Capítulo XXXVIII. A importância do estudo da economia
1 – O estudo da economia
As ciências naturais se baseiam, em última análise, em fatos constatados por experiências em laboratório. As teorias físicas e biológicas são colocadas em confronto com esses fatos e são rejeitadas quando conflitam com eles. A perfeição dessas teorias tanto quanto o aperfeiçoamento da tecnologia e da terapêutica dependem de pesquisas de laboratório cada vez maiores e melhores. Essas experiências consomem tempo, esforços árduos de especialistas e gastos materiais vultosos. A pesquisa não pode mais ser conduzida por cientistas sem recursos, por mais talentosos que sejam. A pesquisa, hoje em dia, é feita em enormes laboratórios financiados pelos governos, pelas universidades, por fundações e por grandes empresas. O trabalho nessas instituições tornou-se uma rotina profissional. Os técnicos que lá trabalham registram fatos e experiências que serão usados pelos pioneiros – os quais às vezes são os próprios experimentadores – na elaboração de suas teorias. No que concerne ao progresso das teorias científicas, a contribuição do pesquisador comum é apenas auxiliar; às vezes, entretanto, suas descobertas têm aplicação prática imediata para a melhoria de métodos utilizados na atividade econômica e na terapêutica.
Por ignorarem a diferença epistemológica radical entre as ciências naturais e as ciências da ação humana, as pessoas pensam que para aprimorar o conhecimento econômico é necessário organizar a pesquisa econômica segundo os já testados métodos dos institutos de pesquisa médica, física e química. Grandes somas são gastas no que é denominado de pesquisa econômica. Na realidade, esses institutos não fazem mais do que estudar a história econômica recente.
É certamente louvável que se estimule o estudo da história econômica. Entretanto, por mais instrutivo que seja o resultado de tais estudos, não se deve confundi-los com o estudo da economia. Deles não se pode esperar que resultem fatos ou dados no sentido com que esses termos são usados em relação a eventos testados em laboratório. Não fornecem material para a construção a posteriori de hipóteses e teoremas. Ao contrário, esses estudos são desprovidos de qualquer significação, se não forem interpretados à luz de teorias elaboradas a priori sem qualquer referência a eles. Não é preciso acrescentar nada ao que já foi dito a esse respeito nos capítulos anteriores. Nenhuma controvérsia relativa às causas de um evento histórico pode ser esclarecida com base no exame de fatos, sem que se recorra a específicas teorias praxeológicas.[1]
A criação de institutos para a pesquisa do câncer pode eventualmente contribuir para a descoberta de métodos destinados a combater e prevenir essa doença maligna. Mas um instituto de pesquisa sobre o ciclo econômico não pode oferecer qualquer ajuda a quem deseja evitar a recorrência de depressões. Por mais exatos e confiáveis que sejam, os dados apurados em relação às depressões econômicas do passado são de pouca utilidade para o nosso conhecimento. Os especialistas não discordam quanto aos dados; discordam quanto aos teoremas a que devem recorrer para interpretá-los.
Mais importante ainda é o fato de ser impossível coletar dados relativos a um evento concreto sem considerar quais são as teorias adotadas pelo historiador desde o início de seu trabalho. O historiador não relata todos os fatos, mas apenas aqueles que considera relevantes, em função das suas teorias; omite os dados que considera sem importância para a interpretação dos eventos. Se adotar teorias erradas, seu relato torna-se praticamente inútil.
Nenhuma análise de um momento da história econômica, ainda que de um período muito recente, por mais fiel que seja, pode substituir o raciocínio econômico. A economia, da mesma maneira que a lógica e a matemática, é um exercício de raciocínio abstrato. A ciência econômica não pode ser experimental e empírica. O economista não precisa de instalações custosas para realizar os seus estudos. Precisa apenas da capacidade de pensar lucidamente e de discernir, diante da infinidade de eventos que lhe são apresentados, entre os essenciais e os meramente acidentais.
