticos. Os ganhos advindos da situação de monopólio permitem financiar os “ganhos sociais”. Na medida em que esses ganhos monopolísticos não sejam suficientes, as diversas medidas intervencionistas adotadas paralisam o funcionamento do mercado; surge o desemprego em massa, depressão e consumo de capital. Isso explica a avidez de todos os governos contemporâneos em favorecer o monopólio em todos aqueles setores do mercado que, de alguma maneira, estão ligados ao comércio exterior.
Se um governo não pode ou não consegue atingir seus propósitos monopolísticos dessa maneira, recorre a outros expedientes. No campo do carvão e da potassa, o governo imperial da Alemanha promoveu compulsoriamente a formação de cartéis. O New Deal americano foi impedido, pela oposição dos meios empresariais, de organizar as grandes indústrias nacionais na base de cartéis obrigatórios. Conseguiu o seu intento em alguns setores vitais da agricultura, para os quais adotou medidas destinadas a restringir a produção, a fim de que pudessem existir preços monopolísticos. Uma longa série de acordos foi firmada entre governos dos mais importantes países, com o propósito de se estabelecerem preços monopolísticos internacionais para várias matérias-primas e alimentos.[21] É propósito declarado das Nações Unidas manter tais planos.
12. É necessário encarar essa política favorável ao monopólio, adotada pelos governos contemporâneos, como um fenômeno uniforme, a fim de se discernirem as razões que a têm motivado. Do ponto de vista cataláctico, estes monopólios não são iguais. Os cartéis resultantes de acordo entre empresários que se aproveitam do incentivo que lhes é proporcionado pelas tarifas protecionistas são exemplos de monopólios marginais. Quando o governo impõe, diretamente, preços monopolísticos, estamos diante de situações de monopólio de licença.[22] O fator de produção cuja restrição produz o preço monopolístico é a licença que a lei exige de todo aquele que pretenda fornecer algo aos consumidores.
Tais licenças podem ser concedidas de diferentes maneiras:
a) A licença é concedida a, praticamente, todos os que a solicitarem. Isto equivale a uma situação em que não seja necessária licença.
b) As licenças são concedidas mediante uma seleção. A competição fica restringida. Não obstante, só podem surgir preços monopolísticos se os licenciados entrarem em acordo e se a configuração da demanda for própria.
c) Só uma licença é concedida. O licenciado — por exemplo, o detentor de uma patente ou de um direito autoral — é um monopolista. Se a configuração da demanda é propícia e se o licenciado quer obter ganhos monopolísticos, nada o impede de fazê-lo.
d) As licenças são concedidas para uma determinada quantidade. Os licenciados só têm autorização para produzir ou vender uma quantidade definida, a fim de impedi-los de perturbar os planos das autoridades. A própria autoridade é que regula o estabelecimento de preços monopolísticos.
Finalmente, há casos em que o governo estabelece um monopólio com propósitos fiscais. Os ganhos monopolísticos ficam para o Tesouro Nacional. Muitos governos europeus instituíram o monopólio do tabaco. Outros monopolizaram o sal, os fósforos, serviços de telégrafo e telefone, radiodifusão e assim por diante. Sem exceção, todo país tem um monopólio estatal dos serviços postais.
13. O monopólio marginal nem sempre deve sua existência a um fator institucional do tipo de tarifas aduaneiras. Pode também devê-la a diferenças suficientemente grandes na fertilidade ou produtividade de alguns fatores de produção. Já foi dito ser um erro grosseiro falar de um monopólio da terra e referir-se a preços e ganhos monopolísticos para explicar os preços de produtos agrícolas e a renda da terra.
Todos os casos de preços monopolísticos de produtos agrícolas registrados pela história são casos de monopólio de licença criados por decreto governamental. Não obstante, a constatação desse fato não significa que diferenças na fertilidade do solo não possam jamais dar origem a preços monopolísticos. Se a diferença entre a fertilidade do solo mais pobre ainda cultivado e a mais rica das terras ociosas disponíveis para um aumento de produção fosse tão grande que permitisse aos proprietários de terra já cultivada adotar um preço monopolístico vantajoso, eles poderiam considerar a possibilidade de fazer um acordo para restringir a produção e, assim, obter ganhos monopolísticos. Na realidade, as condições físicas da agricultura não confirmam esta hipótese. Precisamente por isso, os agricultores, quando querem preços monopolísticos, não agem por conta própria: pedem a intervenção do governo.
Em vários setores da indústria de mineração, as condições são, frequentemente, mais propícias ao surgimento de preços monopolísticos baseados em monopólios marginais.
14. Diz-se, repetidamente, que as reduções de custo propiciadas pela produção em larga escala têm gerado uma tendência à implantação de preços monopolísticos nas indústrias de transformação. Esse tipo de monopólio seria chamado, na terminologia que adotamos, de monopólio marginal.
Antes de entrar na análise deste tópico, devemos deixar claro o papel que um aumento ou uma diminuição do custo de produção médio unitário representa nas considerações de um monopolista que procura obter o preço monopolístico mais vantajoso possível. Consideremos a hipótese em que o proprietário de um fator complementar de produção monopolizado, por exemplo, uma patente, também é o fabricante do produto p. Se o custo médio de produção de uma unidade de p, independentemente da existência da patente, diminui com o aumento da quantidade produzida, o monopolista deverá ponderar esta circunstância com os ganhos que poderá obter através de uma restrição da produção. Se, por outro lado, o custo unitário de produção cai ao diminuir a produção total, o incentivo para restringir a produção de uma forma monopolística aumenta ainda mais. É óbvio que o simples fato de a produção em larga escala geralmente proporcionar uma redução nos custos de produção não é em si mesmo um fator que favoreça o surgimento de preços monopolísticos; pelo contrário, é muito mais um fator impeditivo. Aqueles que acusam a produção em larga escala de fazer proliferar os preços monopolísticos estão, na verdade, querendo dizer que a maior eficiência da produção em massa torna difícil, ou mesmo impossível, a sobrevivência da produção em pequena escala. Um grande fabricante acredita que pode recorrer a preços monopolísticos impunemente porque o pequeno fabricante não tem condições de desafiar seu monopólio. Ora, é certamente verdadeiro que, em muitos setores das indústrias de transformação, seria tolice querer produzir para abastecer o mercado com os altos custos de produção de pequenas e inadequadas instalações. Uma moderna fábrica de tecidos não tem por que temer a concorrência de um antiquado tear; seus rivais são outras fábricas mais ou menos adequadamente equipadas. Mas isso não quer dizer que ela possa vender a preços monopolísticos. A competição também existe entre as grandes empresas. Prevalecem-se preços monopolísticos nos produtos produzidos por grandes empresas, as razões devem ser buscadas ou na existência de patentes, ou no monopólio da propriedade de minas e outras fontes de matéria prima, ou em cartéis baseados na proteção das tarifas aduaneiras.
Não devemos confundir as noções de monopólio e de preços monopolísticos. O simples monopólio em si é catalacticamente sem importância, se não resulta em preços monopolísticos. Os preços monopolísticos são importantes unicamente porque são o resultado de uma conduta comercial que desafia a supremacia dos consumidores e substitui o interesse do público pelos interesses privados do monopolista. Constituem o único caso no funcionamento da economia de mercado em que a distinção entre produção para lucro e produção para uso pode, numa certa medida, ser feita, se estivermos dispostos a negligenciar o fato de que ganhos monopolísticos nada têm a ver com lucros propriamente ditos. Não podem ser enquadrados naquilo que a cataláxia qualifica de lucro; representam um aumento do preço obtido pela venda dos serviços prestados por alguns fatores de produção, sejam eles fatores materiais ou meramente institucionais. Quando os empresários e os capitalistas, na ausência de circunstâncias monopolísticas, abstêm-se de expandir a produção de certo setor industrial porque as oportunidades que lhes são oferecidas em outros setores são mais atrativas, de modo nenhum estão contrariando os desejos dos consumidores. Ao contrário, estão seguindo precisamente a linha que lhes foi indicada pela demanda tal como manifestada no mercado.
Preconceitos de natureza política têm ofuscado a discussão do problema do monopólio, impedindo que seja dada atenção a aspectos mais essenciais. Diante de cada caso de preços monopolísticos, devemos, antes de qualquer coisa, procurar saber quais são os obstáculos que impedem as pessoas de desafiarem os monopolistas. Ao responder a esta questão, descobrimos o papel representado pelos fatores institucionais no surgimento de preços monopolísticos. Não tem sentido falar de conspiração em relação às transações entre firmas americanas e cartéis alemães. Se uma firma americana quisesse produzir um artigo protegido por uma patente detida por alemães, seria obrigada pela lei americana a chegar a um acordo com os produtores alemães.
15. Há um caso especial que pode ser denominado de monopólio decorrente de uma falha (failure monopoly). No passado, capitalistas investiram recursos numa fábrica projetada para produzir o artigo p. Eventos posteriores tornaram evidente que esse investimento foi um fracasso. Os preços que podem ser obtidos na venda de p são tão baixos, que o capital investido nos equipamentos inconversíveis da fábrica não tem retorno. Está perdido. Entretanto, esses preços são suficientemente altos para render um razoável retorno sobre o capital variável a ser empregado na produção de p. Se a perda irrevogável representada pelo capital investido no equipamento inconversível foi devidamente contabilizada, acarretando uma correspondente redução do capital, e se daí resultar que, considerando-se o capital reduzido, a operação da fábrica torna-se rentável, seria novo erro abandonar completamente a produção. A fábrica poderia trabalhar à plena capacidade, produzindo a quantidade q de p, e vender cada unidade pelo preço s.
Mas a situação poderia ser tal, que tornasse possível à empresa obter ganhos monopolísticos ao restringir a produção a q/2 e ao vender cada unidade de p por 3s. Nessas condições, o capital investido no equipamento inconversível deixa de ser uma perda total. Produz um modesto retorno, a saber, o ganho monopolístico.
