Capítulo XVII. A troca indireta
1. Meios de troca e moeda[1]
A troca entre pessoas é denominada de troca indireta quando, entre as mercadorias e serviços que constituem o objetivo final da transação, se interpõe um ou mais meios de troca.
A teoria da troca indireta tem como tema central o estudo das relações de troca entre os meios de troca por um lado e os bens e serviços por outro. As proposições dessa teoria se aplicam a todos os casos de troca indireta e a todas as coisas que são empregadas como meios de troca.
Um meio de troca que seja de uso comum é denominado de moeda. A noção de moeda é vaga, uma vez que sua definição implica o emprego da expressão “uso comum”, que é igualmente vaga. Existem situações nas quais se torna difícil definir se um meio de troca é ou não de uso “comum” e se pode ser denominado de moeda. Mas esta imprecisão na caracterização da moeda não afeta, de forma nenhuma, a exatidão e a precisão exigida pela teoria praxeológica. Porque tudo o que possa ser predicado sobre moeda é válido para qualquer meio de troca. Resulta, portanto, irrelevante preservar o termo tradicional teoria da moeda, ou substituí-lo por outra denominação. A teoria da moeda foi e continua sendo a teoria da troca indireta e dos meios de troca.
2. Observações sobre alguns erros frequentes
Os equívocos lastimáveis decorrentes de doutrinas monetárias de aceitação geral que desencaminharam as políticas monetárias de quase todos os governos dificilmente teriam ocorrido se muitos economistas não tivessem cometido erros crassos ao lidar com problemas monetários e se não se tivessem apegado obstinadamente a esses erros.
Há, em primeiro lugar, a ideia espúria da suposta neutralidade da moeda.[2] Uma excrescência dessa doutrina foi a noção de “nível” de preços que sobe ou desce proporcionalmente ao aumento ou diminuição da quantidade de moeda em circulação. Não chegou a ser percebido o fato de que mudanças na quantidade de moeda nunca podem afetar os preços de todos os bens e serviços ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Tampouco foi percebido que mudanças no poder de compra de uma unidade monetária estão necessariamente ligadas às mudanças nas relações recíprocas entre compradores e vendedores. Para se provar a doutrina de que a quantidade de moeda e os preços aumentam e diminuem proporcionalmente, recorreu-se, ao se lidar com a teoria da moeda, a um procedimento inteiramente diferente daquele que a economia moderna adota ao lidar com todos os seus demais problemas. Em vez de partir das ações dos indivíduos, como a cataláxia deve fazer em todos os casos, sem exceção, foram elaboradas fórmulas com o objetivo de abranger a totalidade da economia de mercado. Os elementos dessas fórmulas eram: a quantidade total de moeda disponível na Volkswirtschaft (economia nacional); o volume de trocas, isto é, o equivalente em moeda de todas as transferências de mercadorias e serviços efetuados na Volkswirtschaft; a velocidade média de circulação das unidades monetárias; o nível de preços. Essas fórmulas aparentemente evidenciavam a correção da doutrina do nível de preço. Em realidade, essa forma de raciocínio é um caso típico de círculo vicioso. Porque a equação de troca já pressupõe a doutrina do nível de preços que pretende demonstrar. No fundo, não é mais do que uma expressão matemática da doutrina — insustentável — de que existe uma proporcionalidade entre as variações da quantidade de moeda e dos preços.[3]
Ao se examinar a equação de troca, pressupõe-se que um de seus elementos — a quantidade total de moeda, o volume de trocas, a velocidade de circulação — sofra variações, sem que ninguém questione como tais variações ocorrem. Deixa-se de perceber que as variações nessas grandezas não surgem na Volkswirtschaft em si, mas nas disposições individuais de cada ator, e que é a interação das reações desses atores que resulta numa alteração da estrutura de preços. Os economistas matemáticos se recusam a raciocinar a partir da demanda e oferta de moeda, feitas pelos diversos indivíduos. Introduzem, em vez disso, o enganoso conceito de velocidade de circulação, elaborado segundo os padrões da mecânica.
Não é necessário, por ora, questionar se os economistas matemáticos têm ou não razão em supor que os serviços prestados pela moeda consistem inteira ou essencialmente na sua rotatividade, na sua circulação. Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim seria errado explicar o poder de compra — o preço — da unidade monetária com base nos seus serviços. Os serviços prestados pela água, uísque ou café não determinam os preços pagos por essas mercadorias. Apenas explicam por que as pessoas, na medida em que queiram utilizá-los, demandam, sobre certas condições, determinadas quantidades dessas mercadorias. É sempre a demanda que influencia a estrutura de preços e não a utilidade intrínseca, o valor objetivo de uso.
É inegável que em relação à moeda a tarefa da cataláxia é mais ampla do que em relação aos bens vendáveis. É tarefa da psicologia e da fisiologia, e não da cataláxia, explicar porque as pessoas desejam os serviços que lhes podem prestar as diversas mercadorias; em relação à moeda, entretanto, a análise dessa questão é uma tarefa da cataláxia. Somente a cataláxia nos pode indicar que vantagens um homem espera obter ao manter moeda em seu poder. Mas não são essas vantagens que determinam o poder de compra da moeda. O desejo de usufruí-las é apenas um dos fatores que geram a demanda por dinheiro. É a demanda, elemento subjetivo cuja intensidade é inteiramente determinada por julgamentos de valor e não por razões objetivas ou pela capacidade de provocar certo efeito, que desempenham um papel na formação das relações de troca do mercado.
A deficiência da equação de troca e de seus elementos básicos está no fato de considerar os fenômenos de mercado de um ponto de vista holístico. Baseia-se numa ilusória noção de economia nacional (Volkswirtschaft). Mas onde existe, no estrito sentido do termo, uma Volkswirtschaft, não existe mercado, nem preços, nem moeda. Num mercado existem apenas indivíduos ou grupos de indivíduos que agem em concerto. O que motiva esses agentes são seus próprios interesses e não os interesses da economia como um todo. Para que essas noções de volume de trocas ou velocidade de circulação tenham algum sentido, é necessário reportá-las às ações individuais que lhes dão origem. É inadmissível recorrer a essas noções para explicar as ações individuais. A primeira questão que a cataláxia deve colocar em relação a variações na quantidade total de moeda disponível no mercado é a de procurar saber como tais variações afetam a conduta dos diversos indivíduos. A ciência econômica moderna não pergunta quanto vale “o ferro” ou “o pão”, mas quanto vale uma quantidade definida de ferro ou de pão, para um indivíduo agindo num determinado momento e lugar. Não pode proceder de forma diferente ao tratar do tema moeda. A equação de troca[4] é incompatível com os princípios fundamentais do pensamento econômico. É uma recaída em formas de pensar já superadas, do tempo em que as pessoas ainda não compreendiam os fenômenos praxeológicos porque baseavam seu pensamento em noções holísticas. É uma forma de pensar estéril, como também o eram as especulações em relação ao valor do “ferro” ou do “pão”.
A teoria da moeda é uma parte essencial da teoria cataláctica. Deve ser tratada da mesma maneira com que são tratados todos os outros problemas catalácticos.
3. Demanda por moeda e oferta de moeda
Prevalecem, na negociabilidade das várias mercadorias e serviços, diferenças consideráveis. Há bens para os quais não é difícil encontrar quem os queira comprar, pagando o mais alto preço possível, nas circunstâncias do momento, ou pelo menos um preço apenas um pouco menor. Há outros bens para os quais é muito difícil encontrar rapidamente um comprador, mesmo que o vendedor esteja disposto a se contentar com uma contrapartida muito menor do que a que poderia obter se pudesse encontrar algum outro pretendente cuja demanda fosse maior. É essa diferença na negociabilidade das várias mercadorias e serviços que engendra a troca indireta. Um homem que, num momento dado, não pode adquirir o que precisa para sua casa ou seu negócio, ou que não sabe ainda que bens irá precisar no futuro incerto, aumenta a possibilidade de atingir seu objetivo final se trocar um bem menos negociável que pretende vender por outro mais negociável. Pode também ocorrer que as características físicas da mercadoria de que deseja desfazer-se (como por exemplo, o fato de ser perecível, ter custos de estocagem elevados ou coisas análogas) obriguem-no a não esperar muito. Às vezes pode ser forçado a se desfazer do bem em questão pelo medo de que o seu valor de mercado se deteriore. Em todos estes casos, sua situação melhora quando adquire um bem de maior negociabilidade, mesmo que este bem não possa satisfazer, diretamente, nenhuma de suas próprias necessidades.
Um meio de troca é um bem que as pessoas adquirem, não para seu próprio consumo ou para empregar na sua atividade produtiva, mas com o propósito de trocá-lo mais tarde por bens que pretendem consumir ou usar na sua atividade produtiva.
A moeda é um meio de troca. É o bem mais negociável; as pessoas o desejam porque imaginam utilizá-lo em futuras trocas interpessoais. Moeda é aquilo que é geralmente aceito e comumente usado como meio de troca. É sua única função. Todas as outras funções que as pessoas atribuem à moeda são meramente aspectos particulares dessa função primordial e única, a de ser um meio de troca.[5]
Meios de troca são bens econômicos. São escassos; há uma demanda por eles. Há no mercado pessoas que desejam adquiri-los e estão dispostas a trocar bens e serviços por eles. Os meios de troca têm um valor de troca. As pessoas fazem um sacrifício para adquiri-los; pagam um “preço” para obtê-los. A peculiaridade desses preços reside meramente no fato de que eles não podem ser expressos em termos de moeda. Em relação aos bens e serviços vendáveis, referimo-nos aos seus preços em moeda. Quando se trata de moeda, referimo-nos ao seu poder de compra em relação aos vários bens vendáveis.
Existe uma demanda por meios de troca porque as pessoas querem manter uma reserva em moeda. Todo membro de uma sociedade de mercado quer manter uma determinada quantidade de moeda em seu bolso ou à sua disposição. Às vezes quer manter um encaixe[6] maior, às vezes um menor; em casos excepcionais, pode até renunciar a manter qualquer encaixe. De qualquer forma, a imensa maioria das pessoas deseja não apenas possuir vários bens vendáveis; quer também possuir moeda. Seu encaixe não é apenas um resíduo, uma parte não gasta de sua fortuna. Não é um saldo residual depois de todos os atos intencionais de compra e venda terem sido consumados. Seu montante é determinado por uma deliberada demanda por moeda. E, como no que diz respeito a todos os outros bens, são as mudanças na relação entre demanda por e oferta de moeda que produzem as mudanças na relação de troca entre moeda e os bens vendáveis.
Cada unidade monetária pertence a um dos membros que atuam na economia de mercado. A transferência de moeda das mãos de um ator para outro é imediata e contínua; não sofre solução de continuidade. Não há uma fração de tempo na qual a moeda não pertença a um indivíduo ou a uma empresa, e que esteja apenas “circulando”.[7] Não tem sentido distinguir entre moeda em circulação e moeda ociosa. Tampouco cabe distinguir entre moeda em circulação e moeda entesourada. O que se chama de entesouramento é um nível de encaixe líquido que — segundo a opinião pessoal de um observador — excede o que é considerado normal e adequado. Entretanto, entesourar é manter moeda em caixa. A moeda entesourada continua sendo moeda e exerce, enquanto entesourada, a mesma função de uma reserva de caixa considerada normal. Quem entesoura moeda acredita que existam condições especiais que tornam conveniente acumular uma reserva de caixa maior do que a que ele mesmo manteria se a situação fosse diferente, ou do que aquela que outra pessoa manteria, ou do que aquela que um economista considera adequada. Agindo assim, estará influenciando a configuração da demanda por moeda, da mesma maneira que qualquer demanda “normal” a influenciaria.
Muitos economistas evitam usar os termos demanda e oferta no sentido de demanda por e oferta de moeda para tê-la como encaixe, porque temem que se faça confusão com a terminologia corrente usada pelos banqueiros. De fato, costuma-se chamar de demanda por moeda a demanda por empréstimos em curto prazo, e de oferta de moeda a oferta de tais empréstimos. Por isso, o mercado de empréstimos em curto prazo é conhecido como o mercado de dinheiro. Diz-se que o dinheiro está escasso quando prevalece uma tendência de elevação da taxa de juros para empréstimos de curto prazo; diz-se que há bastante dinheiro quando a taxa de juros desses empréstimos está em baixa. Esse modo de falar está tão enraizado, que nem se cogita em modificá-lo. Mas tem ajudado a difundir equívocos lastimáveis. Faz com que as pessoas confundam as noções de moeda e de capital, induzindo-as a acreditar que o aumento da quantidade de moeda pode reduzir, de forma duradoura, a taxa de juros. Mas, precisamente por serem esses erros tão crassos e evidentes, é pouco provável que o uso de terminologia correta possa criar qualquer mal-entendido. É difícil imaginar que os economistas possam errar em questões tão fundamentais.
Outros sustentam que não se devia falar de demanda e oferta de moeda porque os propósitos dos que demandam moeda diferem dos propósitos dos que demandam mercadorias. As mercadorias, dizem eles, são demandadas, em última análise, a fim de serem consumidas, enquanto que a moeda é demandada a fim de ser utilizada em novos atos de troca. Esta objeção também é infundada. Um meio de troca termina sempre por ser passado adiante em novas transações. Mas, antes disso, as pessoas procuram acumular certo montante a fim de estar em condições de efetuar uma compra no momento em que ela possa ser efetivada. Precisamente porque as pessoas não desejam prover suas necessidades no mesmo momento em que se desfazem dos bens e serviços que trazem ao mercado, precisamente porque querem esperar, ou são forçadas a esperar, até que surjam condições mais propícias para efetuar suas compras, é que utilizam a troca indireta através da interposição de um meio de troca, em vez de recorrerem à troca direta. O fato de que a moeda não se desgaste pelo uso que dela se faz, e de que possa prestar seus serviços praticamente por um período ilimitado de tempo é um fator importante na configuração de sua oferta. Mas isso não altera o fato de que o valor que se atribui à moeda deva ser explicado da mesma maneira como se explica o valor que se atribui a todos os outros bens: pela demanda daqueles que desejam adquirir-lhes certa quantidade.
Os economistas têm tentado enumerar os fatores que no contexto de um sistema econômico podem aumentar ou diminuir a demanda de moeda. Tais fatores são: os números populacionais; o grau em que as famílias suprem autarquicamente suas necessidades ou que produzem com vistas a suprir as necessidades de outras pessoas, vendendo seus produtos e comprando mercadorias; a distribuição da atividade comercial e das épocas de pagamento, ao longo do ano; a existência de instituições para o ajuste de débitos que se anulam mutuamente, do gênero câmaras de compensação (clearinghouses). Todos esses fatores, sem dúvida, influenciam a demanda de moeda e o nível de encaixe dos diversos indivíduos e firmas. Mas influenciam apenas de forma indireta, pelo que representam nas considerações que as pessoas fazem relativamente à determinação do montante que consideram apropriado manter como encaixe. O elemento decisivo é sempre o julgamento de valor das pessoas envolvidas. Os vários atores decidem sobre qual deve ser, no seu entendimento, o adequado nível de encaixe. Levam a cabo sua decisão, deixando de comprar mercadorias, ações e títulos de renda, vendendo ou, ao contrário, aumentando suas compras desses ativos. Em relação à moeda, as coisas não se passam de forma diferente do que ocorre em relação a todos os outros bens e serviços. A demanda de moeda é determinada pela conduta das pessoas que desejam adquiri-la para mantê-la em caixa.
Outro argumento apresentado contra a noção de demanda de moeda foi o seguinte: a utilidade marginal da unidade monetária diminui muito mais lentamente do que a de outras mercadorias; na realidade, sua diminuição é tão lenta que, na prática, pode ser ignorada. Em relação à moeda, ninguém jamais considera sua demanda como totalmente satisfeita, e ninguém jamais renuncia a uma oportunidade de ter mais dinheiro, desde que o sacrifício correspondente para obtê-lo não seja grande. Portanto, a demanda de moeda pode ser considerada ilimitada. Entretanto, a própria noção de uma demanda ilimitada é, em si mesma, contraditória. Esse argumento é inteiramente falso: confunde a demanda de moeda para ser mantida em caixa com o desejo de maior riqueza expressa em termos de moeda. Quando uma pessoa diz que sua sede por dinheiro jamais será saciada, não está querendo dizer que o montante de seu encaixe nunca será suficientemente grande.
O que realmente está dizendo é que nunca se considerará suficientemente rico. Se ganhar uma quantia adicional de dinheiro, não a usará para aumentar o seu encaixe, ou só usará uma parte para este propósito. Utilizará este ganho adicional ou para consumo imediato ou para investimento. Ninguém mantém em seu poder mais dinheiro do que o que deseja manter em caixa.
A percepção de que a relação de troca entre moeda de um lado e mercadorias e serviços vendáveis de outro é determinada da mesma maneira que as relações de troca recíprocas entre os vários bens vendáveis, isto é, pela demanda e oferta, foi a essência da teoria quantitativa da moeda. Essa teoria consiste essencialmente numa aplicação da teoria geral da oferta e demanda ao caso particular da moeda. Seu mérito foi tentar explicar o poder de compra da moeda, recorrendo ao mesmo raciocínio que é empregado para explicar todas as outras relações de troca. Seu defeito foi recorrer a uma interpretação holística. Foi considerar a quantidade total de dinheiro na Volkswirtschaft (economia nacional) e não as ações individuais dos homens e das firmas. Um corolário dessa visão equivocada consistiu na suposição de que prevalece uma proporcionalidade entre as variações da quantidade — total — de moeda e as dos preços em moeda. Os primeiros críticos da teoria quantitativa falharam nas suas tentativas de refutar os erros nela contidos e em substituí-la por uma teoria mais satisfatória. Não combateram o que havia de errado na teoria quantitativa; ao contrário, atacaram o seu núcleo de verdade. Pretenderam negar que existe uma relação causal entre as variações de preços e as da quantidade de moeda. Esta negação os conduziu a um labirinto de erros, contradições e contrassensos. A moderna teoria monetária retoma o fio da teoria quantitativa tradicional na medida em que parte do reconhecimento do fato de que mudanças no poder de compra da moeda devem ser consideradas segundo os princípios que são aplicados a todos os fenômenos de mercado, e de que existe uma relação entre as mudanças na demanda e na oferta de moeda, por um lado, e as mudanças no poder de compra, por outro.
Nesse sentido, podemos considerar a moderna teoria quantitativa como uma variante melhorada da primitiva teoria quantitativa.
A importância epistemológica da toeria da origem da moeda de Carl Menger
Carl Menger concebeu não somente uma irrefutável teoria praxeológica da origem da moeda. Ele também percebeu a importância de sua teoria para elucidação dos princípios fundamentais da praxeologia e dos seus métodos de pesquisa.[8]
Alguns autores tentaram justificar a origem da moeda como resultado de decreto ou convenção. A autoridade, o Estado, ou um pacto entre os cidadãos, teria, deliberada e conscientemente, estabelecido a troca indireta e a moeda. A principal deficiência dessa doutrina não está apenas em imaginar que as pessoas de uma época que desconhecia a troca indireta pudessem conceber um plano para uma nova ordem econômica, inteiramente diferente das condições reais de seu tempo, e que pudessem compreender a importância de tal plano. Tampouco está no fato de que a história não nos fornece qualquer indício em apoio a essas afirmativas. Existem razões mais substanciais para rejeitá-las.
Se admitirmos que as condições das partes interessadas melhorem quando substituem a troca direta pela troca indireta e, subsequentemente, dão preferência a usar como meio de troca certos bens que se caracterizam por sua negociabilidade particularmente alta, fica difícil entender por que alguém, ao lidar com a origem da troca indireta, deveria atribuí-la a um decreto autoritário ou a um pacto explícito entre os cidadãos. Um homem que estivesse tendo dificuldade em obter pela troca direta o que desejasse adquirir aumentaria as chances de realizar seu intento nas próximas tentativas de troca, se adquirisse um bem de maior negociabilidade. Sendo assim, não haveria necessidade de interferência do governo ou de um pacto entre os cidadãos. A feliz ideia de assim proceder poderia ocorrer aos indivíduos mais perspicazes e os menos bem-dotados poderiam imitá-los. Certamente, é mais plausível admitir que as vantagens imediatas proporcionadas pela troca indireta tivessem sido percebidas pelos interessados do que supor que um gênio tivesse sido capaz de conceber toda uma sociedade empregando moeda nas suas transações e, adotando a hipótese do pacto, tivesse sido capaz de explicar tal concepção a todas as demais pessoas.
Se, entretanto, não admitirmos que os indivíduos tivessem conseguido descobrir que seria mais vantajoso recorrer à troca indireta do que esperar por uma oportunidade de troca direta, e, só para argumentar, se admitirmos que a moeda tivesse sido introduzida pelas autoridades ou por um pacto, teríamos de esclarecer algumas questões adicionais. Deveríamos investigar que medidas teriam sido empregadas a fim de induzir as pessoas a adotarem um procedimento cuja utilidade não compreendiam e que, tecnicamente, seria mais complicado do que a troca direta. Podemos presumir que teria sido usada a compulsão. Mas, então, devemos indagar, também, quando e quais as circunstâncias que fizeram com que a troca indireta e o uso de moeda deixaram de ser um procedimento indesejável — ou pelo menos indiferente — para as pessoas envolvidas, e passaram a ser um procedimento vantajoso.
O método praxeológico remete todos os fenômenos às ações individuais. Se as condições de troca interpessoal são de tal ordem que a troca indireta facilita as transações e se, e na medida em que, as pessoas têm consciência dessas vantagens, mais cedo ou mais tarde a troca indireta e a moeda passarão a existir. A experiência histórica mostra que estas condições estavam e estão presentes. Se não fosse assim, seria inconcebível que as pessoas tivessem adotado a troca indireta e a moeda, ou que não as tivessem abandonado.
A questão histórica relativa à origem da troca indireta e da moeda, afinal de contas, não diz respeito à praxeologia. A única coisa relevante é que a troca indireta e a moeda existem porque as condições para sua existência estavam e ainda estão presentes. Sendo assim, a praxeologia não precisa recorrer a hipóteses segundo as quais esses modos de intercâmbio teriam sido estabelecidos por um decreto autoritário ou por um pacto. Os estatistas , se preferirem, continuar a atribuir a “invenção” da moeda ao Estado, por mais improvável que assim tenha sido. O que importa é que um homem adquire um bem não para consumi-lo ou usá-lo na produção, mas para desfazer-se dele num posterior ato de troca. Quando algumas pessoas adotam essa conduta em relação a um determinado bem, este passa ser um meio de troca; quando essa conduta se generaliza, aquele bem passa a ser moeda. Todos os teoremas da teoria cataláctica dos meios de troca e da moeda referem-se aos serviços que um bem presta na sua qualidade de meio de troca. Mesmo se fosse verdade que o impulso para introdução da troca indireta e da moeda tivesse sido dado pelas autoridades ou por um acordo entre os membros da sociedade, isto não enfraqueceria em nada a constatação de que somente o comportamento das pessoas efetuando suas trocas pode criar a troca indireta e a moeda.
A história nos pode dizer onde e quando, pela primeira vez, foram usados meios de troca, e como, subsequentemente, se foi reduzindo o número de bens empregados para esse fim. Como a diferenciação entre a noção mais abrangente de meio de troca e a noção mais específica de moeda não é clara e precisa, mas gradual, não é possível determinar, de comum acordo, quando teria ocorrido a histórica transição de um simples meio de troca para moeda. A resposta a essa questão só pode ser dada pela compreensão histórica. Mas, como já foi mencionada antes, a distinção entre troca direta e troca indireta é bastante clara, e tudo o que a cataláxia estabelece em relação a meios de troca aplica-se a toda a categoria de bens que sejam demandados e adquiridos para serem usados como meios de troca.
Na medida em que a afirmativa segundo a qual a troca indireta e a moeda foram estabelecidas por decreto ou por convenção pretende ser um relato de eventos históricos, cabe aos historiadores demonstrar sua falsidade. Na medida em que seja apresentada meramente como afirmativa histórica, não afeta absolutamente a teoria cataláctica de moeda e sua explicação da evolução da troca indireta. Mas, se pretende ser uma afirmativa sobre a ação humana e os eventos sociais, é uma afirmativa inútil, pois não diz nada sobre a ação. Declarar que, um dia, governantes ou cidadãos reunidos em assembleia tiveram a súbita inspiração de que seria uma boa ideia realizar as trocas de forma indireta, por intermédio de um meio de troca comumente usado, não é uma afirmativa sobre a ação humana. É simplesmente uma forma de fugir ao problema em questão.
É necessário que se compreenda que não se está contribuindo em nada para a concepção científica das ações humanas e dos fenômenos sociais, ao se declarar que o Estado, ou um líder carismático, ou uma inspiração que tenha baixado sobre as pessoas os tenham criado. Tampouco tais afirmativas podem refutar os ensinamentos de uma teoria que mostre como tais fenômenos podem ser entendidos como “o produto não intencional, o resultado não deliberadamente pretendido ou visado pelos esforços individuais de cada um dos membros da sociedade”.[9]
4. A determinação do poder aquisitivo da moeda
Tão logo um bem econômico comece a ser demandado não apenas por aqueles que desejam usá-lo para consumo ou produção, mas também por pessoas que desejam usá-lo como meio de troca e dele se desfazerem, quando necessário, num posterior ato de troca, a demanda por este bem aumenta. Surge, assim, novo emprego para o bem em questão, criando uma demanda adicional. Como para qualquer outro bem econômico, tal demanda adicional acarreta um aumento no seu valor de troca, isto é, na quantidade de outros bens que são oferecidos para adquiri-lo. A quantidade de outros bens que alguém pode obter ao se desfazer de um meio de troca, ou seja, o seu “preço” expresso em termos de vários bens e serviços é em parte determinado pela demanda daqueles que desejam adquiri-lo como meio de troca. Se as pessoas deixam de usar o bem em questão como meio de troca, essa demanda específica adicional desaparece e o seu “preço”, consequentemente, diminui.
Assim sendo, a demanda por um meio de troca compõe-se de duas demandas parciais: a demanda dos que pretendem usá-lo para consumo ou produção e a dos que desejam usá-lo como um meio de troca.[10] No que concerne à moeda metálica moderna, fala-se da demanda industrial e da demanda monetária. O valor de troca (o poder aquisitivo) de um meio de troca é o resultado do efeito acumulado dessas duas demandas parciais.
Ora, a amplitude daquela demanda de um meio de troca que decorre de sua utilidade como meio de troca depende do seu valor de troca. Este fato provoca dificuldades que muitos economistas consideram insolúveis, a ponto de se absterem de prosseguir nessa linha de raciocínio. É ilógico, dizem eles, explicar o poder aquisitivo da moeda, referindo-se à demanda de moeda; e a demanda de moeda, referindo-se ao seu poder aquisitivo.
A dificuldade, entretanto, é apenas aparente. O poder aquisitivo a que nos referimos ao falarmos do volume da demanda específica, não é o mesmo poder aquisitivo cuja magnitude determina essa demanda específica. O problema está em conceber como se forma o poder aquisitivo do futuro imediato, do momento seguinte. Para resolver este problema, referimo-nos ao poder aquisitivo do passado imediato, do momento que acabou de passar. São duas grandezas distintas. É um erro objetar ao nosso teorema, que pode ser chamado de teorema da regressão, sob a alegação de que estaríamos criando um círculo vicioso.[11]
Mas, dizem os críticos, o teorema da regressão equivale simplesmente a fazer recuar o problema. Continuaria sendo necessário explicar como se determina o poder aquisitivo de ontem. Se for explicado da mesma maneira, fazendo-se referência ao poder aquisitivo de anteontem e assim por diante, entraríamos num regressus in infinitum. Esse raciocínio, afirmam os críticos, certamente não é uma solução completa e logicamente satisfatória do problema em questão. O que esses críticos não percebem é que a regressão não é infinita. Ela atinge um ponto no qual a explicação se completa e nenhuma outra questão fica sem resposta.