Não há nenhum conflito entre a história econômica e a ciência econômica. Cada ramo do conhecimento tem seu próprio mérito e utilidade. Os economistas nunca pretenderam subestimar a importância da história econômica. Os autênticos historiadores também nunca se opuseram ao estudo da economia. O antagonismo entre essas duas disciplinas foi deliberadamente provocado pelos socialistas e pelos intervencionistas, que não puderam refutar as objeções, levantadas pelos economistas, às suas doutrinas. A Escola Historicista e os Institucionalistas tentaram desvirtuar a ciência econômica e substituí-la por estudos “empíricos” com o evidente propósito de neutralizar os argumentos dos economistas. A história econômica, para eles, foi um meio de destruir o prestígio da ciência econômica e de difundir as teses do intervencionismo.
2 – A economia como profissão
Os primeiros economistas se dedicavam apenas ao estudo dos problemas de economia. Sua preocupação, ao fazer conferências e escrever livros, era a de transmitir aos seus concidadãos os resultados de suas reflexões. Tentavam, assim, influenciar a opinião pública para que prevalecessem as políticas mais consistentes. Nunca imaginaram que a economia pudesse ser concebida como uma profissão.
O desenvolvimento da profissão de economista é uma sequela do intervencionismo. O economista profissional é o especialista ao qual se precisa recorrer para que sejam elaboradas as várias medidas de intervenção do governo na atividade econômica. É um especialista no campo da legislação econômica, a qual, nos dias de hoje, tem invariavelmente o objetivo de perturbar o funcionamento da economia de mercado.
Existem milhares e milhares desses especialistas profissionais empregados nos órgãos do governo, nos diversos partidos políticos e grupos de pressão, nas redações dos jornais e revistas. Outros são contratados por empresas como consultores ou têm seu escritório independente. Alguns gozam de reputação nacional ou internacional; muitos acham-se entre as pessoas de maior prestígio de seu país. Ocorre serem frequentemente convidados a dirigir grandes bancos ou grandes empresas; são eleitos para o legislativo; são designados ministros do governo. Como grupo profissional, chegam a rivalizar com os advogados no comando político do país. O papel destacado que representam é uma das características mais marcantes dessa nossa época de intervencionismo.
Não há dúvida de que uma classe de homens tão influentes compreende indivíduos extremamente talentosos, até mesmo pessoas das mais eminentes de nosso tempo. Mas a filosofia que inspira as suas atividades limita-lhes a visão. Em virtude de suas relações com partidos políticos e grupos de pressão, que procuram obter privilégios especiais para os seus membros, passam a ter uma visão unilateral. Fecham os olhos às consequências de longo prazo das políticas que defendem; só se importam com os interesses imediatos do grupo a que estão servindo. O objetivo final de seus esforços é a prosperidade de seu cliente às custas de outras pessoas. Procuram convencer-se de que o destino da humanidade coincide com os interesses de curto prazo de seu grupo; tentam vender essa ideia para o público. Ao lutarem por um preço maior da prata, do trigo ou do açúcar, por salários maiores para os membros do seu sindicato ou por uma tarifa sobre produtos estrangeiros mais baratos, proclamam estar lutando pelo bem supremo, por liberdade e por justiça, pelo florescimento de sua nação e pela civilização.
O público encara a prática de lobby com desconfiança e suspeição, e culpa os lobistas pelos aspectos funestos da legislação intervencionista. Entretanto o mal tem raízes mais profundas. A filosofia dos vários grupos de pressão está entranhada nas assembléias legislativas. Nos parlamentos de hoje, existem representantes dos triticultores, dos criadores de gado, das cooperativas agrícolas, das minas de prata, dos vários sindicatos, das indústrias que não podem suportar a competição com produtos estrangeiros sem a proteção das tarifas, e de muitos outros grupos de pressão. Poucos são os que colocam os interesses nacionais acima dos interesses do seu grupo. O mesmo ocorre nos vários órgãos da administração pública. O ministro da agricultura se considera um defensor dos interesses dos produtores agrícolas; seu principal objetivo consiste em aumentar o máximo possível os preços dos produtos agrícolas.
O ministro do trabalho se considera um defensor dos sindicatos; sua primeira meta é fazer com que os sindicatos sejam temidos e respeitados. Cada ministério cuida de sua própria vida e seus interesses conflitam com os de outros ministérios.