Essa empresa, agora, vende por preços monopolísticos e obtém ganhos monopolísticos, embora o capital total investido esteja rendendo pouco, em comparação com o que os investidores poderiam ter ganhado se tivessem investido em outros negócios. A empresa deixa de oferecer ao mercado os serviços que a capacidade ociosa de seu equipamento imobilizado poderia render, e ganha mais do que ganharia se produzisse à plena carga. Ela deixa de atender às ordens do público. O público estaria mais bem servido se os investidores não tivessem cometido o erro de imobilizar uma parte do seu capital para a produção de p. Naturalmente, p não seria produzido. Mas, em troca, os consumidores poderiam obter os artigos de que hoje estão privados porque o capital necessário à sua produção foi desperdiçado na construção de um conjunto industrial concebido para produzir p. Não obstante, as coisas sendo como são depois que esse erro irreparável foi cometido, os consumidores querem mais p e estão dispostos a pagar o que agora é o seu virtual preço competitivo de mercado, a saber, s. Não aprovam, nas circunstâncias atuais, a conduta da empresa que se abstém de utilizar uma parte de capital variável para produzir p. Esta parcela certamente não fica sem ser usada. É aproveitada em outros setores e produz alguma outra coisa, digamos m. Mas, nas condições atuais, os consumidores prefeririam um aumento na quantidade disponível de p a um aumento na quantidade disponível de m. A prova disso é que se não houvesse a restrição monopolística da capacidade de produção de p, como é o caso na hipótese formulada, a lucratividade de uma produção da quantidade q, vendida ao preço s, seria maior do que a obtida com o aumento da quantidade produzida do artigo m.
Dois aspectos característicos deste caso devem ser destacados. Primeiro, os preços monopolísticos pagos pelos compradores ainda são inferiores ao que seria o custo total de produção de p, se fosse considerado o investimento total realizado. Segundo, os ganhos monopolísticos não são suficientemente grandes para transformar a aventura cometida num bom investimento. Continua sendo um investimento ruinoso. É precisamente este fato que possibilita a posição monopolística da firma. Ninguém deseja entrar neste campo de atividade porque a produção de p dá prejuízo.
O monopólio decorrente da falha não é, de modo algum, mera construção acadêmica. Ocorre hoje em dia, por exemplo, em algumas companhias de estrada de ferro. Convém, entretanto, precavermo-nos do erro de interpretar qualquer caso de capacidade ociosa como sendo um monopólio desse tipo. Mesmo na ausência de circunstâncias monopolísticas, pode ser mais lucrativo empregar o capital variável para outros propósitos, em vez de expandir a produção até o limite da capacidade de seu equipamento imobilizado inconversível; neste caso, a restrição de produção está em perfeita conformidade com o que determina o mercado com os desejos dos consumidores.
16. Os monopólios locais são, geralmente, de origem institucional. Mas também existem monopólios locais que surgem em decorrência de condições do mercado livre. Muitas vezes o monopólio institucional é instaurado para enfrentar um monopólio já existente ou que, provavelmente, viria a existir, sem qualquer interferência autoritária no mercado.
Uma classificação cataláctica de monopólios locais deve distinguir três grupos: monopólio marginal, monopólio de espaço limitado e monopólio de licença.
Um monopólio marginal local se caracteriza pelo fato de o obstáculo impeditivo da entrada de novos competidores consistirem no custo relativamente alto de transporte. Não são necessárias tarifas para garantir — a uma firma que possua todas as jazidas de material necessárias à fabricação de ladrilhos — uma proteção parcial contra a competição de fabricantes cujas instalações sejam distantes do local em questão. Os custos de transporte lhe permitem uma margem que, a configuração da demanda sendo propícia, pode ensejar um vantajoso preço monopolístico.
Até aí, monopólios marginais locais não diferem, do ponto de vista cataláctico, de outros casos de monopólio marginal. O que os distingue, tornando necessário tratá-los de maneira especial, é a sua relação com a renda da terra, por um lado, e com o desenvolvimento da cidade, por outro.
Suponhamos que uma área A que dispõe de condições favoráveis para o assentamento de uma população urbana crescente esteja sujeita a um monopólio de materiais de construção. Consequentemente, os custos de construção são mais elevados do que seriam se não houvesse o monopólio. Mas não há razão para que aqueles que avaliam os prós e os contras da escolha de A como local para morar paguem preços maiores para compra ou para aluguel de suas casas. Esses preços são determinados, por um lado, pelos preços correspondentes em outras áreas e, por outro, pelas vantagens advindas de se morar em A, quando comparadas às de se morar em qualquer outro lugar. O gasto maior na construção não afeta esses preços; sua incidência recai sobre a renda da terra. O ônus dos ganhos monopolísticos dos vendedores de materiais de construção recai sobre os proprietários de solo urbano. Esses ganhos absorvem receitas que, na sua ausência, iriam para os aludidos proprietários. Mesmo no caso — pouco provável — em que a demanda de casas seja de tal ordem que possibilite aos proprietários da terra exercer preços monopolísticos ao vendê-las ou alugá-las, os preços monopolísticos dos materiais de construção afetariam apenas as receitas dos proprietários de terra e não os preços a serem pagos pelos compradores ou locatários.
O fato de o ônus representado pelos ganhos monopolísticos recair sobre o preço do uso urbano da terra não significa que ela não impeça o crescimento da cidade. Provoca um adiamento no uso da zona periférica da cidade. O momento em que se torna mais vantajoso deixar de usar terra da periferia com finalidades agrícolas para utilizá-la com finalidade de desenvolvimento urbano só ocorre mais tarde.
Ora, deter o crescimento de uma cidade é uma faca de dois gumes. Seu proveito para o monopolista é ambíguo. Ele não pode saber se as condições futuras serão de molde a atrair mais pessoas para A, que é o único mercado para os seus produtos. Uma das atrações que uma cidade oferece aos recém-chegados é o seu tamanho, sua população numerosa. A indústria e o comércio tendem a se instalar nos grandes centros. Se a ação monopolista atrasa o crescimento da comunidade urbana pode desviar o fluxo para outras localidades. Pode-se perder uma oportunidade que talvez não surja de novo. Pode ser que grandes receitas futuras estejam sendo sacrificadas por ganhos comparativamente menores em curto prazo.
Portanto, é pelo menos questionável que o proprietário de um monopólio marginal local esteja atendendo melhor os seus próprios interesses ao exercer preços monopolísticos. Frequentemente seria mais vantajoso para ele discriminar entre os diversos compradores. Poderia vender a preços maiores para construções no centro da cidade e a preços menores para projetos na zona periférica. O alcance do monopólio marginal local é bem menor do que geralmente se supõe.
O monopólio de espaço limitado decorre do fato de que condições físicas limitam determinada atividade unicamente a uma ou a muito poucas firmas. O monopólio surge, quando só existe uma firma operando nessa atividade ou quando as poucas firmas que nela operam agem de comum acordo.
Às vezes é possível que duas companhias de transporte operem no mesmo percurso. Há casos em que duas ou até mais companhias participam do fornecimento de gás, eletricidade e telefone aos residentes de uma área. Mas, mesmo nesses casos excepcionais, praticamente não existe competição real. A situação é propícia ao entendimento, pelo menos, tácito, entre os competidores. A exiguidade de espaço resulta de uma maneira ou de outra, em monopólio.
Na prática, o monopólio de espaço limitado está intimamente ligado ao monopólio de licença. É praticamente impossível operar nesse campo, sem um entendimento com as autoridades locais que controlam as ruas e o seu subsolo. Mesmo na ausência de leis que exijam uma autorização para o funcionamento de uma empresa de serviços públicos, seria sempre necessário algum entendimento com as autoridades municipais. É irrelevante o fato de esses entendimentos serem ou não legalmente qualificados de concessão.
O monopólio, sem dúvida, não resulta necessariamente em preços monopolísticos. O fato de uma concessionária de serviços públicos poder ou não exercer preços monopolísticos depende das circunstâncias especiais de cada caso. Mas, certamente, existem casos em que pode. Talvez uma companhia mal assessorada adote uma política de preços monopolísticos, quando o que melhor atenderia seus interesses de longo prazo seria cobrar preços menores. Mas não há garantia, nesse caso, de que um monopolista perceberá o que é mais vantajoso para si mesmo.
Devemos admitir que o monopólio de espaço limitado podendo frequentemente, resultar em preços monopolísticos. Nesse caso, estamos diante de uma situação na qual o processo de mercado não cumpre sua função democrática.[23]
A empresa privada hoje em dia é muito impopular. A propriedade privada dos meios de produção é especialmente antipatizada nos setores em que pode emergir o monopólio de espaço limitado, mesmo que a companhia não cobre preços monopolísticos e mesmo que seus resultados sejam pequenos ou mesmo negativos. Uma companhia privada de “utilidade pública” é vista pelos intervencionistas e pelos políticos socialistas como um inimigo público.
Os eleitores aprovam qualquer sanção que lhes seja imposta pelas autoridades. É tido como evidente que essas empresas deviam ser estatizadas, em nível federal ou municipal. Os ganhos monopolísticos, dizem eles, nunca beneficiam os cidadãos. Devem pertencer, exclusivamente, ao Estado.
