Capitulo VII. Ação no mundo
1. A lei da utilidade marginal
A ação ordena e prefere; a princípio conhece apenas os números ordinais e não os cardinais. Mas o mundo exterior ao qual o agente homem tem que ajustar sua conduta é um mundo de definições quantitativas, onde entre causa e efeito existem relações quantitativas.
Se não fosse assim, se determinadas coisas pudessem render serviços ilimitados, elas não seriam escassas e não seriam consideradas como meios.
O agente homem valora as coisas como meios para diminuir o seu desconforto. Do ângulo das ciências naturais, os diversos eventos que satisfazem às necessidades humanas são vistos de formas bastante diferentes. Para o agente homem, esses eventos são mais ou menos da mesma espécie. Ao avaliar estados de satisfação bem diferentes e os meios para alcançá-los, o homem ordena todas as coisas em uma única escala, qual seja a escala da sua própria satisfação. A satisfação obtida com a alimentação ou com a contemplação de uma obra de arte constitui segundo o juízo do agente homem, uma necessidade mais urgente ou menos urgente; avaliando-as e agindo o homem as ordena segundo uma escala do que é mais intensamente ou menos intensamente desejado. Para o agente homem só existem vários graus de relevância e urgência em relação ao seu próprio bem estar.
Quantidade e qualidade são categorias do mundo exterior. Só indiretamente adquirem importância e significado para a ação. Uma vez que cada coisa só pode produzir um efeito limitado, algumas coisas são consideradas escassas e tratadas como meios. Como os efeitos que as coisas são capazes de produzir são diferentes, o agente homem distingue vários tipos de coisas. Como uma mesma quantidade e qualidade de meios pode sempre produzir um mesmo efeito, a ação não faz distinção entre quantidades idênticas de um meio homogêneo. Mas isto não significa que o homem atribua o mesmo valor às várias idênticas porções do meio em questão. Cada porção é valorada separadamente. A cada porção é atribuída uma posição própria na escala de satisfações, embora as diversas porções, de mesma magnitude, possam ser intercambiadas ad libitum.[1]
Quando o agente homem tem que optar entre dois ou mais meios diferentes, ele ordena as distintas porções de cada um deles. Atribui a cada porção sua posição segundo uma hierarquia de satisfação. Isto não significa que as várias porções do mesmo meio tenham que ocupar posições sucessivas nesta hierarquia.
O estabelecimento desta hierarquia mediante a valoração é feito exclusivamente pela ação e através da ação. O tamanho que uma porção precisa ter para merecer uma posição isolada na hierarquia depende das condições únicas e individuais segundo as quais o homem age em cada caso. A ação não lida com unidades físicas ou metafísicas avaliadas de maneira abstrata e acadêmica; a ação é sempre uma escolha entre alternativas. Esta escolha tem que ser feita, necessariamente, entre quantidades específicas de meios. Podemos chamar de unidade a menor quantidade que possa ser objeto de uma escolha. Mas devemos estar prevenidos para não incorrermos no erro de considerar que o valor de uma soma de tais unidades deriva do valor das unidades; o valor da soma não coincide com a adição do valor atribuído a cada unidade.
Suponhamos que um homem possua cinco unidades do bem a e três unidades do bem b, e que atribua às unidades de a as seguintes posições na hierarquia de satisfação: 1, 2, 4, 7 e 8; e às unidades de b, as posições 3, 5 e 6. Isto significa: se tiver que escolher entre duas unidades de a e duas unidades de b, preferirá perder duas unidades de a a duas unidades de b.
Mas, se tiver que escolher entre três unidades de a e duas unidades de b, preferirá perder as duas unidades de b às três unidades de a. Ao valorar um conjunto de diversas unidades, o que importa sempre e somente é a utilidade do conjunto como um todo — isto é, o incremento de bem estar que dele depende ou, o que é o mesmo, a redução de bem estar que sua perda provocaria. Não é necessário recorrer a processos aritméticos, nem a somas, nem a multiplicações; trata-se tão somente de estimar a utilidade decorrente de possuir o conjunto, ou uma parte dele.
Neste contexto, utilidade significa simplesmente: relação causal para a redução de algum desconforto. O agente homem supõe que os serviços que um determinado bem pode produzir irão aumentar o seu bem estar e a isto denomina utilidade do bem em questão. Para a praxeologia, o termo utilidade é equivalente à importância atribuída a alguma coisa em razão de sua suposta capacidade de reduzir o desconforto. A noção praxeológica de utilidade (valor de uso subjetivo segundo a terminologia dos primeiros economistas da Escola Austríaca) deve ser claramente diferenciada da noção tecnológica de utilidade (valor de uso objetivo, segundo a terminologia dos mesmos economistas). Valor de uso objetivo é a relação entre uma coisa e o efeito que a mesma pode produzir. É ao valor de uso objetivo que nos referimos ao empregar termos tais como “valor calórico” ou “potência calorífica” do carvão. O valor de uso subjetivo não coincide necessariamente com o valor de uso objetivo. Existem coisas às quais é atribuído um valor de uso subjetivo, porque as pessoas erroneamente acreditam que tenham capacidade de produzir um efeito desejado. Por outro lado, existem coisas capazes de produzir um efeito desejado, às quais nenhum valor de uso é atribuído, porque as pessoas ignoram esta possibilidade.
Recordemos o estágio do pensamento econômico que prevalecia quando foi elaborada a moderna teoria do valor, por Carl Menger, William Stanley Jevons e Leon Walras. Quem pretender formular uma teoria de valor, ainda que elementar, tem que, primeiro, considerar o conceito de utilidade. Na verdade, nada é mais plausível do que admitir que as coisas sejam valoradas de acordo com a sua utilidade. Mas surge então um problema que os economistas clássicos não conseguiram resolver. Percebiam que havia coisas cuja “utilidade” era maior e que eram valoradas por menos que outras de menor utilidade. O ferro tem menos valor que o ouro. Este fato parece ser incompatível com uma teoria de valor e preços baseada nos conceitos de utilidade e valor de uso. Os economistas clássicos, por isso, abandonaram esta teoria e tentaram explicar, por outras teorias, os fenômenos de valor e de troca no mercado.
Somente mais tarde perceberam os economistas que esse aparente paradoxo era fruto de uma formulação defeituosa do problema em questão. As valorações e decisões que resultam nas relações de troca do mercado não decorrem de uma escolha entre ouro e ferro. O agente homem nunca está numa situação de ter de escolher entre todo o ouro e todo o ferro.
Escolhe, num determinado momento e lugar, sob determinadas condições, entre certa quantidade de ouro e certa quantidade de ferro. Sua decisão, ao escolher entre 100 onças de ouro e 100 toneladas de ferro, nada tem a ver com a decisão que tomaria se estivesse na situação bastante improvável de ter que escolher entre todo o ouro e todo o ferro. Para sua decisão, a única coisa que importa é saber se, nas condições existentes, considera que a satisfação direta ou indireta proporcionada pelas 100 onças de ouro é maior ou menor do que a satisfação proporcionada pelas 100 toneladas de ferro. Ao tomar sua decisão, não está expressando um julgamento filosófico ou acadêmico em relação ao valor “absoluto” do ouro e do ferro; não está julgando o que é mais importante para a humanidade, se o ouro ou o ferro; não está perorando como um tratadista de princípios éticos ou de filosofia da história. Está simplesmente escolhendo entre duas satisfações que não pode ter ao mesmo tempo.