Muita gente atualmente deplora a falta de verdadeiros estadistas. Ora, onde predominam as ideias intervencionistas, só aqueles que se identificam com os interesses de um grupo de pressão podem fazer uma carreira política. A mentalidade de um líder sindical ou de um dirigente de associação rural não é a mesma que a de um estadista de visão. O verdadeiro estadista procura invariavelmente estabelecer políticas de longo prazo; aos grupos de pressão só interessam os resultados de curto prazo. A causa do lamentável fracasso do regime de Weimar e da Terceira República francesa foi o fato de seus políticos não serem mais do que representantes dos interesses de grupos de pressão.
3 – A previsão econômica como profissão
Quando os empresários finalmente se dão conta de que o boom criado pela expansão do crédito acabará invariavelmente resultando numa recessão, torna-se importante para eles saber quando ocorrerá essa mudança da conjuntura. Procuram então o economista, na presunção de que ele poderá responder a essa questão.
O economista sabe que o boom deverá resultar numa depressão; mas não sabe e nem pode saber quando ocorrerá a crise. Depende das circunstâncias específicas de cada caso.
Inúmeros eventos políticos podem influenciar os acontecimentos. Não existem regras para predizer a duração do boom e quando ocorrerá a consequente depressão. E mesmo que essas regras existissem, de nada adiantariam aos empresários. O que um determinado empresário precisa, a fim de evitar perdas, é saber que a crise é iminente, enquanto os outros empresários ainda estão pensando que o boom irá perdurar. Essa específica percepção lhe permitirá ajustar convenientemente os seus negócios de maneira a passar incólume pela crise. Se o fim do período de boom pudesse ser calculado segundo alguma fórmula, todos os empresários saberiam qual seria esse momento. Seus esforços para se ajustarem a essa informação provocariam imediatamente o surgimento de todos os fenômenos da depressão. Seria tarde demais para que qualquer deles pudesse deixar de ser penalizado.
Se fosse possível saber a situação futura do mercado, o futuro não seria incerto. Não haveria nem lucro e nem perda empresarial. O que as pessoas esperam dos economistas está além da capacidade do ser humano.
A própria ideia de que o futuro seja passível de previsão, de que algumas fórmulas possam substituir aquela percepção específica que é a essência da atividade empresarial, e de que o conhecimento dessas fórmulas possa permitir que qualquer pessoa assuma o comando da atividade econômica é, sem dúvida, uma consequência do conjunto de falácias e equívocos que alimentam as atuais políticas anticapitalistas. Não há, no conjunto da obra habitualmente denominada de filosofia marxista, a menor referência ao fato de que a principal razão de ser da ação humana é preparar-se para um futuro incerto. O fato de o termo especulador ser atualmente utilizado com uma conotação pejorativa demonstra claramente que os nossos contemporâneos nem sequer suspeitam do que consiste o problema fundamental da ação humana.
Discernimento empresarial não é algo que possa ser comprado ou vendido. O empresário bem-sucedido que consegue auferir lucros é precisamente aquele cujas ideias não são as adotadas pela maioria das pessoas. Para obter lucros, não basta fazer uma previsão correta; é preciso prever melhor do que os outros. O prêmio vai para os dissidentes que não se deixaram enganar pelos erros comumente aceitos pela maioria. O que dá origem ao lucro do empresário é o atendimento de futuras necessidades que os seus concorrentes não souberam identificar.
Os empresários e os capitalistas só colocarão em risco o seu próprio bem-estar material, se estiverem plenamente convencidos da consistência de seus planos. Jamais arriscariam o seu patrimônio só porque um especialista assim os aconselhou. Os tolos que aplicam recursos nas bolsas de valores ou de mercadorias, seguindo informações confidenciais, estão fadados a perder o seu dinheiro, qualquer que seja a fonte de sua “informação”.