As políticas estatizantes das últimas décadas resultaram, quase sem exceção, em fracassos financeiros, serviços de má qualidade e corrupção política. Cegas pelos seus preconceitos anticapitalistas, as pessoas toleram o serviço de má qualidade e a corrupção e, durante muito tempo, não se importam com o fracasso financeiro. Entretanto, esse fracasso é um dos fatores que mais contribuiu para o surgimento da crise intervencionista atual.[24]
17. Costumam-se qualificar as políticas sindicais como métodos monopolísticos que visam a substituir salários competitivos por salários monopolísticos. Não obstante, como regra geral, os sindicatos trabalhistas não pretendem impor salários monopolísticos. Um sindicato procura restringir a competição no seu próprio setor do mercado de trabalho, a fim de aumentar os seus salários. Mas não devemos confundir restringir a competição com política de preços monopolísticos. O traço característico dos preços monopolísticos consiste no fato de que a venda de apenas uma parte p da oferta total P disponível aufere uma receita líquida maior do que a que seria auferida com a venda da quantidade P. O monopolista obtém um ganho monopolístico ao deixar de ofertar ao mercado P-p. Não é o tamanho desse ganho que caracteriza a situação de preço monopolístico, mas o fato de haver, por parte do monopolista, uma ação intencional para produzi-lo. O monopolista tem interesse em aproveitar a totalidade de seu estoque disponível; tem o mesmo interesse por cada fração do seu estoque. Se uma parte deixa de ser vendida, ele perde. Não obstante, prefere deixar de usar uma parte porque, na configuração da demanda prevalecente, é mais vantajoso para ele agir desta maneira. A situação específica do mercado é que motiva a sua decisão. O monopólio, que é uma das duas condições indispensáveis para o surgimento de preços monopolísticos, pode ser — e geralmente é — fruto de uma intervenção institucional no mercado. Mas essas forças exteriores não resultam diretamente em preços monopolísticos. Somente quando uma segunda condição for atendida, haverá oportunidade para ação monopolística.
É diferente no caso de simples restrição de oferta. Nesta hipótese, os autores da restrição não estão preocupados com o que possa ocorrer com a parcela da oferta que eles impedem de chegar ao mercado. Pouco lhes importa o destino das pessoas que são impedidas de trabalhar. Só lhes interessa aquela parte da oferta que é oferecida no mercado. A ação monopolística só é vantajosa para o monopolista quando a receita líquida a preços monopolísticos é maior do que a receita líquida ao preço competitivo virtual. A ação restritiva, por outro lado, é sempre vantajosa para o grupo privilegiado e desvantajoso para aqueles que são excluídos do mercado. Invariavelmente, aumenta o preço unitário e, portanto, a receita líquida do grupo privilegiado. As perdas do grupo excluído do mercado não são consideradas pelo grupo privilegiado.
Pode ocorrer que os benefícios obtidos pelo grupo privilegiado com a restrição da competição sejam muito superiores aos que obteria com um possível preço monopolístico. Mas isto é outro problema. Não faz desaparecerem as diferenças catalácticas entre os dois modos de ação.
Os sindicatos trabalhistas procuram alcançar uma posição monopolística no mercado de trabalho. Mas, uma vez alcançando-a, suas políticas são restritivas; não são políticas de preços monopolísticos. Procuram restringir a oferta de trabalho no seu setor, sem se importar com a sorte dos que são excluídos. Conseguem implantar barreiras à imigração em todos os países relativamente pouco povoados, conservando, assim, salários relativamente altos. Os trabalhadores estrangeiros excluídos são obrigados a ficar nos seus países, nos quais a produtividade marginal do trabalho e, consequentemente, os salários são menores. A tendência para uma equalização de salários que prevalece, quando há mobilidade de mão de obra de um país para outro, fica paralisada. No mercado interno, os sindicatos não permitem a competição de trabalhadores não sindicalizados e limitam o ingresso no respectivo sindicato. Aqueles que não foram admitidos no sindicato devem conformar-se com trabalhos de menor remuneração ou permanecer desempregados. Os sindicatos não estão interessados na sorte dessas pessoas.
Mesmo se um sindicato assume a responsabilidade de pagar aos seus membros desempregados, graças às contribuições de seus membros que continuam trabalhando, um auxílio desemprego, não inferior ao que ganham estes últimos, sua ação não se constitui em uma política de preços monopolísticos. Porque os trabalhadores sindicalizados desempregados não são as únicas pessoas cujo poder aquisitivo é prejudicado pela ação sindical que impõe salários superiores aos que prevaleceriam no mercado; aqueles que foram impedidos de entrar para o sindicato também tiveram os seus interesses prejudicados.
O tratamento matemático da teoria de preços monopolísticos
Os economistas matemáticos têm dedicado uma atenção especial à teoria dos preços monopolísticos, como se fosse um capítulo da cataláxia que se presta melhor do que os outros a um tratamento matemático. Entretanto, os serviços que a matemática pode prestar nesse campo também são inexpressivos.
Em relação a preços competitivos, a matemática não nos pode dar mais do que uma descrição matemática de vários estados de equilíbrio e de diferentes aspectos da construção imaginária de uma economia uniformemente circular. Não nos diz nada acerca das ações que seriam capazes de estabelecer esses equilíbrios e essa economia uniformemente circular, se não ocorressem novas mudanças.
Na teoria de preços monopolísticos, a matemática chega um pouco mais perto da realidade. Mostra como o monopolista poderia descobrir o preço monopolístico ótimo sempre que tivesse à sua disposição todos os dados necessários. Mas o monopolista não conhece a forma da curva de demanda. O que ele conhece são apenas pontos de interseção da oferta e da procura, ocorridos no passado. Portanto, não tem como fazer uso de fórmulas matemáticas para saber se existe um preço monopolístico para o artigo monopolizado e, se soubesse, não poderia dizer qual dos vários preços monopolísticos é o preço ótimo. As representações gráficas e matemáticas são, por esse motivo, tão inúteis neste como em qualquer outro setor da ação. Mas, pelo menos, esquematizam as deliberações do monopolista, não se limitando, como no caso dos preços competitivos, a descrever uma construção meramente auxiliar de análise teórica, que não tem qualquer contrapartida na realidade.
Os economistas matemáticos contemporâneos têm confundido o estudo de preços monopolísticos. Considera o monopolista não como o vendedor de um bem monopolizado, mas como um empresário e produtor. Entretanto, é necessário distinguir claramente o ganho monopolístico do lucro empresarial. O ganho monopolístico só pode ser obtido pelo vendedor de uma mercadoria ou serviço. Um empresário só pode obtê-los na qualidade de vendedor de um bem monopolizado, e não na qualidade de empresário. As vantagens ou desvantagens que podem decorrer da diminuição ou do aumento dos custos unitários de produção, graças a uma elevação da produção total, diminuem ou aumentam a receita líquida do monopolista e influenciam a sua conduta. Mas a abordagem cataláctica dos preços monopolísticos não pode esquecer que o típico ganho monopolístico, devidamente considerada a curva da demanda, deriva exclusivamente do monopólio de um bem ou de um direito. É somente isto que proporciona ao monopolista a oportunidade de restringir a oferta sem temer que outras pessoas possam frustrar a sua ação pela expansão da quantidade ofertada. As tentativas de definir as condições necessárias ao surgimento de preços monopolísticos, recorrendo-se à configuração dos custos de produção, são inúteis.
É um erro descrever uma situação de mercado que resulta em preços competitivos dizendo-se que um produtor qualquer poderia vender pelo preço de mercado uma quantidade maior do que a que realmente vende. Isto só seria possível se duas condições especiais fossem preenchidas: que o produtor em questão, A, não seja o produtor marginal, e que a expansão da produção não implique em custos adicionais que não possam ser recuperados pela venda da quantidade adicional. Sendo assim, a expansão realizada pelo produtor A força o produtor marginal a parar a sua produção; a quantidade oferecida à venda permanece inalterada.
O traço característico do preço competitivo, e que o distingue do preço monopolístico, é que o primeiro resulta de uma situação na qual os proprietários de bens e serviços de todas as ordens são obrigados a servir os desejos dos consumidores. Num mercado competitivo, não existe o que se costuma chamar de política de preço dos vendedores, cuja única alternativa é vender o mais possível pelo melhor preço que lhes for oferecido. O monopolista, por outro lado, ganha mais deixando de oferecer ao mercado uma parte da oferta de que dispõe, a fim de obter ganhos especificamente monopolísticos.
7. Reputação comercial
Convém reiterar, mais uma vez, que o mercado é composto de pessoas que não são oniscientes e que possuem apenas um conhecimento mais ou menos incompleto das condições correntes.
O comprador deve contar sempre com a honorabilidade do vendedor. Mesmo na compra de bens de produção, o comprador, embora seja geralmente um perito no assunto, depende, numa certa medida, da confiabilidade do vendedor. Isto é ainda mais verdadeiro no mercado de bens de consumo. Neste caso, na maior parte das vezes, o vendedor tem mais experiência técnica e comercial do que o comprador. A tarefa do comerciante não é apenas vender o que o cliente pede; deve frequentemente aconselhá-lo na escolha da mercadoria que melhor possa satisfazer suas necessidades. O varejista não é apenas um vendedor, é também um amistoso conselheiro. O público não patrocina cada loja descuidadamente. O homem prefere, sempre que possível uma loja ou uma marca com a qual ele mesmo ou amigos dignos de confiança tenham tido uma boa experiência anterior.
A boa reputação comercial é o renome que um comerciante conquista, graças ao seu comportamento anterior. Implica na expectativa de que quem tem boa reputação continuará fazendo jus a essa fama. A boa reputação não é um fenômeno que só ocorre nas relações comerciais. Está presente em todas as relações sociais. Determina a escolha do cônjuge, dos amigos e dos candidatos a votar nas eleições. A cataláxia lida apenas com a reputação comercial.