O ato de preferir ou rejeitar (e as escolhas e decisões daí decorrentes) não significa uma medição. A ação não mede a utilidade ou o valor, simplesmente escolhe entre alternativas. É inconcebível o conceito de utilidade total ou valor total.[2] Não há nenhuma operação racional que nos permita deduzir do valor de uma determinada quantidade ou número de coisas o valor de uma maior ou menor quantidade ou número dessas mesmas coisas. Não há como calcular o valor total de um gênero de coisas, se conheceu apenas o valor de uma parte. Não há como estabelecer o valor de uma parte, se conheceu apenas o valor total do gênero em questão. Não há operações matemáticas, quando se trata de valor e valorações; o que se costuma chamar de cálculo de valor simplesmente não existe. A valoração do estoque total de dois bens pode diferir da valoração de partes desse estoque. Um homem isolado que possua sete vacas e sete cavalos pode atribuir um valor maior a um cavalo do que a uma vaca e pode se defrontado com a alternativa, preferir perder uma vaca a um cavalo. Mas, ao mesmo tempo, o mesmo homem, se defrontado com a alternativa de escolher entre todos os seus cavalos e todas as suas vacas, pode preferir ficar com as vacas e perder os cavalos. Os conceitos de utilidade total e valor total só têm sentido se aplicados a situações onde tenhamos de escolher entre quantidades totais de bens. Procurar saber o que é mais útil e valioso, se o ouro em si ou o ferro em si, só teria sentido numa situação em que a humanidade, ou uma parte isolada da humanidade, tivesse de escolher entre todo o ouro e todo o ferro disponíveis.
O julgamento de valor refere-se apenas àquela quantidade com a qual está relacionado o específico ato de escolha. Uma quantidade de um determinado bem é ex definitione, composta de partes homogêneas, sendo que cada uma destas partes pode sempre prestar os mesmos serviços, ou ser substituída por qualquer outra parte. Portanto, ao se efetuar a escolha, não é necessário definir qual a parte que foi escolhida. Todas as partes — unidades — do estoque disponível são julgadas igualmente úteis e valiosas, quando se considera o problema de renunciar a uma delas. Se a quantidade diminui pela perda de uma unidade, o agente homem tem que decidir de novo como utilizar as várias unidades do estoque remanescente. É óbvio que o estoque menor não poderá mais render os mesmos serviços que o maior poderia. A utilização que se faria das diversas unidades diminuídas do estoque era, para o agente homem, a utilização menos importante entre todas aquelas que ele pretendia obter das várias unidades do estoque maior. A satisfação que obteria com o uso de uma das unidades cedidas era a menor entre aquelas satisfações que o estoque total poderia proporcionar-lhe. É apenas o valor desta satisfação marginal que o homem considerará, ao decidir renunciar a uma unidade do estoque completo. Quando defrontado com o problema de que valor atribuir a uma unidade de um conjunto homogêneo, o homem decide atribuindo-lhe o menor valor de uso entre todos aqueles que pode obter de todas as unidades do conjunto; decide, tomando por base a utilidade marginal.
Se um homem defronta-se com a alternativa de ceder uma unidade de sua provisão de a ou de ceder uma unidade de sua provisão de b, não fará a comparação entre o valor total de seu estoque de a e o valor de seu estoque de b. Comparará apenas os valores marginais de a e b. Embora possa considerar o valor de toda a quantidade de a maior do que o valor de toda a quantidade de b, o valor marginal de b poderá ser maior que o valor marginal de a.
O mesmo raciocínio se aplica quando se trata de aumentar a quantidade disponível de um bem pela aquisição de uma quantidade adicional do mesmo bem.
Para descrever esses fatos, a economia não necessita recorrer à terminologia empregada pela psicologia. Tampouco precisa recorrer a raciocínios e argumentos psicológicos para prová-los. Quando afirmamos que os atos de escolha não dependem do valor atribuído a toda uma classe de necessidades, mas apenas do valor atribuído às necessidades específicas em questão, independentemente da classe a que pertençam, não estamos adicionando nada ao nosso conhecimento nem estamos relacionando-o a algum conhecimento mais fundamentado ou mais geral. Esta maneira de falar, em termos de classes de necessidades, só tem sentido se lembrarmos da importância que teve o paradoxo do valor para a história do pensamento econômico. Carl Menger e Böhm-Bawerk tiveram que empregar o termo “classe de necessidades” para poder refutar as objeções levantadas pelos que consideravam o pão mais valioso que a seda, porque a classe “necessidade de alimentação” é mais importante que a classe “necessidade de roupas de luxo”.[3] Hoje, o conceito “classe de necessidades” é inteiramente desnecessário. Não tem significado para a ação e, portanto, também não o tem para a teoria do valor; além do mais, é capaz de induzir ao erro e à confusão. Os conceitos e as classificações não são mais que ferramentas mentais; só adquirem sentido e significação no contexto das teorias que os utilizam.[4] Não há sentido em ordenar as várias necessidades em “classes de necessidades”, para depois concluir que tal classificação não tem interesse para a teoria do valor.
A lei da utilidade marginal e do valor marginal decrescente não tem nada a ver com a lei de Gossen relativa à saturação de necessidades (primeira lei de Gossen). Ao tratar da utilidade marginal, não estamos lidando nem com prazer sensual nem com saturação ou saciedade. Não transpomos a esfera do raciocínio praxeológico, ao estabelecermos a seguinte definição: a utilização que um indivíduo faz de uma unidade de um conjunto homogêneo de bens, se dispõe de n unidades, e que não faria se só dispusessem de n-1 unidades, mantidas iguais às demais circunstâncias, constitui a utilização menos urgente, ou seja, a sua utilização marginal. Por isso, consideramos a utilidade derivada da unidade em questão como utilidade marginal. Para chegar a esta conclusão, não precisamos de nenhuma experiência fisiológica ou psicológica, de nenhum conhecimento ou raciocínio. Decorre necessariamente de nossa premissa o fato de que o homem age (escolhe) e de que, no primeiro caso, tinha n unidades de um conjunto homogêneo de bens e, no segundo caso, n-1 unidades. Nestas condições, não se pode conceber outro resultado. Nossa afirmativa é formal e apriorística, e não depende de nenhuma experiência.