Na realidade, qualquer empresário judicioso tem plena consciência da incerteza do futuro. Tem consciência de que o economista, no máximo, pode elaborar uma interpretação dos dados estatísticos do passado, mas não uma informação segura sobre o que irá ocorrer no futuro. Para o capitalista e para o empresário, as opiniões dos economistas sobre o futuro valem apenas como conjecturas discutíveis. São céticos e não se deixam enganar facilmente.
Mas, como consideram importante e útil conhecer todas as informações de relevância para os seus negócios, interessam-se por jornais e revistas especializados em prognósticos econômicos. Com a preocupação de estar a par de todas as informações disponíveis, as grandes empresas empregam equipes de economistas e estatísticos.
As previsões econômicas não podem fazer desaparecer a incerteza do futuro e nem destituir a atividade empresarial de seu caráter intrinsecamente especulativo. Mesmo assim, podem prestar alguns serviços, uma vez que reúnem e interpretam dados disponíveis sobre as tendências econômicas e sobre a evolução econômica do passado recente.
4 – A economia e as universidades
As universidades estatais sofrem inevitavelmente a influência do partido no poder. As autoridades procuram nomear professores cujas idéias coincidem com as do governo. Todos os governos não socialistas de hoje, por estarem firmemente comprometidos com o intervencionismo, só nomeiam professores intervencionistas. Para os governantes é dever da universidade difundir, entre as novas gerações, a doutrina social do governo.[2] De nada lhes servem os economistas.
Não obstante, o intervencionismo também prevalece em muitas das universidades independentes. Segundo uma antiga tradição, as universidades têm por objetivo não só o ensino, mas também a promoção do saber e da ciência. O dever do professor universitário não é apenas transmitir aos estudantes conhecimentos desenvolvidos por outros homens; espera-se que ele contribua, com seu próprio trabalho, para aumentar o acervo do conhecimento humano.
Presume-se que ele seja um membro efetivo da comunidade universal dos eruditos, um inovador e um pioneiro na busca de maior e melhor conhecimento. Nenhuma universidade pode admitir que o seu corpo docente seja inferior ao de qualquer outra. Todo professor universitário considera estar contribuindo para o progresso do conhecimento, tanto quanto os grandes mestres da ciência.
Essa ideia de que a contribuição de todos os professores seja equivalente é, sem dúvida, inadmissível. Há uma enorme diferença entre o trabalho criativo do gênio e a monografia de um especialista. Entretanto, no campo da pesquisa empírica, é possível manter essa ficção. O grande inovador e o simples executante de trabalhos de rotina recorrem, nas suas investigações, aos mesmos métodos de pesquisa; realizam experiências em laboratório ou coletam documentos históricos. A aparência externa de seu trabalho é a mesma; suas publicações referem-se aos mesmos assuntos e problemas. São da mesma espécie. As coisas são bastante diferentes no caso das ciências teóricas como a filosofia e a economia. Nesses campos, nada há que possa ser realizado por meio de investigações rotineiras, mais ou menos estereotipadas. Não existem tarefas que requeiram o esforço consciencioso e abnegado do diligente monografista. Não há pesquisa empírica; tudo tem que ser alcançado pela capacidade de refletir, de meditar e de raciocinar. Não há especializações, uma vez que todos os problemas são interligados. A abordagem de qualquer parte não pode ser feita sem o conhecimento do todo. Certa vez, um eminente historiador descreveu o significado psicológico e acadêmico da tese de doutorado como sendo algo que dava ao autor a orgulhosa certeza de que havia um pequeno setor do saber, por menor que fosse, em relação ao qual ele era insuperável. Essa agradável sensação não está ao alcance de quem escreve uma tese sobre um tema econômico. Na ciência econômica não existem setores isolados nem compartimentos estanques.
Nunca viveram ao mesmo tempo mais que uma vintena de pessoas cuja contribuição à ciência econômica pudesse ser considerada essencial. O número de homens criativos é, na ciência econômica, tão pequeno quanto em outros campos do conhecimento. Além disso, muitos dos economistas mais criativos não militam na atividade de ensino. Mas há uma demanda enorme por milhares de professores de economia nas universidades e nos colégios.