Pouco importa se a boa reputação é merecida ou se é apenas fruto da imaginação e de ideias falaciosas. O que conta na ação humana não é a verdade tal como possa parecer a um ser onisciente, mas as opiniões de pessoas passíveis de erro. Existem situações nas quais os clientes estão dispostos a pagar um preço maior por um produto de uma determinada marca, embora produtos similares de mesma estrutura física e química sejam mais baratos. Os especialistas podem julgar irracional este comportamento. Mas ninguém tem capacidade suficiente para ser especialista em todos os campos que são relevantes para suas escolhas. Por isso, frequentemente as pessoas substituem o conhecimento do verdadeiro estado das coisas pela confiança que depositam em outras pessoas. O consumidor normal nem sempre seleciona o artigo ou o serviço que deseja, mas o fornecedor em quem confia. Paga um prêmio àqueles em quem confia.
O papel que a boa reputação desempenha no mercado não enfraquece nem restringe a competição. Todos podem adquirir uma boa reputação, como também podem perdê-la. Muitos reformistas, impelidos por seus preconceitos em favor de governos paternalistas, preconizam a adoção de certificados de qualidade emitidos pela autoridade em substituição às marcas comerciais. Teriam razão se os dirigentes e burocratas fossem, dotada de onisciência e perfeita imparcialidade. Mas, como esses funcionários não estão imunes às fraquezas humanas, a efetivação de tais planos simplesmente substituiria os defeitos dos cidadãos pelos dos delegados do governo. Não se faz um homem mais feliz impedindo-o de escolher entre uma marca de cigarros ou de comida enlatada que mais lhe agrade e outra que menos lhe agrade.
Adquirir uma boa reputação requer não apenas honestidade e zelo no trato com os clientes, como também implica em gastos. É preciso certo tempo para conseguir uma clientela firme. Até consegui-la, talvez seja necessário suportar perdas a serem compensadas por lucros futuros.
Do ponto de vista do vendedor, a boa reputação comercial é, por assim dizer, um fator e produção necessário que, consequentemente, tem o seu preço. Não importa que, habitualmente, o equivalente em moeda da boa reputação não conste dos lançamentos contábeis nem apareça nos balanços. Quando um negócio é vendido, um preço é pago pela boa reputação, desde que seja possível transferi-la ao adquirente.
Consequentemente, é um problema da cataláxia investigar a natureza dessa coisa específica chamada reputação comercial. Ao examiná-la, devemos distinguir três casos diferentes.
Caso 1 — A boa reputação comercial faculta ao vendedor a possibilidade de vender por preços monopolísticos ou de discriminar entre as diversas categorias de compradores. Este primeiro caso não difere de outros exemplos de preços monopolísticos ou de discriminação de preços.
Caso 2 — A boa reputação comercial permite ao vendedor tão somente vender a preços equivalentes aos de seus competidores. Se não tivesse uma boa reputação, não conseguiria vender nada, a não ser que diminuísse os preços. Neste caso, a boa reputação é tão importante quanto as instalações do seu negócio, a manutenção de um estoque de mercadorias bem sortidas e a contratação de bons ajudantes. Os custos incorridos para adquirir uma boa reputação representam o mesmo papel de outros gastos mercantis. Devem ser cobertos da mesma maneira, pelo excedente da receita total sobre os custos totais.
Caso 3 — O vendedor, num círculo limitado de clientes fiéis, desfruta de uma reputação tão boa, que lhe permite vender por preços superiores aos cobrados pelos seus competidores de menor renome. Não obstante, esses preços não são preços monopolísticos.
Não resultam do propósito deliberado de restringir as vendas para aumentar a receita líquida. Pode ser que o vendedor não tenha possibilidade de vender uma maior quantidade, como é o caso, por exemplo, de um médico que atende o máximo possível de clientes, embora cobre mais caro que seus colegas menos solicitados. Pode ser também que a expansão de vendas requeira investimentos adicionais e que o vendedor ou não disponha do capital ou considere que existem aplicações mais rentáveis. Neste caso, o que impede uma expansão da produção e da oferta de mercadorias e serviços não é uma ação propositada da parte do vendedor, mas a situação do mercado.
Como a interpretação equivocada desses fatos tem gerado toda uma mitologia de “competição imperfeita” e de “competição monopolística”, é necessário fazer um exame mais detalhado das considerações de um empresário que está ponderando os prós e contras de uma expansão de seu negócio.
Expandir uma instalação produtora, tanto quanto aumentar a produção ao passar de uma utilização parcial à plena utilização de uma instalação produtora, requer investimento adicional de capital, o que só é oportuno se não houver outro investimento mais lucrativo disponível.[25] Pouco importa se o empresário é suficientemente rico para investir recursos próprios ou se precisaria tomá-los por empréstimo. Este capital próprio do empresário que não é empregado na sua firma não está “ocioso”. Está sendo utilizado em algum outro setor do sistema econômico. Para serem empregados na expansão do negócio em questão, estes recursos terão de ser retirados do seu atual emprego.[26] O empresário só mudará de posição se esperar dessa mudança um aumento de sua renda líquida. Acresce ainda que existem outras dúvidas que podem dificultar o desejo de expandir uma empresa próspera, mesmo que a situação do mercado pareça ser propícia. O empresário pode duvidar da sua própria capacidade para dirigir com sucesso uma empresa maior. Pode também ser influenciado pelo exemplo proporcionado por empresas prósperas para as quais a expansão foi ruinosa.
Um comerciante que, graças à sua esplêndida reputação, tem possibilidade de vender por preços mais elevados que os de seus competidores de menor renome poderia, obviamente, abster-se de usufruir desta vantagem e reduzir os seus preços ao nível dos de seus competidores. Como qualquer vendedor de mercadorias ou de trabalho, poderia abster-se de tirar o máximo de vantagem da situação do mercado e vender por um preço tal, que a demanda supere a oferta. Ao agir assim, estaria presenteando algumas pessoas. Os beneficiários seriam aqueles que puderam comprar por esse preço menor. Outros, embora dispostos a pagar o mesmo preço, ficariam de mãos vazias, porque a oferta não teria sido suficiente.
Toda restrição na produção e oferta de qualquer artigo decorre sempre de decisões de empresários desejosos de obter o maior lucro possível e de evitar perdas. O traço característico dos preços monopolísticos não deve ser procurado no fato de os empresários não terem produzido maior quantidade do artigo em questão e, consequentemente, não terem provocado uma queda nos seus preços. Tampouco deve ser atribuído ao fato de que fatores complementares de produção permaneceram sem utilização, embora seu emprego pudesse ter reduzido o preço do produto. A única questão relevante é saber se a restrição da produção resulta da retenção pelo proprietário — monopolista — de determinados bens e serviços, a fim de obter preços mais elevados para o restante. O traço característico dos preços monopolísticos reside no desrespeito aos desejos dos consumidores.
Um preço competitivo para o cobre significa que o preço final do cobre tende para um ponto no qual as jazidas são exploradas na medida permitida pelos preços dos fatores complementares de produção não específicos necessários; a mina marginal não produz renda. Os consumidores estão obtendo todo o cobre que eles mesmos determinam, tendo em vista o preço que atribuem ao cobre e a todas as outras mercadorias. Um preço monopolístico do cobre significa que as jazidas são exploradas com menor intensidade porque isso é mais vantajoso para os proprietários; o capital e o trabalho que teriam sido empregados na produção adicional de cobre, se a soberania dos consumidores não fosse infringida, são empregados na produção de outros artigos para os quais a demanda dos consumidores é menos intensa. Os interesses dos proprietários das jazidas de cobre prevalecem sobre os dos consumidores. As jazidas de cobre existentes não são exploradas segundo os desejos do público.
Os lucros também são, obviamente, fruto de uma discrepância entre os desejos dos consumidores e as ações dos empresários. Se todos os empresários tivessem tido no passado uma perfeita antevisão do atual estado do mercado, não teriam surgido nem lucros nem perdas. A competição entre eles já teria ajustado, no passado — levando em conta a referência temporal -, os preços dos fatores complementares de produção aos preços atuais dos produtos. Mas esta constatação não elimina a diferença fundamental entre lucros e ganhos monopolísticos. O empresário lucra na medida em que consegue atender melhor os desejos dos consumidores do que outros o fariam. O monopolista obtém ganhos monopolísticos diminuindo a satisfação dos consumidores.
8. Monopólio de demanda
Preços monopolísticos só podem emergir de um monopólio de oferta. Um monopólio de demanda não produz uma situação de mercado diferente daquela que existiria se a demanda não fosse monopolizada. O comprador monopolístico — seja ele um indivíduo ou um grupo de indivíduos agindo de comum acordo — não pode obter um ganho específico correspondente ao ganho monopolístico de um vendedor monopolístico. Se restringir a demanda, comprará por preços mais baixos; mas a quantidade comprada também diminuirá.
Da mesma maneira que os governos restringem a competição, a fim de melhorar a situação de vendedores privilegiados, também podem restringir a competição para favorecer compradores privilegiados. Inúmeras vezes os governos embargam a exportação de certas mercadorias. Desta forma, pela exclusão de compradores estrangeiros, procuram obter uma redução nos preços domésticos. Mas este preço reduzido não é uma contrapartida do preço monopolístico. O que é habitualmente estudado sob o nome de monopólio de demanda são certos fenômenos da determinação dos preços de fatores complementares de produção específicos.
A produção de uma unidade da mercadoria m requer, além do emprego de vários fatores não específicos, o emprego de uma unidade de cada um dos dois fatores absolutamente específicos a e b. Nem a nem b podem ser substituídos por qualquer outro fator; por outro lado, a só pode ser usada em combinação com b e vice-versa. A disponibilidade de a excede largamente a disponibilidade de b. Portanto, é impossível aos detentores de a obter qualquer preço por a. A demanda por a é sempre menor do que a oferta; a não é um bem econômico. Se a é um mineral cuja extração requer o uso de capital e trabalho, a propriedade da jazida não gera um benefício. Não existe nenhuma receita de aluguel da mina.