Só há duas alternativas: ou existem ou não existem estágios intermediários entre o desconforto que impele um homem a agir e a situação na qual não pode mais haver nenhuma ação (seja porque foi atingido um estado de perfeita satisfação ou porque o homem não é capaz de conseguir nenhuma melhoria nas suas condições). Se não existem estágios intermediários, então só caberia uma ação; tão logo esta ação fosse consumada, atingiríamos uma situação em que nenhuma nova ação seria possível. Ora, isto é manifestamente incompatível com a nossa pressuposição de que existe ação; contraria as condições gerais pressupostas na categoria ação. Portanto, só a primeira alternativa é aceitável. Mas, então, existem vários graus na aproximação assintótica ao estado em que não haveria mais ação. Assim sendo, a lei de utilidade marginal já está implícita na categoria ação. É simplesmente o reverso da afirmativa que diz preferirmos o que nos dá mais satisfação ao que nos dá menos satisfação. Se a quantidade disponível aumenta de n-1 para n unidades, este incremento só pode ser usado para atender a uma necessidade que é menos urgente ou menos penosa do que todas aquelas que pudessem ser atendidas por meio da quantidade n-1.
A lei de utilidade marginal não se refere a valor de uso objetivo, mas a valor de uso subjetivo. Não lida com a capacidade física ou química que as coisas têm para produzir um determinado efeito, mas com a sua relevância para o bem estar de um homem como ele o entende em cada momento e em cada situação. Não lida com o valor das coisas, mas com o valor dos serviços que um homem espera delas obter.
Se admitíssemos que a utilidade marginal se referisse a coisas e ao seu valor de uso objetivo, seríamos forçados a concluir que a utilidade marginal poderia tanto aumentar como diminuir, ao se incrementar a quantidade de unidades disponíveis. Pode suceder que o emprego de certa quantidade mínima — n unidades — de um bem a proporcione uma satisfação maior do que uma unidade de um bem b. Mas, se a quantidade disponível de a é menor do que n, a só pode ser usado para outro serviço que é considerado menos valioso do que o serviço esperado de uma unidade b. Neste caso, um incremento na quantidade de a, de n-1 para n unidades, resulta num aumento do valor atribuído a uma unidade de a. O possuidor de cem toras de madeira poderá construir uma cabana que o protegerá da chuva melhor que uma capa impermeável. Mas, se só dispõe de menos de cem toras, poderá usá-las para fazer o piso da cabana que o protegerá da umidade do solo. Se tivesse noventa e cinco toras, estaria disposto a trocar a capa impermeável por cinco toras. Se só tivesse dez toras, não trocaria sua capa nem por outras dez toras. Um homem cuja poupança fosse $100 poderia não querer executar um determinado trabalho para receber $200. Mas se sua poupança fosse $2.000 e estivesse extremamente ansioso para adquirir um bem indivisível que custasse $2.100, estaria disposto a executar o mesmo trabalho por apenas $100. Tudo isso está em perfeito acordo com a lei da utilidade marginal corretamente formulada, segundo a qual o valor das coisas depende da utilidade dos serviços que elas são capazes de proporcionar. Não tem cabimento algo como uma lei de utilidade marginal crescente.
A lei da utilidade marginal não deve ser confundida nem com a doutrina de mensura sortis, de Bernoulli, nem com a lei Weber-Fechner. Na base da contribuição de Bernoulli estava o fato, conhecido e nunca negado, de que as pessoas desejam satisfazer suas necessidades mais urgentes antes de satisfazer as menos urgentes, e de que um homem rico tem mais condições de satisfazer suas necessidades do que um homem pobre. Entretanto, as inferências que Bernoulli sacou destes truísmos estão todas erradas. Formulou uma teoria matemática segundo a qual o incremento de satisfação diminui quando aumenta a riqueza do indivíduo. Sua afirmativa de que, como regra geral, é muito provável que, para um homem cuja renda seja de 5.000 ducados, um ducado significa tanto quanto meio ducado para um homem cuja renda seja de 2.500 ducados, é simplesmente fantasiosa. Deixemos de lado, como objeção a essa afirmativa, que não há meio de fazer comparações que não sejam apenas arbitrárias entre as valorações de pessoas diferentes. O método de Bernoulli também é inadequado às valorações de uma mesma pessoa, conforme varie o seu nível de renda. Não percebe que a única coisa que se pode dizer no caso é que, com uma renda crescente, cada novo incremento é usado para satisfazer uma necessidade menos urgente do que a anteriormente satisfeita antes de ocorrer o incremento. Não soube ver que, ao valorar, escolher e agir, não fazemos medições nem estabelecemos equivalências; apenas comparamos, isto é, preferimos ou recusamos.[5] Assim sendo, nem Bernoulli, nem os matemáticos e economistas que adotaram este raciocínio poderiam esclarecer o paradoxo do valor.
Os erros decorrentes do fato de confundir a lei de Weber-Fechner da psicofísica com a teoria de valor subjetivo já foram bem analisados por Max Weber, que apesar de não ser suficientemente versado em economia, estava por demais influenciado pelo historicismo para ter uma percepção correta dos princípios básicos do pensamento econômico. Não obstante, sua engenhosa intuição lhe permitiu seguir a direção certa.
A teoria da utilidade marginal, afirma Weber, “não foi formulada fundamentando-se na psicologia, mas, mais exatamente — se devemos usar um termo epistemológico — de maneira pragmática, isto é, fundamentando-se nas categorias meias e fins.” [6]
Se alguém deseja eliminar um estado patológico tomando certa quantidade de remédio, não obterá melhor resultado se simplesmente aumentar a dose. O excedente ou não fará mais efeito do que a dose apropriada, ou será contraproducente. O mesmo ocorre com todos os tipos de satisfação, embora o ótimo, frequentemente, só seja atingido pela aplicação de uma grande dose, e esteja longe o ponto em que novos aumentos são contraproducentes. E assim é porque o nosso mundo é um mundo de causalidade e de relações quantitativas entre causa e efeito. Quem quiser eliminar o desconforto de viver num quarto com a temperatura de 2 graus centígrados, procurará aquecê-lo até uma temperatura de 19 ou 20 graus. Certamente não é pelo estabelecido na lei de Weber-Fechner que alguém pretenderá aquecê-lo até uma temperatura de 80 ou 150 graus. Tampouco isso tem a ver com a psicologia; tudo o que a psicologia pode fazer para explicar este caso é estabelecer como um dado irredutível o fato de que o homem, como regra, prefere a preservação da vida e da saúde à morte e à doença. O que importa para a praxeologia é apenas a certeza de que o agente homem escolhe entre alternativas. O fato de o homem se ver diante de alternativas, tendo que escolher — e efetivamente escolhe -, se deve ao fato de ele viver em um mundo quantitativo, e não em um mundo onde não existe o conceito de quantidade, o que é até mesmo inimaginável para a mente humana.
A confusão do conceito de utilidade marginal com a lei de Weber-Fechner teve sua origem no equívoco de se considerarem apenas os meios de atingir satisfação e não a satisfação em si mesma. Se tivessem pensado na satisfação, não adotariam a absurda ideia de explicar o desejo por mais calor aludindo à intensidade decrescente da satisfação provocada por sucessivos incrementos do correspondente estímulo. O fato de que o indivíduo, normalmente, não queira aumentar a temperatura de seu quarto para 50 graus nada tem a ver com a intensidade da sensação de calor. Que um indivíduo não aqueça seu quarto até a temperatura que outras pessoas normais o fariam e que ele mesmo preferiria se não estivesse mais interessado em comprar um terno novo ou em assistir a uma sinfonia de Beethoven, não pode ser explicado recorrendo-se às ciências naturais. Somente os problemas relativos ao valor de uso objetivo podem ser analisados pelas ciências naturais; a valoração deste valor de uso objetivo, feita pelo agente homem, é algo bem diferente.