A tradição universitária exige que cada um deles demonstre o seu valor publicando contribuições originais e não apenas compilando livros-texto e manuais. O salário e a reputação de um professor universitário dependem mais do seu trabalho literário do que da sua capacidade didática. Um professor não pode deixar de publicar livros. Se não tiver a necessária vocação para escrever sobre economia, acaba escrevendo sobre história econômica ou sobre economia descritiva. E, então, para não perderem prestígio, esses professores proclamam enfaticamente que os problemas de que estão tratando são problemas econômicos propriamente ditos e não apenas história econômica. Dizem, inclusive, que os seus escritos abordam a verdadeira economia – empírica, indutiva, científica -, enquanto que a análise dedutiva de “teóricos de gabinete” são meras especulações ociosas. Se não adotassem essa postura, teriam de reconhecer a existência de duas classes de professores de economia: a dos que contribuíram para o avanço do pensamento econômico e a dos que com nada contribuem, embora possam ter feito um bom trabalho em outras disciplinas, como por exemplo no campo da história econômica recente. Assim sendo, a atmosfera universitária torna-se inadequada ao ensino da economia. Muitos professores – felizmente não todos – procuram denegrir o que chamam de “mera teoria”. Procuram substituir a análise econômica pelo ensino de uma coleção de informações históricas e estatísticas. Procuram dividir a economia em diversos setores; especializam-se em agricultura, em trabalho, em América Latina e muitas outras subdivisões análogas.
Uma das tarefas do ensino universitário é, certamente, familiarizar o estudante com a história econômica em geral, e com suas evoluções mais recentes em particular. Mas tais ilustrações serão inúteis se não estiverem firmemente baseadas num conhecimento profundo da ciência econômica. A economia não é passível de subdivisão em seções; lida invariavelmente com a interconexão de todos os fenômenos da ação. Os problemas catalácticos não podem ser bem percebidos pelo estudo isolado de cada setor da produção.
Não é possível, por exemplo, analisar o trabalho e os salários sem considerar os preços das mercadorias, as taxas de juros, os lucros e as perdas, a moeda e o crédito, e todas as demais questões pertinentes. Os verdadeiros problemas relativos à determinação dos salários não podem ser sequer enunciados num curso que se limite a estudar o trabalho. Não existe o que possa ser denominado “economia do trabalho” ou “economia da agricultura”. A ciência econômica é um corpo único e indivisível.
O que esses especialistas expõem nas suas conferências e publicações são as doutrinas dos vários grupos de pressão, e não economia. Por ignorarem a ciência econômica, acabam sendo vítimas de ideologias que visam a conceder privilégios para os seus respectivos grupos. Mesmo os especialistas que não defendem abertamente um grupo de pressão e que pretendem manter uma serena neutralidade endossam, às vezes sem se darem conta, as teses principais da doutrina intervencionista. Ao lidarem com as inúmeras variedades de interferência do governo na atividade econômica, não querem ser acusados de fazer uma crítica meramente negativa. Por isso, ao criticarem uma medida intervencionista, procuram logo propor a adoção de um outro tipo de intervencionismo que consideram melhor do que o anterior. Sem perceberem, endossam a tese central tanto do intervencionismo como do socialismo, qual seja, a de que a economia de mercado livre prejudica deslealmente os interesses vitais da imensa maioria, em benefício de insensíveis exploradores. A seu ver, um economista que demonstre a inutilidade do intervencionismo é uma pessoa que foi subornada para defender os interesses iníquos das grandes empresas. É, pois, imperativo que se impeçam esses patifes de terem acesso à universidade e de terem os seus artigos publicados nas revistas especializadas das associações de professores.
Os estudantes ficam desnorteados. Nos cursos de matemática econômica, são atulhados com fórmulas que descrevem hipotéticos estados de equilíbrio nos quais já não há mais ação. Percebem logo que essas equações não têm a menor utilidade para a compreensão das atividades econômicas. Ouvem nas conferências dos especialistas justificativas detalhadas em favor de medidas intervencionistas. Passam a crer que as coisas são mesmo paradoxais, porque o equilíbrio que lhes ensinaram não existe e os salários e os preços agrícolas nunca são tão altos quanto desejam os sindicatos e os agricultores. É óbvio, concluem, que é preciso fazer uma reforma radical. Mas que tipo de reforma ?