Se, passo a passo, remontarmos às origens do poder aquisitivo da moeda chegará finalmente ao ponto em que o bem considerado começa a servir como meio de troca. Neste ponto, o valor de troca de ontem é determinado exclusivamente pela demanda não monetária — industrial — que é manifestada apenas por aqueles que pretendem usar esse bem com outras finalidades e não como um meio de troca.
Mas, continuam ainda os críticos, com isto pretende-se simplesmente explicar a parte do poder aquisitivo da moeda decorrente dos serviços por ela prestados como meio de troca pelo fato de que a mesma pode ser utilizada com fins industriais. O problema em si, a explicação do específico componente monetário de seu valor de troca, continuaria sem solução. Mais uma vez, os críticos estão equivocados. Aquela parte do valor total da moeda que resulta dos serviços por ela prestados como meio de troca é inteiramente explicada pela referência específica a esses serviços monetários e à demanda por eles criada. Dois fatos não podem ser negados e não o são por ninguém: primeiro, que a demanda de um meio de troca é determinada por considerações relativas ao seu valor de troca que resulta tanto dos serviços monetários como dos serviços industriais que o meio de troca em questão pode prestar; segundo, que o valor de troca de um bem que ainda não foi demandado para servir como meio de troca é determinado exclusivamente pela demanda das pessoas que o usarão com fins industriais, isto é, para consumo ou para produção. Ora, o teorema da regressão pretende interpretar a primeira aparição de uma demanda monetária por um bem, que até então só era demandado para fins industriais, como sendo influenciada pelo valor de troca que lhe é atribuído nesse momento e que é função apenas dos seus serviços não monetários. Isso certamente não significa explicar o valor de troca especificamente monetário de um meio de troca, com base no seu valor de troca industrial.
Finalmente, tem-se objetado, ao teorema da regressão, que sua abordagem seria histórica e não teórica. Esta objeção também não tem fundamento. Explicar um evento do ponto de vista histórico significa mostrar como foi produzido pelas forças e fatores que operam numa certa data e num certo lugar. Essas forças e fatores são os elementos fundamentais da interpretação. São os dados finais e, como tal, não são suscetíveis de ulteriores análises ou reduções. Explicar um fenômeno do ponto de vista teórico significa justificar sua aparição com base em regras gerais que já fazem parte de um sistema teórico. O teorema da regressão atende a essa exigência. Faz remontar o específico valor de troca de um meio de troca a essa sua função, e aos próprios teoremas relativos ao processo de valoração e de formação de preço formulados pela teoria geral cataláctica. Deduz das regras de uma teoria mais universal a explicação de um caso particular. Mostra como o fenômeno específico necessariamente decorre da aplicação de regras que são válidas para todos os fenômenos. Não faz afirmativas do tipo: isto aconteceu naquele momento e naquele lugar. O que afirma é: isto sempre acontece quando ocorrem determinadas condições; sempre que um bem que não tenha sido demandado antes para ser usado como meio de troca começa a ser demandado com essa finalidade, os mesmos efeitos surgem de novo; nenhum bem pode ser empregado como meio de troca se já não tiver um valor de troca em razão de seus outros empregos, no momento mesmo em que começa a ser usado como meio de troca. E todas essas afirmativas, que estão implícitas no teorema da regressão, são enunciadas da forma apodítica que está implícita na natureza apriorística da praxeologia. As coisas têm de acontecer assim. Ninguém poderá conceber um caso hipotético no qual as coisas pudessem ocorrer de forma diferente.
O poder aquisitivo da moeda é determinado pela demanda e oferta, do mesmo modo que o são os preços de todos os bens e serviços vendáveis. Como a ação visa sempre a obter condições futuras mais satisfatórias, quem pretender adquirir ou se desfazer de moeda estará, evidentemente, antes de tudo, interessado no seu futuro poder aquisitivo e na futura configuração dos preços. Mas não poderá formar um juízo quanto ao futuro poder aquisitivo da moeda, a não ser pela observação do seu comportamento no passado recente. É este o fato que diferencia radicalmente a determinação do poder aquisitivo da moeda da determinação das relações de troca entre os vários bens e serviços vendáveis. Em relação a esses últimos, os atores só levam em consideração sua importância para satisfação de futuros desejos. Se uma nova mercadoria, ainda desconhecida, é colocada à venda, como foi o caso, por exemplo, dos aparelhos de rádio há algumas décadas atrás, a única preocupação de um indivíduo é procurar saber se a satisfação que este invento lhe proporcionará será ou não maior do que a satisfação que esperaria obter com os outros bens que deixará de comprar para poder adquirir a coisa nova. O conhecimento dos preços passados é, para o comprador, meramente um meio de saber qual é a margem do consumidor.[12] Se não estiver interessado em conhecê-los, poderia, se fosse necessário, efetuar suas compras sem que lhes fossem familiares os preços de mercado do passado imediato, que são comumente chamados de preços atuais. Poderia fazer julgamentos de valor sem necessariamente fazer uma avaliação.[13] Como já foi mencionado anteriormente, a perda da memória de todos os preços passados não impediria a formação de novas relações de troca entre as várias coisas vendáveis. Mas, se desaparecesse o conhecimento sobre o poder aquisitivo da moeda, o processo que deu origem à troca indireta e aos meios de troca teria de começar de novo da estaca zero. Seria necessário começar a empregar alguns bens, de maior negociabilidade do que outros, como meios de troca. A demanda desses bens aumentaria e acrescentaria ao montante do valor de troca derivado de seu uso industrial (não monetário) um componente específico derivado dessa nova utilização como meio de troca. Um julgamento de valor em relação à moeda só pode ser feito baseado numa avaliação. A aceitação de uma moeda pressupõe que o correspondente objeto já tenha um valor de troca em consequência de sua utilidade para o consumo ou para a produção. Nem um comprador nem um vendedor poderiam julgar o valor de uma unidade monetária, se não tivessem informações quanto ao seu valor de troca — seu poder aquisitivo — no passado imediato.
A relação entre a demanda de moeda e a oferta de moeda, que pode ser denominado de relação monetária, determina o nível do poder aquisitivo. A relação monetária de hoje, que é formada com base no poder aquisitivo de ontem, determina o poder aquisitivo de hoje. Quem desejar aumentar seu encaixe restringe suas compras e aumenta suas vendas, produzindo assim uma tendência de baixa nos preços. Quem desejar diminuir seu encaixe aumenta suas compras — seja para consumo, seja para produção e investimento — e restringe suas vendas, produzindo assim uma tendência de alta nos preços.
Qualquer mudança na quantidade de moeda forçosamente alterará a distribuição de bens vendáveis, possuídos pelos diversos indivíduos e firmas. A quantidade de moeda disponível no mercado como um todo não pode aumentar ou diminuir, a não ser pelo aumento ou diminuição dos encaixes de certos membros individualmente. Podemos imaginar se assim preferirmos que cada membro receba uma parte da moeda adicional, ou arque com uma parte da redução, no momento mesmo em que a moeda adicional é injetada ou retirada do sistema.
Mas quer façamos ou não essa suposição, o resultado final de nossa demonstração permanece o mesmo. Esse resultado será no sentido de que as mudanças na estrutura de preços, provocadas por mudanças na quantidade de moeda disponível no sistema econômico, nunca afetam os preços das várias mercadorias e serviços ao mesmo tempo e na mesma proporção.
Suponhamos que o governo emita uma quantidade adicional de papel-moeda. Ao fazê-lo, o governo pretende ou comprar mercadorias e serviços, ou pagar dívidas em que incorreu ou seus respectivos juros. De qualquer maneira, o erário entra no mercado com uma demanda adicional de bens e serviços; passa a ter condições de comprar mais bens do que poderia fazê-lo antes. Os preços desses bens aumentam. Se o governo, nas suas compras, tivesse gasto dinheiro arrecadado de impostos, os contribuintes teriam restringido as suas e, enquanto os preços dos bens comprados pelo governo aumentassem, diminuiriam os preços de outros bens. Porém, essa queda nos preços dos bens que os contribuintes costumam adquirir não ocorre se o governo aumenta a quantidade de dinheiro à sua disposição, sem reduzir a quantidade de dinheiro em poder do público. Os preços de algumas mercadorias — aquelas que o governo compra — aumentam imediatamente, enquanto que os preços de outras mercadorias permanecem inalterados por algum tempo. No entanto, o processo continua. Aqueles que venderam as mercadorias compradas pelo governo estão agora em condições de comprar mais do que costumavam fazer antes. Os preços daquilo que essas pessoas passam a comprar em maior quantidade também aumentam. Assim, a reação em cadeia se transmite de um grupo de mercadorias e serviços para outro, até que todos os preços e salários tenham aumentado. O aumento nos preços, portanto, não é sincrônico para as várias mercadorias e serviços.
Quando, finalmente, em consequência do aumento na quantidade de moeda, todos os preços tiverem aumentado este aumento não terá afetado as várias mercadorias e serviços na mesma proporção. Porque o processo afeta a posição material dos vários indivíduos de maneira diferente. Enquanto o processo está em curso, algumas pessoas usufruem os benefícios de obter preços maiores pelos bens ou serviços que vendem, enquanto os preços das coisas que compram ainda não aumentaram ou não aumentaram na mesma proporção. Por outro lado, existem pessoas que estão na infeliz situação de vender mercadorias e serviços cujos preços ainda não aumentaram, ou pelo menos não na mesma proporção dos preços dos bens que precisam comprar para seu consumo diário. Para os primeiros, o progressivo aumento nos preços é uma vantagem; para os segundos, é uma calamidade. Além disso, os devedores são favorecidos em detrimento dos credores. Quando o processo chega a um final, a riqueza dos vários indivíduos foi afetada de forma e em proporções diferentes. Alguns enriqueceram, outros empobreceram. As condições não são mais as mesmas que antes. O novo estado de coisas resulta em mudanças na intensidade de demanda dos diversos bens. A relação dos preços em moeda dos bens e serviços vendáveis não é a mesma de antes. A estrutura de preços mudou, além de todos os preços em termos de moeda terem aumentado.
Os preços finais que tendem a ser estabelecidos pelo mercado, tão logo os efeitos do aumento na quantidade de moeda se tenha consumado inteiramente, não são iguais aos preços finais anteriores multiplicados pelo mesmo coeficiente.
O principal defeito da velha teoria quantitativa, assim como da equação de troca dos economistas matemáticos, foi o fato de seus defensores terem ignorado essa questão fundamental. A mudança na oferta de moeda também provoca, forçosamente, uma mudança em outros dados. O sistema de mercado antes e depois da injeção ou da retirada de uma quantidade de moeda não se modifica apenas na medida em que os encaixes dos indivíduos e os preços aumentaram ou diminuíram. Mudaram também as recíprocas relações de troca entre as várias mercadorias e serviços, que, se quisermos recorrer a metáforas, seriam mais bem descritas pela imagem de uma revolução de preços do que pela enganadora comparação com uma elevação ou redução do “nível de preços”.
Podemos, por ora, deixar de lado os efeitos sobre todos os pagamentos a prazo, tais como os estipulam os contratos. Mais tarde nos ocuparemos deste assunto, bem como da repercussão dos eventos monetários no consumo e na produção, no investimento e nos bens de capital, na acumulação e no consumo de capital. Mas, mesmo deixando de lado todas essas coisas, não nos devemos esquecer de que mudanças na quantidade de moeda afetam os preços de uma maneira desigual. O momento em que os preços dos diversos bens e serviços são afetados, assim como a intensidade com que o são, depende das circunstâncias de cada caso específico. No curso de uma expansão monetária (inflação), a primeira reação não é apenas a elevação mais rápida e mais acentuada de alguns preços em relação a outros. Pode até ocorrer que certos preços, num primeiro momento, diminuam por corresponderem a mercadorias que são demandadas principalmente por pessoas cujos interesses foram prejudicados.
As mudanças na relação monetária não são causadas apenas pelas emissões de papel moeda feitas pelos governos. Um aumento na produção dos metais preciosos que são empregados como moeda produz os mesmos efeitos, embora, obviamente, sejam outros os grupos populacionais que se beneficiam ou que são prejudicados por esse aumento. Os preços também sobem da mesma maneira se, sem que tenha havido uma correspondente redução na quantidade de moeda disponível, diminuir a demanda de moeda em razão de uma tendência geral de diminuição de encaixes. O dinheiro assim gasto adicionalmente, em decorrência desse “desentesouramento”, provoca uma tendência de alta dos preços idêntica à que se produziria se essa quantidade adicional proviesse das minas de ouro ou da emissão de papel moeda.
Inversamente, os preços caem quando diminui a oferta de moeda (por exemplo, no caso de recolhimento de papel-moeda) ou quando aumenta a demanda por moeda (por exemplo, no caso de entesouramento para manter maiores encaixes). O processo é sempre desigual e escalonado, desproporcional e assimétrico.
Poderia ser e tem sido objetado que a produção normal das minas de ouro que chega ao mercado poderia acarretar um aumento na quantidade de moeda, mas não na renda — e menos ainda na riqueza — dos proprietários das minas. Essas pessoas ganham apenas sua renda “normal” e, portanto, ao gastá-la, não poderiam perturbar as condições do mercado nem a prevalecente tendência ao estabelecimento de preços finais e ao equilíbrio da economia uniformemente circular. Para eles, a produção anual das minas não significaria um aumento de riqueza e não os impeliria a oferecer preços maiores. Continuariam a viver no mesmo padrão de sempre. Seus gastos, nesses limites, não poderiam revolucionar o mercado.
Portanto, a produção normal de ouro, embora certamente aumentando a quantidade de dinheiro disponível, não poderia pôr em marcha um processo de depreciação do valor da moeda. Seria neutra em relação aos preços.
Diante deste raciocínio, deve-se antes de qualquer coisa observar que uma economia em desenvolvimento na qual a população está aumentando e a divisão do trabalho, assim como seu corolário, a especialização industrial, estão sendo aperfeiçoadas, prevalece uma tendência a aumentar a demanda por dinheiro. Novas pessoas surgem em cena e querem ter seus encaixes de moeda. A autossuficiência econômica, isto é, a produção doméstica para atendimento de suas próprias necessidades, diminui e as pessoas se tornam mais dependentes do mercado; isto, em termos gerais, impele-as a aumentarem os seus encaixes. Assim sendo, a tendência ao aumento dos preços decorrentes do que é denominado produção “normal” de ouro confronta-se com uma tendência contrária de redução de preços decorrente da maior demanda por moeda. Entretanto, estas duas tendências opostas não se neutralizam reciprocamente. Ambos os processos seguem o seu próprio curso e resultam numa perturbação das condições sociais existentes, tornando uns mais ricos e outros mais pobres. Ambos afetam os preços dos vários bens em graus e momentos diferentes. É verdade que o aumento dos preços de algumas mercadorias provocado por um desses processos, pode ser compensado pela diminuição causada pelo outro processo. Pode ocorrer que, no final, alguns ou muitos preços retornem ao seu nível anterior. Mas este resultado final não é fruto de uma ausência dos movimentos que são provocados pelas mudanças na relação monetária. Este resultado, na realidade, é fruto do efeito conjunto e da coincidência de dois processos independentes um do outro, sendo que cada um, pelo seu lado, provoca alterações nas condições do mercado, bem como na situação material dos vários indivíduos e grupos de indivíduos. A nova estrutura de preços pode não ser muito diferente da anterior. Mas é a resultante de duas séries de mudanças, decorrentes de dois processos distintos, que realizaram plenamente todas as transformações sociais que lhes são inerentes.
O fato de os proprietários das minas de ouro contar com uma renda anual estável, proveniente do ouro que produzem, não elimina o efeito do ouro recém produzido sobre os preços. Os proprietários das minas tiram do mercado, em troca do ouro produzido, os bens e serviços necessários à exploração da sua jazida e os bens necessários ao seu consumo e aos seus investimentos em outras linhas de produção. Se não tivessem produzido esta quantidade de ouro, os preços não teriam sido afetados por ela. Não importa que os aludidos proprietários tenham previsto e capitalizado a produção futura e que tenham ajustado o seu padrão de vida à expectativa de uma renda estável e regular proveniente da exploração das suas minas. Os efeitos que o ouro recém produzido exerce nos seus gastos e nos gastos das pessoas cujos encaixes irão pouco a pouco aumentar só começam a se produzir no momento em que este ouro estiver disponível nas mãos dos proprietários das minas. Se, na expectativa de futuros rendimentos, gastaram antecipadamente e o rendimento esperado deixa de ocorrer, a situação é idêntica ao do caso em que um consumo foi financiado por um crédito baseado em expectativas que não foram confirmadas pelos fatos posteriores.
As mudanças no volume dos encaixes desejados pelas várias pessoas só se neutralizam quando se repetem regularmente e estão ligadas por uma reciprocidade causal. Os assalariados não são pagos todos os dias, mas em determinados dias de pagamento ao final de uma ou várias semanas. Tais pessoas não procuram manter seus encaixes no mesmo nível durante este período; o montante de dinheiro que mantêm em caixa diminui à medida que se aproxima o dia do próximo pagamento. Por outro lado, os comerciantes que lhes fornecem as mercadorias de que necessitam aumentam seus encaixes concomitantemente. Um movimento condiciona o outro; existe entre eles uma interdependência que os harmoniza temporal e quantitativamente. Nem o comerciante nem o seu cliente se deixam influenciar por essas flutuações recorrentes. Seus encaixes, assim como, respectivamente, suas operações comerciais e seus gastos de consumo, levam em conta o período completo e consideram-no como um todo.
Foi esse fenômeno que induziu os economistas a imaginarem uma circulação regular da moeda e a negligenciarem as variações nos encaixes individuais. Entretanto, estamos diante de uma concatenação que está limitada a um campo estreito e nitidamente circunscrita. A neutralização só pode ocorrer na medida em que o aumento do encaixe de um grupo de pessoas esteja temporal e quantitativamente relacionado com a diminuição do encaixe de outro grupo, e na medida em que essas variações sejam autocompensatórias no curso de um período que os membros de ambos os grupos considerem como um todo, ao planejar os seus respectivos encaixes. Fora desse campo, tal neutralização não é possível.
5. O problema de Hume e Mill e a força motriz da moeda
Seria possível imaginar um estado de coisas no qual as mudanças no poder aquisitivo da moeda ocorressem ao mesmo tempo e com a mesma intensidade em relação a todas as mercadorias e serviços e proporcionalmente às mudanças ocorridas seja na demanda, seja na oferta de moeda? Em outras palavras, seria possível imaginar uma moeda que fosse neutra, no contexto de um sistema econômico outro que não a construção imaginária de uma economia uniformemente circular? Esta pertinente questão pode ser denominada de o problema de Hume Mill.
Ninguém contesta o fato de que nem Hume nem Mill conseguiram encontrar uma resposta afirmativa para essa questão.[14] Seria possível respondê-la categoricamente pela negativa?
Imaginemos dois sistemas, A e B, de economia uniformemente circulares. Os dois sistemas são independentes e não têm qualquer conexão entre si. Os dois sistemas diferem um do outro apenas pelo fato de que para cada quantidade m de moeda em A corresponde uma quantidade n m em B, n sendo maior ou menor do que 1; suponhamos que não existam pagamentos a prazo e que a moeda usada em ambos os sistemas só tem utilização puramente monetária, sendo impossível dar-lhe qualquer uso não monetário. Consequentemente, os preços nos dois sistemas guardam entre si a proporção 1: n. Seria imaginável que as condições em A pudessem ser alteradas de um só golpe e de tal maneira que se tornassem equivalentes às condições em B?
A resposta a essa questão deve, obviamente, ser negativa. Quem quiser respondê-la afirmativamente terá de supor que um deus ex machina aborda cada indivíduo ao mesmo tempo, aumenta ou diminui os seus encaixes, multiplicando-os por n, e lhe diz que doravante deve multiplicar por n todos os preços que utiliza nas suas avaliações e cálculo. Isto só pode acontecer por milagre.
Já foi assinalado anteriormente que, na construção imaginária de uma economia uniformemente circular, a própria noção de dinheiro se esvaece num processo de cálculo irreal, autocontraditório e desprovido de qualquer significado. É impossível atribuir qualquer função à troca indireta, aos meios de troca e à moeda numa tal construção imaginária cuja principal característica é a imutabilidade e a rigidez das circunstâncias.
Onde não há incerteza quanto ao futuro, não há qualquer necessidade de encaixe.
Como a moeda, necessariamente, só pode ser mantida em poder das pessoas sob a forma de encaixe, não havendo encaixe, não pode haver moeda. O uso de meios de troca e a manutenção de encaixes são condicionados pelo fato de que as condições econômicas variam.
A moeda em si mesma é um elemento de troca; sua existência é incompatível com a ideia de um fluxo regular de eventos numa economia uniformemente circular.
Além de seus efeitos sobre os pagamentos a prazo, toda mudança na relação monetária altera as condições dos diversos membros da sociedade. Alguns ficam mais ricos, outros mais pobres. Pode ocorrer que os efeitos de uma mudança na demanda e na oferta de moeda coincidam, grosso modo, com os efeitos da mudança em sentido contrário que estejam ocorrendo ao mesmo tempo e com a mesma intensidade; podem ocorrer que o resultante desses dois movimentos opostos seja tal, que não se registrem mudanças importantes na estrutura de preços. Mesmo assim, não deixam de existir os efeitos nas condições dos vários indivíduos. Cada mudança na relação monetária segue seu próprio curso e produz os seus próprios efeitos. Se um movimento inflacionário ocorre ao mesmo tempo em que um deflacionário, ou se uma inflação é seguida por uma deflação de tal maneira que ao final os preços não se alterem significativamente, as consequências sociais de cada um dos dois movimentos não se anulam reciprocamente. Às consequências sociais de uma inflação somam-se as de uma deflação. Não há nenhuma razão para supor que os favorecidos pelo primeiro movimento serão prejudicados pelo segundo, ou vice-versa.
A moeda não é um numéraire abstrato nem um padrão de valor ou de preços. É necessariamente um bem econômico e, como tal, é valorada e avaliada pelos seus próprios méritos, isto é, pelos serviços que dela se esperam retendo-a em caixa. No mercado, há sempre mudança e movimento. A moeda só existe porque existem flutuações; é um elemento de troca não porque “circula”, mas porque pode ser mantida em caixa. As pessoas só conservam moeda em caixa porque sabem que podem ocorrer mudanças cuja amplitude e natureza são absolutamente imprevisíveis.
A moeda, que só pode ser concebida numa economia que sofre mudanças, é, em si mesma, um elemento provocador de novas mudanças. Cada mudança das circunstâncias econômicas atua sobre a moeda fazendo dela a força motriz de novas mudanças. Cada alteração nas recíprocas relações de troca entre os vários bens não monetários produz mudanças não somente na produção e no que é comumente denominado de distribuição, como também acarreta mudanças na relação monetária, provocando assim mais mudanças. Nada do que ocorre na órbita dos bens vendáveis deixa de afetar a órbita da moeda e tudo o que acontece na órbita da moeda afeta a órbita das mercadorias.
A noção de uma moeda neutra é tão contraditória quanto a de uma moeda com poder aquisitivo estável. A moeda que não tivesse ela mesma uma força motriz não seria, como as pessoas presumem frequentemente, uma moeda perfeita; pelo contrário, não seria de modo algum uma moeda.
Muitas pessoas acreditam, erradamente, que uma moeda perfeita deveria ser neutra e dotada de poder aquisitivo estável, e uma política monetária adequada consistiria em fazer existir essa moeda perfeita. É compreensível que se adote essa ideia como uma reação contra os postulados ainda mais falsos dos inflacionistas. Mas é uma reação excessiva, intrinsecamente confusa e contraditória, e que tem provocado graves danos por ter sido reforçada por um erro inveterado, inerente ao pensamento de vários filósofos e economistas.
O equívoco desses pensadores foi o de aceitar a crença muito comum segundo a qual um estado de repouso seria mais perfeito do que um estado de movimento. Como a ideia de perfeição implica no fato de não ser possível imaginar um estado mais perfeito, qualquer mudança diminuiria, consequentemente, essa perfeição. O que de melhor se pode dizer de um movimento é que ele se dirige para um estado de perfeição no qual haja repouso porque cada novo movimento conduziria a um estado menos perfeito. O movimento seria, assim, encarado como a ausência de equilíbrio e de plena satisfação, como uma manifestação de inquietude e carência. Na medida em que tais reflexões estabeleçam meramente o fato de que a ação visa a diminuir o desconforto e, finalmente, a atingir a plena satisfação, elas são procedentes. Mas não nos devemos esquecer de que o repouso e o equilíbrio estão presentes não apenas numa situação de contentamento perfeito na qual as pessoas seriam perfeitamente felizes; estão também presentes num estado em que as pessoas, se bem que tenham muitas necessidades, não veem nenhum meio de melhorar sua situação. A ausência de ação não é apenas o resultado de uma plena satisfação; pode também ser o corolário da impossibilidade de tornar as coisas mais satisfatórias. Pode tanto significar desespero como felicidade.
A neutralidade da moeda e a estabilidade do seu poder aquisitivo não são compatíveis com o nosso universo real, onde há ação e mudança incessante; só são compatíveis com um sistema econômico que seja rígido. Um mundo no qual estivessem presentes os pressupostos necessários à existência de uma moeda neutra e estável seria um mundo sem ação.
Portanto, não é estranho nem errado que no nosso mundo em constante mudança a moeda não seja neutra nem tenha um poder aquisitivo estável. Todos os planos para tornar a moeda neutra e estável são contraditórios. A moeda é um elemento de ação e, consequentemente, de mudança. As mudanças na relação monetária, isto é, na relação entre demanda e oferta de moeda, afetam a relação de troca entre a moeda por um lado e as mercadorias vendáveis por outro. Essas mudanças não afetam ao mesmo tempo e com a mesma intensidade os preços das várias mercadorias e serviços. Consequentemente, afeta de maneira diferente a riqueza dos vários membros da sociedade.
6. Mudanças no poder aquisitivo de origem monetária e de origem material
As mudanças no poder aquisitivo da moeda, isto é, na relação de troca entre moeda e os bens e mercadorias vendáveis, podem ter sua origem tanto pelo lado da moeda como pelo lado dos bens e mercadorias vendáveis. Podem ser provocadas tanto por variações na demanda e oferta de moeda como na demanda e oferta de outros bens e serviços.
Consequentemente, podemos distinguir entre as mudanças no poder aquisitivo de origem monetária (cash-induced changes) ou de origem material (goods-induced changes). As mudanças de origem material do poder aquisitivo podem ser provocadas pela variação da oferta ou da demanda de determinadas mercadorias e serviços. Um aumento ou diminuição geral na demanda por todos os bens e serviços ou pela maior parte deles só pode ser de origem monetária.[15]
Examinemos agora as consequências sociais e econômicas das mudanças no poder aquisitivo da moeda, considerando-se as três seguintes pressuposições: primeira, que a moeda em questão só pode ser usada como moeda — isto é, como meio de troca -, não tendo nenhuma outra utilização; segunda, que só existe intercâmbio de bens presentes, não existindo troca de bens presentes por bens futuros; terceira, que não consideraremos os efeitos das mudanças no poder aquisitivo da moeda sobre o cálculo monetário.
Respeitadas essas pressuposições, a mudança de origem monetária do poder aquisitivo limita-se a deslocar a distribuição de riqueza entre os diferentes indivíduos. Alguns ficam mais ricos, outros mais pobres; alguns são mais bem compensados, outros menos; o que alguns ganham é pago pelas perdas de outros. Entretanto, seria inadmissível interpretar este fato dizendo-se que a satisfação total não se alterou, ou que, mesmo não tendo havido uma mudança na disponibilidade total, o estado de satisfação total ou a felicidade como um todo teria aumentado ou diminuído em decorrência das mudanças na distribuição de riqueza. As noções de satisfação total ou de felicidade total são desprovidas de qualquer significado. É impossível encontrar um padrão para comparar os diferentes graus de satisfação ou de felicidade alcançado pelos diversos indivíduos.