2. A lei dos rendimentos
Dizemos que um bem econômico produz efeitos quantitativamente definidos, em se tratando de bens de primeira ordem (bens de consumo), quando uma quantidade a de causa produz — seja de uma só vez, seja em diversas vezes num determinado período de tempo — uma quantidade A de efeito. Quando se trata de bens de ordens mais elevadas (bens de produção), isto significa: uma quantidade b de causa produz uma quantidade B de efeito, desde que a causa complementar c contribua com a quantidade C de efeito; somente a contribuição dos efeitos B e C produz a quantidade p do bem de primeira ordem D. Existem, neste caso, três quantidades: b e c dos dois bens complementares B e C, e p do produto D.
Mantendo-se b constante, chamamos de ótimo o valor de c que resulta no maior valor de p/c. Se diversos valores de c resultam no maior valor de p/c, consideramos como ótimo aquele valor que resulta no maior valor p. Se os dois bens complementares são utilizados na proporção ótima, ambos produzem o rendimento máximo; seu poder de produzir, seu valor de uso objetivo, é plenamente utilizado; nenhuma fração de um ou de outro é desperdiçada. Se nos afastamos dessa combinação ótima, aumentando a quantidade de c sem alterar a quantidade de B, o rendimento, geralmente, aumentará, mas não na proporção do aumento da quantidade de C. Se for possível aumentar a produção de p para p1, aumentando a quantidade de apenas um dos fatores complementares — por exemplo, substituindo c por cx, sendo x maior que 1 — teremos sempre que p1>p e p1c<pcx. Pois, se fosse possível compensar qualquer diminuição de b por um correspondente aumento de c, de tal maneira que a quantidade p permanecesse inalterada, a produtividade física de B seria ilimitada e B não seria considerado como escasso e, portanto, não seria um bem econômico. Seria indiferente ao agente homem se a quantidade disponível de B fosse maior ou menor. Até mesmo uma dose infinitesimal de B seria suficiente para produzir qualquer quantidade de D, desde que a quantidade de C fosse suficientemente grande. Por outro lado, um aumento na quantidade disponível de B não poderia aumentar a produção de D, se não aumentasse a quantidade de C. O rendimento total do processo se deveria a C; B não poderia ser um bem econômico. Um fator capaz de prestar tais serviços ilimitados é, por exemplo, o conhecimento de qualquer relação causal. A fórmula, a receita que nos ensina a preparar café, uma vez conhecida, rende serviços ilimitados. Não perde sua capacidade de produzir, por mais que seja usada; sua capacidade produtiva é inesgotável; não é, portanto, um bem econômico. O agente homem nunca se acha diante do dilema de ter que escolher entre o valor de uso de uma fórmula conhecida e qualquer outra coisa útil.
A lei dos rendimentos afirma que existem combinações ótimas de bens econômicos de uma ordem mais elevada (fatores de produção). Se nos afastamos desse ótimo, incrementando a quantidade de apenas um dos fatores, a produção ou não aumenta ou pelo menos não aumenta na proporção da quantidade incrementada. Esta lei, como foi demonstrada acima, é consequência obrigatória do fato de que uma relação quantitativa determinada entre um bem econômico e os efeitos produzidos pela sua aplicação constitui condição necessária para que este bem seja um bem econômico.
Que existe esta combinação ótima é tudo o que a lei dos rendimentos, também chamada lei dos rendimentos decrescentes, ensina. Existem inúmeras outras questões que esta lei não esclarece e que só a posteriori podem ser resolvidas pela experiência.
Se o efeito causado por um dos fatores complementares é indivisível, o ótimo é a única combinação que produz o resultado pretendido. Para tingir uma peça de tecido com certa tonalidade, é necessária uma quantidade determinada de tinta. Uma quantidade maior ou menor frustraria o objetivo pretendido. Quem tiver mais corante que o necessário não deve usar o excedente. Quem tiver menos corante que o necessário deve tingir apenas uma parte da peça. O rendimento decrescente, neste exemplo, resulta na completa inutilidade da quantidade adicional, que não deve sequer ser utilizada para não frustrar o objetivo pretendido.
Em outros casos, certa quantidade mínima é necessária para produzir o mínimo de efeito. Entre esse efeito mínimo e o ótimo existe uma zona na qual doses crescentes resultam num incremento proporcional ou mais que proporcional do efeito. Para fazer uma máquina funcionar é necessário uma quantidade mínima de lubrificante. Se uma quantidade adicional de lubrificante aumenta o rendimento da máquina proporcionalmente ou mais que proporcionalmente à quantidade adicionada é algo que só pode ser apurado se recorrermos à experiência tecnológica.
A lei dos rendimentos não responde às seguintes questões: 1) se a dose ótima é ou não a única capaz de produzir o efeito desejado; 2) se existe ou não um limite rígido acima do qual qualquer aumento do fator variável é inteiramente inútil; 3) se a queda na produção provocada por um desvio progressivo do ótimo ou o aumento de produção provocado pela aproximação progressiva do ótimo são ou não proporcionais ao aumento ou diminuição do fator variável. Estas questões só podem ser resolvidas experimentalmente. Mas a lei de rendimentos em si, isto é, o fato de que existe uma combinação ótima, é válida a priori.
A lei de Malthus da população e os conceitos de superpopulação absoluta e de população ótima que dela derivam são a aplicação da lei de rendimentos a um problema específico. Referem-se a mudanças na quantidade de trabalho humano, mantidos constantes os demais fatores. As pessoas, que por considerações políticas rejeitaram a lei de Malthus, combateram com paixão, embora com argumentos falhos, a lei dos rendimentos — lei essa que, incidentalmente, só conheciam como a lei dos rendimentos decrescentes da aplicação de capital e trabalho ao fator terra. Hoje não é mais necessário dar atenção a essas objurgações vazias. A validade da lei dos rendimentos não está limitada ao emprego de fatores de produção em relação à terra. Os esforços para refutar ou demonstrar sua validade por investigações históricas ou experimentais da produção agrícola são tão supérfluos quanto seus resultados. Quem quisesse refutar essa lei deveria explicar por que as pessoas estão dispostas a pagar um preço pela terra. Se a lei não fosse válida, um agricultor nunca procuraria expandir sua fazenda. Bastaria multiplicar indefinidamente a produção de qualquer pedaço de terra, multiplicando o seu aporte de capital e trabalho.