A maioria dos estudantes aceita sem qualquer inibição as panaceias intervencionistas recomendadas por seus professores. A situação social será perfeitamente satisfatória quando o governo fixar adequadamente o salário mínimo ou quando a venda de margarina e a importação de açúcar forem proibidas. Eles não chegam a perceber as contradições de seus professores, que um dia lamentam a selvageria da competição e no dia seguinte condenam os males do monopólio; que um dia reclamam da queda de preços e no outro da alta do custo de vida. O estudante termina o seu curso e tenta, o mais rapidamente possível, conseguir um emprego no governo ou num grupo de pressão poderoso.
Mas existem muitos jovens que são suficientemente lúcidos para perceber as inconsistências do intervencionismo. Aceitam a rejeição da economia de mercado livre pregada por seus professores; mas não acreditam que medidas intervencionistas isoladas poderão conseguir atingir os fins pretendidos. Levam o pensamento de seus preceptores às últimas consequências: tornam-se socialistas. Saúdam o sistema soviético como a aurora de uma nova e melhor civilização.
Não obstante, o que tem feito com que as universidades de hoje em dia, de uma maneira geral, tenham se transformado em sementeiras socialistas não é só a situação prevalecente nos departamentos de economia, mas também os ensinamentos ministrados nos outros departamentos. Nos departamentos de economia, ainda podem ser encontrados alguns poucos economistas e mesmo os demais professores podem estar familiarizados com algumas das objeções levantadas a respeito da viabilidade do regime socialista. Infelizmente, o mesmo não ocorre no caso de muitos professores de filosofia, história, literatura, sociologia e ciência política. Interpretam a história com base na versão vulgarizada e deturpada do materialismo dialético. Mesmo muitos dos que combatem veementemente o marxismo por causa de seu materialismo e ateísmo estão dominados pelas ideias apresentadas no Manifesto comunista e no programa da Internacional Comunista. Explicam a existência de pressões, desemprego, inflação, guerra e pobreza como sendo males necessariamente inerentes ao capitalismo, e insinuam que esses fenômenos só podem desaparecer com a erradicação do capitalismo.
5 – Educação geral e economia
Nos países em que não existem disputas entre vários grupos linguísticos, a educação pública pode funcionar se for limitada ao ensino da leitura, da escrita e da aritmética. Para os alunos mais brilhantes, é possível acrescentar noções elementares de geometria, ciências naturais e as principais leis do país. Mas, quando se pretende ir mais adiante, surgem sérias dificuldades. O ensino primário torna-se necessariamente uma doutrinação. Não é possível apresentar a um adolescente todos os aspectos de um problema e deixá-lo escolher a solução certa. Tampouco seria possível encontrar professores que pudessem transmitir imparcialmente opiniões que eles mesmos não aprovam. O partido que controlar a educação pública pode propagar o seu ideário e denegrir o de seus adversários.
No que diz respeito à educação religiosa, os liberais do século XIX resolveram o problema separando a Igreja do Estado. Nos países liberais, a religião não é ensinada nas escolas públicas. Mas os pais podem mandar seus filhos às escolas confessionais suportadas pelas comunidades religiosas.
Entretanto, o problema não se restringe ao ensino de religião e de certas teorias das ciências naturais conflitantes com a Bíblia. Mais importante ainda é o ensino de história e de economia.
O público tem consciência desse problema no que diz respeito aos aspectos internacionais do ensino de história. Já se cogita atualmente libertar o ensino de história da influência do nacionalismo e do chauvinismo. Mas poucas são as pessoas que percebem que o problema da imparcialidade e da objetividade também está presente quando se lida com os aspectos domésticos da história. A filosofia social do professor ou do autor do livro-texto falseiam a narrativa. Quanto mais for preciso sintetizar e condensar o texto a fim de torná-lo mais compreensível às mentes ainda imaturas de crianças e de adolescentes, piores serão os efeitos.