As mudanças de origem monetária do poder aquisitivo, indiretamente, acarretam outras mudanças, ao favorecer a acumulação de capitais novos ou o consumo de capitais existentes. Se esses efeitos secundários ocorrerão ou não, e em que direção, é algo que depende dos dados específicos de cada caso. Mais adiante iremos tratar desses importantes problemas.[16]
As mudanças de origem material do poder aquisitivo, às vezes, não são mais do que consequências de um deslocamento da demanda de alguns bens para outros. Se são provocadas por um aumento ou uma diminuição na oferta de bens, não são meramente transferências de algumas pessoas para outras. Não significam que Pedro ganha o que Paulo perde. Algumas pessoas podem ficar mais ricas, embora ninguém empobreça, e vice-versa. Podemos descrever este fato da seguinte maneira: sejam A e B dois sistemas independentes que não têm qualquer ligação um com o outro. Ambos os sistemas usam o mesmo tipo de moeda, uma moeda que não pode ser usada com propósito não monetário.
Consideremos ainda — caso 1 — que A e B diferem um do outro, porque em B a quantidade total de moeda é n.m, sendo m a quantidade de moeda em A; ao mesmo tempo, consideremos também que a cada encaixe c e a cada crédito em moeda d existentes em A corresponde um encaixe nc e um crédito em termos de moeda nd em B. No mais, A e B são iguais.
Suponhamos agora — caso 2 — que A e B difiram um do outro unicamente porque em B a oferta de certa mercadoria r é np, sendo p a oferta total desta mercadoria em A; suponhamos também que a cada estoque v desta mercadoria r em A corresponda um estoque nv em B. Em ambos os casos, n é maior do que 1. Se perguntarmos a qualquer indivíduo de A se concorda em fazer um pequeno sacrifício para trocar sua posição pela correspondente posição em B, a resposta será unanimemente negativa no caso 1. Mas, no caso 2, todos os proprietários de r e todos aqueles que não possuem r, mas que desejam possuir uma quantidade — isto é, ao menos uma pessoa -, responderão afirmativamente.
Os serviços que a moeda pode prestar são condicionados pelo nível de seu poder aquisitivo. Ninguém quer ter em caixa um determinado número de moedas ou um determinado peso de moedas; o que se pretende é ter em caixa um determinado montante de poder aquisitivo. Como o funcionamento do mercado tende a fixar o poder aquisitivo da moeda, no seu estado final, num nível em que coincidam a oferta e a demanda de moeda, não pode haver jamais excesso ou deficiência de moeda. Cada indivíduo e todos os indivíduos juntos desfrutam plenamente das vantagens que a troca indireta e o uso de moeda lhes pode proporcionar, qualquer que seja sua quantidade. As mudanças no poder aquisitivo da moeda acarretam mudanças na distribuição de riqueza entre os vários membros da sociedade. Do ponto de vista das pessoas que desejam enriquecer por intermédio dessas mudanças, a quantidade de moeda pode ser considerada insuficiente ou excessiva, e o apetite por tais ganhos pode resultar em políticas que provoquem variações de origem monetária no poder aquisitivo. Entretanto, os serviços que a moeda presta não pode ser aperfeiçoados nem reparados, se a quantidade de moeda mudar. Pode ocorrer um excesso ou uma deficiência de moeda nos encaixes individuais. Mas tal circunstância pode ser remediada pelo aumento ou diminuição do consumo ou do investimento. (É claro que não devemos incorrer no erro de confundir demanda por moeda para encaixe com o desejo de maior riqueza). A quantidade de moeda disponível na economia como um todo é sempre suficiente para assegurar, a todas as pessoas, todos os serviços que a moeda pode prestar e que efetivamente presta.
Considerando-se as coisas a partir desse ponto de vista, podemos qualificar como desperdício todas as despesas incorridas para efetuar um aumento na quantidade de moeda. O fato de que coisas que poderiam prestar outros serviços úteis sejam usadas como moeda e deixem assim de ter esses outros empregos pode ser considerado como uma redução desnecessária das limitadas oportunidades com que o homem conta para satisfação de suas necessidades. Foi essa ideia que levou Adam Smith e Ricardo a considerarem que seria bastante vantajoso reduzir o custo de produção de moeda, recorrendo-se ao uso de papel moeda.
Entretanto, as coisas tomam outra feição quando analisadas de uma perspectiva da história monetária. Quando se constatam as consequências catastróficas das grandes inflações de papel-moeda, é forçoso reconhecer que os gastos inerentes à produção de ouro são um mal menor. Seria inútil replicar que essas catástrofes foram provocadas pelo uso impróprio que os governos fizeram do poder de emitir moeda e crédito, e que governos mais sérios teriam adotado políticas melhores. Considerando-se que a moeda não pode ser neutra, nem pode ter um poder aquisitivo estável, os planos de um governo com vistas a determinar a quantidade de moeda não podem jamais ser imparciais nem equitativos em relação a todos os membros da sociedade. Quaisquer que sejam as medidas que um governo adote com a intenção de influir no nível do poder aquisitivo, elas dependerão sempre dos julgamentos de valor dos governantes. Favorecem sempre os interesses de alguns grupos de pessoas em detrimento de outros grupos; jamais atendem o que é chamado de bem comum ou de bem estar público. As políticas monetárias não podem estar baseadas em considerações de natureza científica. A escolha de um bem a ser usado como um meio de troca e como moeda nunca é indiferente. Dessa escolha dependerá o curso das mudanças de origem monetária do poder aquisitivo. A questão que realmente importa é a de saber quem deve fazer a escolha: as pessoas, comprando e vendendo no mercado, ou o governo? Foi o mercado que, através de um processo de seleção ao longo dos tempos, atribuiu finalmente aos metais preciosos ouro e prata o caráter de moeda. Por duzentos anos os governos têm interferido na moeda escolhida pelo mercado. Mesmo o estadista mais fanático não se atreveria a dizer que essa interferência tem sido benéfica.
Inflação e deflação; inflacionismo e deflacionismo
As noções de inflação e deflação não são conceitos praxeológicos. Não foram criadas pelos economistas, mas pela linguagem corrente do público e dos políticos. Refletem o equívoco muito difundido de que existe algo que possa ser considerado como uma moeda neutra e de poder aquisitivo estável. Desse ponto de vista, o termo inflação tem sido empregado para significar mudanças de origem monetária que resultam em diminuição do poder aquisitivo, e o termo deflação para significar mudanças de origem monetária que resultam em aumento do poder aquisitivo.
Entretanto, esses termos são aplicados sem que se perceba que o poder aquisitivo nunca permanece constante e que, portanto, sempre existe inflação ou deflação. Essas flutuações, que são necessariamente permanentes, na medida em que sejam pequenas e insignificantes não chegam a ser percebidas; o uso dos termos em questão fica reservado às grandes mudanças do poder aquisitivo. Uma vez que definir se o ponto em que uma mudança no poder aquisitivo merece ser qualificado de grande depende de julgamentos pessoais, tornasse evidente que inflação e deflação são termos aos quais falta a precisão categorial necessária aos conceitos praxeológicos, econômicos e catalácticos. A cataláxia só pode empregá-los quando usa os seus teoremas para interpretar os eventos da história econômica e os programas políticos. Além disso, o uso desses dois termos pode ser conveniente, mesmo em tratados estritamente catalácticos, sempre que seu emprego não resulte em mal-entendido e possibilite um texto mais claro e menos pedante. Mas não se deve esquecer que tudo o que a cataláxia predica em relação à inflação e deflação — isto é, grandes mudanças de origem monetária do poder aquisitivo — são válidas também em relação a pequenas mudanças, embora, evidentemente, as consequências decorrentes de pequenas mudanças sejam menos importantes do que as de grandes mudanças.
Os termos inflacionismo e deflacionismo, inflacionista e deflacionista, se aplicam a programas políticos que resultam em inflação ou deflação no sentido de grandes mudanças de origem monetária do poder aquisitivo.
A revolução semântica, que é uma das principais características de nossos dias, também alterou o significado dos vocábulos inflação e deflação. Hoje, muitas pessoas chamam de inflação ou deflação não ao grande aumento ou redução da oferta de moeda, mas à sua inexorável consequência: a tendência generalizada de aumento ou redução dos preços das mercadorias e dos salários. Essa inovação semântica está longe de ser inofensiva. Representa um papel importante no fomento das tendências populares em favor do inflacionismo.
Em primeiro lugar, hoje já não existe um termo para designar o que a palavra inflação significa. É difícil combater uma política que não tem nome. Os homens de estado e os escritores não têm mais a possibilidade de recorrer a uma terminologia que seja aceita e compreendida pelo público quando procuram condenar a suposta conveniência de emitir grandes quantidades adicionais de moeda. Torna-se necessário elaborar uma análise detalhada e descrever tal política em todos os seus detalhes, recorrendo a cálculos minuciosos toda vez que a ela se referem; e são obrigados a repetir este fastidioso procedimento sempre que abordam o tema. Como essa política não tem nome, torna-se autoexplanatória e uma questão de fato. Propaga-se sem encontrar resistência.
O segundo inconveniente consiste no fato de aqueles que se lançam numa luta inútil e vã contra a inevitável consequência da inflação — o aumento dos preços — denominar seus esforços de luta contra a inflação. Enquanto estão apenas combatendo os sintomas, presumem estar combatendo as raízes do mal. Como não compreendem a relação causal entre o aumento na quantidade de moeda de um lado e o aumento nos preços de outro, tornam as coisas ainda piores. Como um bom exemplo disso, merece ser citado o caso dos subsídios concedidos aos agricultores, durante a Segunda Guerra Mundial, pelos governos dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. O tabelamento de preços reduziu a oferta das mercadorias tabeladas porque sua produção implicava em perdas para os produtores marginais. Para evitar esta consequência, os governos concederam subsídios aos agricultores cujos custos de produção eram maiores.
Esses subsídios foram financiados por aumentos adicionais na quantidade de moeda. Se os consumidores tivessem pagado preços maiores pelos produtos em questão não se teriam produzido os correspondentes efeitos inflacionários. Os consumidores só poderiam usar para este gasto adicional moeda que já existisse previamente. Assim sendo, confundir a inflação propriamente dita com suas consequências pode, na prática, produzir uma inflação ainda maior.
Indiscutivelmente, essa conotação “moderna” dos termos inflação e deflação confunde e engana as pessoas e, por isso, deve ser inteiramente evitada.
7. O cálculo monetário e as mudanças no poder aquisitivo
O cálculo monetário utiliza em suas contas os preços das mercadorias e serviços que foram determinados, ou teriam sido determinados, ou presumivelmente serão determinados no mercado. Conforme variem os preços, variam as suas conclusões.
As mudanças de origem monetária do poder aquisitivo não podem ser levadas em conta em tais cálculos. É possível substituir cálculos feitos com base em uma determinada moeda a por cálculos feitos com base numa outra moeda b. Neste caso, os cálculos não são afetados por mudanças no poder aquisitivo de a; mas sofrerão as consequências de mudanças ocorridas no poder aquisitivo de b. Não há como livrar qualquer cálculo econômico das consequências de mudanças no poder aquisitivo da moeda em que foi baseado.
Todos os resultados do cálculo econômico e todas as conclusões que dele derivam acham-se condicionados pelas vicissitudes das mudanças de origem monetária do poder aquisitivo. Em decorrência do aumento ou diminuição no poder aquisitivo, surgem diferenças entre os itens que utilizaram preços anteriores e aqueles que utilizaram preços posteriores; o cálculo indica lucros ou perdas que decorrem unicamente das mudanças de origem monetária ocorridas no poder aquisitivo. Se compararmos tais lucros ou perdas com o resultado de um cálculo feito com base numa moeda cujo poder aquisitivo tenha sofrido mudanças menos intensas, podemos qualificá-los como sendo apenas imagináveis ou aparentes. Mas é preciso não esquecer que tal constatação só é possível pela comparação com cálculos feitos com base em outras moedas. Como não existe moeda alguma cujo poder aquisitivo seja estável, tais lucros e perdas aparentes estão presentes em qualquer cálculo econômico, qualquer que seja a moeda em que se baseie. É impossível distinguir com precisão lucros e perdas reais daqueles que são apenas aparentes.
Pode-se, portanto concluir que o cálculo econômico não é perfeito. Entretanto, ninguém é capaz de sugerir um método que possa livrar o cálculo econômico dessas imperfeições ou imaginar um sistema monetário que possa remover inteiramente essa fonte de erro.
Ninguém poderá negar que o mercado livre conseguiu desenvolver um sistema de meios de pagamento que tem respondido bem às exigências tanto da troca indireta como do cálculo econômico. Os objetivos do cálculo econômico não chegam a ser frustrados por imprecisões decorrentes de modificações do poder aquisitivo que sejam lentas e relativamente pequenas. As mudanças de origem monetária do poder aquisitivo, na amplitude com que ocorreram nos últimos duzentos anos com a moeda metálica, especialmente com o ouro, não chegaram a influenciar gravemente o resultado dos cálculos econômicos empresariais a ponto de torná-los inúteis. A experiência histórica mostra que, na prática, esses métodos de cálculo serviram muito bem aos propósitos da condução dos negócios. O exame teórico demonstra ser impossível imaginar, e ainda menos realizar, um método melhor. Em vista disso, não tem sentido qualificar o cálculo monetário como algo imperfeito. O homem não tem o poder de mudar as categorias da ação humana. Tem, necessariamente, de ajustar sua conduta a elas.
Os homens de negócios jamais consideraram necessário liberar o cálculo monetário baseado no padrão-ouro de sua dependência em relação às flutuações do poder aquisitivo. As propostas para melhorar o sistema de moeda de curso legal pela adoção de um padrão baseado em números-índices ou pela adoção de um padrão baseado num conjunto de mercadorias não foram feitas tendo em vista as transações comerciais e o cálculo monetário. Seu propósito era proporcionar um padrão mais estável para os contratos de empréstimo em longo prazo. Os empresários nem sequer consideraram necessário modificar os seus sistemas de contabilidade de maneira a reduzir as margens de erro decorrentes de flutuações do poder aquisitivo. Poderiam, por exemplo, em vez de adotar a prática de depreciar os equipamentos duráveis por meio de parcelas anuais de seu preço de aquisição, constituir reservas de depreciação representadas por uma percentagem do custo de reposição, de modo a poder dispor do montante necessário no momento em que a reposição fosse conveniente. Mas o mundo dos negócios não mostrou interesse em adotar tais inovações.
Tudo isso é válido apenas em relação à moeda que não está sujeita a mudanças de origem monetária do poder aquisitivo que sejam rápidas e de grande amplitude. Mas uma moeda sujeita a mudanças rápidas e grandes torna-se inteiramente inadequada para ser usada como meio de troca.
8. A antecipação de prováveis mudanças no poder aquisitivo
As considerações de cada indivíduo, que determinam o seu comportamento em relação à moeda, são baseadas no seu conhecimento dos preços do passado imediato. Se lhe faltasse esse conhecimento, não estaria em condições de decidir qual deveria ser o montante do seu encaixe e quanto gastaria para adquirir os diversos bens. Não é possível imaginar um meio de troca sem um passado. Não há nada que possa vir a ser um meio de troca que já não seja um bem econômico ao quais as pessoas atribuem um valor de troca antes mesmo de ser procurado como meio de troca.
Mas o poder aquisitivo que nos é legado pelo passado imediato modifica-se em função de qual seja hoje a demanda e a oferta de moeda. Ação humana implica sempre uma provisão para o futuro, mesmo que este futuro seja apenas o próximo instante. Quem compra, o faz sempre para consumo ou produção futuros. Na medida em que imagine que o futuro será diferente do presente e do passado, modifica sua valoração e sua avaliação. Isto é tão verdadeiro em relação à moeda quanto em relação a todos os bens vendáveis. Nesse sentido, podemos dizer que o valor de troca da moeda hoje é uma antecipação do seu valor de troca amanhã. A base de todos os julgamentos relativos à moeda é o seu poder aquisitivo tal como tenha sido no passado imediato. Mas, na medida em que se espera que ocorram mudanças no poder aquisitivo provocado por mudanças nos encaixes, um segundo fator entra em cena: a antecipação dessas mudanças.
Quem acredita que os preços dos bens que lhe interessam irão aumentar compra uma quantidade maior desses bens do que compraria se não houvesse essa expectativa de alta; consequentemente, reduz seu encaixe. Quem acredita que os preços irão diminuir reduz suas compras e, portanto, aumenta seu encaixe. Enquanto tais antecipações especulativas estão limitadas a algumas mercadorias, não produzem uma tendência geral de mudança dos encaixes. Mas é diferente quando as pessoas acreditam estar no limiar de grandes mudanças de origem monetária do poder aquisitivo. Quando há uma expectativa de que os preços em moeda de todos os bens aumentarão ou diminuirão, as pessoas intensificam ou reduzem suas compras. Este comportamento fortalece e acelera consideravelmente a tendência de alta ou de baixa dos preços. O processo continua até que desapareça a expectativa de mudanças no poder aquisitivo da moeda. Só então essa tendência a comprar ou vender deixa de existir e as pessoas começam novamente a aumentar ou diminuir seus encaixes.
Mas, quando o público está convencido de que o aumento da quantidade de moeda irá continuar indefinidamente e de que, consequentemente, os preços de todas as mercadorias e serviços continuarão subindo, todos procuram comprar o máximo possível e restringir ao mínimo seus encaixes. Isto porque, nessas circunstâncias, os custos incorridos para manter os encaixes correspondem às crescentes perdas decorrentes da diminuição progressiva do poder aquisitivo. As vantagens de manter um encaixe terão de ser pagas com sacrifícios que são considerados insuportáveis. Nas grandes inflações europeias dos anos 20, esse fenômeno foi denominado de corrida aos bens reais (flight into real goods – Flucht in die Sachwerte) ou de alta desastrosa[17] (crack-up boom – Katastrophenhausse). Os economistas matemáticos não conseguem compreender a relação causal entre o aumento na quantidade de moeda e o que denominam de “velocidade de circulação”.
O traço característico desse fenômeno é que o aumento na quantidade de moeda acarreta uma diminuição na demanda de moeda. A tendência de queda do poder aquisitivo gerado pelo aumento da quantidade de moeda provoca uma propensão generalizada de redução dos encaixes, o que intensifica ainda mais a queda do poder aquisitivo. Chega-se finalmente a uma situação em que os preços pelos quais as pessoas estariam dispostas a se desfazer dos bens “reais” já estão de tal modo majorados pela expectativa de diminuição do poder aquisitivo, que ninguém dispõe de uma quantidade de dinheiro em caixa suficiente para comprá-los. O sistema monetário desmorona; cessam todas as transações na moeda em questão; o pânico reduz o poder aquisitivo a zero. As pessoas retornam à troca direta ou passam a usar outro tipo de moeda.
O curso de uma inflação crescente é esse: no princípio, a quantidade adicional de moeda provoca um aumento nos preços de algumas mercadorias e serviços; outros preços sobem em seguida. O aumento de preços afeta as várias mercadorias e serviços, como já foi mostrado, em diferentes momentos e com intensidade diferente.
Essa primeira etapa do processo inflacionário pode durar vários anos. Durante esse período, os preços de muitos dos bens e serviços ainda não estão ajustados à nova relação monetária. Ainda existem pessoas no país que não se deram conta do fato de que estão diante de uma revolução nos preços, que resultará numa alta generalizada, embora não na mesma intensidade para todas as mercadorias e serviços. Essas pessoas ainda acreditam que os preços diminuirão um dia. Enquanto esperam por esse dia, reduzem suas compras e aumentam seus encaixes; enquanto persistirem essas ideias na opinião pública, ainda haverá tempo para o governo mudar a sua política inflacionária.
Mas um dia a opinião pública desperta. De repente, percebe que a inflação é uma política deliberada que deverá prosseguir indefinidamente. Sobrevém o pânico. Todos querem trocar seu dinheiro por bens “reais”, sejam eles necessários ou não, qualquer que seja o preço a pagar por eles. Em muito pouco tempo, em poucas semanas ou mesmo em poucos dias, aquilo que era empregado como moeda deixa de servir como meio de troca. Transforma-se num pedaço de papel. Ninguém aceita mais esse papel sem valor em troca de uma mercadoria, qualquer que ela seja.
Foi o que aconteceu com a moeda continental na América em 1781, com os mandats territoriaux na França em 1796, e com o marco alemão em 1923. Para que alguma coisa seja usada como meio de troca, é preciso que a opinião pública acredite que sua quantidade não aumentará sem limite. A inflação é uma política que não pode durar indefinidamente.
9. O valor específico da moeda
Na medida em que um bem usado como moeda seja valorado e avaliado em função do seu emprego com propósitos não monetários, os problemas daí decorrentes não requerem tratamento especial. O objeto da teoria da moeda consiste simplesmente em estudar o componente do valor atribuído à moeda que depende de sua utilização como meio de troca.
Ao longo da história, diversas mercadorias já foram utilizadas como meio de troca. Uma longa evolução eliminou a função monetária da maior parte dessas mercadorias. Permaneceram apenas duas: o ouro e a prata. Na segunda metade do século XIX, um número cada vez maior de governos, deliberadamente, desmonetarizou a prata. Em todos esses casos, o que é empregado como moeda é uma mercadoria que também é usada com propósitos não monetários. No padrão-ouro, o ouro é moeda e a moeda é ouro. Pouco importa se as leis atribuem curso legal apenas às moedas cunhadas pelo governo.
O que importa é que essas moedas contenham realmente um determinado peso de ouro e que qualquer barra de ouro possa ser transformada em moedas. No padrão-ouro, o dólar e a libra eram apenas nomes dados a uma quantidade específica de ouro, segundo critérios definidos como precisão pela lei. Podemos chamar esse tipo de moeda de moeda-mercadoria. Outro tipo de moeda é a moeda-crédito. A moeda-crédito tem sua origem no uso dos substitutos de moeda. Era comum o uso de créditos absolutamente seguros, pagáveis à vista, como substitutos da correspondente quantia em dinheiro a que esses créditos davam direito. (Trataremos nas próximas seções das características e dos problemas dos substitutos da moeda). O mercado não deixou de usar tais créditos quando, um dia, sua liquidez imediata foi suspensa e, portanto, surgiram dúvidas quanto à segurança e à solvência do devedor. Enquanto esses créditos eram créditos contra um devedor de indiscutível solvência e podiam ser recebidos no vencimento sem pré-aviso e sem qualquer despesa, seu valor de troca era igual ao seu valor nominal; era essa perfeita equivalência que lhes conferia o caráter de substituto de moeda. A partir do momento em que seu resgate foi suspenso, seu vencimento adiado sine die, e, consequentemente, dúvidas surgiram quanto à solvência do devedor ou pelo menos quanto à sua disposição de pagar, os referidos créditos perderam uma parte do valor que tinham. Passaram a serem meramente créditos que não rendiam juros, contra um devedor duvidoso, e sem um vencimento bem definido. Mas, como eram usados como meio de troca, seu valor de troca não caiu ao nível a que teria caído se fossem simplesmente créditos.
É perfeitamente admissível presumir que tal moeda-crédito possa continuar a ser usada como um meio de troca, mesmo perdendo a sua condição de crédito contra um banco ou um tesouro, tornando-se dessa maneira uma moeda-fiat (fiat money). Moeda-fiat é uma moeda que consiste em meras peças simbólicas que não têm nenhum emprego industrial nem representam um crédito contra alguém.
Cabe à história econômica e não à cataláxia investigar se em épocas passadas houve moeda-fiat ou se qualquer moeda que não fosse moeda-mercadoria era moeda-crédito. À cataláxia interessa apenas consignar a possibilidade da existência da moeda-fiat.
O que é importante lembrar é que, para qualquer moeda, sua desmonetarização — isto é, o abandono de seu uso como um meio de troca — resulta necessariamente numa diminuição considerável do seu valor de troca. A confirmação prática disso torna-se evidente quando se examina o ocorrido nos últimos noventa anos, quando o uso da prata como moeda-mercadoria veio sendo progressivamente restringido.
Há casos de moeda-crédito e de moeda-fiat materializadas em moedas metálicas. Tal moeda é, por assim dizer, impressa em prata, níquel ou cobre. Se tal peça de moeda-fiat for desmonetarizada, manterá um valor de troca correspondente ao seu conteúdo metálico. Mas este valor é muito pequeno; na prática, não tem nenhuma importância.
Manter encaixes requer sacrifícios. Na medida em que uma pessoa mantenha dinheiro no seu bolso ou um saldo credor na sua conta bancária, estará renunciando à possibilidade de empregá-lo na aquisição de bens para seu consumo ou para empregar na produção. Na economia de mercado, esses sacrifícios podem ser calculados com precisão. Equivalem ao juro originário que teria sido ganho se a importância em questão fosse investida. O fato de que uma pessoa aceite voluntariamente a perda dos juros que poderia ganhar é prova evidente de que prefere as vantagens de manter o seu encaixe.
É possível enumerar as vantagens que as pessoas pretendem obter ao manter certo encaixe. Mas é uma ilusão supor que uma análise desses motivos pudesse fornecer-nos uma teoria da determinação do poder aquisitivo que torne dispensáveis as noções de encaixe e de demanda e oferta de moeda.[18] As vantagens e os inconvenientes de manter certos os encaixes não são fatores objetivos que possam influenciar diretamente o tamanho dos encaixes.
Cada indivíduo pondera tais circunstâncias e estabelece uma ordem de preferência. O resultado é um julgamento de valor, subjetivo, que varia de acordo com a personalidade de cada um. Pessoas diferentes e as mesmas pessoas em momentos diferentes valoram os mesmos fatos objetivos de maneira diferente. Da mesma forma que o conhecimento da saúde e das condições físicas de um homem não nos informa sobre quanto ele estaria disposto a gastar com alimentos de certo poder nutritivo, o conhecimento da sua situação material não nos permite fazer afirmativas precisas em relação ao tamanho do seu encaixe.
10. As implicações da relação monetária
A estrutura de preços, ou seja, a relação de troca entre a moeda e os bens vendáveis é determinada exclusivamente pela relação monetária, isto é, pela relação entre a demanda e a oferta de moeda.
Se a relação monetária não se alterar, não pode surgir uma pressão inflacionária (expansionista) nem deflacionária (contracionista) sobre o comércio, as empresas, a produção, o consumo e o emprego. As afirmativas em sentido contrário refletem apenas as queixas daqueles que relutam em ajustar suas atividades à demanda dos seus semelhantes, tal como manifestada no mercado. Não é graças a uma alegada escassez de moeda que os preços de produtos agrícolas são insuficientes para assegurar a agricultores submarginais os ganhos que eles gostariam de auferir. A causa do infortúnio desses agricultores é que existem outros agricultores produzindo a custos menores.
Um aumento na quantidade de bens produzidos, mantidas iguais as demais circunstâncias, deve provocar uma melhoria na situação das pessoas. Os preços dos bens cuja produção aumentou sofrem uma diminuição. Mas uma queda desses preços expressos em moeda não reduz em nada os benefícios decorrentes da maior produção de riqueza. Alguém poderá considerar injusto se a parte dessa riqueza adicional que vai para os credores aumenta; essa crítica é, no entanto, discutível, na medida em que o aumento do poder aquisitivo tenha sido corretamente previsto e adequadamente computado por meio de um prêmio compensatório (price premium) negativo.[19] Mas ninguém poderá alegar que uma queda nos preços provocada por um aumento da produção dos bens em questão constitui prova evidente da existência de algum desequilíbrio, impossível de ser eliminado a não ser por um aumento da quantidade de moeda. É claro que, como regra geral, todo aumento na produção de algumas ou de todas as mercadorias acarreta uma nova alocação dos fatores de produção entre os vários setores da atividade econômica. Se a quantidade de moeda permanece inalterada, a necessidade dessa realocação torna-se visível através da estrutura de preços. Alguns setores de produção tornam-se mais lucrativos, enquanto que, em outros, os lucros diminuem ou surgem prejuízos. Assim sendo, o funcionamento do mercado tende a eliminar esses desequilíbrios de que tanto se fala. É possível, mediante um aumento na quantidade de moeda, retardar ou interromper esse processo de ajustamento. É impossível iludi-lo ou torná-lo menos doloroso àqueles que terão de suportá-lo.