Às vezes as pessoas supõem que, enquanto a lei dos rendimentos decrescentes é válida no caso da produção agrícola, no que diz respeito à produção industrial, prevaleceria uma lei de rendimentos crescentes. Foi necessário muito tempo para que compreendessem que a lei dos rendimentos se aplica igualmente a todos os setores da produção. É um erro distinguir, na aplicação desta lei, entre agricultura e indústria. O que é chamado — numa terminologia imperfeita ou mesmo errado — lei dos rendimentos crescentes nada mais é do que um reverso da lei dos rendimentos decrescentes que, em si mesma, é uma formulação inadequada da lei dos rendimentos. Se nos aproximamos da combinação ótima aumentando a quantidade de apenas um dos fatores, mantendo os demais sem alteração, a produção por unidade do fator variável aumenta proporcionalmente ou mais que proporcionalmente do que o aumento do mencionado fator variável. Suponhamos que uma máquina operada por 2 trabalhadores produz p; quando operada por 3 trabalhadores, 3p; quando operada por 4 trabalhadores, 6p; quando operada por 5 trabalhadores, 7p; e quando operada por 6 trabalhadores, também 7p. Neste caso, o rendimento ótimo por trabalhador ocorre quando a máquina é operada por 4 trabalhadores, ou seja, 6/4 p, enquanto nas outras combinações os rendimentos por trabalhador são respectivamente 1/2p, p, 7/5p e 7/6p. Se, em vez de 2 trabalhadores, empregamos 3 ou 4, o rendimento aumenta numa proporção maior do que o aumento do número de trabalhadores; a produção aumenta numa proporção de 1:3:6 e o número de trabalhadores numa proporção 2:3:4. Estamos diante de um rendimento crescente por trabalhador. Mas isso nada mais é do que o reverso da lei dos rendimentos decrescentes.
Uma usina ou empresa que se afasta da combinação ótima dos fatores empregados será necessariamente menos eficaz do que uma usina ou empresa que se afasta menos da combinação ótima. Tanto na agricultura como na indústria, existem muitos fatores de produção que não são perfeitamente divisíveis. Por isso, sobretudo nas indústrias de transformação, é geralmente mais fácil obter a combinação ótima ao se ampliar, em vez de se reduzir, o tamanho da usina ou da empresa. Se a menor unidade de um dos fatores, ou de diversos fatores, é tão grande a ponto de não se poder obter a exploração ótima numa usina ou empresa pequena ou média, a única maneira de atingir o ótimo será através do aumento das instalações. São esses fatos que explicam a superioridade da produção em larga escala. A importância deste problema será plenamente mostrada, mais adiante, ao examinarmos as questões relativas à contabilidade de custos.
3. O trabalho humano como um meio
Denomina-se trabalho o emprego das funções e manifestações fisiológicas da vida humana como um meio. A simples manifestação das potencialidades da energia humana e dos processos vitais, quando não são utilizados para atingir os objetivos externos, diferentes do mero funcionamento desses processos vitais e do papel fisiológico que desempenham na consumação biológica, não é trabalho; é simplesmente vida. O homem trabalha ao usar suas forças e habilidades como um meio para diminuir seu desconforto, e ao substituir o escoamento espontâneo de suas faculdades físicas e tensões nervosas pela exploração propositada de sua energia vital. O trabalho é um meio e não um fim em si mesmo.
Qualquer indivíduo tem apenas uma quantidade limitada de energia para gastar e cada unidade de trabalho só pode produzir um efeito limitado. Não fosse assim, o trabalho humano seria disponível em abundância; não seria escasso e não seria considerado um meio para eliminar o desconforto e, como tal, economizado.
No mundo onde o trabalho fosse economizado somente em razão do fato de estar disponível em quantidade insuficiente para atingir todos os objetivos para os quais pudesse ser usado como um meio, a quantidade de trabalho disponível seria igual à quantidade total de trabalho que todos os homens fossem capazes de despender. Em tal mundo, todos desejariam trabalhar até que se exaurisse sua momentânea capacidade de trabalho. O tempo que não fosse consumido pela recreação ou pela restauração da capacidade de trabalho despendida no trabalho precedente seria inteiramente dedicado ao trabalho. Qualquer não utilização da plena capacidade de trabalhar seria considerada uma perda. Trabalhando mais, aumentaríamos o nosso bem estar. Deixar de utilizar uma parte do potencial existente seria considerado uma renúncia a um bem estar não compensado por um correspondente aumento de bem estar. A própria noção de preguiça seria desconhecida. Ninguém pensaria: posso fazer isso ou aquilo; mas: não vale a pena, não compensa, prefiro o meu lazer. Todos considerariam sua total capacidade de trabalho como uma disponibilidade de fatores de produção que deveria ser utilizada completamente. Até mesmo uma chance de um pequeno aumento de bem estar seria incentivo suficiente para trabalhar, se por acaso não houvesse, no momento, melhor uso para a quantidade de trabalho em questão.
No nosso mundo real, as coisas são diferentes. O dispêndio de trabalho é penoso. Não trabalhar é considerado mais satisfatório do que trabalhar. O lazer, tudo o mais sendo igual, é preferível ao esforço. As pessoas trabalham somente porque consideram o rendimento do trabalho maior do que a diminuição da satisfação acarretada pela redução do lazer. Trabalhar implica uma desutilidade.
A psicologia e a fisiologia podem tentar explicar este fato. Não há necessidade de a praxeologia investigar se conseguirão tal intento ou não. Para a praxeologia, é um dado de fato o de que os homens preferem usufruir o lazer e, portanto, consideram sua própria capacidade de produzir efeitos de maneira diferente daquela com que consideram a capacidade dos fatores de produção materiais. O homem, ao considerar o dispêndio de seu próprio trabalho, examina não somente se há outro objetivo mais desejável que possa ser obtido com o emprego da quantidade de trabalho em questão, como também se não seria mais desejável abster-se de qualquer dispêndio suplementar de trabalho. Também podemos exprimir este fato dizendo que a obtenção de lazer é um objetivo da ação propositada ou um bem econômico de primeira ordem. Ao empregar esta terminologia um pouco rebuscada, devemos considerar o lazer como qualquer outro bem econômico do ponto de vista da utilidade marginal. Devemos concluir que a primeira unidade de lazer satisfaz um desejo mais urgentemente sentido do que a segunda, e esta, um desejo mais urgente que a terceira, e assim por diante. Invertendo esta posição, temos a afirmativa de que a desutilidade do trabalho sentida pelo trabalhador aumenta numa proporção maior do que a quantidade de trabalho despendida.
Não obstante, não é necessário que a praxeologia estude a questão de saber se a desutilidade do trabalho aumenta proporcionalmente ao aumento da quantidade de trabalho, ou mais que proporcionalmente. (Se este problema tem alguma importância para a fisiologia e para a psicologia, e se estas ciências poderão ou não elucidá-lo, é algo que pode ser deixado sem resposta). O que importa é que o trabalhador suspende o trabalho no momento em que deixa de considerar a utilidade de continuar a trabalhar como uma suficiente compensação para a desutilidade do dispêndio adicional de trabalho. Ao fazer este julgamento, ele compara — deixando de lado a queda de rendimento provocada pela fadiga crescente — cada porção de tempo de trabalho com a mesma quantidade de produto obtido nas porções precedentes. Mas a utilidade das unidades produzidas diminui à medida que prossegue o trabalho e que aumenta a quantidade já produzida. Os produtos das unidades de trabalho anteriores proporcionaram a satisfação de necessidades mais importantes do que aquelas satisfeitas por trabalho realizado posteriormente. A satisfação dessas necessidades menos importantes pode não ser considerada como uma recompensa suficiente para continuar trabalhando, ainda que a comparação seja feita com a mesma quantidade de produção física.