Os marxistas e os intervencionistas alegam que o ensino de história está deformado pela visão do liberalismo clássico. Querem substituir a interpretação “burguesa” pela sua própria interpretação da história. Do ponto de vista marxista, a Revolução Inglesa de 1688, a Revolução Americana, a grande Revolução Francesa e os movimentos revolucionários do século XIX na Europa continental foram movimentos burgueses. Resultaram na derrota do feudalismo e no estabelecimento da supremacia burguesa. As massas proletárias não foram emancipadas; de dominadas pela aristocracia passaram a dominadas pela classe dos capitalistas exploradores. Para libertar o trabalhador é necessário abolir o sistema capitalista de produção. Esse objetivo, dizem os intervencionistas, será alcançado pela Sozialpolitik ou pelo New Deal. Os marxistas ortodoxos, por outro lado, afirmam que somente pela derrubada violenta do sistema burguês de governo será efetivamente possível emancipar o proletariado.
É impossível abordar qualquer capítulo da história sem tomar partido em relação a esses temas bastante controvertidos e às doutrinas econômicas subjacentes. Os livros-texto e os professores não podem pretender uma altiva neutralidade em relação ao postulado de que a “revolução inacabada” só se completará pela revolução comunista. Toda afirmação relativa a acontecimentos ocorridos nos últimos trezentos anos implica num prévio juízo acerca dessas controvérsias. Não se pode evitar a escolha entre a filosofia da Declaração de Independência ou do discurso de Gettysburg e a do Manifesto comunista. A alternativa existe e não adianta bancar o avestruz enfiando a cabeça na areia para não ter que se manifestar.
No ensino secundário e mesmo nos cursos preparatórios para a universidade, o ensino de história e economia é, virtualmente, doutrinação. A maior parte dos estudantes certamente não é suficientemente madura para formar uma opinião própria com base no que lhe é transmitido pelos professores.
Se a escola pública fosse mais eficiente do que realmente é, os partidos políticos haveriam de querer urgentemente dominar o sistema de ensino para poder determinar o modo como esses assuntos deveriam ser ensinados. Entretanto, a educação geral representa um papel de menor importância na formação das ideias políticas, sociais e econômicas das nova gerações. O impacto da imprensa, do rádio e das condições do meio ambiente são muito mais importantes do que os professores e os livros-texto. A propaganda das igrejas, dos partidos políticos e dos grupos de pressão exerce sobre as massas uma influência maior do que as escolas, qualquer que seja o ensino nelas ministrado. O que se ensina na escola é facilmente esquecido e não pode resistir ao contínuo martelamento do meio social onde vive o homem.
6 – A economia e o cidadão
A economia não pode ser relegada às salas de aula e aos departamentos de estatística, e nem pode ser deixada a cargo de círculos esotéricos. A economia é a filosofia da vida humana e da ação, e diz respeito a todos e a tudo. É o âmago da civilização e da própria existência do homem.
Mencionar este fato não significa ceder à fraqueza tão comum que consiste em supervalorizar a importância de seu próprio ramo do conhecimento. Não são os economistas que atribuem essa importância à ciência econômica; são as pessoas em geral.
Todos os temas políticos da atualidade tratam de problemas comumente denominados de econômicos. Todos os argumentos usados hoje em dia nos debates sociais e políticos são de natureza essencialmente praxeológica e econômica. Todas as mentes se preocupam com doutrinas econômicas. Filósofos e teólogos parecem estar mais interessados em problemas econômicos do que nos problemas que as gerações passadas consideravam objeto da filosofia e da teologia. Os romances e as peças teatrais de hoje tratam, todos, de temas humanos – inclusive as relações sexuais – sob o ângulo de doutrinas econômicas. O mundo todo, consciente ou inconscientemente, pensa em economia. Ao se filiar a um partido político, ao colocar o seu voto, o cidadão implicitamente está manifestando-se sobre teorias econômicas.
Nos séculos XVI e XVII a religião era o tema central das controvérsias políticas européias. Nos séculos XVIII e XIX, na Europa como na América, a questão dominante era governo representativo versus absolutismo. Hoje, é economia de mercado versus socialismo.