Se as mudanças de origem monetária do poder aquisitivo da moeda, decorrentes de medidas do governo resultassem apenas em transferência de riqueza de algumas pessoas para outras, não seria admissível condená-las com base na neutralidade científica da cataláxia. Obviamente, pretender justificá-las como convenientes ao bem comum ou à prosperidade geral é, sem dúvida, uma fraude. Mas, ainda assim, alguém poderia considerá-las como medidas políticas adequadas a favorecer os interesses de alguns grupos de pessoas a expensas de outros, sem que haja maiores inconvenientes. Não obstante, existem outras consequências a considerar.
Não há necessidade de salientar as consequências que uma continuada política deflacionária forçosamente provocaria. Ninguém defende tal política. As massas, assim como intelectuais e políticos sequiosos por aplausos, são favoráveis à inflação. A propósito dessas tendências, devemos enfatizar três pontos. Primeiro: uma política inflacionária ou expansionista provoca inevitavelmente, por um lado, uma exacerbação do consumo e, por outro, investimentos equivocados. Assim sendo, desperdiça capital e dificulta a satisfação de futuras necessidades.[20] Segundo: o processo inflacionário não elimina a necessidade de ajustar produção e de realocar recursos. Meramente atrasa esse ajustamento, tornando-o mais e ser adotada como uma política permanente porque, necessariamente, em longo prazo, resulta no colapso do sistema monetário.
Um lojista ou um estalajadeiro podem ser vítimas da ilusão de que, para serem mais prósperos, basta que o público aumente os seus gastos. Para eles, o importante é impelir o público a gastar mais. Mas é surpreendente que essa crença pudesse ser apresentada ao mundo como uma nova filosofia social. Lorde Keynes e seus discípulos atribuíram à insuficiência da propensão para o consumo a responsabilidade por tudo aquilo que consideravam insatisfatório na situação econômica. No seu entender, para que houvesse prosperidade, bastava que as pessoas gastassem mais; isto acarretaria um aumento na produção. Para possibilitar as pessoas a gastarem mais, recomendavam uma política “expansionista”. Essa doutrina é tão velha quanto errada. Será analisada e refutada no capítulo que trata do ciclo econômico.[21]
11. Os substitutos da moeda
Créditos a uma determinada quantidade de moeda, resgatáveis à vista, contra um devedor sobre cuja solvência e disposição de pagar não para a menor dúvida, proporcionam a um indivíduo todos os serviços que a moeda pode proporcionar desde que todas as pessoas com quem esse indivíduo efetue transações estejam perfeitamente familiarizadas com as características essenciais dos créditos em questão: liquidez imediata, assim como solvência e disposição de pagar por parte do devedor. Podemos denominar tais créditos de substitutos de moeda, uma vez que podem substituir a moeda nos encaixes dos indivíduos ou das empresas. As características técnicas e legais de tais substitutos de moeda não dizem respeito à cataláxia. Um substituto de moeda pode materializar-se numa nota bancária ou através de um depósito à vista num banco comercial (moeda-bancária ou moeda-cheque),[22] desde que o banco esteja preparado para resgatar suas notas ou honrar os depósitos, diariamente e livre de despesas. Moedas fracionárias simbólicas também são substitutas de moeda, desde que o portador possa trocá-las a qualquer momento, e sem despesas, por moeda. Para que isso ocorra, não é necessário que o governo imponha por lei tal equivalência. O que importa é que essas peças simbólicas possam ser convertidas em dinheiro, sem custos e sem demora. Se a quantidade total de moeda simbólica é mantida em limites razoáveis, não há necessidade de que o governo garanta o seu valor de troca ao par com o seu valor nominal. A demanda do público por moeda fracionária permite que todos possam trocá-la facilmente por dinheiro. O importante é que cada portador de um substituto de moeda tenha certeza de que pode, a qualquer momento e livre de despesas, trocá-lo por dinheiro.
Se o devedor — seja ele o governo ou um banco — mantém em seu poder uma reserva de moeda real equivalente a 100% dos substitutos de moeda, podemos denominar o substituto de moeda de certificado de moeda. Cada certificado de moeda representa — não necessariamente no sentido legal, mas no sentido cataláctico — uma correspondente quantidade de moeda mantida em reserva. A emissão de certificados de moeda não aumenta a quantidade de coisas capazes de atender a demanda por moeda e ser mantida como encaixe. Consequentemente, a variação da quantidade e do valor dos certificados de moeda não altera a quantidade de moeda nem a relação monetária; não altera o poder aquisitivo da moeda.
Quando a reserva monetária mantida pelo devedor para respaldar sua emissão de substitutos de moeda é menor do que a quantidade total dos substitutos emitidos, denominamos o excedente de substitutos em relação à reserva de moeda fiduciária. Geralmente, não é possível assegurar se um determinado espécime de substituto de moeda é um certificado de moeda ou moeda fiduciária. Uma parte da quantidade total de substitutos de moeda em circulação está usualmente coberta pela reserva correspondente.
Assim sendo, uma parte da quantidade total dos substitutos de moeda em circulação são certificados de moeda, sendo a restante moeda fiduciária. Entretanto, este fato só pode ser percebido por quem está familiarizado com os balanços dos bancos. A nota bancária, o depósito bancário ou a moeda fracionária em si mesma não nos informam acerca de sua verdadeira característica cataláctica.
A emissão de certificados de moeda não aumenta os recursos que o banco pode empregar nas suas operações de empréstimo. Um banco que não emita moeda fiduciária só pode conceder crédito-mercadoria (commodity credit),[23] isto é, só pode emprestar os seus próprios recursos e o montante de moeda que lhe foi confiado pelos seus clientes. A emissão de moeda fiduciária possibilita aos bancos efetuarem empréstimos além dos limites representados por suas reservas. Desta maneira, o banco pode conceder não só crédito mercadoria, mas também crédito-circulante, isto é, crédito concedido através da emissão de moeda fiduciária.
Embora seja indiferente existir uma maior ou menor quantidade de certificados de moeda, o mesmo não se pode dizer da moeda fiduciária. A moeda fiduciária afeta os fenômenos do mercado da mesma maneira que a moeda em si. Variações na sua quantidade influenciam a determinação do poder aquisitivo da moeda e dos preços e — temporariamente — também a taxa de juros.
Os economistas, antigamente, usavam uma terminologia diferente. Muitos deles costumavam empregar a expressão moeda para designar também os substitutos de moeda, uma vez que estes prestavam o mesmo serviço que a moeda. Entretanto, esta terminologia não é adequada. O primeiro objetivo de uma terminologia científica é facilitar a análise dos problemas envolvidos. A tarefa da teoria cataláctica da moeda — diferentemente da teoria legal e das disciplinas que ensinam técnicas bancárias e contábeis — é o estudo dos problemas relativos à determinação dos preços e das taxas de juros. Esta tarefa exige que se faça uma distinção nítida entre certificados de moeda e moeda fiduciária.
O termo expansão de crédito tem sido frequentemente mal interpretado. É importante compreender que o crédito-mercadoria não pode ser expandido. A única forma de expandir o crédito é através do crédito circulante. Mas a concessão de crédito circulante nem sempre significa expansão de crédito. Se a quantidade de moeda fiduciária previamente emitida já consumou todos os seus efeitos sobre o mercado, se os preços, salários e taxas de juros já se ajustaram à quantidade total de moeda propriamente dita acrescida da moeda fiduciária (quantidade de moeda no sentido mais amplo), a concessão de crédito circulante que não represente um aumento na quantidade de moeda fiduciária não constitui expansão de crédito. A expansão de crédito só ocorre quando o crédito é outorgado mediante a emissão de uma quantidade adicional de moeda fiduciária, e não quando os bancos reemprestam a moeda fiduciária que recebem em pagamento de créditos feitos anteriormente.
12. A limitação da emissão de meios fiduciários
As pessoas usam e aceitam os substitutos de moeda como se fosse moeda porque têm plena confiança de que lhes será possível trocá-los por moeda a qualquer momento e sem qualquer custo. Aqueles que compartilham essa confiança e que, portanto, lidam com os substitutos de moeda, como se moeda fossem, podem ser chamados de clientes do agente emissor, seja ele um banqueiro, um banco ou uma autoridade qualquer. Pouco importa que o órgão emissor seja ou não dirigido segundo os padrões usuais da atividade bancária. As peças de moeda fracionária emitidas pelo Tesouro Nacional também são substitutos de moeda, embora o Tesouro geralmente não contabilize o montante emitido como exigível e não considere esse montante como parte da dívida interna. Também é irrelevante se o portador de um substituto de moeda tem ou não um direito legalmente estabelecido de convertê-lo em moeda. O importante é que o substituto de moeda possa ser trocado por moeda, sem demora e sem despesa alguma.[24]
Emitir certificados de moeda é uma atividade que tem custos. As notas bancárias precisam ser impressas, as moedas cunhadas; um complexo sistema contábil para controlar os depósitos precisa ser implantado; as reservas precisam ser guardadas com segurança; existe o risco de falsificação de cheques e de notas bancárias. Como contrapartida de todas essas despesas, existe apenas a pequena chance de que algumas notas bancárias emitidas sejam destruídas, e a possibilidade ainda mais remota de que alguns depositantes se esqueçam de sacar seus depósitos. Emitir certificados de moeda é um negócio desastroso, se não estiver acompanhado da possibilidade de emitir moeda fiduciária. Nos primórdios da atividade bancária, havia bancos cuja única operação consistia na emissão de certificados de moeda.
Mas esses bancos cobravam de seus clientes pelo serviço prestado. De qualquer forma, a cataláxia não está interessada nos aspectos essencialmente técnicos dos bancos que não emitem moeda fiduciária. O único interesse da cataláxia por certificados de moeda reside na conexão existente entre a emissão destes e a emissão de moeda fiduciária.
Enquanto a quantidade de certificados de moeda é cataliticamente sem importância, um aumento ou diminuição na quantidade de moeda fiduciária afeta a determinação do poder aquisitivo da moeda da mesma maneira que o fazem as variações na quantidade de moeda. Daí a importância fundamental de saber se existem ou não limites ao aumento da quantidade de moeda fiduciária.
Se a clientela de um banco compreende todos os membros da economia de mercado, o limite à emissão de moeda fiduciária é o mesmo que o estabelecido para o aumento da quantidade de moeda. Um banco que seja, num país isolado ou no mundo inteiro, a única instituição emitente de moeda fiduciária, e cuja clientela compreenda todos os indivíduos e firmas, terá de observar na gestão dos seus negócios as duas regras seguintes:
Primeira: evitar qualquer ação que possa despertar suspeitas nos seus clientes — isto é, no público. Se os clientes começarem a perder a confiança, procurarão resgatar as notas bancárias e retirar seus depósitos. Até onde um banco pode aumentar suas emissões de moeda fiduciária sem gerar desconfiança depende de fatores psicológicos.
Segunda: não aumentar o montante de moeda fiduciária a um ritmo tal que possa gerar nos clientes a convicção de que o aumento nos preços poderia continuar indefinidamente e cada vez mais rápido. Porque, se o público estiver convencido de que assim será, reduzirá seus encaixes, refugiando-se na aquisição de valores “reais”, o que poderá provocar uma alta desastrosa (crack-up boom). Essa catástrofe não pode ocorrer sem que tenha havido primeiro o esvaecimento da confiança. O público procurará transformar os meios fiduciários em moeda propriamente dita, para poder refugiar-se em valores reais, isto é, para comprar indiscriminadamente qualquer mercadoria. Quando isso ocorre, o banco fica insolvente. Se o governo interfere, liberando o banco da obrigação de resgatar suas notas bancárias e honrar os depósitos que nele foram feitos, nas condições pactuadas com o público, a moeda fiduciária transforma-se em moeda-crédito ou moeda-fiat. A suspensão do pagamento em espécie muda radicalmente a situação. Já não se trata mais de moeda fiduciária, de certificados de moeda ou de substitutos de moeda. O governo intervém, impondo a sua moeda de curso legal. O banco perde sua independência; torna-se um instrumento da política governamental, uma agência subordinada do Tesouro Nacional.
Do ponto de vista cataláctico, os problemas mais importantes relativos à emissão de moeda fiduciária por parte de um banco isolado, ou de bancos agindo em concerto, cuja clientela abrange todos os indivíduos, não são os relativos a que limites devam ter essas emissões. Esses problemas serão analisados no capítulo XX, dedicado às relações entre a quantidade de moeda e a taxa de juros.
Tendo chegado a este ponto de nossa reflexão, o que devemos fazer agora é examinar o problema da coexistência de vários bancos independentes. Independência significa que cada banco emitente de moeda fiduciária segue o seu próprio curso e não age em concerto com outros bancos. Coexistência significa que cada banco tem uma clientela limitada que não abrange todos os membros do sistema de mercado. Para simplificar, suponhamos que nenhum indivíduo ou firma é cliente de mais de um banco. Nossas conclusões não seriam afetadas se adotássemos a suposição de que existem pessoas que são clientes de mais de um banco e pessoas que não são clientes de qualquer banco.
A questão a ser colocada não é a de procurar saber se existem limites à emissão de moeda fiduciária feita por tais bancos independentes e coexistentes. Pois, se existem limites até mesmo à emissão de moeda fiduciária por parte de um banco único cuja clientela compreendesse todas as pessoas, é óbvio que também existem limites para uma multiplicidade de bancos independentes e coexistentes. O que queremos mostrar é que, para tal multiplicidade de bancos independentes e coexistentes, os limites são muito mais rigorosos do que para um banco único com uma clientela ilimitada.
Suponhamos que num sistema de mercado existam hoje diversos bancos independentes em funcionamento. Embora anteriormente só se usasse moeda-mercadoria, esses bancos introduziram o uso de substitutos de moeda, uma parte dos quais é moeda fiduciária. Cada banco tem uma clientela e tem certa quantidade de moeda fiduciária emitida, a qual é mantida como substituto de moeda nos encaixes dos vários clientes. A quantidade total de moeda fiduciária emitida pelos bancos e absorvida pelos encaixes dos seus clientes alterou a estrutura de preços e poder aquisitivo da unidade monetária. Mas esses efeitos já foram consumados e no momento o mercado já não sofre mais os efeitos da expansão de crédito efetuada no passado.
Suponhamos agora que um dos aludidos bancos resolva emitir uma quantidade adicional de moeda fiduciária, enquanto os outros bancos não adotam este procedimento. Os clientes do banco expansionista — sejam eles clientes antigos ou os novos clientes angariados em decorrência da expansão — recebem créditos adicionais, expandem suas atividades comerciais e se apresentam no mercado demandando uma quantidade adicional de bens e serviços, o que provoca um aumento dos preços. Aqueles que não são clientes do banco expansionista não estão em condições de arcar com estes novos preços; são forçados a restringir suas compras. Assim sendo, processa-se no mercado uma transferência de bens dos não clientes para os clientes do banco expansionista. Os clientes compram dos não clientes mais do que vendem; têm mais a pagar do que a receber. Mas os substitutos de moeda emitidos pelo banco expansionista não são adequados para pagamento aos não clientes, uma vez que estes não lhes atribuem à característica de substitutos de moeda. Para poder efetuar os pagamentos devidos aos não clientes, os clientes precisam, antes, trocar por moeda os substitutos de moeda emitidos pelo seu próprio banco — o banco expansionista. O banco expansionista tem de resgatar suas notas bancárias e honrar os seus depósitos. Suas reservas — estamos supondo que apenas uma parte dos substitutos de moeda emitidos tinham o caráter de moeda fiduciária — diminuem. Aproxima-se o momento em que o banco — depois de exaurir suas reservas monetárias — não terá mais condições de resgatar os substitutos de moeda ainda em circulação. Para evitar a insolvência, precisará retornar, o mais rápido possível, a uma política de fortalecimento de suas reservas monetárias. Terá de renunciar aos seus métodos expansionistas.
Essa reação do mercado a uma expansão de crédito efetuada por um banco com uma clientela limitada foi brilhantemente descrita pela Escola Monetária (Currency School). O caso particular tratado pela Escola Monetária referia-se a uma coexistência da expansão de crédito efetuada por um banco central privilegiado ou por todos os bancos de um país e a política não expansionista adotada pelos bancos de outro país. Nossa demonstração abrange o caso mais geral da coexistência de uma multiplicidade de bancos com clientelas diferentes, bem como o caso ainda mais geral da existência de um banco com uma clientela limitada num sistema em que as demais pessoas não operam com bancos nem consideram quaisquer créditos como substitutos de moeda. Pouco importa, evidentemente, se supusermos que os clientes de um banco vivem bastante separados dos clientes de outro banco ou se vivem lado a lado. São meras diferenças circunstanciais que não afetam a essência do problema cataláctico em questão.
Um banco nunca pode emitir mais substitutos de moeda do que os seus clientes estão dispostos a manter como encaixe. Um cliente do banco nunca pode manter em substitutos de moeda uma parcela do seu encaixe total maior do que a que corresponde à proporção de seu movimento comercial com outros clientes do mesmo banco em relação ao seu movimento comercial total. Por questões de sua própria conveniência, os clientes se manterão, geralmente, abaixo dessa proporção máxima. Assim sendo, a emissão de moeda fiduciária fica limitada. Podemos admitir que todos estejam dispostos a aceitar em suas transações notas bancárias emitidas por qualquer banco ou cheques sacados contra qualquer banco. Mas todos depositarão rapidamente no seu próprio banco não só os cheques como também as notas bancárias dos outros bancos com os quais não operam como clientes. Na sequência da operação o seu banco procederá ao ajuste de contas com o banco emissor. Assim, o processo descrito acima se põe em marcha.
Muita tolice tem sido escrita em relação à obstinada predileção do público por notas bancárias emitidas por bancos duvidosos. Na verdade, exceção feita a pequenos grupos de homens de negócios que foram capazes de distinguir entre bons e maus bancos, o público sempre olhou as notas bancárias com desconfiança. Foram as cartas patentes que os governos concederam a determinados bancos privilegiados que, aos poucos, eliminaram essa desconfiança. O argumento, muito usado, de que as notas bancárias de menor valor acabam nas mãos de pessoas pobres e ignorantes, que não têm como distinguir entre notas boas e más, não pode ser levado a sério. Quanto mais pobre o recebedor de uma nota bancária, e menos familiarizado com a prática bancária, mais rapidamente gastará a nota recebida e esta mais rapidamente retornará, via comércio varejista ou atacadista, ao banco emissor ou chegará às mãos de pessoas que estejam habituadas com as práticas bancárias.
É muito fácil para um banco aumentar o número de pessoas que estão dispostas a aceitar empréstimos concedidos por meio de uma expansão de créditos e pagos com substitutos de moeda. Mas é muito difícil para qualquer banco aumentar sua clientela, isto é, o número de pessoas que estão dispostas a considerar estes créditos como substitutos de moeda e a mantê-los em seus encaixes. Aumentar a clientela é um processo tão lento e trabalhoso como conseguir ter uma boa reputação comercial. Por outro lado, um banco pode perder sua clientela muito rapidamente. Se quiser preservá-la, não pode permitir jamais que exista qualquer dúvida quanto à sua capacidade e disposição de cumprir rigorosamente todas as suas obrigações segundo os termos contratados. Deverá, por isso, manter reservas suficientemente grandes para resgatar todas as notas bancárias que lhe forem apresentadas por um portador.
Portanto, nenhum banco pode contentar-se em apenas emitir moeda fiduciária; deverá manter reservas em relação aos substitutos de moeda emitidos, combinando desta forma a emissão de moeda fiduciária e de certificados de moeda.
Foi um erro grave acreditar que a função da reserva é proporcionar os meios para resgatar as notas bancárias cujos portadores não têm mais confiança no banco. A confiança depositada num banco e nos substitutos de moeda que ele emite é algo indivisível. Ou está presente em todos os seus clientes ou se desfaz inteiramente. Se alguns clientes perdem a confiança, os outros também perdem. Nenhum banco, ao emitir moeda fiduciária e conceder crédito circulante, pode cumprir as obrigações que assumiu ao emitir substitutos de moeda, se todos os seus clientes perderam a confiança e quiserem resgatar as suas notas bancárias e sacar os seus depósitos. Esta é a característica essencial, ou a fragilidade essencial, de um banco que emite moeda fiduciária e que concede crédito circulante. Nenhuma política de reservas nem exigências legais de reservas mínimas pode evitar esse risco. O máximo que uma reserva pode fazer é retirar do mercado um excedente de moeda fiduciária emitida. Se o banco emitir mais notas bancárias do que seus clientes podem empregar nas suas transações com outros clientes, terá forçosamente de resgatar esse excesso.
As leis que obrigam os bancos a manterem reservas numa determinada proporção em relação à quantidade total de depósitos e de notas bancárias emitidas são eficazes apenas para limitar o aumento da quantidade de moeda fiduciária e de crédito circulante. São inúteis, na medida em que visem a garantir, na eventualidade de uma perda de confiança, o imediato resgate das notas bancárias e a imediata devolução das importâncias depositadas.
A Escola Bancária (Banking School),[25] ao lidar com esses problemas, falhou lamentavelmente. Foi confundida pela ideia falsa segundo a qual as próprias necessidades do comércio limitavam rigidamente a quantidade máxima de notas bancárias que um banco poderia emitir. Não chegou a perceber que a demanda de crédito por parte do público é função das facilidades que os bancos estão dispostos a conceder nas suas operações de empréstimo, e que os bancos que não se preocupam com a sua própria solvência têm possibilidade de expandir o crédito circulante baixando a taxa de juros a níveis inferiores aos do mercado. Não é verdade que o máximo que um banco pode emprestar, se limitar seus empréstimos a descontos de duplicatas resultantes da compra e venda de matérias-primas e produtos semiacabados, seja uma quantidade determinada exclusivamente pela atividade comercial que independe da política adotada pelo banco. Esta quantidade se amplia ou se contrai na medida em que diminui ou aumenta a taxa de desconto. Diminuir a taxa de juros equivale a aumentar aqueles empréstimos que são equivocadamente considerados como uma necessidade normal e legítima da atividade comercial.
A Escola Monetária deu uma explicação bastante correta para as crises recorrentes que perturbavam a vida econômica inglesa nos anos 30 e 40 do século XIX. O Banco da Inglaterra e outros bancos ingleses expandiam o crédito, enquanto nos países com os quais a Inglaterra comerciava não havia expansão de crédito, ou pelo menos não na mesma intensidade. A consequência inevitável desse estado de coisas foi uma drenagem de recursos para o exterior. Todos os esforços da Escola Bancária para refutar essa teoria foram inúteis. Infelizmente, a Escola Monetária equivocou-se em dois pontos. Em primeiro lugar, não chegou a perceber que o remédio que propunha — qual seja a proibição legal de emissão de notas bancárias em valor superior às reservas metálicas — não era a única solução para o problema. Jamais lhe ocorreu a ideia de que a atividade bancária poderia funcionar sob o regime da livre iniciativa.
Seu segundo equívoco foi não ter percebido que depósitos em contas correntes sujeitos a cheque são substitutos de moeda e, na medida em que excedam as reservas, são moedas fiduciárias; consequentemente, é um veículo de expansão do crédito, do mesmo modo que as notas bancárias. O único mérito da Escola Bancária foi reconhecer que depósitos em conta corrente são substitutos de moeda tanto quanto notas bancárias. No mais, a Escola Bancária equivocou-se em tudo. Guiou-se pela contraditória ideia da neutralidade da moeda; tentou refutar a teoria quantitativa da moeda, invocando um deus ex machina, o tão falado entesouramento, e interpretou equivocadamente os problemas relativos à taxa de juros.
É importante assinalar que a implantação de restrições legais à emissão de moeda fiduciária deve a sua existência ao fato de que os governos concediam privilégios especiais a um ou a alguns bancos, impedindo, portanto, a livre evolução da atividade bancária. Se os governos não tivessem interferido em favor de certos bancos, se não tivessem liberado alguns da obrigação que pesa sobre todos os indivíduos e firmas numa economia de mercado — a obrigação de cumprir seus compromissos estabelecidos em contrato -, não teria havido nenhum problema na atividade bancária. Os limites naturais à expansão de crédito teriam sido suficientes. A preocupação com a sua própria solvência teria obrigado todos os bancos a serem cautelosos ao emitir moeda fiduciária. Os bancos que não observassem essas regras básicas iriam à bancarrota, e o público, sentindo o problema na própria pele, tornar-se-ia duplamente desconfiado e receoso.
As atitudes dos governos europeus em relação à atividade bancária sempre foram falsas e hipócritas. A suposta preocupação com o bem estar da nação, com o público em geral e com o povo pobre e ignorante em particular nunca foi mais do que um pretexto, um subterfúgio. O que na realidade os governos desejavam era inflação e expansão de crédito. Aqueles americanos que, por duas vezes, conseguiram evitar a criação de um banco central tinham consciência do perigo desse tipo de instituição; é pena que não tivessem chegado a perceber que o mal contra o qual lutavam estava presente em qualquer que fosse a intervenção na atividade bancária. Hoje em dia, mesmo os mais fanáticos defensores da intervenção do Estado não podem negar que os males da atividade bancária livre seriam mínimos quando comparados com os desastrosos efeitos das gigantescas inflações produzidas por bancos privilegiados e controlados pelo governo.
A afirmação de que os governos interferiram na atividade bancária, a fim de restringir a emissão de moeda fiduciária e de evitar a expansão do crédito é pura ficção. O pensamento predominante nos governos, ao contrário, era inteiramente favorável à inflação e à expansão creditícia. As autoridades concederam privilégios aos bancos porque queriam suprimir os limites que o mercado livre inevitavelmente estabelece à expansão do crédito ou porque desejavam aumentar a arrecadação do Tesouro Nacional. Ou ambos como ocorreram na maioria dos casos. Estavam convencidas de que a moeda fiduciária é um meio eficiente de diminuir a taxa de juros, e estimularam os bancos a expandir o crédito, certas de que, assim, beneficiariam tanto a atividade econômica como a arrecadação do Tesouro. Somente quando os indesejáveis efeitos da expansão do crédito se tornaram mais visíveis, foram promulgadas leis para restringir a emissão de notas bancárias — e, às vezes, também os depósitos em conta corrente — que não fossem respaldadas por reservas em espécie. Jamais chegou a ser seriamente considerada a possibilidade de se permitir o livre funcionamento da atividade bancária, precisamente porque teria sido por demais eficazes na limitação à expansão creditícia.
Isto porque os dirigentes, os intelectuais e o público em geral eram unânimes em acreditar que a atividade comercial tem um legítimo direito a uma quantidade de crédito circulante “normal” e “necessária”, e que essa quantidade não poderia ser alcançada sob a égide da livre atividade bancária.[26]
Muitos governos só consideravam a emissão de moeda fiduciária de um ponto de vista fiscal. Para eles, a função principal dos bancos seria emprestar dinheiro ao Tesouro. Os substitutos de moeda eram vistos com simpatia porque abriam o caminho para o papel-moeda emitido pelo governo. A nota bancária conversível era apenas o primeiro passo para a nota bancária não conversível. Com o avanço da estatolatria e do intervencionismo econômico, essas ideias passaram a ter uma aceitação geral e ninguém mais as questionou. Nenhum governo, hoje, se dispõe a examinar a possibilidade de liberar a atividade bancária, porque nenhum governo está disposto a renunciar àquilo que considera como fonte de recursos de fácil manejo. O que hoje é denominado de precauções financeiras para o caso de uma guerra é meramente a possibilidade de dispor, por meio de bancos privilegiados e controlados pelo governo, de todo o dinheiro que uma nação possa precisar para suas aventuras bélicas. Um inflacionismo radical, embora não admitido explicitamente, é a característica essencial da ideologia econômica de nossa época.