Portanto, é irrelevante para a praxeologia procurar saber se a desutilidade do trabalho é proporcional ao dispêndio total de trabalho ou se aumenta numa proporção maior do que o tempo gasto no trabalho. De qualquer maneira, a propensão a despender as porções de trabalho ainda não utilizadas diminui — mantidas constantes as demais condições — à medida que aumentam as porções já despendidas. Se esta queda na propensão a trabalhar se manifesta com uma intensidade maior ou menor, é sempre uma questão de dados econômicos e não de princípios categoriais.
A desutilidade atribuída ao trabalho explica por que, ao longo da história, concomitantemente com o progressivo aumento da produtividade física do trabalho, proporcionado pelo avanço tecnológico e pela maior abundância de capital, desenvolveu-se uma tendência nítida na direção de reduzir a jornada de trabalho. Um dos prazeres que o homem moderno pode desfrutar mais que os seus antepassados é o tempo disponível para o lazer. Neste sentido, é possível responder à questão, frequentemente levantada por filósofos e filantropos, se o progresso econômico tornou ou não o homem mais feliz. Se a produtividade do trabalho fosse menor do que é hoje no mundo capitalista, o homem seria forçado ou a trabalhar mais ou a renunciar a muitos prazeres.
Ao estabelecer este fato, os economistas não estão afirmando que o único meio de alcançar a felicidade é através do maior conforto material, da vida luxuosa ou de mais lazer. Estão apenas registrando o fato de que os homens se encontram numa melhor posição para prover-se com aquilo que consideram suas necessidades.
O insight praxeológico fundamental, segundo o qual os homens preferem o que lhes dá mais satisfação ao que lhes dá menos satisfação e valoram as coisas com base na sua utilidade, não precisa ser corrigido ou complementado com alguma alusão à desutilidade do trabalho. Estas proposições já implicam afirmar que o trabalho é preferível ao lazer somente quando o produto do trabalho é mais urgentemente desejado do que o desfruto do lazer.
A posição singular que o fator trabalho ocupa no nosso mundo se deve ao seu caráter não específico. Todos os fatores de produção primários obtidos na natureza — isto é, todas as coisas e forças naturais que o homem pode usar para melhorar seu bem estar — têm poderes e virtudes específicos. Existem fins para cuja obtenção tais fatores são mais adequados, fins para os quais são menos adequados e fins para os quais são totalmente inadequados. Mas o trabalho humano é ao mesmo tempo adequado e indispensável para a realização de qualquer processo ou sistema de produção que se possa imaginar.
Evidentemente, não se pode generalizar quando falamos de trabalho humano. É um erro fundamental não perceber que os homens e sua capacidade de produzir são diferentes. O trabalho que certo indivíduo pode realizar é mais adequado para atingir certos fins, menos adequado para outros fins e de todo inadequado para outros mais. Uma das deficiências da economia clássica foi não dar suficiente atenção a este fato e não considerá-lo na formulação de sua teoria de valor, preços e salários. Os homens não fazem do trabalho em geral o objeto de seu interesse econômico, mas, sim, de tipos específicos de trabalho. Os salários não são pagos pelo trabalho despendido, mas pelos resultados do trabalho que diferem muito em qualidade e quantidade. A produção de cada produto específico requer o emprego de trabalhadores capazes de realizar o tipo de trabalho em questão. É absurdo pretender minimizar esta realidade, alegando que a principal demanda e oferta de trabalho são por trabalho comum, não qualificado, que qualquer pessoa com boa saúde pode realizar; e que os trabalhos qualificados daqueles que têm aptidões particulares inatas ou adquiridos por treinamento especial é, em larga medida, uma exceção. É inútil tentar averiguar se eram essas as condições num passado remoto ou mesmo se, nas tribos primitivas, as diferenças na capacidade de trabalho, inata ou adquirida, foram o fator principal para que o trabalho fosse considerado como objeto de interesse econômico. Ao lidarmos com as circunstâncias dos povos civilizados, é inadmissível não considerar as diferenças na qualidade do trabalho efetuado. O trabalho que as várias pessoas são capazes de realizar é diferente, porque os homens não nascem iguais e porque a habilidade e a experiência que adquirem ao longo de suas vidas acentuam ainda mais essa diferença.
Ao falar do caráter não específico do trabalho humano, certamente não estamos afirmando que todo trabalho humano seja da mesma qualidade. O que queremos dizer é, mais precisamente, que as diferenças no tipo de trabalho necessário à produção dos vários bens são maiores que as diferenças nas capacidades inatas dos homens. Ao enfatizar este ponto, não estamos tratando da performance do gênio; o trabalho do gênio está fora da órbita do agir humano ordinário — é como um dom do destino, que ocorre na humanidade de um momento para outro.[7] Além disso, não consideramos as barreiras institucionais que impedem alguns grupos de pessoas de ter acesso a certas ocupações e ao treinamento que estas requerem.
As diferenças inatas dos vários indivíduos não rompem a uniformidade zoológica nem a homogeneidade da espécie humana a ponto de dividir a oferta de trabalho em compartimentos estanques. Portanto, a oferta potencialmente disponível para realizar qualquer tipo de trabalho excede a demanda real para este tipo de trabalho. A oferta de qualquer tipo de trabalho especializado pode ser aumentada, ao se retirarem trabalhadores de outros setores e treiná-los adequadamente. A possibilidade de atender às necessidades de qualquer setor de produção nunca é limitada, permanentemente, pela falta de gente capaz de realizar tarefas especializadas. Apenas em curto prazo pode ocorrer uma escassez de especialistas. Em longo prazo, esta pode ser eliminada, treinando-se pessoas que tenham as aptidões inatas requeridas.
O trabalho é o mais escasso de todos os meios primários de produção, porque não tem um caráter específico e porque todas as variedades de produção requerem o dispêndio de trabalho. Consequentemente, a escassez dos outros meios primários de produção — isto é, os meios de produção não humanos obtidos na natureza — torna-se para o agente homem uma escassez daqueles meios primários de produção cuja utilização requeira o menor dispêndio de trabalho.[8] Por isso, é a oferta de trabalho disponível que determina em que medida o fator natureza, em cada uma de suas variedades, pode ser explorado para a satisfação de necessidades.