Esse é, certamente, um problema cuja solução depende inteiramente da análise econômica. É inútil recorrer a slogans vazios ou ao misticismo do materialismo dialético.
Ninguém tem como fugir à sua responsabilidade pessoal. Quem – seja quem for – não usar o melhor de sua capacidade para examinar esses problemas estará voluntariamente submetendo seus direitos inatos a uma autodesignada elite de super-homens. Em assuntos tão vitais, confiar cegamente nos “entendidos” e aceitar passivamente mitos e preconceitos vulgares equivale a renunciar à sua própria autodeterminação e submeter-se à dominação de outras pessoas. Para o homem consciente, nada é mais importante na atualidade do que a economia. Está em jogo o seu próprio destino e o de sua descendência.
São muito poucos os que podem contribuir com alguma ideia que produza consequências para o acervo do pensamento econômico. Mas todos os homens sensatos precisam familiarizar-se com as lições da economia. Nos dias que correm, esse é um dever cívico primordial.
Queiramos ou não, o fato é que a economia não pode continuar sendo um esotérico ramo do conhecimento, acessível apenas a um grupo de estudiosos e de especialistas. A economia lida com problemas fundamentais da sociedade; concerne a todos e pertence a todos. É a preocupação mais importante e mais característica de todos os cidadãos.
7 – A economia e a liberdade
O papel proeminente que as ideias econômicas representam na administração pública explica por que os governos, os partidos políticos e os grupos de pressão procuram restringir a liberdade de pensamento econômico. Procuram propagar a “boa” doutrina e silenciar as “más” doutrinas. Para eles, a verdade não tem força suficiente para impor-se por si mesma. Para poder prevalecer, a verdade precisa ser respaldada pela ação violenta da polícia ou de outros grupos armados. A verdade de uma doutrina depende de que seus defensores sejam capazes de derrotar pela força os partidários das outras doutrinas. Fica implícita a noção de que Deus ou alguma entidade mítica dirige o curso das atividades humanas e confere a vitória aos que lutam pela boa causa. O poder vem de Deus e sua missão sagrada é exterminar os heréticos.
Não vale a pena repisar as contradições e inconsistências dessa doutrina de intolerância e perseguição de dissidentes. Jamais em tempo algum o mundo conheceu um sistema de propaganda e de opressão tão bem arquitetado como o que é adotado pelos governos contemporâneos, pelos partidos políticos e pelos grupos de pressão. Apesar disso, todos esses edifícios desmoronarão como castelos de cartas, tão logo uma grande ideologia os enfrente.
Não só nos países governados por bárbaros ou por déspotas, mas também nas assim chamadas democracias ocidentais, o estudo de economia está praticamente proscrito. A discussão pública sobre os problemas econômicos ignora quase que inteiramente tudo o que os economistas disseram nos últimos duzentos anos. Preços, salários, juros, lucros são manipulados como se sua determinação não estivesse sujeita a qualquer lei. Os governos decretam e tentam impor valores máximos para as mercadorias e mínimos para os salários. As autoridades exortam os empresários a reduzir os lucros, a diminuir os preços e a aumentar os salários, como se esses assuntos dependessem apenas da boa vontade dos indivíduos. Nas relações econômicas internacionais, as pessoas recorrem irresponsavelmente a um mercantilismo primário. São poucos os que têm consciência dos erros de todas essas doutrinas em voga, e que compreendem por que tais políticas invariavelmente provocam desastres.
Esta é a triste realidade. Mas só há uma maneira de modificá-la: prosseguir, sem descanso, na busca da verdade.
[1] Ver em relação a esses problemas epistemológicos essenciais, p. ……; em relação à economia quantitativa, p. ……. e ……..; e em relação ao conflito de interpretações sobre as condições de trabalho no capitalismo, p. ………
[2] G. Santayana conta de um professor de filosofia da Universidade de Berlim — na época, Universidade Real Prussiana – para quem “a missão de um professor era ir, penosamente, carregando o seu fardo, a reboque do governo”, Persons and Places, Nova Iorque, 1945, vol.2, p.7.