Mas, mesmo na época em que o liberalismo desfrutava o seu maior prestígio e os governos eram mais desejosos de manter a paz e o bem estar do que de fomentar a guerra, a morte, a destruição e a miséria, a opinião pública nutria preconceitos em relação à atividade bancária. Exceção feita aos países anglo-saxões, a opinião pública estava convencida de que uma das principais tarefas de um bom governo era a de baixar a taxa de juros e de que a expansão do crédito era o meio apropriado para atingir esse objetivo. A Inglaterra não vinha cometendo esses erros, quando em 1844 reformou a sua legislação bancária. Mas os dois equívocos da Escola Monetária viciaram essa famosa lei.[27]
Por um lado, foi preservado o sistema de intervenção do governo na atividade bancária. Por outro, foram estabelecidos limites apenas à emissão de notas bancárias não cobertas por reservas em espécie. A moeda fiduciária foi evitada apenas quando sob a forma de notas bancárias; podia florescer sob a forma de depósitos em conta corrente.
Levando a ideia implícita na teoria da Escola Monetária às suas últimas consequências lógicas, alguém poderia sugerir que todos os bancos fossem forçados por lei a manter uma reserva de 100% do total de substitutos de moeda (notas bancárias e depósitos a vista). Esse é o núcleo central em que se baseia o plano denominado de plano de “100% de recursos obrigatórios”, do professor Irving Fisher. Mas o professor Fisher também propunha no seu plano a adoção de um número-índice padrão. Já foi assinalado anteriormente por que tal programa é ilusório e equivale a conceder plenos poderes ao governo para manipular o poder aquisitivo segundo os apetites de grupos de pressão poderosos. Mas mesmo se o plano de reserva de 100% tivesse sido adotado com base no autêntico padrão ouro, não teria eliminado inteiramente os inconvenientes inerentes a qualquer intervenção do governo na atividade bancária. Para impedir qualquer nova expansão do crédito, basta submeter a atividade bancária às regras gerais das leis civis e comerciais que compelem todos os indivíduos e firmas a cumprirem suas obrigações nos estritos termos em que foram pactuadas.
Se os bancos permanecerem como estabelecimentos privilegiados sujeitos a disposições legislativas especiais, continuarão sendo um instrumento que o governo pode utilizar com objetivos fiscais. Enquanto for assim, qualquer restrição quanto à emissão de moeda fiduciária depende das boas intenções do governo e do Parlamento. Um limite poderá ser estabelecido em períodos considerados como normais; será suprimido sempre que o governo entender tratar-se de uma emergência e assim justificar o recurso a medidas extraordinárias.
Se um governo e o partido político que lhe dá sustentação quiserem aumentar as despesas sem aumentar os impostos, para não comprometer a sua popularidade, não hesitarão em qualificar de emergência a situação correspondente. Os políticos, para financiar projetos pelos quais os contribuintes não estão dispostos a pagar maiores impostos, recorrem à impressão de papel moeda e à subserviência dos banqueiros que desejam servir às autoridades que regulamentam a atividade bancária.
Só será possível evitar os perigos inerentes à expansão de crédito dando-se liberdade à atividade bancária. É verdade que, assim, não se evitaria uma lenta expansão de crédito, mantida dentro de limites bastante estreitos, por parte dos bancos que fossem cautelosos e que mantivessem o público informado acerca da situação financeira. Em contrapartida, se a atividade bancária fosse livre, a expansão creditícia, com todas as suas inevitáveis consequências, não se teria tornado uma característica permanente — que muitos qualificam de normal — do sistema econômico. Somente a atividade bancária livre poderia evitar as crises e as depressões da economia de mercado.
Examinando a história dos últimos dois séculos, não se pode deixar de reconhecer que os erros cometidos pelo liberalismo no tratamento dos problemas da atividade bancária representaram um golpe mortal na economia de mercado. Não havia nenhuma razão para abandonar o princípio da livre iniciativa na atividade bancária. A maioria dos políticos liberais simplesmente capitulou diante da hostilidade popular em relação a empréstimos e pagamentos de juros. Não chegaram a perceber que a taxa de juros é um fenômeno de mercado e que, portanto, não pode ser manipulada ad libitum pelo governo ou por uma instituição qualquer. Acreditaram na lenda segundo a qual é benéfico diminuir a taxa de juros e no fato de que a expansão do crédito é o melhor meio de obter dinheiro barato. Nada prejudicou mais a causa do liberalismo do que a repetição quase regular de surtos febris de crescimento e de dramáticos colapsos dos mercados artificialmente criados, seguidos por períodos de estagnação e declínio prolongados. A opinião pública acabou convencendo-se de que tais ocorrências são inevitáveis numa economia de mercado livre. As pessoas não compreenderam que aquilo de que se queixavam era a consequência inevitável de políticas que visavam a reduzir a taxa de juros por meio de uma expansão creditícia. Obstinadamente, não só mantiveram essas políticas como ainda tentaram combater suas indesejáveis consequências, aumentando cada vez mais a interferência do governo.
Observações sobre as discussões relativas à atividade bancária livre
A Escola Bancária afirmava que seria impossível ocorrer um excesso de emissão de notas bancárias se o banco se limitasse a conceder empréstimos de curto prazo.[28] Quando o empréstimo fosse pago, no seu vencimento, as notas bancárias retornariam ao banco e assim desapareceriam do mercado. Entretanto, isso só poderia ocorrer se o banco restringisse o volume de créditos que vinha concedendo (mesmo assim isto não anularia os efeitos da expansão de crédito anterior; simplesmente acrescentaria a estes os efeitos de uma posterior contração do crédito). Na prática, o banco substituía as letras vencidas e pagas, descontando novas letras de câmbio (concedendo novos créditos). Assim sendo, ao montante de notas bancárias retiradas do mercado por causa do pagamento do empréstimo anterior corresponderia um montante de notas bancárias emitidas novamente.
Num sistema em que a atividade bancária é livre, a concatenação que impõe um limite à expansão do crédito funciona de uma maneira diferente. Não tem nenhuma relação com o processo a que alude o denominado Princípio de Fullarton.[29] O limite em questão decorre do fato de que a expansão do crédito em si não amplia a clientela do banco, ou seja, o número de pessoas que atribuem aos créditos à vista contra esse banco o caráter de substitutos de moeda. Uma vez que a emissão adicional de meios fiduciários por parte de um banco, como já foi mostrado anteriormente, aumenta o montante que os clientes do banco expansionista pagam a terceiros, aumenta concomitantemente a demanda de resgate dos substitutos de moeda por ele emitidos. Desta forma, o banco expansionista é forçado a voltar a ser prudente.
Este fato jamais foi questionado em relação aos depósitos à vista em contas correntes. É óbvio que um banco expansionista ficaria logo numa posição difícil, ao fazer a compensação com outros bancos. Entretanto, no que se refere a notas bancárias, há quem sustente que as coisas se passam de uma forma diferente.
Ao lidar com os problemas relativos aos substitutos de moeda, a cataláxia afirma que esses créditos são usados por certo número de pessoas como se fosse moeda; são, como a moeda, dados e recebidos em pagamento de transações ou mantidos em caixa. Tudo o que a cataláxia afirma em relação aos substitutos de moeda pressupõe este estado de coisas. Mas seria absurdo acreditar que toda nota bancária emitida por qualquer banco torna-se efetivamente um substituto de moeda. O que torna a nota bancária um substituto de moeda é a reputação comercial do banco emitente. Se houver alguma dúvida quanto à capacidade e disposição do banco para pagar qualquer nota bancária por ele emitida, à vista e sem despesa para o portador, a reputação comercial do banco ficará prejudicada e as notas bancárias perderão o seu caráter de substituto de moeda. Podemos admitir que todas as pessoas não só estejam dispostas a receber essas letras duvidosas enquanto empréstimo como até mesmo prefira recebê-las imediatamente, se a alternativa for esperar mais tempo pelo pagamento devido. Porém, se surgir qualquer dúvida quanto à sua liquidez, as pessoas se apressarão em se desfazer delas o mais rápido possível. Manterão em seus encaixes a moeda e os substitutos de moeda que consideram suficientemente seguros, e se desembaraçarão das notas bancárias sob suspeição. Essas notas bancárias serão negociadas com um desconto e este fato as levará de volta ao banco emissor, que é o único que está obrigado a resgatá-las pelo valor nominal.
O tema pode ser ainda melhor esclarecido se examinarmos as condições da atividade bancária na Europa continental. Lá os bancos comerciais estavam livres de qualquer limitação relativa a depósitos em conta corrente. Podiam conceder crédito circulante e assim expandir o crédito, se adotassem os métodos usados pelos bancos dos países anglo-saxões. Entretanto, o público europeu não estava acostumado a considerar tais depósitos como substitutos de moeda. Como regra geral, um homem que recebesse um cheque procuraria descontá-lo imediatamente, retirando, portanto o dinheiro do banco. Tornava-se impossível a um banco comercial conceder empréstimos, a não ser por valores insignificantes, via crédito em conta corrente do cliente; tão logo este fizesse um cheque, o montante correspondente seria retirado do banco. Somente as grandes empresas costumavam considerar os depósitos em conta corrente como substitutos de moeda. Embora os bancos centrais, na maior parte desses países, não estivessem sujeitos a qualquer restrição legal quanto à concessão de créditos em conta corrente, estavam impedidos de fazê-lo em larga escala porque a clientela do banco que estava acostumada a usar a conta corrente era muito pequena. As notas bancárias eram, praticamente, o único instrumento de crédito circulante e de expansão de crédito.
Nos anos 80 do século XIX, o governo austríaco tentou popularizar o uso de cheques pela criação de um departamento de contas correntes sujeitas a cheque junto ao Serviço de Poupança dos Correios. Deu resultado, até certo ponto. Os saldos nesse departamento do Serviço de Poupança dos Correios foram usados como substitutos de moeda por uma clientela maior do que a que operava com contas correntes vinculadas ao Banco Central do país. O sistema foi preservado mais tarde pelos novos estados que sucederam ao Império de Habsburgo, após 1918. Também foi adotado em outras nações europeias, como, por exemplo, na Alemanha. É importante notar que esse tipo de conta corrente era uma iniciativa exclusivamente estatal e que o crédito circulante que o sistema possibilitava era usado somente pelos governos. É significativo o fato de que a aludida instituição austríaca de poupança postal, assim como a maioria de suas réplicas nos demais países, nunca foi denominada de Banco de Poupança, mas Serviço de Poupança. Exceção feita a essas contas correntes com o Serviço de Poupança dos Correios, as notas bancárias — e, em pequena escala, também os depósitos no Banco Central emissor controlado pelo governo — foram o principal instrumento para criação de crédito circulante. Quando alguém fala de expansão de crédito em relação a esses países, está referindo-se quase que unicamente a notas bancárias.
Nos Estados Unidos, muitos empregadores pagam salários por meio de cheques. Na medida em que os beneficiários descontam os cheques imediatamente, retirando o dinheiro do banco, este método significa apenas que o ônus de manipular o dinheiro do pagamento é transferido do empregador para o banco. Não tem implicações catalácticas. Se todos os cidadãos procedessem dessa maneira com os cheques recebidos, os depósitos não seriam substitutos de moeda e não poderiam ser usados como instrumentos para concessão de crédito circulante. É exclusivamente o fato de uma grande parte do público considerar os depósitos como substitutos de moeda que os torna o que se costuma denominar de moeda-cheque ou moeda escritural.
É um erro associar a noção de liberdade da atividade bancária com a imagem de um estado de coisas no qual todo mundo pudesse emitir notas bancárias e enganar o público ad libitum. As pessoas se referem frequentemente ao ditado de um americano anônimo, citado por Tooke: “Liberdade na atividade bancária equivale a liberdade para trapacear”.[30]
Entretanto, a liberdade de emitir notas bancárias teria limitado consideravelmente o seu emprego, se não chegasse a suprimi-lo inteiramente. Foi essa a ideia expressa por Cernuschi diante da Comissão de Inquérito da Atividade Bancária Francesa em 24 de outubro de 1865: “Estou convencido de que aquilo que é denominado de livre atividade bancária resultaria no completo desaparecimento das notas bancárias na França. Quero que todos tenham o direito de emitir notas bancárias para que ninguém as aceite mais”.[31]
Talvez algumas pessoas sustentem a opinião de que as notas bancárias são mais práticas e manuseáveis do que a moeda metálica e recomendem o seu uso por razões de conveniência. Se for esse o caso, o público deveria estar disposto a pagar um preço para evitar os inconvenientes de carregar um peso em moedas metálicas no seu bolso. Por esse motivo, antigamente, as notas bancárias emitidas por bancos de indiscutível solvência tinham um valor ligeiramente superior ao da correspondente moeda metálica. Pelo mesmo motivo, os cheques de viagem (traveller’s checks) são muito usados, embora o banco emitente cobre uma comissão ao emiti-los. Mas nada disso tem qualquer relação com o problema em questão. Não serve como justificativa para as políticas que procuram intensificar o uso de notas bancárias pelo público. Os governos não fomentaram o uso de notas bancárias a fim de poupar incômodos às senhoras quando saem para fazer compras. Seu propósito era diminuir a taxa de juros e obter uma fonte de crédito barato para suas tesourarias. No seu entendimento, o aumento da quantidade de moeda fiduciária era um meio de promover o bem estar.
As notas bancárias não são indispensáveis. Todas as conquistas do capitalismo teriam ocorrido mesmo que elas nunca tivessem existido. Além disso, os depósitos em conta corrente podem prestar o mesmo serviço que as notas bancárias. E a interferência do governo na atividade bancária não pode ser justificada pelo pretexto hipócrita de que agricultores e assalariados, pobres e ignorantes, precisam ser protegidos contra a maldade dos banqueiros.
Mas alguém poderia perguntar: e se os bancos comerciais formassem um cartel? Será que os bancos não poderiam fazer um conluio para expandir indefinidamente suas emissões de moeda fiduciária? Essa objeção é absurda.
Na medida em que o público não seja privado, por interferência do governo, do seu direito de sacar seus depósitos, nenhum banco pode arriscar sua reputação fazendo um conluio com bancos cuja reputação não é tão boa quanto a sua. É preciso não esquecer que todo banco que emite moeda fiduciária está sempre numa situação bastante precária. Seu ativo mais valioso é a sua reputação. Se surgir dúvidas em relação à sua perfeita confiabilidade e solvência, estará inevitavelmente condenado à bancarrota. Seria um suicídio para um banco de boa reputação ligar o seu nome a outros bancos menos acreditados. Num regime de atividade bancária livre, um cartel dos bancos destruiria todo o sistema bancário do país. Não atenderia aos interesses de qualquer banco.
A maior parte dos bancos de boa reputação é acusada pelo seu conservadorismo e pela sua relutância em expandir o crédito. Para aqueles que não merecem crédito, tais restrições são consideradas um defeito. Na verdade, esta é a primeira e mais importante regra a ser obedecida na gestão de um banco num regime de atividade bancária livre.
Para os nossos contemporâneos, é extremamente difícil conceber o funcionamento da livre atividade bancária, porque consideram a necessidade de intervenção do governo na atividade bancária como evidente em si mesma. Entretanto, convém recordar que essa intervenção do governo parte do pressuposto de que a expansão de crédito é um meio adequado para manter baixa a taxa de juros, sem prejudicar ninguém, a não serem os desalmados capitalistas. Os governos intervieram exatamente porque sabiam que a atividade bancária livre manteria a expansão de crédito dentro de limites bastante estreitos.
Os economistas têm razão quando afirmam que na situação atual da atividade bancária é recomendável a intervenção do governo. Mas essa situação atual da atividade bancária não é o resultado do funcionamento de uma economia de mercado livre. É, ao contrário, fruto das tentativas de vários governos desejosos de criar condições para expandir o crédito em larga escala. Se o governo não tivesse interferido, o uso de notas bancárias e de depósito em conta corrente ficaria restrito àqueles que sabem muito bem como distinguir entre bancos solventes e insolventes. Nunca teria sido possível uma expansão de crédito em larga escala. Foram os governos os grandes responsáveis pela difusão do respeito supersticioso com que o homem comum considera qualquer pedaço de papel no qual o Tesouro tenha imprimido as palavras mágicas: moeda de curso legal.
Na atual situação, a intervenção do governo na atividade bancária poderia se justificar se fosse feita com o objetivo de corrigir esse lamentável estado de coisas, e de impedir ou pelo menos restringir seriamente qualquer nova expansão de crédito. Na realidade, o principal objetivo da intervenção do governo hoje em dia continua sendo o de intensificar a expansão de crédito. Essa política está fadada ao fracasso. Mais cedo ou mais tarde resultará numa catástrofe.
13. Tamanho e composição dos encaixes
São os indivíduos e as firmas que possuem e mantêm em seus encaixes a quantidade total de moeda e de substitutos de moeda. A parcela mantida por cada um é determinada pela utilidade marginal. Cada indivíduo procura manter certa parte de sua riqueza em caixa, em forma líquida; livra-se de um excesso de caixa, aumentando suas compras, e corrige uma insuficiência de caixa, aumentando suas vendas. O economista não se deve deixar enganar pela terminologia comumente empregada que confunde a demanda por moeda para encaixe com a demanda por riqueza e por bens vendáveis.
O que é válido para indivíduos e firmas também é válido em relação a um grupo de indivíduos e firmas. O critério adotado para considerar tais indivíduos e firmas como um grupo e somar seus encaixes não tem a menor importância. O encaixe de uma cidade, de uma província ou de um país é a soma dos encaixes de seus habitantes.
Suponhamos que em uma economia de mercado circule apenas um tipo de moeda e que os substitutos de moeda sejam ou desconhecidos ou usados por todo mundo sem qualquer distinção. Existem, por exemplo, a moeda-ouro e notas bancárias resgatáveis, emitidas por um banco mundial, e que todos consideram como substitutos de moeda. Nessa hipótese, as medidas que dificultam a troca de mercadorias e serviços não afetam a situação monetária e nem o tamanho dos encaixes. As tarifas aduaneiras, os embargos e as barreiras migratórias afetam a tendência de equalização dos preços, salários e taxas de interesse. Não influem diretamente sobre os encaixes.
Se um governo pretender que seus súditos aumentem o montante de seus encaixes, deverá ordenar-lhes que depositem certa importância numa instituição e a mantenham bloqueada. A necessidade de dispor dessa quantia forçaria todo mundo a vender mais e comprar menos; os preços domésticos cairiam; as exportações aumentariam e as importações diminuiriam; certa quantidade de moeda seria importada. Mas, se o governo simplesmente obstruísse a importação de bens e a exportação de moeda, não conseguiria atingir o seu objetivo. Porque, se as importações diminuem mantidas invariadas as demais circunstâncias, as exportações diminuiriam concomitantemente.
O papel que a moeda desempenha no comércio internacional não é diferente do que desempenha no comércio interno. A moeda é um meio de troca tanto no comércio internacional como no mercado interno. Tanto num como no outro, as compras e vendas provocam variações meramente passageiras nos encaixes dos indivíduos e das firmas, a não ser que as pessoas desejem efetivamente aumentar ou diminuir o tamanho de seus encaixes. Um excedente de moeda só aflui para um país se os seus habitantes desejam, mais do que os estrangeiros, aumentar os seus encaixes. Uma saída de moeda só ocorre se os seus habitantes desejam, mais do que os estrangeiros, reduzir os seus encaixes. Uma transferência de moeda de um país para outro, que não seja compensada por uma transferência no sentido oposto, nunca é o resultado involuntário de transações comerciais internacionais. É sempre fruto de mudanças intencionais nos encaixes dos seus respectivos habitantes. Da mesma maneira que o trigo só é exportado se os residentes de um país desejam exportar um excedente de trigo, também a moeda só é exportada se os residentes desejarem exportar uma determinada quantia que consideram excedentes.
Se um país passar a usar substitutos de moeda que não têm curso no estrangeiro, dará origem a um excedente de moeda. A criação desses substitutos de moeda equivale a um aumento da quantidade de moeda no sentido mais abrangente, isto é, moeda-mercadoria mais moeda fiduciária. Os residentes no país procurarão desfazer-se da sua parte desse excedente, aumentando suas compras de bens domésticos ou de bens estrangeiros. No primeiro caso, caem as exportações; no segundo, as importações aumentam. Em ambos os casos o excedente de moeda sai do país. Como, de acordo com o nosso pressuposto, os substitutos de moeda não podem ser exportados, é sempre a moeda propriamente dita que sai. O resultado disso é que na quantidade doméstica de moeda, no sentido abrangente (moeda-mercadoria + moeda fiduciária), a parcela de moeda diminui e a de moeda fiduciária aumenta. O estoque de moeda no sentido estrito (moeda-mercadoria) agora é menor do que anteriormente.
Suponhamos agora que os substitutos de moeda percam essa condição. O banco que os emitiu já não os resgata em termos de moeda. O que antes eram substitutos de moeda, agora são créditos contra um banco que não cumpre suas obrigações, um banco cuja capacidade e disposição de honrar seus compromissos é questionável. Ninguém sabe se e quando serão resgatados. Mas pode ocorrer que esses créditos continuem a ser usados pelo público como moeda-crédito. Enquanto substitutos de moeda, eram considerados como equivalentes à quantidade de moeda a que davam direito a qualquer momento. Como moeda crédito, são agora negociados mediante um desconto.
Quando as coisas chegam a esse ponto, é possível que haja uma intervenção do governo, decretando que a moeda-crédito é moeda de curso legal pelo seu valor nominal.[32]
Todo credor é obrigado a aceitá-la em pagamento pelo seu valor nominal. Ninguém pode discriminá-la. O decreto governamental procura obrigar o público a tratar coisas de diferente valor de troca como se tivessem o mesmo valor de troca. Interfere na estrutura de preços que seria determinada pelo mercado. Fixa preços mínimos para a moeda-crédito e preços máximos para a moeda-mercadoria (ouro) e para as divisas estrangeiras. O resultado alcançado não é o que o governo pretendia. A diferença entre o valor de troca da moeda crédito e do ouro não deixa de existir. Como é proibido empregar a moeda-mercadoria segundo o seu preço de mercado, as pessoas não a empregam para comprar e vender ou para pagar débitos. Preferem mantê-la em caixa ou exportá-la. A moeda-mercadoria desaparece do mercado interno. Diz a lei de Gresham que a má moeda expulsa do país a boa moeda. Seria mais correto dizer que a moeda que o governo tentou desvalorizar por decreto desaparece e a moeda que o decreto valorizou permanece.
A saída da moeda-mercadoria não é, portanto, a consequência de um balanço de pagamentos desfavorável, mas o resultado de uma interferência do governo na estrutura dos preços.
14. O balanço de pagamentos
A comparação entre o equivalente em moeda de todas as entradas e todas as saídas de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, durante certo período de tempo, é denominada de balanço de pagamentos. A coluna do crédito é sempre igual à coluna do débito. O balanço está sempre em equilíbrio.
Se quisermos conhecer a posição de um indivíduo no contexto de uma economia de mercado, devemos examinar o seu balanço de pagamentos. Dessa maneira, podemos saber tudo sobre o papel que ele desempenha no sistema social da divisão do trabalho. Mostra o que dá aos seus semelhantes e o que recebe deles. Mostra se ele é um cidadão decente que vive por seus próprios meios ou um ladrão ou um mendigo. Mostra se ele consome tudo o que ganha ou se poupa uma parte. Existem muitos aspectos humanos que não se acham refletidos nos livros contábeis; existem virtudes e realizações, vícios e crimes, que a contabilidade não registra. Mas, no que diz respeito à integração de um indivíduo na vida e nas atividades sociais, no que diz respeito à sua contribuição ao esforço conjunto da sociedade e à apreciação que os seus semelhantes fazem dessa contribuição, e, no que diz respeito ao seu consumo daquilo que é ou poderia ser comprado e vendido no mercado, a informação transmitida é completa.
Se juntarmos os balanços de pagamentos de certo número de indivíduos, deixando de lado os itens relativos às transações entre os membros desse grupo, obteremos o balanço de pagamento do grupo. Este balanço nos informa de que maneira os membros do grupo, considerados como um conjunto integrado de pessoas se relaciona com o resto da sociedade de mercado. Assim sendo, podemos formar o balanço de pagamento dos advogados de Nova Iorque, dos agricultores belgas, dos habitantes de Paris ou do cantão de Berna na Suíça. Os estatísticos estão geralmente interessados em estabelecer o balanço de pagamentos dos residentes nos vários países organizados como nações independentes.
Enquanto o balanço de pagamentos de um indivíduo transmite informações completas em relação à sua posição na sociedade, o balanço de um grupo informa muito menos. Não diz nada sobre as relações mútuas dos membros do grupo. Quanto maior o grupo e menos homogêneos os seus membros, mais incompleta é a informação transmitida pelo balanço de pagamentos. O balanço de pagamentos da Dinamarca nos diz mais sobre as condições dos dinamarqueses do que o balanço de pagamento dos Estados Unidos sobre as condições dos americanos. Para descrever as condições econômicas e sociais de um país, não é necessário considerar o balanço de pagamentos de cada um dos habitantes. Não obstante, o grupo a ser considerado deve ser composto de membros que, de uma maneira geral, sejam homogêneos na sua posição social e na sua atividade econômica.
A leitura dos balanços de pagamentos é, sem dúvida, muito instrutiva. Entretanto, para evitar erros muitos frequentes, é preciso saber interpretá-los. É comum listar separadamente, no balanço de pagamentos de um país, os itens monetários e não monetários. Diz-se que há um saldo no balanço quando a importação de moeda e ouro excede a exportação de moeda e ouro. Diz-se que há um déficit quando as exportações de moeda e ouro excedem as importações. Essa terminologia tem sua origem nos erros inveterados do mercantilismo, que infelizmente conseguem sobreviver a despeito da devastadora crítica dos economistas. As importações e exportações de moeda e ouro são consideradas um resultado involuntário da configuração dos itens não monetários do balanço de pagamentos. Esta consideração é inteiramente errada. Um excedente nas exportações de moeda e ouro não é fruto de uma infeliz concatenação de circunstâncias que acontece a um país como se fosse um acidente da natureza. É o resultado do fato de que os habitantes do país em questão desejam reduzir seus encaixes e preferem comprar mercadorias. É por isso que o balanço de pagamento dos países produtores de ouro é geralmente “desfavorável”; é por isso que o balanço de pagamentos de um país que substitui uma parte de seu estoque de moeda mercadoria por moeda fiduciária é “desfavorável”, enquanto perdura tal processo.
Não é necessária nenhuma intervenção diligente de uma autoridade protetora para que um país não perca todo o seu estoque monetário por causa de um balanço de pagamentos desfavorável. Neste particular, as coisas não são diferentes, quer se trate de balanços de pagamentos de indivíduos, quer de grupos. Tampouco são diferentes quando se trata de balanços de pagamentos de uma cidade, de um distrito ou de um país soberano. Não é necessária qualquer interferência do governo para impedir que os habitantes de Nova Iorque gastem todo seu dinheiro em transações com os outros 49 estados da União. Enquanto os americanos atribuírem importância à manutenção de certo encaixe, o problema se resolverá espontaneamente, porque cada um contribuirá mantendo em caixa uma parcela da quantidade de moeda do seu país. Mas, se nenhum americano estiver interessado em manter um encaixe, nenhuma medida governamental em relação ao comércio internacional e aos pagamentos internacionais poderá evitar uma saída de todo o estoque de moeda da América. Para evitá-la, seria necessário proibir a exportação de moeda e de ouro.