Mas se os proprietários de a formam um cartel, podem mudar completamente a situação. Podem restringir a oferta de a a uma fração tal, que a oferta de b seja maior que a oferta de a. Assim, a torna-se um bem econômico pelo qual se paga um preço, enquanto o preço de b reduz-se a zero. Se, então, os proprietários de b reagirem e também formarem um cartel, uma luta de preços se estabelece entre os dois conjuntos monopolísticos, sobre cujo resultado a cataláxia não tem nada a dizer. Como já foi salientado, o processo de formação de preços não produz um único resultado determinado quando mais de um dos fatores de produção necessários são de caráter absolutamente específico.
Não importa que a situação do mercado seja ou não de tal ordem que os fatores a e b, juntos, possam ser vendidos por preços monopolísticos. Não faz nenhuma diferença se o preço de um conjunto compreendendo uma unidade de a e de b é um preço monopolístico ou um preço competitivo.
Assim, o que às vezes é visto como um monopólio de demanda transforma-se, sob condições particulares, num monopólio de oferta. Os vendedores de a e de b desejam cobrar preços monopolísticos sem se importar em saber se o preço de m pode ou não se transformar num preço monopolístico. A única coisa que lhes importa é obter o maior preço que os compradores estão dispostos a pagar pelos dois fatores a e b juntos. Este caso não apresenta nenhum aspecto que permita qualificá-lo como monopólio de demanda. Esta expressão, entretanto, torna-se compreensível, se levarmos em consideração as circunstâncias acidentais do conflito entre os dois grupos. Se os proprietários de a (ou de b) são ao mesmo tempo os empresários que fabricam m, seu cartel tem uma aparência externa de monopólio de demanda.
Mas esta combinação de duas funções catalácticas numa mesma pessoa não altera o problema básico; o que está em jogo é o ajuste de interesses entre dois grupos de vendedores monopolísticos.
Nosso exemplo se aplica, mutatis mutandis, ao caso em que a e b podem também ser empregados para outros propósitos além da produção de m, desde que esses outros empregos sejam de menos rentabilidade.
9. Efeitos de preços monopolísticos sobre o consumo
O consumidor pode reagir a preços monopolísticos de maneiras diferentes.
1. Apesar da alta de preço, o consumidor individual não restringe suas compras do artigo monopolizado. Prefere restringir a compra de outros bens (se todos os consumidores reagissem dessa maneira, o preço competitivo já teria aumentado ao nível do preço monopolístico).
2. O consumidor restringe sua compra do artigo monopolizado de maneira a não gastar mais do que gastaria, num regime de preços competitivos, para comprar uma quantidade maior. (Se todas as pessoas reagissem dessa maneira, o vendedor não receberia mais com o preço de monopólio do que com o preço competitivo; não obteria nenhum ganho desviando-se do preço competitivo).
3. O consumidor restringe sua compra da mercadoria monopolizada, de maneira a gastar menos do que gastaria num regime de preços competitivos; usa o dinheiro assim poupado para comprar outros bens que, normalmente, não compraria. (Se todas as pessoas reagissem dessa maneira, o vendedor estaria se prejudicando ao substituir o preço competitivo por um preço maior; nenhum preço monopolístico poderia emergir. Neste caso, somente um benfeitor que quisesse dissuadir seus semelhantes do hábito de usar drogas perniciosas elevaria o preço do artigo em questão acima do preço competitivo).
4. O consumidor gasta, na compra da mercadoria monopolizada, mais do que gastaria num regime de preços competitivos, e só adquire uma quantidade menor.
Neste caso, qualquer que seja a reação do consumidor, sua satisfação pessoal parece ter sido prejudicada do ponto de vista de suas próprias valorações. Não estará sendo tão bem servido pelos preços monopolísticos como estaria no caso de preços competitivos. O ganho monopolístico do vendedor corresponde à perda sofrida pelo comprador. Mesmo se alguns consumidores (como no caso 3) adquirissem bens que não teriam sido comprados se não houvesse o preço monopolístico, sua satisfação é menor do que seria num outro regime de preços. O capital e o trabalho que deixaram de ser utilizados na fabricação de produtos cuja produção diminui em consequência da restrição monopolística da oferta de um dos fatores complementares necessários à sua produção são empregados na produção de outras coisas que, de outro modo, não seriam produzidas. Mas os consumidores atribuem valor menor a essas outras coisas.
Entretanto, existe uma exceção a essa regra geral, segundo a qual os preços monopolísticos beneficiam o vendedor, prejudicam o comprador e desrespeitam a supremacia dos interesses do consumidor. Se num mercado competitivo um dos fatores complementares, digamos f, necessário à produção do bem de consumo g, não logra conseguir um preço, embora a produção de f implique em várias despesas, e se os consumidores estão dispostos a pagar pelo bem de consumo g um preço que torne sua produção possível num mercado competitivo, o preço monopolístico de f torna-se uma condição necessária para a produção de g. Essa é a ideia que as pessoas expressam ao defender a legislação em favor de patentes e de direitos autorais. Se os inventores e os autores não pudessem ganhar dinheiro inventando e escrevendo, estariam sendo impedidos de dedicar seu tempo a essas atividades e de arcar com os custos correspondentes. O público não teria nenhuma vantagem pela ausência de preços monopolísticos para f. Ao contrário, deixaria de ter a satisfação que lhe proporcionaria a aquisição de g.[27]
Muitas pessoas estão alarmadas com o uso imprudente de depósitos de minerais e de petróleo, que não podem ser renovados. Nossos contemporâneos, dizem essas pessoas, dilapidam reservas não renováveis, sem qualquer consideração pelas gerações futuras. Estamos consumindo a nossa herança e a dos nossos descendentes. Ora, tais recriminações carecem de sentido. Não sabemos se as gerações futuras dependerão das mesmas matérias-primas das quais dependemos hoje. É verdade que a exaustão das jazidas petrolíferas e mesmo das de carvão vêm progredindo rapidamente. Mas é muito provável que daqui a cem ou quinhentos anos as pessoas recorram a outras fontes de calor e energia. Ninguém sabe se, ao usarmos mais comedidamente esses depósitos, não nos estaríamos privando inutilmente de certos benefícios, sem, nem por isso, propiciar qualquer vantagem para o homem do século XXI ou XXV. É inútil fazer provisões para épocas cuja capacidade tecnológica não pode nem mesmo imaginar.
Mas é contraditório o fato de que as pessoas que lamentam o esgotamento de alguns recursos naturais condenem com a mesma veemência as atuais restrições monopolísticas à sua exploração. É, certamente, o preço monopolístico que acarreta uma redução no ritmo de esgotamento da reserva do mercúrio. Aqueles que se assustam com a possibilidade de uma futura escassez de mercúrio devem bendizer esse efeito monopolístico.
A economia, ao evidenciar essas contradições, não pretende “justificar” preços monopolísticos para petróleo, minerais e minérios. A tarefa da economia não é justificar ou condenar. Deve simplesmente analisar os efeitos que os diferentes tipos de ação humana certamente provocarão. Não deve entrar na arena onde defensora e adversários dos preços monopolísticos procuram defender suas causas.
Ambas as partes, nessa acalorada controvérsia, recorrem a argumentos falaciosos. Os antimonopolistas erram ao atribuir a qualquer monopólio o poder de prejudicar os compradores restringindo a oferta e implantando preços monopolísticos. Não menos errado é supor que numa economia de mercado, sem entraves e interferências governamentais, prevaleça uma tendência para formação de monopólios. Falar de capitalismo monopolístico em vez de intervencionismo monopolístico, e de cartéis privados em vez de cartéis estabelecidos pelo governo, nada mais é do que uma grotesca distorção da realidade. Os preços monopolísticos estariam limitados a alguns minerais que só podem ser extraídos em poucos locais e a monopólios locais de espaço limitado, se os governos não os encorajassem.[28]
Os partidários do monopólio erram ao creditar aos cartéis a economia típica da produção em larga escala. A concentração monopolística nas mãos de um só produtor, dizem eles, geralmente reduz o custo médio de produção e, portanto, aumenta a quantidade de capital e trabalho disponíveis para produção adicional. Não obstante, não é necessário nenhum cartel para eliminar os estabelecimentos que produzem a custos mais elevados. A competição no mercado livre alcança esse resultado sem que haja necessidade de qualquer monopólio ou de qualquer preço monopolístico. Ao contrário, frequentemente, o propósito da cartelização patrocinada pelo governo é preservar a existência de indústrias e de fazendas que o mercado livre teria feito desaparecer precisamente porque seus custos de produção são muito elevados. O mercado livre teria eliminado, por exemplo, as fazendas submarginais e preservado aquelas cuja produção é economicamente viável aos preços de mercado. Mas o New Deal preferiu adotar uma sistemática diferente: forçou todos os agricultores a uma redução proporcional de sua produção. Com essa política monopolística aumentou o preço dos produtos agrícolas a tal nível, que tornou viável a exploração de solos submarginais.
Igualmente erradas são as conclusões derivadas de uma confusão entre as economias decorrentes da padronização de produtos e o monopólio. Se as pessoas desejassem apenas um tipo padronizado de determinada mercadoria, a produção de alguns artigos poderia ser organizada de uma maneira mais econômica e os custos seriam correspondentemente diminuídos. Mas se as pessoas se comportassem dessa maneira, a padronização e a consequente redução nos custos também ocorreriam, mesmo que não houvesse monopólio.
Quando, por outro lado, os consumidores são forçados a se contentar com um único modelo, não se está aumentando a sua satisfação, e sim a diminuindo. Um ditador pode considerar que a conduta dos consumidores é bastante absurda. Por que as mulheres não vestem uniformes como os soldados? Por que teriam de ser tão fascinadas pelas roupas da moda? Pode ser que tenha razão, dependendo dos critérios e valores que adota nos seus julgamentos. Mas o problema é que a valoração é pessoal, individual e arbitrária. A democracia do mercado consiste no fato de que as pessoas as fazem mesmas suas escolhas e de que nenhum ditador lhes pode obrigar a submeterem-se aos seus julgamentos de valor.