Se a oferta de trabalho que os homens são capazes e estão dispostos a realizar aumenta, a produção também aumenta. O trabalho não pode deixar de ser utilizado sob a alegação de ser inútil para o atendimento de novas necessidades. O homem isolado, autossuficiente, sempre pode melhorar suas condições ao trabalhar mais. No mercado de trabalho de uma sociedade regida pelas leis de mercado, há comprador para toda oferta de trabalho. Pode haver abundância e excesso apenas em segmentos do mercado de trabalho; isto resultaria no deslocamento do trabalho desses setores para outros, provocando um aumento de produção nestes outros setores do sistema econômico. Por outro lado, um aumento na quantidade de terra disponível — mantidos constantes os outros fatores — só resultaria num aumento de produção se a terra adicional fosse mais fértil do que a anteriormente disponível.[9]
O mesmo ocorreria em relação a equipamentos aptos a realizar uma produção futura. A possibilidade de utilização de bens de capital também depende da quantidade de trabalho disponível. Seria desperdício usar a capacidade de produção existente, se o trabalho necessário pudesse ser empregado para satisfação de necessidades mais urgentes.
Fatores complementares de produção só podem ser usados na medida da disponibilidade do mais escasso entre eles. Suponhamos que a produção de uma unidade de p requeira a utilização de 7 unidades de a e de 3 unidades de b, e que tanto a como b só possam ser usados para a produção de p. Se estão disponíveis 49 a e 2.000 b, não se poderá produzir mais que 7p. A quantidade disponível de a determina a quantidade de b que pode ser aproveitada. Somente a é considerado um bem econômico; somente por a as pessoas estarão dispostas a pagar um preço; o preço total de p é função do preço de 7 unidades de a. Por outro lado, b não é um bem econômico e nenhum preço lhe é atribuído, já que existem quantidades de b que permanecem sem aproveitamento.
Podemos tentar imaginar um mundo no qual todos os fatores de produção estivessem tão plenamente empregados que não haveria oportunidade de empregar todas as pessoas ou, pelo menos, de empregá-las na medida em que estivessem dispostas a trabalhar. Em tal mundo, haveria abundância de mão de obra; um aumento na oferta de trabalho não poderia acarretar nenhum aumento na quantidade total produzida. Pressupõe-se, ainda, que todos os homens têm a mesma capacidade e disposição para o trabalho, e que inexiste a desutilidade do trabalho, em tal mundo o trabalho não seria um bem econômico. Se este mundo fosse uma comunidade socialista, um aumento na população seria considerado como um aumento no número de consumidores ociosos.
Se fosse uma economia de mercado, os salários pagos não seriam suficientes para evitar a fome. Quem quisesse trabalhar estaria disposto a fazê-lo por qualquer salário, por mais baixo que fosse, mesmo que insuficiente para suas necessidades vitais. Ficariam felizes em retardar um pouco a morte por inanição.
Não há necessidade de maior delonga sobre os paradoxos dessa hipótese, nem de discussão sobre os problemas de tal mundo. Nosso mundo é diferente. O trabalho é mais escasso do que os fatores materiais de produção. Não estamos lidando, por ora, com o problema da população ótima. Estamos lidando, apenas, com o fato de que existem fatores materiais de produção que permanecem sem ser utilizados, porque o trabalho necessário é utilizado para a satisfação de necessidades mais urgentes. No nosso mundo, não há abundância, mas insuficiência de força de trabalho, e existem fatores materiais de produção inaproveitados, quais sejam: terras, jazidas minerais e até mesmo usinas e equipamentos.
Esta situação poderia ser mudada por um aumento de população, de tal forma que todos os fatores materiais necessários à produção de alimentos, indispensáveis — no sentido estrito deste termo — à preservação da vida humana, estivessem sendo plenamente utilizados. Mas, não sendo esse o caso, esta situação não pode ser alterada por qualquer progresso tecnológico dos métodos de produção. A substituição de métodos de produção menos eficientes por outros mais eficientes não torna o trabalho abundante, enquanto existirem fatores materiais disponíveis cuja utilização possa aumentar o bem estar humano. Ao contrário, tais progressos aumentam a produção e, portanto, a quantidade de bens de consumo. Os procedimentos para “economizar a mão de obra” aumentam a oferta de bens. Não ocasionam “desemprego tecnológico”.[10]
Todo produto é o resultado do emprego de trabalho e de fatores materiais. O homem economiza tanto o trabalho como fatores materiais.
Trabalho imediatamente gratificante e trabalho mediatamente gratificante
Como regra geral, o trabalho gratifica de forma indireta a quem trabalha, ou seja, pela supressão do desconforto provocado pela obtenção de um fim. O trabalhador renuncia ao lazer e suporta a desutilidade do trabalho para usufruir o produto de seu trabalho ou o que outras pessoas estão dispostas a lhe dar por esse produto. O dispêndio de trabalho é, para quem trabalha, um meio para atingir fins, um preço pago e um custo incorrido.
Mas existem casos em que o trabalho gratifica imediatamente o trabalhador. Ele obtém uma satisfação imediata de seu dispêndio de trabalho. O rendimento é duplo. Consiste, de um lado, na realização do produto e, de outro, na satisfação que a própria execução do trabalho proporciona ao trabalhador.
Muitas pessoas interpretaram este fato de forma absurda e basearam neste equívoco plano fantásticos de reforma social. Um dos principais dogmas do socialismo é que o trabalho tem desutilidade apenas no sistema capitalista de produção, enquanto que no regime socialista seria puro prazer. Não precisamos considerar as efusões lunáticas do pobre Charles Fourier. Mas o socialismo “científico” de Marx não difere neste ponto dos utopistas. Alguns de seus mais notáveis defensores, Frederick Engels e Karl Kautsky, expressamente declaram que um dos principais efeitos do regime socialista seria transformar em prazer o padecimento do trabalho.[11]
O fato, frequentemente ignorado, é que as atividades que nos trazem uma gratificação imediata e que são, portanto, fontes diretas de prazer e deleite são essencialmente diferentes do trabalho. Somente um tratamento muito superficial dos fatos em questão pode deixar de perceber essas diferenças. Remar numa canoa em parque público aos domingos só do ponto de vista da hidromecânica pode ser comparado a remar numa galé.
Quando o ato de remar é considerado apenas um meio para atingir fins, ele se torna diferente, assim como cantarolar uma ária no chuveiro é diferente de cantá-la num recital. O remador despreocupado e o cantor de banheiro tiram uma satisfação imediata da sua atividade e não uma gratificação indireta. O que fazem, portanto, não é trabalho, não é o emprego de suas funções fisiológicas para atingir fins outros além do simples exercício dessas funções. É um mero prazer. É um fim em si mesmo; é feito pelo prazer de fazer, sem qualquer outro benefício. Como não é trabalho, não pode ser chamado de trabalho imediatamente gratificante.[12]
Às vezes, a um observador superficial, parece que o trabalho alheio constitui fonte de satisfação imediata, porque ele mesmo gosta de se imaginar realizando aquele trabalho. Da mesma forma que as crianças brincam de escola, de soldado, de trem, também os adultos gostam de se imaginar nesta ou naquela função. Pensam que o maquinista adora dirigir sua locomotiva tanto quanto eles gostariam, se lhes fosse permitido brincar com ela. O contador, indo apressado para o escritório, sente inveja do guarda civil que, pensa ele, é pago para passear tranquilamente, fazendo sua ronda. Mas o guarda civil sente inveja do contador que, sentado numa cadeira confortável, em ambiente refrigerado, ganha dinheiro fazendo alguns rabiscos, o que não pode a seu juízo, ser chamado de trabalho. Não vale a pena perder tempo analisando as opiniões de quem, por interpretar erroneamente o trabalho alheio, o considera mero passatempo.