15. As taxas de câmbio interlocais
Suponhamos, em primeiro lugar, que só exista um tipo de moeda. Assim sendo, o que é válido em relação aos preços das mercadorias é igualmente válido em relação ao poder aquisitivo da moeda em diversos lugares. O preço final do algodão em Liverpool não pode exceder o preço em Houston, Texas, mais do que o custo de transporte. Se o preço em Liverpool for além desse valor, os comerciantes embarcarão algodão para Liverpool, produzindo assim uma tendência de retorno ao preço final. Não havendo obstáculos institucionais, o preço, em Nova Iorque, de uma ordem para pagar certa quantidade de florins em Amsterdam não pode exceder o montante — representado pelos custos de remeter as moedas metálicas, o embarque, seguro e juros no período — gasto nessas operações. Tão logo ultrapasse esse ponto — o ponto de exportação do ouro (gold export point) -, torna-se lucrativo remeter ouro de Nova Iorque para Amsterdam. Tais embarques forçam a taxa de câmbio do florim em Nova Iorque a cair abaixo do ponto de exportação do ouro. Há uma diferença entre a configuração das taxas de câmbio interlocais das mercadorias e a das moedas, graças ao fato de que as mercadorias deslocam-se apenas numa direção, qual seja, dos locais onde há excedente de produção para os locais onde há excedente de consumo. O algodão é embarcado de Houston para Liverpool e não de Liverpool para Houston. Seu preço é menor em Houston do que em Liverpool e a diferença é determinada pelo custo de transporte. Mas a moeda pode ser transferida ora numa direção, ora na outra.
O erro daqueles que pretendem explicar as flutuações das taxas de câmbio interlocais e as transferências de moeda interlocais como consequência dos itens não monetários do balanço de pagamentos reside no fato de atribuírem à moeda um caráter especial. Não chegam a perceber que, em relação a taxas de câmbio interlocais, não há diferença entre moeda e mercadoria. Se é, possível haver comércio de algodão entre Houston e Liverpool, o preço do algodão nesses dois locais não pode diferir além do custo de transporte. Da mesma maneira em que há um fluxo de algodão do sul dos Estados Unidos para a Europa, há um fluxo de ouro dos países produtores de ouro, como a África do Sul, para a Europa.
Deixemos de lado o comércio triangular e o caso dos países produtores de ouro e suponhamos que os indivíduos e firmas comerciem uns com os outros com base no padrão ouro e que não tenham intenção de alterar o tamanho de seus encaixes. De suas compras e vendas resultam créditos que implicam em pagamentos interlocais. Mas, na hipótese que formulamos, estes pagamentos interlocais são equivalentes entre si. O montante que os habitantes de A têm de pagar aos habitantes de B é igual aos montantes que os habitantes de B têm de pagar aos habitantes de A. Assim sendo, é possível poupar os custos de transportar ouro de A para B e de B para A. Os créditos e os débitos podem ser ajustados por meio de uma câmara de compensação interlocal. É uma questão meramente técnica que esse ajuste seja efetuado por uma câmara de compensação interlocal ou por transferências feitas no próprio mercado de divisas. De qualquer forma, o preço que um habitante de A (ou de B) tem de pagar para fazer um pagamento em B (ou em A) é limitado pelos custos de transporte. Não pode exceder o valor ao par por mais do que os custos de transporte (ponto de exportação do ouro), nem ser inferior ao valor ao par por mais do que os custos de transporte (ponto de importação do ouro).
Admitamos que — mantidas todas as nossas outras suposições — ocorra um desequilíbrio temporário entre os pagamentos devidos de A para B e os de B para A. Nessa hipótese, só se pode impedir que seja feita uma transferência de ouro por meio de uma operação de crédito. Se o importador em A, que precisa efetuar um pagamento hoje em B, puder comprar no mercado de divisas créditos contra os residentes em B, com vencimento em noventa dias, poderá poupar os custos de transporte de ouro tomando emprestado, em B, o montante em questão, por um período de noventa dias. Os comerciantes que lidam com divisas estrangeiras recorrerão a este procedimento se o custo do empréstimo em B não exceder o custo do empréstimo em A por mais do que o dobro dos custos de transporte do ouro. Se o custo de expedir o ouro é 1/8%, estarão dispostos a pagar, por um empréstimo há noventa dias, uma taxa de juros de 1% ao ano maior do que a taxa de juros vigente nas transações entre A e B, se não houvesse a necessidade desses pagamentos interlocais.
Esses mesmos fatos também podem ser expressos, dizendo-se que o saldo diário do balanço de pagamentos entre A e B determina o nível da taxa de câmbio, dentro dos limites estabelecidos pelos pontos de exportação e de importação do ouro. Mas não deve ser esquecido que isto só ocorre se os residentes de A e B não pretendem alterar o tamanho de seus encaixes. Somente se for esse o caso, torna-se possível evitar a transferência de ouro e manter a taxa de câmbio dentro dos limites estabelecidos pelos dois pontos da exportação e importação do ouro. Se os residentes de A querem reduzir, os seus encaixes e os de B querem aumentar os seus, o ouro terá de ser transferido de A para B; o custo da transferência telegráfica de A para B atingirá em A o ponto de exportação de ouro. O ouro é então transferido de A para B da mesma maneira que o algodão é regularmente exportado dos Estados Unidos para a Europa. O custo da transferência telegráfica para B atinge o ponto de exportação do ouro porque os residentes em A estão vendendo ouro para os residentes em B, e não porque o seu balanço de pagamentos seja desfavorável.
Isso é válido em relação a quaisquer pagamentos a serem efetuados entre vários locais. Não faz diferença se as cidades em questão pertencem à mesma nação soberana ou a diferentes nações soberanas. Entretanto, a intervenção do governo provoca consideráveis mudanças nessa situação. Todos os governos criaram instituições que possibilitam aos residentes do país fazerem pagamentos domésticos interlocais ao par. Os custos de transporte de moeda de um local para outro são arcados ou pelo Tesouro, ou pelo Banco Central, ou por qualquer outra agência do governo, como por exemplo, o serviço de poupança postal dos diversos países europeus. Por isso, não existe mais um mercado para transferências domésticas interlocais. O público não precisa pagar por uma ordem de pagamento interlocal mais do que por uma local ou, se tem de pagar um pouco mais, esta diferença não guarda qualquer relação com as flutuações dos movimentos de moeda interlocais no interior do país.
É essa interferência governamental que tornou mais nítida a diferença entre pagamentos domésticos e pagamentos fora das fronteiras nacionais. Os pagamentos domésticos efetuam-se ao par, enquanto os pagamentos no exterior estão sujeitos às flutuações que ocorrem nos limites dos pontos de exportação e importação do ouro.
Se mais de um tipo de moeda é usado como meio de troca, a taxa de câmbio recíproca entre elas é determinada pelo seu respectivo poder aquisitivo. Os preços finais das várias mercadorias, expressos em cada uma das duas ou das diversas moedas, são proporcionais entre si. A taxa de câmbio final entre os vários tipos de moeda reflete o seu poder aquisitivo em relação às mercadorias. Se surgir uma diferença, surge uma possibilidade para uma transação lucrativa e os esforços dos homens de negócios, ansiosos por se aproveitarem dessa oportunidade, fazem com que essa diferença desapareça de novo. A teoria da paridade do poder aquisitivo das moedas internacionais constitui mera aplicação dos teoremas gerais relativos à determinação de preços ao caso especial da coexistência de vários tipos de moeda.
Pouco importa se os vários tipos de moeda coexistem no mesmo território ou se o seu uso é limitado a uma determinada área. Tanto num caso como no outro, a taxa de câmbio entre elas tende a uma configuração final que torna indiferente comprar ou vender usando essa ou aquela moeda. Na medida em que existam custos de transferência interlocal, será necessário somá-los ou subtraí-los.
As mudanças no poder aquisitivo não ocorrem ao mesmo tempo em relação a todas as mercadorias e serviços. Consideremos, uma vez mais, o caso, de muita importância prática, de haver inflação em apenas um país. O aumento na quantidade doméstica de moeda-crédito ou moeda-fiat afeta inicialmente os preços de algumas mercadorias e serviços. Os preços de outras mercadorias permanecem por algum tempo inalterados. A taxa de câmbio entre a moeda nacional e as moedas estrangeiras é determinada na Bolsa, um mercado organizado e dirigido segundo os padrões e costumes comerciais de uma bolsa de valores mobiliários. Os que operam nesse mercado especial estão mais capacitados a antecipar mudanças futuras do que o resto das pessoas. Consequentemente, a estrutura de preços do mercado de câmbio reflete a nova relação monetária mais rapidamente do que os preços de muitas mercadorias e serviços. Tão logo a inflação doméstica começa a afetar os preços de algumas mercadorias, e de qualquer forma muito antes de ter consumado os seus efeitos sobre a maior parte dos preços das mercadorias e serviços, a taxa de câmbio das moedas estrangeiras tende a aumentar até o ponto que corresponderá à configuração final dos preços e salários domésticos.
Este fato tem sido interpretado de uma maneira inteiramente equivocada. As pessoas não chegam a perceber que o aumento da taxa de câmbio de divisas estrangeiras meramente antecipa o movimento ascendente dos preços domésticos. Procuram explicar a elevação da taxa de câmbio como decorrente de um balanço de pagamentos desfavorável. O aumento da demanda de moeda estrangeira, dizem eles, teria sido provocado por uma deterioração da balança comercial ou de outros itens do balanço de pagamentos, ou simplesmente por sinistras manobras de especuladores sem patriotismo. A elevação da taxa de câmbio acarretaria um aumento nos preços domésticos dos produtos importados. Os preços dos produtos domésticos também aumentariam porque, se não subissem, estimulariam os comerciantes a retirá-los do mercado interno e a vendê-los com vantagem no exterior.
Os erros implícitos nessa doutrina muito popular são fáceis de serem evidenciados. Se a renda nominal dos habitantes do país não tivesse sido aumentada pela inflação, eles teriam sido obrigados a restringir o seu consumo, seja de produtos importados, seja de produtos nacionais. No primeiro caso, as importações cairiam e, no segundo, as exportações aumentariam. Desse modo, a balança comercial voltaria a apresentar o que os mercantilistas chamam de saldo favorável. Quando pressionados, os mercantilistas se veem forçados a admitir a pertinência desse raciocínio. Mas, dizem eles, isto só é aplicável a condições normais de comércio. Não pode ser aplicado no caso de países cuja situação os obriga a importar mercadorias essenciais, tais como alimentos e matérias-primas. As importações desses bens continuam, eles não podem ser reduzidos abaixo de certo mínimo. Deveriam ser importados mesmo por um preço mais elevado. Se a moeda estrangeira necessária para importá-los não puder ser obtida por um adequado montante de exportações, a balança comercial tornar-se-á desfavorável e as taxas de câmbio aumentarão cada vez mais.
Essa ideia é tão ilusória como todas as demais ideias mercantilistas. Por mais urgente vital que seja a demanda de alguns bens por parte de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, este só poderão satisfazê-la no mercado se pagarem o preço de mercado. Se um austríaco quer comprar trigo canadense, terá de pagar o preço de mercado em dólares canadenses. Terá de conseguir os dólares canadenses exportando para o Canadá ou para algum outro país. Ao pagar preços maiores (em xelins, a moeda austríaca) pelos dólares canadenses, a disponibilidade de dólares canadenses não aumenta. Ademais, não poderá pagar tais preços maiores (em xelins) pelo trigo importado, se sua renda (em xilens) permanece inalterada. Somente se o governo austríaco adotar uma política inflacionária e assim aumentar a quantidade de xelins nos bolsos de seus cidadãos terão as austríacas condições de continuar a comprar as quantidades de trigo canadense que costumavam comprar, sem diminuir outras despesas. Se não houver inflação doméstica, qualquer aumento no preço de bens importados resultará ou numa queda do seu consumo ou numa queda do consumo de outros bens. Assim, o processo de ajuste descrito acima entra em funcionamento.
Se um homem não tem dinheiro para comprar pão de seu vizinho, o padeiro, a causa não deve ser atribuída a uma suposta falta de moeda. Ela reside no fato de que esse homem não conseguiu ganhar o dinheiro de que necessitava vendendo bens ou prestando serviços pelos quais as pessoas estivessem dispostas a pagar. O mesmo é verdade em relação ao comércio internacional. Um país pode estar em dificuldades por não conseguir vender no exterior tantas mercadorias quantas teria de vender a fim de comprar todos os alimentos de que seus cidadãos necessitam. Mas isso não significa que as divisas estrangeiras são escassas. Significa que os seus habitantes são pobres. E a inflação doméstica certamente não é um meio apropriado para acabar com a pobreza.
A especulação também não é a causa da formação da taxa de câmbio. Os especuladores simplesmente antecipam as prováveis variações. Se errarem, se o seu prognóstico de que há um processo inflacionário em curso estiver errada, a estrutura de preços e as taxas de câmbio das moedas estrangeiras não corresponderão às suas previsões e eles terão de pagar por seus equívocos, sofrendo as correspondentes perdas. A doutrina segundo a qual as taxas de câmbio das moedas estrangeiras são determinadas pelo balanço de pagamentos baseia-se numa generalização indevida de um caso particular. Se dois locais, A e B, usam o mesmo tipo de moeda, e se os residentes não desejam fazer quaisquer mudanças no tamanho de seus encaixes, o total pago, durante certo período de tempo, pelos residentes de A aos de B, é igual ao montante pago pelos residentes de B aos de A, e todos os pagamentos podem ser ajustados sem que seja necessário transferir moeda de A para B ou de B para A. Nesse caso, o custo de A da transferência telegráfica para B não pode ultrapassar um ponto ligeiramente abaixo do ponto de exportação do ouro e também não pode cair abaixo de um ponto ligeiramente acima do ponto de importação de ouro, e vice-versa. Dentro dessa margem, o saldo diário do balanço de pagamentos determina a cotação diária da taxa de câmbio. Isto só ocorre enquanto nem os residentes de A nem os de B desejarem alterar o montante de seus encaixes. Se os residentes de A quiserem diminuírem os seus encaixes e os de B quiserem aumentar os seus, a moeda será transferida de A para B e o custo, em A, da transferência telegráfica para B, atinge o ponto de exportação do ouro.
Portanto, não é porque o balanço de pagamentos em A se tenha tornado desfavorável que se efetua a transferência de moeda para B. O que os mercantilistas chamam de um balanço de pagamentos desfavorável é o resultado de uma deliberada diminuição dos encaixes dos cidadãos de A e um deliberado aumento dos encaixes dos cidadãos de B. Se nenhum residente de A estiver disposto a reduzir seu encaixe, tal fluxo de moeda jamais poderia ocorrer.
A diferença entre o comércio de moeda e o de mercadorias vendáveis é essa: em geral a transferência de mercadorias se faz num único sentido, qual seja, dos locais onde há excedente de produção para aqueles onde há excesso de consumo. Consequentemente, o preço de certa mercadoria no local onde há excedente de produção é, geralmente, menor do que onde há excesso de consumo, e esta diferença corresponde aos custos de transporte. As coisas se passam de maneira diferente com a moeda, não levando em conta o caso dos países produtores de ouro e dos países cujos residentes desejam deliberadamente alterar o tamanho de seus encaixes. A moeda se desloca, ora numa direção, ora na direção oposta. Num momento dado, um país exporta moeda; num outro momento, importa. Todo país exportador logo se transforma em país importador, precisamente por causa de suas exportações anteriores. Por essa única razão é possível poupar os custos de transporte de moeda, recorrendo-se ao mercado de câmbio de moedas estrangeiras.
16. A taxa de juros e a relação monetária
A moeda desempenha nas operações de crédito o mesmo papel que em todas as outras transações mercantis. Em geral, os empréstimos são concedidos em moeda, e os juros e o principal são pagos em moeda. Os pagamentos decorrentes dessas transações influenciam os encaixes apenas temporariamente. As pessoas que recebem os empréstimos, os juros e o principal usam o dinheiro recebido para consumo ou para investimento. Independentemente do fluxo de dinheiro recebido, essas pessoas só aumentarão os seus encaixes se forem motivadas por razões específicas a agir dessa maneira.
O estado final da taxa de juros do mercado é o mesmo para todos os empréstimos do mesmo tipo. As diferenças na taxa de juros são causadas ou por diferenças na confiabilidade e honorabilidade do devedor, ou por diferenças nos termos do contrato.[33] As diferenças nas taxas de juros que não sejam causadas por situações desse tipo tendem a desaparecer. Os pretendentes a um crédito procuram os emprestadores que cobram uma menor taxa de juros. Os emprestadores procuram as pessoas que estão dispostas a pagar uma maior taxa de juros.
No mercado de dinheiro, as coisas se passam da mesma maneira que em todos os outros mercados. Nas operações de crédito interlocais, devem também ser levadas em consideração as taxas de câmbio interlocais, assim como as diferenças que possivelmente existam entre os respectivos padrões monetários. Examinemos o caso de dois países, A e B, sendo que A adota o padrão-ouro e B, o padrão-prata. O emprestador que examina a possibilidade de emprestar moeda de A para um habitante de B deverá, primeiro, vender ouro em troca de prata e, mais tarde, no vencimento do empréstimo, vender prata em troca de ouro. Se neste interregno o preço da prata baixou em relação ao do ouro, o credor, com o principal pago pelo devedor (em prata), só poderá comprar uma quantidade de ouro menor do que a que ele desembolsou quando fez a transação. Portanto, ele só se arriscará a emprestar dinheiro em B se a diferença entre as taxas de juros de A e B for suficiente para cobrir uma esperada queda no preço da prata em relação ao ouro. A tendência de equalização da taxa de juros do mercado para empréstimos de curto prazo, que existe se A e B têm o mesmo padrão monetário, fica seriamente prejudicada quando os padrões são diferentes.
Se A e B têm o mesmo padrão monetário, os bancos de A não poderão expandir o crédito se os de B não adotarem a mesma política. A expansão de crédito em A faz com que os preços aumentem e que diminua temporariamente a taxa de juros, enquanto os preços e juros em B permanecem inalterados. Consequentemente, as exportações de A diminuem e suas importações aumentam. Além disso, os emprestadores residentes em A procuram fazer suas aplicações de curto prazo em B. O resultado é uma drenagem de recursos para o exterior, que faz com que diminuam as reservas monetárias dos bancos de A. Se os bancos de A não abandonar sua política expansionista, ficarão insolventes.
Esse processo tem sido interpretado de uma maneira inteiramente errada. As pessoas dizem que o Banco Central de um país tem uma função importante e vital a cumprir, no interesse da nação. O Banco Central teria o sagrado dever, dizem eles, de preservar a estabilidade das taxas de câmbio de moedas estrangeiras e proteger as reservas de ouro da nação contra os ataques dos especuladores estrangeiros e dos seus cúmplices nacionais. A verdade é que tudo o que um banco central faz para evitar que se evapore a sua reserva de ouro, ele o faz para poder preservar a sua própria solvência. Tendo comprometido a sua solidez financeira ao expandir o crédito, precisa agora desfazer o que já fez, para evitar consequências desastrosas. Sua política expansionista finalmente esbarra nos obstáculos que limitam a emissão de moeda fiduciária.
Ao se lidar com questões monetárias, assim como com todos os outros problemas catalácticos, não se deve fazer uso da terminologia militar. Não há uma “guerra” entre os bancos centrais; não existem forças sinistras “atacando” a posição de um banco e ameaçando a estabilidade das taxas de câmbio. Não há necessidade de um “defensor” para “proteger” o sistema monetário de um país. Além do mais, não é verdade que o que impede o banco central ou os bancos privados de um país de reduzirem a taxa de juros do mercado interno sejam considerações sobre a preservação do padrão-ouro e sobre a estabilidade das taxas de câmbio, ou ainda, considerações quanto à necessidade de frustrar as maquinações do cartel internacional formado pelos banqueiros capitalistas. A taxa de juros do mercado não pode ser reduzida por meio de uma expansão de crédito, a não ser por um período curto, e mesmo assim sofrendo todas aquelas consequências descritas na teoria do ciclo econômico.
Quando o Banco da Inglaterra, dando cumprimento aos termos de um contrato, resgata uma nota bancária, não está prestando, desinteressadamente, um serviço vital ao povo inglês. Está simplesmente fazendo aquilo que toda dona de casa faz quando paga a conta do armazém. A ideia de que haja algum mérito especial no fato de um banco central cumprir suas obrigações voluntariamente assumidas só pôde surgir e ganhar corpo porque os governos têm repetidamente concedido a esses bancos o privilégio de não pagar as importâncias que os seus clientes tinham direito de receber. Na realidade, os bancos centrais se tornaram, cada vez mais, meros departamentos subordinados ao Tesouro, simples instrumentos para execução de uma política inflacionária de expansão creditícia. Na prática, não faz a menor diferença se pertencem ou não ao governo e se são diretamente dirigidos por funcionários do governo. Na verdade, os bancos que concedem crédito circulante são hoje em dia e em todos os países apenas sucursais do Tesouro.
Só há uma maneira de manter uma moeda nacional ao par com o ouro e com as divisas estrangeiras: conversibilidade incondicional. O Banco Central tem que comprar, ao par, qualquer quantidade de ouro ou de divisas que lhe for oferecida, dando em pagamento notas bancárias ou depósitos em conta corrente; por outro lado, tem que vender, ao par, sem discriminação, qualquer quantidade de ouro e divisas que lhe for solicitada pelo público, recebendo em pagamento notas bancárias, peças de moeda metálica ou saldos de conta corrente. Esta era a política dos bancos centrais no regime do padrão-ouro (gold standard).[34]
Esta era também a política dos governos e dos bancos centrais que haviam adotado o sistema monetário comumente denominado de padrão de conversível em ouro (gold Exchange standard).[35] A única diferença entre, por um lado, o padrão-ouro “ortodoxo” ou clássico, tal como existiu na Inglaterra dos anos 20 do século XIX até a deflagração da Primeira Guerra Mundial e em outros países, e, por outro lado, o padrão conversível em ouro reside no uso de moedas de ouro no mercado doméstico. No padrão-ouro clássico, uma parte dos encaixes dos cidadãos era constituída por moedas de ouro e o restante por substitutos de moeda. No padrão conversível em ouro, os encaixes consistiam exclusivamente em substitutos de moeda.
Estabilizar o câmbio de moeda estrangeira a uma determinada taxa equivale a resgatá-la por essa taxa. Um fundo de estabilização do câmbio[36] de moeda estrangeira também só poderá ter êxito no seu funcionamento se mantiver fidelidade aos mesmos princípios.
As razões pelas quais nas últimas décadas os governos europeus têm preferido os fundos de estabilização de câmbio em vez do funcionamento normal dos bancos centrais são óbvias. A legislação relativa aos bancos centrais foi uma conquista de governos liberais ou de governos que não ousavam opor-se abertamente, pelo menos no que diz respeito à política financeira, à opinião pública dos países liberais. Os bancos centrais operavam, consequentemente, segundo o princípio da liberdade econômica. Por esse motivo, foram considerados inadequados nessa nossa época de crescente totalitarismo. As principais características do funcionamento de um fundo de estabilização de câmbio em comparação com as de um banco central são as seguintes:
1. As autoridades mantêm segredo em relação às operações do fundo. As leis têm obrigado os bancos centrais a publicarem informações sobre sua situação a intervalos muito curtos, em geral toda semana. Mas a situação dos fundos de estabilização só é conhecida pelos iniciados. O público só é informado depois de decorrido algum tempo, quando os números só podem interessar a historiadores e nunca a homens de negócios.
2. O segredo torna possível discriminar pessoas que não apoiam o governo. Em muitos países do continente europeu, deu ensejo a casos de corrupção vergonhosa. Em outros, os governos usaram o poder de discriminar para prejudicar empresários pertencentes a minorias linguísticas ou religiosas, ou que apoiavam partidos de oposição.
3. A paridade cambial não é mais fixada por uma lei devidamente promulgada pelo Parlamento e, portanto, do conhecimento de todos os cidadãos. A determinação passa a depender do arbítrio de burocratas. De tempos em tempos a imprensa noticia: a moeda da Ruritânia está fraca. Uma descrição mais correta seria: as autoridades da Ruritânia decidiram aumentar a taxa de câmbio das moedas estrangeiras.[37]
Um fundo de estabilização do câmbio não é uma varinha mágica capaz de acabar com os males da inflação. Não dispõe de quaisquer outros meios além dos disponíveis aos bancos centrais “ortodoxos”. E, da mesma forma que os bancos centrais, jamais conseguirão manter estável a taxa de câmbio, se existir no país inflação e expansão do crédito.
Segundo um argumento muito usado, os métodos “ortodoxos” que tentam evitar uma drenagem externa por meio de uma desvalorização não funcionam mais porque as nações já não estão dispostas a obedecer “às regras do jogo”. Ora, o padrão-ouro não é um jogo, é uma instituição social. Seu funcionamento não depende de estarem as pessoas dispostas a respeitar certas regras arbitrárias. Seu funcionamento decorre de uma inexorável lei econômica.
Em reforço do argumento em questão, os críticos alegam o fato de que no período entre guerras um aumento da taxa de desconto[38] não conseguiu interromper a drenagem externa, isto é, a saída de moeda metálica e a transferência de saldos bancários para os países estrangeiros. Mas esse fenômeno foi causado pelas políticas governamentais contra o padrão ouro e a favor da inflação. Se a expectativa de uma pessoa é de que irá perder 40% de seu saldo bancário em virtude de uma desvalorização eminente, procurará transferir seu depósito para o estrangeiro e não mudará de ideia só porque a taxa de desconto aumentou 1% ou 2%.
Esse aumento da taxa de desconto, obviamente, não compensa uma perda dez ou vinte ou mesmo quarenta vezes maior. Evidentemente, o padrão-ouro não pode funcionar, se os governos têm interesse em sabotar o seu funcionamento.
17. Os meios de troca secundários
O uso de moeda não elimina as diferenças que existem entre os vários bens não monetários no que concerne à sua negociabilidade. Na economia monetária, há uma diferença substancial entre a negociabilidade da moeda e a dos bens vendáveis. Mas entre os vários tipos de bens vendáveis também existem diferenças de negociabilidade. Para alguns deles, é mais fácil encontrar rapidamente um comprador disposto a pagar o maior preço possível, compatível com a situação do mercado. Para outros, é mais difícil. Um título de renda de primeira classe é mais negociável do que uma casa na rua principal da cidade, e um velho casaco de peles é mais negociável do que um autógrafo de um estadista do século XVIII. Já não se faz mais a comparação entre a negociabilidade dos vários bens vendáveis e a negociabilidade perfeita da moeda; compara-se apenas o grau de negociabilidade das várias mercadorias. Cabe, portanto, fazer referência a uma negociabilidade secundária dos bens vendáveis.
Quem possui um estoque de bens de um alto grau de negociabilidade secundária tem possibilidade de restringir o seu encaixe. Quando lhe for necessário aumentá-lo, poderá vender esses bens de alto grau de negociabilidade secundária, sem demora, e pelo preço mais alto praticado no mercado. Assim sendo, o tamanho do encaixe de uma pessoa ou de uma firma é influenciado pelo fato de ela dispor, ou não, de um estoque de bens com um alto grau de negociabilidade secundária. O tamanho dos encaixes e as despesas necessárias para mantê-los podem ser reduzidos se existir uma disponibilidade de bens geradores de renda com um alto grau de negociabilidade secundária.
Consequentemente, surge uma demanda específica por esses bens, pois há pessoas que desejam adquiri-los com vistas a reduzir o custo de manter os seus encaixes. Os preços desses bens são afetados por essa demanda específica; seriam menores se ela não existisse. Esses bens são como um meio de troca secundário, e seu valor de troca resultam de dois tipos de demanda: a demanda relativa aos serviços que prestam como meios de troca secundários e a demanda relativa aos outros serviços que possam prestar.
Os custos incorridos para manter uma importância em caixa equivalem ao juro que se poderia obter se a mesma fosse investida. O custo incorrido para manter um estoque de meios de troca secundários consiste na diferença entre o juro que esses títulos rendem e o maior ganho que poderia ser obtido com outros títulos que diferem dos primeiros apenas por terem uma menor negociabilidade e por serem, portanto, menos adequados a servir como meio de troca secundário.
Desde tempos imemoriais, as joias têm sido usadas como um meio de troca secundário. Hoje, os meios de troca secundários mais usados são:
1. Créditos contra bancos, banqueiros e instituições de poupança que — embora não sejam substitutos de moeda[39] — são resgatáveis à vista ou a curtíssimo prazo.