10. A discriminação de preços por parte do vendedor
Tanto os preços competitivos como os preços monopolísticos são os mesmos para todos os compradores. Prevalece no mercado uma tendência para eliminar todas as discrepâncias nos preços de uma mesma mercadoria ou serviço. Embora sejam diferentes as valorações dos compradores e a intensidade com que demandam no mercado, todos pagam os mesmos preços.
O homem rico não paga mais pelo pão do que o homem menos rico, embora estivesse disposto a pagar um preço maior se não pudesse comprá-lo por menos. O entusiasta por música que prefere restringir seu consumo de comida a perder um concerto de Beethoven paga pelo bilhete de entrada o mesmo que alguém que considera a música como um simples passatempo e que não hesitaria em deixar de assistir ao concerto se, para isso, tivesse de renunciar a algumas frivolidades. A diferença entre o preço que alguém paga por uma mercadoria e o maior preço que consentiria em pagar por ela é, às vezes, chamada de margem do consumidor.[29]
Entretanto, podem surgir no mercado situações que tornem possível ao vendedor discriminar entre os compradores, cobrando-lhes preços diferentes pela mesma mercadoria ou serviço. Pode obter preços que, às vezes, atingem a um nível tal que faça desaparecer toda a margem do consumidor. São necessárias duas condições para que a discriminação de preços seja vantajosa para o vendedor.
A primeira condição é que aqueles que compram por um preço menor não possam revender a mercadoria ou o serviço por um preço maior às pessoas que foram discriminadas pelo vendedor. Se essa revenda não puder ser evitada, frustra-se a possibilidade de discriminar. A segunda condição é que o público não reaja de tal maneira, que a receita líquida do vendedor seja menor do que a receita líquida que obteria se o preço cobrado fosse uniforme. Esta segunda condição é sempre necessária nas situações em que seja vantajoso para o vendedor substituir preços competitivos por preços monopolísticos. Mas também pode surgir numa situação de mercado que não ensejasse a possibilidade de ganhos monopolísticos, uma vez que a discriminação de preço não implica em que o vendedor restrinja a quantidade vendida. Ele não perde completamente nenhum comprador; tem apenas de considerar que alguns compradores podem restringir o montante de suas compras. Mas, como regra geral, tem a possibilidade de vender o remanescente de seu estoque a pessoas que não comprariam nada ou que comprariam apenas uma quantidade menor se tivessem que pagar o preço competitivo uniforme.
Consequentemente, a configuração dos custos de produção não afeta as considerações do vendedor que discrimina. Os custos de produção não sofrem nenhuma alteração, uma vez que a quantidade total produzida e vendida permanece a mesma.
O exemplo mais frequente de discriminação de preço nos é oferecido pelos médicos. Um doutor que possa dar oitenta consultas semanais e que cobre $ 3 por cada uma tem seu tempo todo tomado atendendo a trinta pacientes e ganha $ 240 por semana. Se cobrarem dos dez pacientes mais ricos, que consomem cinquenta consultas, $ 4 em vez de $ 3, eles só consumirão quarenta consultas. O doutor, então, vende as dez consultas remanescentes por $ 2 cada a pacientes que não estariam dispostos a pagar $ 3 pelos seus serviços profissionais. Assim sendo, seus ganhos semanais aumentam para $ 270.
Como o vendedor só pratica a discriminação se lhe for mais vantajoso do que vender a um preço uniforme, é óbvio que o resultado é uma distorção no consumo e na alocação dos fatores de produção aos seus diversos empregos. A discriminação implica sempre num aumento do dispêndio total para aquisição do bem em questão. Os compradores devem compensar esse maior dispêndio diminuindo outras compras. Como é muito pouco provável que os beneficiários da discriminação de preços gastem seus ganhos na compra dos mesmos bens que os prejudicados deixam de adquirir, são inevitáveis as mudanças nos dados do mercado e na produção.
No exemplo acima, saem prejudicados os dez pacientes mais ricos; pagam $ 4 por um serviço pelo qual costumavam pagar $ 3. Mas não é só o médico que obtém vantagem com a discriminação; os pacientes a quem ele cobra $ 2 também são beneficiados.
É claro que os recursos para pagar os honorários do médico serão obtidos pela renúncia a outras satisfações. Entretanto, os pacientes valoram essas outras satisfações por menos do que a consulta ao médico. O grau de satisfação atingido é, portanto, maior.
Para melhor compreensão da discriminação de preço, convém lembrar que, no regime da divisão do trabalho, a competição entre todos aqueles que desejam adquirir o mesmo produto não prejudica necessariamente a posição de cada competidor. Os interesses dos competidores são antagônicos apenas em relação aos serviços oferecidos pelos fatores complementares de produção fornecidos pela natureza. Esse inescapável antagonismo natural é superado pelas vantagens advindas da divisão do trabalho. Na medida em que os custos médios de produção possam ser reduzidos pela produção em larga escala, a competição entre aqueles que desejam adquirir a mesma mercadoria acarreta uma melhoria na situação de cada competidor. O fato de que não só algumas pessoas, mas um grande número delas deseja adquirir a mercadoria c torna possível sua fabricação por processos que reduzam os custos; desta maneira, mesmo pessoas com recursos mais modestos podem adquiri-la. Assim sendo, às vezes, a discriminação de preços pode ensejar a satisfação de uma necessidade que permaneceria insatisfeita se não houvesse a discriminação.
Numa determinada cidade existem p amantes da música, e cada um deles estaria disposto a gastar $ 2 para assistir ao recital de um virtuose. Mas o concerto requer um gasto maior do que 2 dólares e, portanto, não pode ser realizado. No entanto, se fosse possível fazer discriminações na venda dos bilhetes e, se entre os p aficionados de música, n estiverem dispostos a pagar $ 4, o recital poderia ser realizado, desde que a quantia 2 (n+p) dólares fosse suficiente. Neste caso, n pessoas pagariam $ 4 cada uma, e (p-n) pessoas pagariam $ 2, renunciando todas elas à satisfação de alguma outra necessidade menos urgente, se não tivessem preferido ir ao recital. Todas as pessoas na plateia estão melhores do que estariam se a impossibilidade de discriminar o preço tivesse impedido a realização do concerto. Os organizadores têm interesse em aumentar a audiência até o ponto em que o aumento de custo por assistente adicional passe a ser maior do que o preço que o novo assistente está disposto a pagar.
As coisas seriam diferentes se o recital pudesse ser realizado mesmo que o preço do bilhete fosse apenas $ 2. Neste caso, a discriminação de preço teria diminuído a satisfação daqueles que pagaram $ 4.
A prática muito comum de vender entradas para espetáculos artísticos ou bilhetes de estrada de ferro por preços diferentes não é o resultado de discriminação de preço no sentido cataláctico do termo. Quem paga um preço maior obtém algo mais do que quem paga um preço menor. Obtém um lugar melhor, uma viagem mais confortável, etc. A verdadeira discriminação de preço ocorre no caso dos médicos que, embora atendendo a cada paciente com o mesmo cuidado, cobram do cliente mais rico mais do que do menos rico. Ocorre no caso de estradas de ferro que cobram mais no caso de certos bens cujo transporte acrescenta mais ao seu valor do que no caso de outros bens, embora os custos ferroviários sejam os mesmos em ambos os casos. É óbvio que tanto o médico como a ferrovia só podem praticar essa discriminação até o limite representado pela possibilidade de o paciente ou o expedidor encontrarem outra solução mais vantajosa para os seus problemas. Mas essa circunstância se refere a uma das condições necessárias ao surgimento de preços discriminatórios.
Seria inútil examinar um estado de coisas no qual a discriminação de preço pudesse ser praticada por todos os vendedores de todos os tipos de mercadorias e serviços. É mais importante enfatizar que numa economia de mercado que não seja sabotada pela interferência governamental as condições necessárias à discriminação de preços são tão raras, que podemos considerá-la um fenômeno excepcional.
11. A discriminação de preço por parte do comprador
Embora um comprador monopolístico não possa tirar vantagens de sua situação monopolística, no caso de discriminação de preço a situação é diferente. Uma só condição é suficiente para fazer surgir a discriminação de preço por parte de um comprador monopolístico, qual seja, a ignorância crassa da situação do mercado por parte dos vendedores. Uma vez que esse tipo de ignorância dificilmente poderia durar muito tempo, a discriminação de preços só pode ser praticada se houver interferência governamental.
O governo suíço instituiu um monopólio estatal para o comércio de cereais. Compra de cereais aos preços do mercado internacional no mercado mundial e a preços mais elevados no mercado interno. No próprio mercado doméstico, paga um preço mais alto aos agricultores que produzem a custos mais elevados nos solos rochosos das regiões de montanha e um preço menos elevado — embora maior do que o do mercado internacional — aos agricultores que cultivam em solo mais fértil.
12. A conexidade dos preços
Se de um determinado processo de produção resultam simultaneamente os produtos p e q, as decisões e ações empresariais são orientadas em função da soma dos preços previstos para p e q. Os preços de p e q são intimamente ligados entre si, uma vez que mudanças na demanda por p (ou por q) acarretam mudanças na oferta de q (ou de p). A relação mútua entre os preços de p e de q pode ser denominada conexidade de produção. O fabricante chama p (ou q) de um subproduto de q (ou p).
Suponhamos a produção do bem de consumo z que requeira o emprego dos fatores p e q, sendo que a produção de p requer o emprego de a e b, e a produção de q o emprego de c e d. Neste caso, mudanças na disponibilidade de p (ou de q) acarretam mudanças na demanda de q (ou por p). É indiferente se a fabricação de z a partir de p e q é efetuada pelas mesmas empresas que produzem p, a partir de a e b, e q, a partir de c e d, ou pelos próprios consumidores como uma etapa preliminar ao seu consumo. Os preços de p e q estão intimamente ligados entre si porque p é inútil ou tem menor utilidade sem q e vice-versa. A relação mútua entre os preços de p e q pode ser denominada de conexidade de consumo.
Se os serviços proporcionados por uma mercadoria b podem ser substituídos, mesmo que não seja de maneira perfeitamente satisfatória, por aqueles proporcionados por outra mercadoria a, uma mudança no preço de uma delas afeta também o preço da outra. A relação mútua entre os preços de a e b pode ser denominada de conexidade de substituição.
As aludidas conexidades de produção, consumo e substituição são casos particulares de conexidade de preços de um número limitado de mercadorias. É necessário que se faça uma distinção entre esses casos particulares de conexidade de preços e a conexidade geral dos preços de todas as mercadorias e serviços. Esta conexidade geral decorre do fato de que para atender a qualquer desejo ou satisfação, além dos vários fatores mais ou menos específicos, há um fator escasso que, apesar das diferenças qualitativas na sua capacidade de produção, pode, nos limites definidos anteriormente com precisão,[30] ser considerado como não específico qual seja, o fator trabalho.
Num mundo hipotético, no qual todos os fatores de produção fossem absolutamente específicos, a ação humana procuraria realizar a satisfação de vários desejos independentes uns dos outros. No nosso mundo verdadeiro, o que inter-relaciona a satisfação de vários desejos é a existência de um grande número de fatores não específicos, aptos a serem empregados para satisfação de diversos fins a serem, numa certa medida substituída uns pelos outros. O fato de que um dos fatores, o trabalho, por um lado seja necessário para qualquer tipo de produção e por outro lado seja, nos limites já definidos, não específicos, engendra a conexidade geral de todas as atividades humanas. Este fato faz do processo de formação de preços um conjunto orgânico onde cada engrenagem atua sobre todas as outras.
Faz do mercado uma concatenação de fenômenos mutuamente interdependentes. Seria absurdo considerar um determinado preço como se fosse um fato isolado. Um preço expressa a importância que os agentes homens atribuem a qualquer coisa no atual estágio de seus esforços com vistas a diminuir o desconforto. Não indica uma relação com alguma coisa imutável, mas simplesmente uma posição instantânea num conjunto que varia como se fosse um caleidoscópio. Nesse conglomerado de coisas às quais os julgamentos subjetivos das pessoas atribuem valor, a posição de cada partícula está inter-relacionada com a das outras partículas. O que se denomina de preço é sempre uma relação no interior de um sistema integrado que resulta das várias relações humanas.
13. Preços e renda
Um preço de mercado é um fenômeno histórico real, uma relação quantitativa pela quais dois indivíduos trocam quantidades definidas de dois bens específicos, num determinado local e num determinado momento. Refere-se às condições particulares de um ato de troca concreto. Em última análise, é determinado pelos julgamentos de valor das pessoas envolvidas. Não decorre da estrutura geral de preços ou da estrutura dos preços de um determinado tipo de bens e serviços. O que se denomina estrutura de preços é uma noção abstrata derivada de uma multiplicidade de preços distintos e concretos. O mercado não estabelece preços para terra, para automóveis em geral ou para salários em geral; estabelece preços para um determinado pedaço de terra, para certo automóvel e para o salário correspondente à prestação de certo serviço. O processo de formação de preços não leva em consideração, de nenhuma forma, a destinação que se pretende dar às coisas trocadas. Por mais diferentes que sejam sob outros aspectos, no momento da troca são apenas mercadorias, isto é, coisas valoradas em função da sua capacidade de diminuir o desconforto.
O mercado não cria nem determina as rendas. Não é um processo de geração de renda. Se o proprietário de um pedaço de terra e o lavrador administrarem com prudência os recursos físicos em questão, a terra e o homem se renovarão e preservarão sua capacidade de prestar serviços: a terra urbana e rural, por um período praticamente indefinido, o homem, durante certo número de anos. Se a situação de mercado para estes fatores de produção não se deteriorar, será possível, no futuro, obter um preço pela sua capacidade produtiva. A terra e a força de trabalho podem ser consideradas fontes de renda, se forem bem administradas, isto é, se sua capacidade de produzir não for prematuramente exaurida por uma exploração imprudente. É a judiciosa restrição no uso dos fatores de produção e não suas propriedades físicas ou naturais que os converte em fontes de renda razoavelmente duráveis.
Não há na natureza nada que se possa chamar de fonte permanente de renda. A renda é uma categoria da ação; é o resultado da utilização cuidadosa de fatores escassos. Isto se torna mais evidente ainda no caso de bens de capital. Os fatores de produção produzidos não são permanentes. Embora alguns deles possam durar muitos anos, todos eventualmente se tornam inúteis devido ao desgaste provocado pelo uso e às vezes até mesmo pela simples passagem do tempo. Tornam-se fontes duradouras de renda somente se forem devidamente cuidados. O capital pode ser preservado como uma fonte de renda se o consumo de seus produtos, constantes as condições do mercado, se mantiver num nível que não impeça a reposição das partes desgastadas.
As mudanças nos dados do mercado podem frustrar os esforços para perpetuar uma fonte de renda. O equipamento industrial fica obsoleto se a demanda muda ou se ele for superado por algo melhor. A terra se torna inútil se quantidades suficientes de um solo mais fértil se tornar acessíveis. A experiência e a habilidade para executar certos tipos de trabalho deixam de ser rentáveis quando novas modas ou novos métodos de produção reduzem o interesse em empregá-las. O sucesso de qualquer provisão para o futuro depende do acerto dos prognósticos que a inspiraram. Nenhuma renda pode estar imune a mudanças que não foram adequadamente previstas.
Tampouco o processo de formação de preços é uma forma de distribuição. Como já foi ressaltado, não há nada na economia de mercado a que se possa aplicar a noção de distribuição.
14. Preços e produção
O processo de formação de preços num mercado não obstruído dirige a produção de forma a melhor servir os desejos manifestados no mercado pelos consumidores. Somente no caso de preços monopolísticos existe a possibilidade de a produção ser desviada de forma limitada, em benefício do detentor do monopólio.
Os preços determinam os fatores de produção a serem utilizados e os que permanecerão sem utilização. Os fatores de produção específicos apenas são empregados se não houver alternativas mais valoradas para os fatores complementares não específicos. Existem processos tecnológicos, terras e bens de capital não conversível cuja capacidade de produzir não é usada porque o seu emprego significaria um desperdício do mais escasso de todos os fatores, o trabalho. Enquanto, num mercado livre, a mão de obra não pode permanecer por muito tempo sem ser utilizada, a não utilização de terra e de equipamento industrial inconversível é um fenômeno comum.
É absurdo lamentar o fato de existir capacidade de produção não utilizada. A capacidade de produção não utilizada de um equipamento que se tornou obsoleto em virtude de evolução tecnológica é um sinal de progresso. Seria uma bênção dos céus se o estabelecimento de uma paz duradoura fizesse com que as fábricas de munição deixassem de ser utilizadas ou se a descoberta de um método eficiente para prevenir e curar a tuberculose tornasse obsoletos os sanatórios usados para tratamento das pessoas afetadas por esse mal. Seria razoável deplorar o erro de previsão no passado que resultou em investimentos não produtivos. Entretanto, os homens não são infalíveis. Certo volume de investimentos equivocados é inevitável. O importante é impedir políticas que, como a expansão creditícia artificial, favoreçam os maus investimentos.
A tecnologia moderna poderia facilmente permitir o cultivo de laranjas e uvas em estufas no Ártico ou nos países subárticos. Todos considerariam isto uma loucura. Mas, no fundo, é o mesmo que preservar o cultivo de cereais em terrenos rochosos e montanhosos à custa de tarifas e outras práticas protecionistas, enquanto por toda parte existem terras férteis e não aproveitadas. A diferença é apenas de grau.
Os habitantes do Jura suíço preferem fabricar relógios em vez de cultivar trigo. Fabricar relógios é, para eles, a maneira mais barata de adquirir trigo. Por outro lado, plantar trigo é a maneira mais barata de adquirir relógios, para um agricultor canadense. O fato de que os habitantes do Jura não plantam trigo e os canadenses não fabricam relógios merece tanto destaque quanto o fato de que os alfaiates não fazem os seus sapatos e os sapateiros não fazem suas roupas.
15. A quimera de preços sem mercado
Os preços são um fenômeno do mercado. São gerados pelo processo de mercado e são a parte essencial da economia de mercado. Não existem preços fora da economia de mercado. Os preços não podem ser fabricados como se fosse um produto sintético. Resultam de certa constelação de circunstâncias, de ações e reações dos membros de uma sociedade de mercado. É inútil conjecturar sobre quais seriam os preços se fossem diferentes as circunstâncias que os determinaram. Tais propósitos são tão insensatos quanto as especulações estapafúrdias sobre qual teria sido o curso da história se Napoleão tivesse morrido na batalha de Arcole ou se Lincoln tivesse ordenado ao Major Anderson a retirar-se do Forte Sumter.
Não menos inútil é conjecturar sobre quais deveriam ser os preços. Todo mundo fica satisfeito quando diminuem os preços das coisas que quer comprar e aumentam os preços das coisas que quer vender. Ao expressar tais aspirações, um homem estará sendo sincero se admitir que este é um ponto de vista pessoal. Outra coisa seria incitar o governo a usar o seu poder de coerção e opressão para interferir na estrutura de preços do mercado para atender o seu interesse pessoal. As inevitáveis consequências de tal política intervencionista serão analisadas na sexta parte deste livro.