2. Títulos cujo volume e popularidade são tão grandes, que é possível vender pequenas quantidades deles sem afetar sua cotação no mercado.
3. Finalmente, às vezes, até mesmo certas ações ou mercadorias de muita negociabilidade. É claro que as vantagens de diminuir os custos de manter um encaixe devem ser confrontadas com certos riscos. A venda de títulos e, ainda mais, a de mercadorias, às vezes, só pode ser feita com uma perda. Esse perigo praticamente não existe no caso de saldos bancários, e os riscos de insolvência do banco são geralmente desprezíveis. Por isso, créditos que rendem juros, contra bancos e banqueiros, e que podem ser resgatados mediante pré-aviso de curtíssimo prazo são os meios de troca secundários mais utilizados.
Não se devem confundir meios de troca secundários com substitutos de moeda. Os substitutos de moeda são pagos e recebidos nas transações, como se moeda fossem. Mas os meios de troca secundários precisam primeiro, ser trocados por moeda ou por substitutos de moeda, quando se pretende usá-los — de maneira indireta — para efetuar pagamentos ou para aumentar os encaixes.
Os créditos utilizados como meios de troca secundários têm, por causa desse emprego, um mercado mais amplo e um preço maior. A consequência disso é que rendem um juro menor do que créditos do mesmo tipo que não são adequados a servir como meios de troca secundários. Os títulos do governo e as letras do Tesouro, que podem ser usados como meios de troca secundários são emitidos em condições mais favoráveis ao devedor do que os empréstimos que não podem ser empregados com essa finalidade. Por conseguinte, os devedores em questão têm um grande interesse em que o mercado de seus títulos seja organizado de forma a torná-los atrativos para aqueles que estão à procura de meios de troca secundários. Procuram fazer com que seja possível aos portadores desses títulos vendê-los ou usá-los como garantia de empréstimos em termos os mais razoáveis possíveis. Ao anunciar ao público as suas emissões, enfatizam essas características como uma vantagem especial.
Pela mesma razão, os bancos e os banqueiros procuram atrair a demanda por meios de troca secundários. Oferecem boas condições aos seus clientes. Competem entre si, encurtando o tempo exigido de pré-aviso. Às vezes, chegam a pagar juros sobre moeda exigível à vista. Nesse tipo de disputa, alguns bancos se excedem e colocam em risco a sua própria solvência.
As condições políticas das últimas décadas aumentaram a importância dos saldos bancários que podem ser considerados como meios de troca secundários. Os governos de quase todos os países estão engajados numa campanha contra os capitalistas; procuram expropriá-los através de medidas fiscais e monetárias. Os capitalistas, por seu lado, procuram proteger sua propriedade mantendo uma parte de seus fundos em valores bastante líquidos, de maneira a poder escapar a tempo dessas medidas confiscatórias. Conservam os seus saldos bancários nos bancos dos países onde o perigo de confisco ou de desvalorização da moeda é, naquele momento, menores. Tão logo mudem as perspectivas, transferem os seus saldos para países que temporariamente lhes parecem oferecer maior segurança. São esses fundos que as pessoas têm em mente quando se referem a “dinheiro quente”(hot money).
O sistema de reserva única faz com que o dinheiro quente tenha uma importância muito grande no sistema monetário. Para facilitar aos bancos centrais a tarefa de expandir o crédito, os governos europeus, desde há muito tempo, têm procurado concentrar suas reservas de ouro nas mãos de um banco central. Os outros bancos (os bancos privados, isto é, aqueles que não têm o privilégio especial de emitir notas bancárias) limitam suas disponibilidades de caixa às necessidades de suas transações diárias. Eles já não mantêm mais reservas para fazer face às suas obrigações que vencem todos os dias. Não consideram mais como necessário balancear os vencimentos de seu exigível com os do seu realizável, de maneira a poder, todos os dias, ter condições de cumprir suas obrigações para com os credores, sem qualquer ajuda.
Contam com o banco central para o cumprimento de suas obrigações. Quando os credores querem retirar mais do que um montante “normal”, os bancos privados tomam emprestados do Banco Central os recursos necessários. Um banco privado considera sua liquidez como satisfatória se possuir uma quantidade suficiente de garantias colaterais contra as quais o banco central lhe empresta dinheiro, ou de letras de câmbio que o banco central poderá redescontar.[40]
Quando o afluxo de dinheiro quente começou, os bancos privados dos países onde esse dinheiro é temporariamente depositado não viram nada de errado em tratar esses recursos da maneira habitual. Utilizaram os recursos adicionais que lhes foram confiados, aumentando seus empréstimos comerciais. Não se preocuparam com as consequências, embora soubessem que esses fundos poderiam ser retirados logo que surgissem quaisquer dúvidas quanto à política monetária ou fiscal de seus países. A falta de liquidez desses bancos era evidente: de um lado, grandes somas que os clientes tinham o direito de retirar a curtíssimo prazo e, do outro lado, empréstimos comerciais que só seriam recuperados mais tarde. A única maneira segura de lidar com dinheiro quente teria sido manter uma reserva de ouro e de divisas suficientemente grande para devolver a totalidade do dinheiro recebido, a qualquer momento. Evidentemente, esse método tornaria necessário que os bancos cobrassem uma comissão para manter os fundos dos seus clientes em segurança.
A hora da verdade chegou, para os bancos suíços, naquele dia de setembro de 1936, em que a França desvalorizou o franco francês. Os depositantes de dinheiro quente se assustaram; temiam que a Suíça seguisse o exemplo da França. Como era de se esperar, todos procuraram transferir imediatamente seus fundos para Londres ou Nova Iorque, ou até mesmo para Paris, onde seria improvável que, nas semanas seguintes, houvesse uma nova depreciação. Mas os bancos comerciais suíços não estavam em condições de devolver esses fundos sem a ajuda do Banco Nacional. Tinham-no emprestado a empresas — uma grande parte delas de países que, devido ao controle de câmbio, tinham seus saldos devedores bloqueados. A única saída seria tomar emprestado no Banco Nacional os fundos correspondentes e, assim, manter a sua solvabilidade. Mas, nesse caso, os depositantes que tivessem recebido o seu dinheiro iriam imediatamente ao Banco Nacional para trocá-lo por ouro ou divisas estrangeiras. Se o Banco Nacional se recusasse a fazê-lo, estaria abandonando o padrão-ouro e desvalorizando o franco suíço. Por outro lado, se o Banco Nacional resgatasse suas notas, perderia a maior parte de suas reservas. O pânico se estabeleceria; os próprios suíços também tentariam transformar o mais possível os seus depósitos em ouro e divisas. O sistema monetário do país entraria em colapso.
A única alternativa para o Banco Nacional Suíço teria sido não dar qualquer ajuda aos bancos privados. Mas isso teria sido equivalente a declarar a insolvência das instituições de crédito mais importantes do país.
Assim sendo, o governo suíço não tinha outra escolha. Só havia uma maneira de evitar a catástrofe econômica: seguir o exemplo francês e desvalorizar o franco suíço. E a situação não admitia espera.
De um modo geral, a situação na Inglaterra era a mesma, quando começou a guerra em setembro de 1939. A City de Londres, outrora o centro bancário do mundo, já havia perdido sua importância. Mas, ainda assim, estrangeiros e cidadãos dos Domínios ainda mantinham nos bancos ingleses, na véspera da guerra, consideráveis saldos em curto prazo. Além disso, havia grandes depósitos dos bancos centrais da “zona da libra esterlina”.[41] Se o governo inglês não tivesse congelado todos esses saldos através de medidas restritivas ao câmbio de divisas, a insolvência dos bancos ingleses seria inevitável. O controle do câmbio foi uma moratória disfarçada, concedida aos bancos, poupando-os da obrigação de ter de confessar publicamente sua incapacidade de cumprir as obrigações assumidas.
18. A visão inflacionista da história
Uma teoria muito difundida sustenta que a progressiva diminuição do poder aquisitivo da unidade monetária teria tido um papel decisivo na evolução histórica. A humanidade não teria podido atingir o seu atual estado de bem estar se a oferta de moeda não tivesse crescido mais rapidamente que a demanda. A consequente queda no poder aquisitivo, afirma essa teoria, teria sido uma condição necessária para o progresso econômico; a intensificação da divisão do trabalho e o contínuo crescimento da acumulação de capital, que centuplicou a produtividade do trabalho, só teriam podido ocorrer num mundo em que houvesse uma progressiva alta de preços. A inflação daria origem à prosperidade e à riqueza; à deflação, à desgraça e à decadência econômica.[42] Um exame da literatura política e das ideias que por séculos têm orientado as políticas monetária e creditícia das nações revela que essa opinião é aceita por quase todo mundo. Apesar das advertências de alguns economistas, ainda hoje é o núcleo da filosofia econômica leiga. É, também, a essência dos ensinamentos de lorde Keynes e de seus discípulos nos dois hemisférios.
A popularidade do inflacionismo se deve, em grande parte, ao arraigado ódio contra os credores. A inflação é considerada justa porque favorece os devedores em detrimento dos credores. Não obstante, a visão inflacionista da história, de que trataremos nessa seção, tem pouca relação com esse argumento anticredor. Sua afirmativa de que o “expansionismo” é a força motriz do progresso econômico e que o “restricionismo” é o pior de todos os males baseia-se, sobretudo em outros argumentos.
É óbvio que os problemas suscitados pela doutrina inflacionista não podem ser resolvidos recorrendo-se aos ensinamentos da experiência histórica. É fora de dúvida que a história dos preços mostra, de uma maneira geral, uma contínua tendência ascendente, embora às vezes interrompida por períodos curtos. Evidentemente, não há outra maneira de analisar este fato, a não ser pela compreensão histórica. A precisão cataláctica não pode ser aplicada a problemas históricos. Os esforços de alguns historiadores e estatísticos para rastrear as mudanças no poder aquisitivo dos metais preciosos através dos séculos, e medi-las, são inúteis. Já foi mostrado que todas as tentativas de medir grandezas econômicas estão baseadas em suposições inteiramente falsas e demonstram uma ignorância dos princípios fundamentais tanto da economia como da história. Mas o que a história, por meio de seus próprios métodos, podem nos dizer nesse particular é suficiente para justificar a afirmativa de que o poder aquisitivo da moeda tem mostrado ao longo dos séculos uma tendência de queda. Em relação a isso, todos estão de acordo.
Mas não é esse o problema a ser elucidado. A questão é saber se a queda no poder aquisitivo foi, ou não, um fator indispensável na evolução da pobreza de eras passadas para as condições mais satisfatórias do moderno capitalismo ocidental. Esta questão deve ser respondida sem que se recorra à experiência histórica, que pode ser, e sempre é interpretada maneiras, e à qual os defensores e adversários de qualquer que seja a teoria ou explicação da história se referem como uma prova de suas afirmativas mutuamente contraditórias e incompatíveis. O que se faz necessário é esclarecer os efeitos que as mudanças no poder aquisitivo provocaram sobre a divisão do trabalho, a acumulação de capital e o progresso tecnológico.
Ao lidar com esse problema, não nos podemos satisfazer apenas em refutar os argumentos apresentados pelos inflacionistas em defesa de sua tese. O absurdo desses argumentos é tão evidente, que fica fácil refutá-los e desmascará-los. Desde o começo de sua existência, a ciência econômica já mostrou repetidas vezes que as afirmativas referentes aos supostos benefícios de uma abundância de moeda e aos supostos desastres de uma escassez de moeda são o resultado de erros crassos de raciocínio. Os esforços dos apóstolos do inflacionismo e do expansionismo para refutar o acerto dos ensinamentos dos economistas têm sido absolutamente inúteis.
A única questão relevante é a seguinte: é ou não possível baixar a taxa de juros por meio da expansão de crédito? Esse problema foi exaustivamente tratado no capítulo consagrado a estudar a interdependência da taxa de juros e da relação monetária. Foram mostradas quais são, inevitavelmente, as consequências de booms provocados por uma expansão creditícia.
Mas devemos perguntar-nos se não é possível existirem outras razões que possam ser apresentadas em favor da interpretação inflacionista da história. Não teriam os defensores do inflacionismo deixado de recorrer a algum argumento válido que pudesse sustentar sua posição? É certamente necessário que o assunto seja examinado de todos os ângulos possíveis.
Imaginemos um mundo no qual seja rígida a quantidade de moeda. Num primeiro estágio, os habitantes desse mundo produziram toda a quantidade possível da mercadoria a ser usada como moeda. Um novo aumento na quantidade de moeda é impossível. Os meios fiduciários não são conhecidos. Todos os substitutos de moeda — inclusive a moeda fracionária — são certificados de moeda.
Nessas condições, a intensificação da divisão do trabalho, a evolução da autossuficiência econômica das famílias, vilas, distritos e países para o sistema de mercado mundial do século XIX, a progressiva acumulação de capital e o progresso tecnológico dos métodos de produção teriam resultado numa tendência contínua à queda dos preços. Poderia esse aumento do poder aquisitivo da unidade monetária impedir a evolução do capitalismo?
O homem de negócios comum responderia afirmativamente a essa pergunta; vivendo e agindo num mundo em que uma lenta, mas contínua, queda no poder aquisitivo da unidade monetária é considerada como normal, necessária e benéfica, simplesmente não pode compreender um estado de coisas diferentes. No seu entender, as noções de preços em ascensão e lucros estão associadas, do mesmo modo que as de preços em queda e perdas. O fato de que também se possa operar na baixa e que grandes fortunas tenham sido feitas dessa maneira não abala o seu dogmatismo. São casos — diz ele — de transações meramente especulativas de pessoas desejosas por lucrar com a queda nos preços de bens já produzidos e disponíveis; as inovações criativas, os novos investimentos e a utilização de métodos tecnológicos aprimorados requerem o estímulo que a expectativa de aumento de preços propicia; o progresso econômico só é possível num mundo de preços em ascensão.
Esta forma de pensar é insustentável. Num mundo em que fosse crescente o poder aquisitivo da unidade monetária, o modo de pensar das pessoas se ajustaria a esse estado de coisas, da mesma forma que, no nosso mundo, se ajustaram a uma unidade monetária de poder aquisitivo decrescente. Hoje em dia, as pessoas em geral estão prontas a considerar um aumento na sua renda nominal ou monetária como uma melhoria de sua situação material. Mais com os salários e com o equivalente monetário da riqueza do que com o aumento da quantidade de bens disponíveis. Num mundo em que o poder aquisitivo da unidade monetária fosse crescente, todos concentrariam sua atenção na redução do custo de vida. Isto tornaria evidente o fato de que o progresso econômico consiste primordialmente em fazer com que as amenidades da vida sejam cada vez mais acessíveis.
Na condução dos negócios, as reflexões acerca da tendência secular dos preços não são levadas em consideração. Empresários e investidores não se preocupam com tendências seculares. O que orienta suas ações é a sua expectativa de quais serão os preços nas próximas semanas, meses ou, no máximo, nos próximos anos. Não se interessam pelo movimento geral de todos os preços. O que lhes interessa é a existência de diferenças entre os preços dos fatores complementares de produção e o preço previsto dos produtos. Nenhum empresário se lança num empreendimento por acreditar que os preços, isto é, os preços de todos os bens e serviços, irão aumentar. Ele se engajará no empreendimento em questão se acreditar que pode extrair um lucro da diferença entre os preços dos bens de várias ordens. Num mundo com uma tendência secular de preços decrescentes, as oportunidades de lucro surgirão da mesma maneira com que surgiram num mundo com uma tendência secular de preços crescentes. A expectativa de um aumento geral e progressivo de todos os preços não intensifica a produção nem provoca uma melhoria do nível de vida. Ao contrário, acaba resultando numa “fuga para os valores reais”, numa alta desastrosa e no colapso do sistema monetário.
Se houver uma expectativa geral de que os preços de todas as mercadorias irão diminuir, a taxa de juros no mercado de curto prazo se reduz no montante correspondente ao prêmio compensatório negativo.[43] Assim sendo, o empresário que utiliza recursos emprestados se protegem das consequências de tal queda nos preços, na mesma medida em que, numa situação de preços crescentes, o emprestador se protege, graças ao prêmio positivo, das consequências da diminuição do poder aquisitivo.
Uma tendência secular de aumento do poder aquisitivo da unidade monetária faria com que os empresários e investidores adotassem regras práticas, empíricas, diferentes daquelas que se desenvolveram em decorrência da tendência secular de queda do poder aquisitivo. Mas com certeza não influenciaria substancialmente o curso dos negócios. Não eliminaria o desejo das pessoas de melhorar sua situação material, tanto quanto possível, por meio de um ajuste adequado da produção. Não privaria o sistema econômico dos fatores que são a origem do progresso material, a saber, o empenho de audazes promotores em obter lucro e a disposição do público para comprar aquelas mercadorias que lhes proporcionam maior satisfação pelo menor custo.
Tais observações, certamente, não são um apelo para que se adote uma política de deflação. Implicam meramente numa refutação das inextirpáveis fábulas inflacionistas. Desmascaram o caráter ilusório da doutrina de lorde Keynes, segundo a qual a fonte da pobreza e da miséria, da depressão econômica e do desemprego deve ser procurada na “pressão contracionista”. Não é verdade que “uma pressão deflacionária […] teria […] impedido o desenvolvimento da indústria moderna”. Não é verdade que a expansão do crédito produza o “milagre […] de transformar pedra em pão”.[44]
A economia não recomenda políticas inflacionárias nem deflacionárias. Não instiga os governos a se imiscuírem na escolha do meio de troca feita pelo mercado. A economia apenas proclama as seguintes verdades:
1. Um governo, ao adotar uma política inflacionista ou deflacionista, não está promovendo o bem estar do público, o bem comum ou os interesses da nação em geral. Está meramente favorecendo um ou alguns grupos da população à custa de outros grupos.
2. É impossível saber previamente que grupos serão favorecidos por uma específica medida inflacionária ou deflacionária, e em que extensão. Esses efeitos dependem do conjunto de circunstâncias do mercado considerado; dependem também, em grande medida, da velocidade do movimento inflacionário ou deflacionário e podem sofrer uma total reversão no curso desses movimentos.
3. Em qualquer grau, uma expansão monetária resulta em investimentos malbaratados e exacerbação do consumo. A nação, como um todo, fica mais pobre e não mais rica. Esses problemas serão examinados mais detidamente no capítulo XX.
4. Uma inflação continuada acaba provocando uma alta desastrosa e a completa ruína do sistema monetário.
5. A política deflacionária é onerosa para o Tesouro e impopular junto às massas. Por outro lado, a política inflacionária é vantajosa para o Tesouro e bastante popular entre os ignorantes. Na prática, o perigo da deflação é apenas ligeiro, enquanto o perigo da inflação é enorme.
19. O padrão-ouro
Os homens escolheram os metais preciosos, ouro e prata, para servirem como moeda, graças às suas características mineralógicas, físicas e químicas. O uso de moeda, numa economia de mercado é praxeologicamente, um requisito indispensável. Que tenha sido o ouro — e não outra coisa qualquer — o escolhido para ser usado como moeda é apenas um fato histórico e, como tal, não pertence ao campo de estudo da cataláxia. Na história monetária também, tanto quanto nos demais ramos da história, somos obrigados a recorrer à compreensão histórica. Se alguém se apraz em denominar o padrão-ouro de “relíquia bárbara”,[45] não poderá objetar que se empregue o mesmo termo para designar qualquer instituição de origem histórica. Assim, o fato de que os ingleses falem inglês — e não dinamarquês, alemão ou francês — também é uma relíquia bárbara, e todo inglês que se opuser à substituição do inglês pelo esperanto é tão dogmático e ortodoxo quanto aqueles que não manifestam entusiasmo por planos que visam a administrar a moeda.
A desmonetização da prata e a implantação do monometalismo ouro foram provocadas por uma deliberada intervenção do governo nos assuntos monetários. É inútil querer saber o que teria ocorrido se tais políticas não tivessem sido adotadas. Mas não se deve esquecer de que não era intenção do governo estabelecer o padrão-ouro. O que o governo pretendia era o bimetalismo. Queria substituir a relação flutuante entre moedas de ouro e prata, que coexistiam independentemente, por uma relação rígida, estabelecida por decreto. As doutrinas monetárias subjacentes a esses esforços interpretaram os fenômenos de mercado de uma maneira tão equivocada como somente os burocratas são capazes de fazê-lo. A tentativa de criar um padrão duplo, de ouro e prata, falhou lamentavelmente. Foi este fracasso que gerou o padrão-ouro. O surgimento do padrão-ouro foi uma consequência da esmagadora derrota dos governos e das suas doutrinas favoritas.
No século XVII, os valores atribuídos pelo governo inglês às moedas metálicas resultaram numa sobrevalorização do guinéu em relação à prata, fazendo com que as moedas de prata saíssem de circulação. Só ficaram em circulação as moedas de prata muito gastas pelo uso ou que, por qualquer outro motivo, estavam deformadas e com o peso reduzido; não valia a pena exportá-las ou vendê-las no mercado de metais. Foi assim que a Inglaterra adotou o padrão-ouro, sem que fosse essa a intenção do seu governo. Somente mais tarde é que as leis tornaram de jure o padrão-ouro que já era de facto. O governo acabou desistindo de injetar moedas de prata no mercado e passou a cunhar apenas moedas fracionárias com um poder liberatório limitadas. Essas moedas fracionárias não eram moeda; eram substitutos de moeda. Seu valor de troca não decorria do seu conteúdo de prata, mas do fato de que podiam ser trocadas por ouro, a qualquer momento, sem demora e sem custo, com base no seu valor nominal. Eram de facto notas bancárias impressas em prata, créditos que davam direito a certa quantidade de ouro.
Mais tarde, durante o século XIX, de uma maneira análoga, o padrão duplo foi substituído na França e nos outros países da União Monetária Latina[46] pelo monometalismo ouro de facto. Esses governos, quando a queda no preço da prata, no final dos anos 70 do século passado, teria automaticamente substituído o padrão-ouro de facto por um padrão-prata de facto, suspenderam a cunhagem de prata a fim de preservar o padrão-ouro. Nos Estados Unidos, a estrutura de preços no mercado de ouro e prata já tinha, antes do início da guerra civil, transformado o bimetalismo legal em monometalismo ouro de facto. Depois do período dos greenbaks,[47] seguiu-se um conflito entre os defensores do padrão-ouro de um lado e os do padrão-prata do outro; saiu vitorioso o padrão-ouro.
Uma vez que as nações mais avançadas tinham adotado o padrão-ouro, todas as demais seguiram o mesmo caminho. Depois das grandes aventuras inflacionárias da Primeira Guerra Mundial, a maior parte dos países apressou-se em retornar ao padrão-ouro ou ao padrão conversível em ouro.
O padrão-ouro foi o padrão monetário mundial da era do capitalismo, quando cresceram o bem estar, a liberdade e a democracia, tanto política como econômica. Para os partidários do livre comércio, sua principal virtude consistia precisamente no fato de ser um padrão internacional, necessário às transações do mercado internacional de moedas e de capitais.[48] Foi o meio de troca por intermédio do qual o industrialismo e os capitais ocidentais levaram a civilização às partes mais remotas da superfície terrestre, destruindo preconceitos e superstições, plantando as sementes de uma nova vida e de um novo bem estar, libertando mentes e almas e criando riquezas nunca antes imaginadas. Acompanhou o progresso triunfal e sem precedentes do liberalismo ocidental, pronto a unir todas as nações numa comunidade de nações livres que cooperavam pacificamente umas com as outras.
É fácil compreender por que as pessoas consideravam o padrão-ouro como o símbolo dessa histórica revolução, a maior e mais benéfica de todos os tempos. Todos aqueles que pretendiam sabotar a evolução em direção ao bem estar, à paz, à liberdade e à democracia abominavam o padrão-ouro, e não apenas por causa do seu significado econômico. Para essas pessoas, o padrão-ouro era o lábaro, o símbolo de todas as doutrinas e políticas que pretendiam destruir. Na luta contra o padrão-ouro, havia muito mais em jogo do que preços e mercadorias e taxas de câmbio.
Os nacionalistas condenam o padrão-ouro porque querem afastar seus países do mercado mundial e estabelecer uma autarquia nacional, a mais completa possível. Os governos intervencionistas e os grupos de pressão condenam o padrão-ouro porque o consideram o obstáculo que mais dificulta os seus desejos de manipular os preços e os salários. Mas os ataques mais fanáticos contra o ouro partem daqueles que pretendem expandir o crédito. Para estes, a expansão do crédito seria a panaceia capaz de curar todos os males econômicos; reduzir ou até mesmo eliminar os juros; aumentar salários e preços em benefício de todos, com exceção dos capitalistas parasitas e dos empregadores exploradores; libertar o Estado da necessidade de equilibrar o seu orçamento — em resumo, fazer com que todas as pessoas decentes fossem prósperas e felizes. Somente o padrão-ouro, essa diabólica invenção de economistas “ortodoxos” perversos e estúpidos, estaria impedindo a humanidade de atingir uma prosperidade perpétua.
O padrão-ouro, certamente, não é um padrão perfeito ou ideal. Não existe perfeição nas coisas humanas. Mas ninguém consegue sugerir-nos algo mais satisfatório que possa ser colocado no seu lugar. O poder aquisitivo do ouro não é estável. Mas as próprias noções de estabilidade e de imutabilidade do poder aquisitivo são absurdas. Num mundo em que haja vida e mudança, não pode haver estabilidade do poder aquisitivo. Na construção imaginária da economia uniformemente circular, não há necessidade de um meio de troca. Uma das características essenciais da moeda é a de ter um poder aquisitivo que varia. Na realidade, os adversários do padrão-ouro não querem estabilizar o poder aquisitivo da moeda. Querem dar aos governos o poder de manipular o poder aquisitivo sem ter de se preocupar com um fator “externo”, a saber, a relação monetária do padrão-ouro.
A principal objeção levantada contra o padrão-ouro é que ele torna operante, na determinação dos preços, um fator que nenhum governo pode controlar — as vicissitudes da produção de ouro. Desta forma, uma força “externa” ou “automática” impediria o governo de fazer com que os cidadãos fossem tão prósperos quanto ele gostaria. Os capitalistas internacionais imporiam sua vontade e a soberania nacional seria desrespeitada.
Seja como for, a futilidade das políticas intervencionistas não tem nada a ver com as questões monetárias. Será mostrado mais tarde por que motivo todas as medidas isoladas de intervenção governamental nos fenômenos do mercado não conseguem atingir seus objetivos. Quando um governo intervencionista procura remediar os problemas criados com as suas primeiras intervenções, intervindo ainda mais, acaba convertendo o sistema econômico do seu país num socialismo do tipo alemão. O mercado interno fica completamente abolido, e com ele a moeda e os problemas monetários, ainda que se mantenham alguns termos e expressões típicas da economia de mercado.[49] Em ambos os casos, não é o padrão-ouro que frustra as boas intenções da autoridade paternalista.
O padrão-ouro, ao fazer com que o aumento da disponibilidade de ouro dependa da lucratividade de produzi-lo, automaticamente limita o poder do governo de recorrer à inflação. O padrão-ouro faz com que a determinação do poder aquisitivo da moeda seja independente das ambições e doutrinas dos partidos políticos e dos grupos de pressão. Isto não é um defeito do padrão-ouro; é a sua principal virtude. Qualquer manipulação do poder aquisitivo é necessariamente arbitrária. Todos os métodos para manipular o poder aquisitivo baseados na descoberta de um padrão de referência, supostamente objetivo e “científico”, têm sua origem na ilusão de que as mudanças do poder aquisitivo podem ser “medidas”. O padrão-ouro impede que os políticos possam provocar mudanças de origem monetária no poder aquisitivo. Sua aceitação geral implica no reconhecimento de que não se podem enriquecer as pessoas pela impressão de moeda. A aversão ao padrão-ouro origina-se na superstição de que governos onipotentes podem criar riqueza a partir de pequenos pedaços de papel.
Tem sido afirmado que o padrão-ouro também pode ser manipulado. Os governos podem influenciar o nível do poder aquisitivo do ouro, seja pela expansão do crédito, mesmo quando mantida nos limites impostos pela conversibilidade dos substitutos de moeda, seja adotando, indiretamente, medidas que induzam as pessoas a reduzirem o tamanho de seus encaixes. Isso é verdade. Não se pode negar que o aumento nos preços das mercadorias ocorrido entre 1896 e 1914 foi, em grande medida, provocado por tais políticas governamentais. Mas o que importa é que o padrão-ouro limita muito a possibilidade de diminuir o poder aquisitivo da moeda. Os inflacionistas condenam o padrão-ouro precisamente porque consideram essa limitação como um sério obstáculo à realização de seus planos.
O que os expansionistas consideram como defeitos do padrão-ouro são, na realidade, as razões de sua superioridade e de sua utilidade; o padrão-ouro impede os governos de adotarem políticas capazes de provocar inflação em larga escala. O padrão ouro não falha. Os governos queriam suprimi-lo porque estavam comprometidos com a ilusão de que a expansão do crédito é um meio adequado para reduzir a taxa de juros e para “melhorar” a balança comercial.
Não obstante, nenhum governo é suficientemente poderoso para abolir o padrão ouro. O ouro é a moeda do comércio internacional e da comunidade econômica supranacional que congrega toda a humanidade. Não pode ser afetado por medidas de governos cuja soberania é limitada a um determinado país. Enquanto um país não for economicamente autossuficiente no estrito sentido do termo, enquanto existirem algumas brechas nas paredes com que os governos procuram isolar seus países do resto do mundo, o ouro continuará sendo usado como moeda. Não importa que o governo confisque todas as moedas e barras de ouro que caiam em suas mãos e castigue todos os que detenham ouro como se fossem criminosos.
A linguagem dos acordos de compensação bilaterais, por meio dos quais os governos tentam eliminar o ouro do comércio internacional, evitam fazer qualquer referência ao ouro. Mas os saldos resultantes desses acordos são calculados em ouro. Quem compra e vende no mercado internacional calcula as vantagens e desvantagens de suas transações em ouro. A despeito do fato de um país ter suprimido qualquer vínculo de sua moeda com o ouro, sua estrutura doméstica de preços permanece estreitamente ligada ao ouro e aos preços do ouro no mercado internacional. Se um governo quiser dissociar a estrutura de seus preços internos daquela existente no mercado mundial, deverá recorrer a outras medidas, tais como tarifas proibitivas de importação e exportação e embargos. A estatização do comércio exterior quer seja oficial, quer seja efetuada pelo controle do câmbio, não elimina o ouro. Os governos, enquanto comerciantes, comerciam usando o ouro como meio de troca.
A luta contra o ouro, que é uma das principais preocupações de todos os governos contemporâneos, não deve ser considerada como um fenômeno isolado. É apenas um item no gigantesco processo de destruição que é a marca de nosso tempo. As pessoas lutam contra o padrão-ouro porque querem substituir a liberdade de comércio pela autossuficiência nacional, a paz pela guerra, a liberdade pelo governo totalitário e onipotente.
Pode ser que um dia a tecnologia descubra um método capaz de aumentar a disponibilidade de ouro a um custo tão baixo a ponto de torná-lo imprestável para a função monetária. Quando isso ocorrer, o padrão-ouro terá de ser substituído por outro padrão. É inútil querer saber, hoje, como esse problema será resolvido. Não temos a menor ideia sobre quais serão as condições no momento em que essa decisão tiver de ser tomada.
Cooperação monetária internacional
O padrão-ouro funciona no âmbito internacional sem precisar de qualquer interferência dos governos. Permite uma cooperação efetiva e real entre os membros da economia de mercado do mundo todo. Não há necessidade da ajuda de qualquer governo para fazer com que o padrão-ouro funcione como padrão internacional.
O que os governos denominam de cooperação monetária internacional, na realidade, é uma ação conjunta, em favor da expansão do crédito; já perceberam que a expansão do crédito, quando limitada a um país apenas, resulta numa drenagem externa. Ainda assim, acreditam que a drenagem externa seria o único empecilho à diminuição da taxa de juros e, consequentemente, à criação da prosperidade eterna. Se todos os governos cooperassem, pensam eles, adotando políticas expansionistas, esse obstáculo poderia ser superado. Bastaria que houvesse um banco internacional que emitisse meios fiduciários que fossem aceitos como substitutos de moeda por todas as pessoas de todos os países.
Não há necessidade de repetir de novo que o que torna impossível baixar a taxa de juros por meio de uma expansão do crédito não é apenas a drenagem externa. Esse problema fundamental está exaustivamente analisado em outros capítulos e seções deste livro.[50]
Mas há outra questão importante a ser examinada. Suponhamos que exista um banco internacional emitindo meios fiduciários e cuja clientela seja a população do mundo todo. Não importa se esse substituto de moeda vai diretamente para os encaixes dos indivíduos e firmas ou se são mantidos, pelos bancos centrais de vários países, como reservas correspondentes à emissão dos substitutos de moeda nacional. O que importa é que haja uma moeda legal aceita pelo mundo todo. As notas bancárias nacionais e a moeda bancária (depósitos à vista) são conversíveis em substitutos de moeda emitidos pelo banco internacional. A necessidade de manter sua moeda ao par com a moeda internacional limita o poder que o banco central de cada país tem para expandir o crédito. Mas as restrições impostas ao banco mundial são as mesmas que limitam a expansão o crédito no caso de um banco único funcionando num sistema econômico isolado, seja esse sistema um país ou o mundo inteiro.
Podemos também supor que o banco internacional não seja um banco emitente de substitutos de moeda, uma parte dos quais são meios fiduciários, mas que seja uma autoridade mundial, emitente de uma moeda-fiat internacional. O ouro teria sido inteiramente desmonetizado. A única moeda em uso seria a criada pela autoridade internacional que, portanto, poderia aumentar a quantidade dessa moeda, desde que não levasse as coisas a ponto de provocar uma alta desastrosa (crack-up boom) ou um colapso da sua própria moeda. Estaria assim realizado o ideal keynesiano. Existiria uma instituição que poderia exercer uma “pressão expansionista no comércio mundial”.
Entretanto, os defensores de tais planos negligenciam um problema fundamental, qual seja, o da distribuição da quantidade adicional dessa moeda-crédito ou desse papel moeda. Suponhamos que a autoridade internacional emitisse adicionalmente um determinado montante, montante este que vai todo para um só país, a Ruritânia. O resultado final dessa ação inflacionária seria um aumento nos preços das mercadorias e serviços no mundo todo.
Mas, enquanto esse processo estivesse em curso, a situação dos cidadãos dos vários países seria afetada de uma maneira diferente. Os ruritânios são o primeiro grupo a se beneficiar do novo maná. Eles já dispõem de mais dinheiro no bolso, enquanto os habitantes do resto do mundo ainda não receberam a sua parte da moeda adicional. Podem, por isso, comprar por preços maiores que os demais. Assim sendo, os ruritânios retiram mais bens do mercado mundial do que o faziam antes. Os não ruritânios são obrigados a restringir seu consumo porque não podem competir com os maiores preços pagos pelos ruritânios. Enquanto o processo de ajuste dos preços à nova relação monetária ainda está em curso, os ruritânios estão numa posição mais vantajosa do que os não ruritânios; quando o processo chega ao fim, os ruritânios ficam mais ricos à custa dos não ruritânios.
O problema principal dessas aventuras expansionistas é o de saber em que proporção a quantidade adicional de moeda será distribuída entre os vários países. Cada nação defenderá um modo de distribuição que lhe proporcione a maior parcela possível. As nações orientais pouco desenvolvidas, por exemplo, provavelmente recomendaria uma distribuição proporcional ao número de habitantes, o que, obviamente, lhes favoreceria em relação às nações mais industrializadas. Qualquer que fosse o critério adotado, todos ficariam insatisfeitos e se diriam vítimas de um tratamento injusto, dando ensejo a conflitos que acabariam por desintegrar o sistema.
Seria irrelevante objetar dizendo que esse problema não representou um papel importante nas negociações que precederam o estabelecimento do Fundo Monetário Internacional e que foi relativamente fácil chegar a um acordo em relação ao uso dos recursos do Fundo. A Conferência de Bretton Woods realizou-se em circunstâncias muito especiais. A maior parte das nações participantes estava naquele momento inteiramente dependente da benevolência dos Estados Unidos. Essas nações teriam sido destruídas se os Estados Unidos tivessem deixado de lutar pela sua liberdade e de ajudá-las materialmente por meio de empréstimos e arrendamentos. O governo dos Estados Unidos, por outro lado, considerava o acordo monetário como um programa que permitiria a continuação disfarçada dos empréstimos e arrendamentos,[51] após a cessação das hostilidades. Os Estados Unidos estavam dispostos a dar, e os outros participantes — especialmente os países europeus, alguns ainda ocupados pelos exércitos alemães, e os países asiáticos — estavam dispostos a aceitar o que lhes fosse oferecido. Os problemas relativos a essa situação serão mais bem percebidos tão logo a atitude irrealista dos Estados Unidos seja substituída por uma mentalidade mais realista.
O Fundo Monetário Internacional não atingiu os objetivos pretendidos por seus patrocinadores. Nas reuniões anuais do Fundo, discute-se muito e, ocasionalmente, são feitas observações e críticas pertinentes em relação às políticas monetárias e creditícias dos governos e dos bancos centrais. O Fundo, entretanto, continua realizando operações de empréstimo com os vários países e com os vários bancos centrais; considera ser sua principal função a de assistir os governos na manutenção de uma taxa de câmbio que se tornou irreal face à excessiva expansão da moeda legal do país. Os métodos a que recorre e que recomenda são substancialmente os mesmos que são aplicados habitualmente nestas circunstâncias. Os interesses monetários internacionais seguem seu curso como se não existisse o Acordo de Bretton Woods nem o Fundo Monetário Internacional.
A conjuntura mundial, política e econômica, permitiram que o governo americano mantivesse sua promessa de entregar ouro, ao preço de 35 dólares, aos governos e bancos centrais estrangeiros. Mas a continuação e a intensificação da política “expansionista” americana aumentou consideravelmente a drenagem de ouro, deixando as pessoas apreensivas quanto ao futuro da situação monetária. Preocupa-lhes o espectro de uma maior demanda por ouro que possa exaurir as reservas deste metal nos Estados Unidos, forçando-os a abandonarem a sua atual política em relação ao ouro.[52]
O traço característico da discussão pública que se trava em torno desse problema está em que, prudentemente, a causa do aumento da demanda por ouro não é mencionada. Nenhuma referência é feita às políticas que dão origem a orçamentos deficitários e à expansão do crédito. Em vez disso, levantam-se queixas sobre algo denominado “insuficiência de liquidez” e “escassez de reservas”.
O remédio proposto é aumentar a liquidez, o que pode ser feito pela “criação” de novas “reservas” adicionais. Isto significa que se propõe curar a inflação pelo aumento da inflação.
Não há necessidade de lembrar que a política do governo americano e do Banco da Inglaterra, de manter o preço da onça de ouro no mercado de Londres em 35 dólares, é o único fator que impede as nações ocidentais de se lançarem numa inflação sem limite. Essa política não é diretamente afetada pelo tamanho das “reservas” dos diversos países. A disposição de criar novas “reservas”, portanto, não afeta diretamente o problema da relação entre o ouro e o dólar. Afeta indiretamente na medida em que desvia a atenção do público do problema real, a inflação. No mais, a doutrina oficial tem o suporte da interpretação, há muito tempo desacreditada, que atribui todas as dificuldades monetárias ao balanço de pagamentos.
[1] Money, no original. Mises emprega a palavra money, como se verá logo adiante, com o significado de “um meio de troca que seja de uso comum”. Preferimos adotar na tradução a palavra “moeda”, embora a palavra “dinheiro” esteja consagrada pelo jargão técnico. Essa escolha deveu-se ao fato de que a palavra money é frequentemente usada no texto original em expressões ou substantivos compostos; nestes casos, a palavra moeda ou é de uso mais frequente na língua portuguesa ou permite uma tradução mais fluente. Expressões como paper money, money theory, credit money, fiat money, money substitutes, quasi money, quantity of money, issue of money ficam mais bem traduzidas com o emprego da palavra moeda do que com o emprego da palavra dinheiro. O fato de não existir na língua portuguesa um adjetivo derivado do substantivo dinheiro, enquanto que para a palavra moeda o adjetivo “monetário” é de uso corrente e consagrado, fortaleceu ainda mais essa escolha. Assim sendo, de uma maneira geral adotamos a palavra moeda como tradução de money, reservando o uso da palavra dinheiro para expressões em que, na língua portuguesa, seu emprego é inequívoco, como por exemplo: ganhar dinheiro (to make money). Com idêntica dificuldade tiveram que se defrontar os tradutores da versão espanhola (Joaquim Reig Albiol) e da versão francesa (Raoul Audouin). O primeiro traduziu money por dinero, fazendo uso também do adjetivo dinerario. O segundo preferiu usar monnaie, reservando a palavra argent para os casos em que seu uso é consagrado na língua francesa. (N.T.)
[2] A teoria do cálculo monetário não se enquadra na teoria da troca indireta. É uma parte da teoria geral praxeológica.
[3] Ver p. 200-201. Contribuição importante à história e terminologia dessa doutrina foi fornecida por Hayek em Prices and Production, ed. rev. Londres, 1935, p. 1 e segs., p. 129 e segs.
[4] O autor se refere à equação de troca MV = PT elaborada por Irving Fisher, na qual M é a quantidade de moeda existente, V a sua velocidade de circulação, P o nível geral de preços e T o volume total de transações. (N.T.)
[5] Ver Mises, The Theory of Money and Credit. Trad. H. E. Batson, Londres e Nova Iorque, 1934, p. 34-37.
[6] A palavra encaixe é usada nesta tradução com o sentido de saldo de caixa ou saldo monetário que os indivíduos desejam ter a sua disposição, seja ele representado por moeda em espécie ou por saldos bancários. (N.T.)
[7] A moeda pode estar sendo transportada, pode viajar em trens, navios ou aviões de um lugar para outro. Não obstante, mesmo neste caso, está sempre sujeita ao controle de alguém, pertence a alguém.
[8] Ver os livros de Carl Menger Grundsätze der Volkswirtschaftslehre, Viena, 1871, p. 250 e segs., ibid., 2 ed., Viena 1923, p. 241 e segs.; Untersuchungen über die Methode der Sozialwissenschaften, Leipzig, 1883, p. 171 e segs.
[9] Ver Menger, Untersuchungen, c.1, p. 178.
[10] Os problemas de uma moeda que se destina a ser exclusivamente um meio de troca, sem possibilidade de prestar qualquer outro serviço em função do qual fosse demandada, serão tratados adiante, na seção 9.
[11] O autor deste livro desenvolveu o teorema da regressão do poder de compra na primeira edição de seu livro Theory of Money and Credit, publicado em 1912, p. 97-123, da tradução em língua inglesa. Este teorema tem sido criticado segundo diversos pontos de vista. Algumas das objeções levantadas, especialmente por B.M. Anderson no seu interessante livro The Value of Money, publicado em 1917, ver p. 100 e segs. da edição de 1936, merecem um exame cuidadoso. A importância dos problemas em questão torna necessário que também sejam examinadas as objeções de H. Ellis, German Monetary Theory 1905-1933, Cambridge, 1934, p. 77 e segs. No texto acima, todas as objeções levantadas são identificadas e detalhadamente examinadas.
[12] Mises denomina de margem do consumidor (consumer’s surplus) a diferença entre o preço efetivamente pago por um bem e o maior valor que se estaria disposto a pagar. Ver cap. XVI, seção 10. (N.T.)
[13] Ver diferença entre valoração (julgamento de valor) e avaliação, na seção 2, “Valoração e avaliação”, do capítulo XVI, “Preços”. (N.T.)
[14] Ver Mises, Theory of Money and Credit, p. 140-142.
[15] Ver pag…….
[16] Ver adiante cap. XX.
[17] Alta desastrosa ou alta de pânico — crack-up-boom — é o estágio final de um período de alta (boom) que ocorre na fase final de uma espiral inflacionária. A alta desastrosa provoca uma “fuga para valores reais” e acaba com a inflação por uma quebra total do sistema monetário. (N.T.)
[18] Essa tentativa foi feita por Greidanus, The Value of Money, Londres, 1932, p. 197 e segs.
[19] Sobre as relações existentes entre a taxa de juros e as variações no poder aquisitivo, ver adiante cap. XX.*
* Mises denomina de prêmio compensatório o acréscimo feito nas taxas de juro para compensar os previsíveis futuros aumentos nos preços. O prêmio compensatório é negativo quando reflete uma antecipação do aumento do poder aquisitivo, isto é, uma diminuição dos preços; é positivo quando reflete uma antecipação da queda do poder aquisitivo, isto é, um aumento dos preços, como ocorre quanto há uma expectativa de inflação. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr. op. cit. (N.T.)
[20] Ver adiante p. …….
[21] Ver adiante p. …….
[22] Denominam-se de moeda-cheque — checkbook money — ou moeda-bancária — deposit currency – os depósitos à vista nos bancos. Do mesmo modo que as notas bancárias, a moeda bancária é um substituto de moeda e moeda no sentido mais amplo. Só as reservas do banco são moeda stricto sensu. O excesso de moeda bancária sobre as reservas é o que se denomina de meios ficudiários ou moeda fiduciária. (N.T.)
[23] Mises chama de crédito mercadoria — commodity credit — o crédito representado por notas bancárias ou crédito em conta corrente para o qual o banco mantém reservas monetárias de 100%. Crédito mercadoria contrasta com o crédito circulante (circulation credit), que é o crédito representado por notas bancárias ou depósitos em conta corrente especialmente emitidos ou criados com esse propósito e, portanto, sem a correspondente reserva. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.)
[24] Tampouco importa se as leis conferem ou não aos substitutos de moeda o caráter de moeda de curso legal. Se tais títulos são efetivamente utilizados pelas pessoas como substitutos de moeda e se têm o mesmo poder aquisitivo que a correspondente quantidade de moeda, considerá-los como moeda de curso legal serviria apenas para evitar que pessoas de má-fé recorressem à chicana pelo mero prazer de molestar seus semelhantes. Se, entretanto, tais títulos não são substitutos de moeda e são negociados com um desconto do seu valor nominal, conferir-lhes a qualidade de moeda de curso legal equivale a estabelecer autoritariamente uma limitação dos preços, a fixar um preço máximo para o ouro e para as divisas estrangeiras, e um preço mínimo para os títulos que não são mais substitutos de moeda, mas moeda crédito ou moeda-fiat. Nessas circunstâncias, surgem os efeitos descritos pela lei de Gresham.
[25] Escola Bancária — Banking School. A Escola Bancária se opunha à Escola Monetária, ver cap. XI, nota 5, na controvérsia quanto às leis a que deveria ser submetido o Banco da Inglaterra (século XIX) e que seriam a base do sistema monetário inglês. Baseada nos escritos de Adam Smith (1723-1790), a Escola Bancária defendia aquilo que se tornou conhecido como “Princípio de Fullarton”. Segundo esse princípio, enquanto um banco garantisse a conversibilidade de suas notas bancárias em espécie (ouro), para o que deveria manter reservas “adequadas”, seria impossível haver um excesso de emissão de notas bancárias. A Escola Bancária argumentava que, nessas condições, a emissão de notas bancárias seria útil à atividade comercial, não aumentaria os preços, e a quantidade emitida seria automaticamente limitada pelas necessidades do comércio e não pelo desejo do banco emissor. Para maiores detalhes ver Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit, op. cit., p. 305-312, 343-345, 368-370. Ver também Mises Made Easier, de Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.)
[26] A noção de uma expansão creditícia “normal” é absurda. A emissão de moeda fiduciária adicional, qualquer que seja a quantidade, provoca sempre aquelas mudanças na estrutura de preços cuja descrição é o objeto de estudo da teoria do ciclo econômico. É claro que se a quantidade adicional não é grande, também não o serão os seus inevitáveis efeitos.
[27] A lei referida é o British Bank Charter Act, conhecida como Peel’s Act de 1844, em homenagem ao seu patrocinador e líder político da Escola Monetária, que foi o primeiro Lord of the Treasury e primeiro-ministro da Inglaterra, Sir Robert Peel (1788-1850). (N.T.).
[28] Ver p. …….
[29] John Fullarton (1780-1849) foi um destacado representante da Escola Bancária inglesa. Tendo trabalhado na Índia (1802-1813), onde se associou ao Banco de Calcutá, retorna rico à Inglaterra e publica The Regulation of Currencies (1844). Seu princípio consiste em afirmar que o crédito em curto prazo (noventa dias), concedido pelos bancos para desconto de duplicatas baseadas em operações efetivas, não aumenta o montante de meios de pagamento em circulação e, portanto, não tem efeito inflacionário. Tal tese foi acolhida pelo British Bank Charter Act (Peel’s Act), que regulou o funcionamento do Banco da Inglaterra e dos bancos ingleses em geral, até a Primeira Guerra Mundial. Ver notas anteriores 25 e 27 sobre Escola Bancária e Peel’s Act. Extraído da tradução espanhola de Human Action. (N.T.).
[30] Em inglês, o ditado contém uma rima: “Free trade in banking, is free trade in swindling”. (N.T.)
[31] Ver Cernuschi, Contre le billet de banque, Paris, 1886, p. 55.
[32] Frequentemente a outorga de curso legal foi dada a notas bancárias quando elas ainda eram substitutas de moeda e, como tal, equivalentes à moeda em valor de troca. Nesse momento, o decreto não tinha importância cataláctica. Agora, torna-se importante porque o mercado já não os considera como substitutos de moeda.
[33] Para uma análise mais elaborada, ver p. …….
[34] Padrão-ouro — gold standard — moeda-mercadoria em que a mercadorias é o ouro. É o sistema monetário nacional ou internacional em que: 1. A unidade monetária é representada por um determinado peso de ouro de qualidade definida; 2. As moedas de ouro são usadas nas transações comerciais, bem como mantidas como encaixe pelos indivíduos; 3. Somente as moedas de ouro têm curso legal irrestrito; 4. A autoridade monetária nacional se obriga a trocar, sem restrições, ouro por unidades monetárias e vice-versa, pelo valor ao par, consideradas apenas as despesas de cunhagem e de manuseio do ouro; 5. A autoridade monetária nacional garante o valor de qualquer moeda metálica fracionária e dos substitutos de moeda, ao par, e os retira de circulação depois de resgatá-los; 6. Não há qualquer restrição à propriedade do ouro nem são impostas limitações à sua movimentação, inclusive para fora do país. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.)
[35] Padrão conversível em ouro — gold exchange standard — sistema monetário nacional em que: 1. A unidade monetária é definida legalmente como equivalente a um determinado peso de ouro, dito valor paritário; 2. Nas transações domésticas são usados apenas substitutos de moeda, isto é, não existem moedas de ouro; 3. A autoridade monetária nacional garante o valor de todos os substitutos de moeda pelo valor paritário; 4. A autoridade monetária acional é a única detentora de ouro. Todas as demais transações de ouro com o exterior são feitas por seu intermédio. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.)
[36] Fundo de estabilização de câmbio — foreign exchange equalization account — é um fundo governamental estabelecido num sistema de “padrão conversível em ouro” para efetuar as operações de câmbio dos residentes no país. O governo cede certa quantidade de ouro e divisas estrangeiras para formação do fundo que normalmente opera em segredo, numa tentativa de encobrir e esconder do público os inevitáveis efeitos de uma inflação e expansão de crédito interno. Nos EUA, este fundo tem o nome de “Exchange Stabilization Fund”. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.)
[37] Ver adiante p. …….
[38] Taxa de desconto — rate of discount — taxa de juros calculados e pagos adiantadamente. Exceto quando expressamente ressalvado, este termo refere-se à taxa oficial cobrada pelo banco central para desconto dos papéis de curto prazo dos outros bancos. Nos EUA, a taxa de desconto oficial é a taxa que o FED — Federal Reserve Bank — cobra dos bancos afiliados. Na Inglaterra é conhecida como a taxa bancária. Ver Mises Made Easier. Percy L. Greaves Jr. op. cit. (N.T.)
[39] Por exemplo, depósitos à vista, não sujeitos a cheque.
[40] Tudo isso se refere à situação europeia. As condições americanas são diferentes apenas do ponto de vista técnico, mas não do ponto de vista econômico.
[41] Zona da libra esterlina — sterling área — termo empregado, desde que a Inglaterra abandonou o padrão-ouro, em 1931, para designar aqueles países que mantinham grande parte de suas reservas monetárias em “libras esterlinas” depositadas no Banco da Inglaterra, a fim de manter a paridade de suas unidades monetárias com a libra inglesa, em vez de com o ouro ou a prata. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greavers Jr., op. cit. (N.T.)
[42] Ver o estudo crítico de Marianne von Herzfeld, “Die Geeschichte als Funktion der Geldbewegung”, Archiv fuer Sozialwissenschaft, vol. 56, p. 654-686, e as obras citadas no próprio estudo.
[43] Ver adiante p. …….*
* — Ver nota 16 anterior. (N.T.)
[44] Citação extraída de International Clearing Union, Text of a Paper Containing Proposals by British Experts for an International Clearing Union, April 8, 1943, publicado pelo Serviço de Informações inglês, uma agência do governo britânico, p. 12.
[45] Lorde Keynes, no seu discurso perante a Câmara dos Lordes, 23 de maio de 1944.
[46] União Monetária Latina: uma união monetária formada em 1865 pela França, Bélgica, Itália e Suíça, e mais tarde (1875) também pela Grécia. Embora não fossem membros, seguiram a política da União a Espanha (1868), a Romênia (1868), a Bulgária (1893), a Sérvia e a Venezuela (1891). O objetivo da União era manter a relação fixa de 15,5 onças de prata para uma onça de ouro. Ver Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.)
[47] Os greenbacks foram papel-moeda emitido pelos estados nortistas para financiar a Guerra da Secessão (1861-1865). No final da guerra, eram conversíveis em ouro com base em 40% do seu valor nominal. A partir de 1879, voltaram a ser resgatáveis em ouro até 1933, quando Roosevelt abandonou o padrão-ouro. (N.T.)
[48] T.E. Gregory, The Gold Standard and its Future, 1. ed., Londres, 1934, p. 22 e segs.
[49] Ver adiante cap. XXVII — XXXI.
[50] Ver p. ……, e adiante p. …….
[51] O autor se refere ao Lend-lease Act, promulgado em 17 de março de 1941, que concedia assistência financeira aos países em guerra com a Alemanha nazista e, depois de 7 de dezembro de 1941, com o Japão. Quando começou a guerra na Europa, em 1939, as leis americanas, favoráveis à neutralidade, estipulavam que todas as vendas de material bélico deveriam ser pagas à vista e embarcadas em navios estrangeiros. As encomendas inglesas e francesas, pagas em ouro, logo terminaram com o desemprego em massa da década de 30. Em julho de 1940, a França já havia caído e a Inglaterra informava secretamente ao governo americano que “seria absolutamente impossível continuar”, indefinidamente, a pagar em moeda. Após as eleições de novembro do mesmo ano, a situação inglesa tornou-se pública e o presidente pediu ao Congresso que votasse uma lei dando-lhe poderes para vender, emprestar, arrendar ou dar todos os suprimentos de guerra que julgasse necessários para ajudar os países “cuja defesa fosse vital para os Estados Unidos”. A ajuda total concedida excedeu (1941- 1948) 50 bilhões de dólares. Ver Mises Made Easier. Percy L. Greaves Jr., op. cit. (N.T.).
[52] Tal fato veio a ocorrer mais tarde no governo Nixon, quando os Estados Unidos, unilateralmente, acabaram com a conversibilidade das reservas em dólares. (N.T.)