Mas é iludir-se ou enganar os outros querer considerar tais desejos e julgamentos arbitrários de valor como verdades objetivas. Na ação humana, o que importa são os desejos dos vários indivíduos de atingir fins. Em relação à escolha desses fins, não se aplica o conceito de verdade; o que importa é o valor. Julgamentos de valor são necessariamente subjetivos, quer sejam formulados por um ou por muitos homens, por um néscio, por um professor ou por um estadista.
Qualquer preço de mercado é necessariamente o resultado da interação das forças intervenientes, isto é, da demanda e da oferta. Qualquer que seja a situação do mercado que tenha dado origem a determinado preço, este é sempre adequado, genuíno e real em relação a essa situação. Não pode ser maior se nenhum comprador está disposto a pagar mais, e não pode ser menor se nenhum vendedor está disposto a vender por menos. Somente a existência de pessoas dispostas a comprar ou a vender pode modificar os preços.
A economia analisa o processo do mercado que dá origem aos preços das mercadorias, aos salários e às taxas de juros. Não lida com fórmulas que nos permitiriam calcular um preço “correto” diferente daquele estabelecido no mercado pela interação de compradores e vendedores.
Por trás dos esforços que procuram determinar preços sem mercado está à confusa e contraditória noção de custos reais. Se os custos fossem uma coisa real, isto é, uma quantidade independente de julgamentos pessoais de valor, objetivamente discerníveis e mensuráveis, seria possível a um árbitro imparcial determinar o seu valor e, consequentemente, o preço correto. Não há necessidade de nos estendermos sobre o absurdo contido nessa ideia. Custo é um fenômeno de valoração.
Custo é o valor atribuído ao desejo de satisfazer a necessidade mais importante ainda não satisfeita porque os meios necessários para satisfazê-la foram empregados para satisfazer aquela outra necessidade de cujo custo nos está ocupando. A obtenção de um excedente entre o valor do produto e o valor dos custos incorridos, o lucro, é o objetivo de qualquer esforço produtivo. Lucro é a recompensa da ação bem-sucedida. Não pode ser definido sem que se faça referência à valoração. É um fenômeno de valoração e não tem nenhuma relação direta com fenômenos físicos ou de qualquer outra natureza do mundo exterior.
A análise econômica não tem alternativa senão a de reduzir todos os componentes do custo a julgamentos de valor. Os socialistas e os intervencionistas qualificam como “ganho não merecido” o lucro empresarial, o juro sobre capital e a renda da terra, porque consideram que somente o esforço físico e mental do trabalho é real e digno de ser recompensado. Entretanto, a realidade não recompensa o esforço físico e mental. Se o esforço físico e mental é desenvolvido segundo planos bem concebidos, seu resultado aumenta os meios disponíveis para a satisfação de necessidades. A questão relevante é sempre a mesma, independentemente do que as pessoas possam considerar como justo ou equitativo. O que importa é saber qual o sistema de organização social que melhor possibilita a obtenção daqueles fins pelos quais as pessoas estão dispostas a despender esforço físico e mental. A questão é a seguinte: economia de mercado ou socialismo? Não há uma terceira solução. A noção de uma economia de mercado sem preços de mercado é absurda. A própria ideia de preços de custo é irrealizável.
Mesmo se a ideia de preço de custo for aplicada apenas no caso de lucros empresariais, paralisa-se o mercado. Se as mercadorias e os serviços devem ser vendidos por um preço menor do que o de mercado, a oferta será sempre menor do que a demanda. Assim sendo, o mercado não pode determinar nem o que deveria ser produzido nem para quem as mercadorias e serviços deveriam ir. O resultado é o caos.
O mesmo se aplica a preços monopolísticos. É de todo conveniente que não se adotem políticas que possam resultar no surgimento de preços monopolíticos. Mas, quer os preços monopolísticos sejam provocados por políticas governamentais pró-monopólio, quer se devam à ausência de tais políticas, nenhuma “investigação” ou especulação acadêmica tem condições de descobrir qual seria o preço ao qual a demanda igualaria a oferta. O fracasso de todas as tentativas para encontrar uma solução para o monopólio de espaço limitado, no caso dos serviços públicos, prova claramente esta verdade.
É da própria essência dos preços serem eles o resultado da ação de indivíduos e de grupos de indivíduos que agem em seu próprio interesse. O conceito cataláctico de relações de troca e preços exclui tudo aquilo que seja decorrente de ações de uma autoridade central, de pessoas que recorram à violência e à ameaça em nome da sociedade, ou o Estado, ou de um grupo de pressão armado. Ao enfatizar que não é função do governo determinar preços, não estamos saindo das fronteiras do pensamento lógico. Um governo não pode determinar preços pela mesma razão que uma gansa não pode pôr ovos de galinha.
Podemos imaginar um sistema social no qual não existam preços, e imaginar também decretos governamentais que estabeleçam os preços num nível diferente daquele que seria determinado pelo mercado. Uma das tarefas da economia é estudar os problemas decorrentes de tais hipóteses. Entretanto, precisamente porque queremos examinar estes problemas, tornasse necessário distinguir claramente entre preços e decretos governamentais. Os preços são, por definição, determinados pelas pessoas ao comprarem e venderem ou ao se absterem de comprar e de vender. Não devem ser confundidos com fiats emitidos por governos ou por outras agências que dispõem de um aparato de coerção e compulsão para fazer cumprir suas determinações.[31]
[1] Algumas vezes, a diferença de preço registrada pela estatística é apenas aparente. As cotações de preço podem referir-se a várias qualidades do artigo considerado. Ou podem, segundo práticas mercantis do local, significar coisas diferentes. Por exemplo, podem incluir ou não gastos de embalagem; podem referir-se a preços à vista ou a prazo, e assim por diante.
[2] O mesmo não ocorre em relação às mútuas relações de troca entre moeda e bens e serviços vendáveis. Ver adiante p. ……..
[3] O problema dos bens de capital não conversíveis é tratado adiante, p. ……..
[4] Razoável, neste contexto, quer dizer que o retorno previsto para o capital conversível usado para continuar a produção é, pelo menos, não inferior ao retorno previsto para seu uso em outros projetos.
[5] Ver p. ……..
[6] Para uma análise completa do conservadorismo imposto aos homens pela limitada convertibilidade de muitos bens de capital, ou seja, pelo fator histórico que influi na produção, veja adiante p. ……..
[7] Ver p. ……..
[8] Ver Paul H. Douglas, em Econometrica, vol. 7, p. 105.
[9] Ver Henry Schultz, The Theory and Measurement of Demand, University of Chicago Press, 1938, p. 405-427.
[10] O autor se refere à célebre equação de troca MV=PQ, elaborada por Irving Fisher (1867- 1947) em Purchasing Power of Money (1911) para explicar as variações do “nível geral de preços”, em que M é a quantidade de dinheiro, V, sua velocidade de circulação, P, o nível de preços e Q, a quantidade de bens. (N.T.)
[11] Ver adiante p. ……..
[12] Ver Joseph A. Schumpeter, Capitalism Socialism and Democracy, Nova Iorque, 1942. Para uma crítica dessa afirmativa, ver Hayek, “The use of Knowledge in Society”, Individualism and the Social Order, Chicago, 1948, p. 89.
[13] A discriminação de preços é tratada mais adiante, p. ……..
[14] Ver a refutação dessa enganadora ampliação do conceito de monopólio em Richard T. Ely, Monopolies and Trusts, Nova Iorque, 1906, p. 1-36.
[15] O autor escreveu Human Action na década de 40. Refere-se, sem dúvida, ao episódio da queima do café feita pelo governo de Getúlio Vargas no início da década de 30, no bojo de uma crise na economia nacional e internacional que se seguiu à queda da Bolsa de Nova Iorque em 1929. (N.T.)
[16] Intervenção do governo com o propósito de regular, de organizar o mercado. (N.T.)
[17] Obviamente, um monopólio incompleto entrará em colapso se os proprietários menores resolverem expandir suas vendas.
[18] Ver adiante p. ……., sobre reputação comercial.
[19] O uso da expressão “monopólio marginal”, como de qualquer outra, é opcional. É inútil objetá-la sob a alegação de que qualquer outro monopólio que seja capaz de dar origem a preços monopolísticos também possa ser qualificado de monopólio marginal.
[20] Literalmente, política social. Mais especificamente, a política intervencionista implementada por Bismark na Alemanha, em 1881. A Sozialpolitik alemã foi a precursora do Estado provedor na Europa e do New Deal, iniciado em 1933 por Roosevelt, nos EUA. (N.T.)
[21] Uma coleção desses acordos foi publicada em 1943 pelo International Labor Office, sob o título Intergovernmental Commodity Control Agreements.
[22] Os termos licença e licenciado não são empregados aqui no sentido técnico utilizado pela legislação de patentes.
[23] Sobre a importância desse fato, ver adiante p. ……..
[24] Ver adiante, p. ……..
[25] Gastos adicionais de publicidade também significam aporte adicional de capital.
[26] Dinheiro em caixa, mesmo quando excede às proporções correntes e é chamado de “entesouramento”, é uma maneira de empregar fundos disponíveis. No prevalecente estado do mercado, o ator considera guardar dinheiro em caixa como o melhor emprego para uma parte de seus ativos.
[27] Ver adiante p. ……..
[28] Ver p. ……..
[29] Ver A. Marshall, Principles of Economics, 8. ed., Londres, 1930. p. 124-127.
[30] Ver p. ……..
[31] A fim de não confundir o leitor com o emprego de muitos termos novos, limitar-nos-emos a utilizar a linguagem corrente que denomina estes fiats governamentais de preços, taxas de juros, salários decretados ou impostos por outras agências de compulsão (sindicatos, no caso). Mas não devemos perder de vista a diferença fundamental que existe entre os preços, juros e salários, tais como determinados no mercado, e as manifestações jurídicas relativas ao estabelecimento de valores máximos ou mínimos para preços, juros e salários que visam a impedir o surgimento dos valores que seriam determinados pelo mercado.