Existem, entretanto, casos em que o trabalho é imediatamente gratificante. Existem alguns tipos de trabalho que, em pequenas doses e em certas condições, proporcionam uma gratificação imediata. Mas essas doses são tão pequenas, que não representam papel importante no conjunto da ação humana e na produção para satisfação de necessidades. Nosso mundo se caracteriza pelo fenômeno da desutilidade do trabalho. As pessoas trocam a desutilidade provocada pelo trabalho pelo produto do trabalho; para elas, o trabalho é fonte de gratificação indireta.
Na medida em que certo tipo de trabalho proporciona prazer em vez de pena, uma gratificação imediata e não a sensação de sua desutilidade, nenhum salário é pago a quem o executa. Ao contrário, o executante deste “trabalho” é que deve comprar o prazer e pagar por ele. A caça foi e é para muitas pessoas um trabalho normal, gerador de desutilidade.
Mas, para outras pessoas, é puro prazer. Na Europa, amantes da caça compram dos proprietários das zonas de caça o direito de matar certo número de determinados animais. O preço pago por este direito é separado do preço a ser pago pela unidade de animal efetivamente caçado. Se os dois preços fossem somados, o total certamente excederia a quantia que teríamos que despender se quiséssemos comprar a mesma caça no mercado. Um cervo vagando entre rochedos e penhascos tem um preço maior do que terá mais tarde, depois de morto, trazido para o vale e preparado para que sua carne, sua pele e seus chifres sejam aproveitados, muito embora, para matá-lo, tenha sido necessário fazer uma fatigante escalada e gastar algum material. Podemos dizer que um dos serviços que um cervo vivo é capaz de prestar é o de proporcionar ao caçador o prazer de matá-lo.
O gênio criador
Muito acima dos milhões de indivíduos que nascem e morrem, destacam-se os pioneiros, os homens cujos atos e ideias abriram novos caminhos para a humanidade. Para esses gênios desbravadores[13], criar é a essência da vida. Viver, para eles, significa criar.
As atividades desses homens prodigiosos não podem ser inteiramente enquadradas no conceito praxeológico de trabalho. Não são trabalho porque, para o gênio, não são meios, mas fins em si mesmos. Para o gênio, viver é criar e inventar. Para ele, não há lazer, mas apenas intervalos de esterilidade e frustração. Seu estímulo não vem do desejo de obter um resultado, mas do próprio ato de produzi-lo. A realização não o gratifica nem direta nem indiretamente. Não o gratifica indiretamente porque seus semelhantes, na melhor das hipóteses, não manifestam, por sua realização, nenhum interesse e, até mesmo, frequentemente a recebem com escárnio, chacota e perseguição. Muitos gênios poderiam usar seus dons para tornar sua vida agradável e alegre; mas sequer cogitam desta possibilidade e escolhem o seu caminho sem hesitação, mesmo se espinhoso. O gênio quer realizar o que considera sua missão, mesmo sabendo que pode ser conduzido ao seu próprio desastre.
Tampouco o gênio obtém de sua atividade criativa uma gratificação imediata. Criar, para ele, é uma agonia e um tormento; é uma luta incessante e penosa contra obstáculos internos e externos, que o consome e esgota. O poeta austríaco Grillparzer soube descrever esta situação num poema comovente: “Adeus a Gastein”.[14] Podemos supor que, ao escrevê-lo, não pensou somente em suas próprias penas e atribulações, mas também nos sofrimentos ainda piores de um grande homem, Beethoven, com cuja sorte muito se identificava e a quem compreendeu, melhor do que qualquer de seus contemporâneos, graças à sua zelosa afeição e compreensiva admiração pelo grande compositor. Nietzsche se comparava à chama que insaciavelmente se consome e se destrói.[15] Tais agonias são fenômenos que não têm nada em comum com as conotações geralmente atribuídas às noções de trabalho e esforço, de produção e sucesso, de ganhar o pão e gozar a vida.
As obras do gênio criador, seus pensamentos e teorias, seus poemas, pinturas e composições, não podem ser classificadas, praxeologicamente, como produtos do trabalho. Não são o resultado do emprego de uma capacidade de trabalho que poderia ser usada para produzir outras amenidades, para a “produção” de uma obra-prima de filosofia, arte ou literatura. Pensadores, poetas e artistas são, frequentemente, incapazes de realizar qualquer outro trabalho. Seja como for, o tempo e esforço que devotam às atividades criadoras não é subtraído do que empregariam para outros propósitos. As circunstâncias, às vezes, condenam à esterilidade um homem que teria tido a capacidade de criar coisas inauditas; talvez não lhe deixem alternativa a não ser morrer de fome ou usar todas as suas forças na luta pela simples sobrevivência. Mas, se o gênio consegue alcançar as metas a que se propôs ninguém, além dele, pagará pelos “custos” incorridos. Goethe talvez tenha sido estorvado por suas funções na corte de Weimar. Mas certamente não se teria desincumbido melhor de seus deveres como ministro de Estado, diretor de teatro e administrador de minas, se não tivesse escrito suas peças, poemas e novelas.
Além do mais, é impossível substituir o trabalho de um gênio criador pelo trabalho de qualquer outra pessoa. Se Dante e Beethoven não tivessem existido, não seria possível produzir a Divina comédia ou a Nona sinfonia, atribuindo esta tarefa a outras pessoas. Nem a sociedade nem qualquer indivíduo podem fazer existir um gênio e sua obra. Nem a “demanda”, por maior que seja, nem ordens peremptórias de governo produzem o menor efeito. O gênio não produz por encomenda. Os homens não podem aperfeiçoar as condições naturais e sociais de forma a provocar o surgimento do gênio criador e sua obra. É impossível formar gênios pela eugenia, treiná-los nas escolas ou organizar suas atividades. Mas, sem dúvida, a sociedade pode ser organizada de tal maneira que impeça o surgimento de pioneiros e suas descobertas.
O talento criativo do gênio é, para a praxeologia, um fato irredutível. Aparece na história como um presente do destino. Não é, de forma alguma, o resultado de uma produção no sentido com que a economia emprega este termo.
4. Produção
A ação, se bem-sucedida, atinge o objetivo pretendido. Produz o produto desejado. A produção não é um ato de criação; não gera algo que não existia. É a transformação de elementos dados mediante arranjos e combinações. O produtor não é um criador. O homem só é criativo no plano do pensamento e da imaginação. No mundo dos fenômenos externos, é apenas um transformador. Tudo o que pode fazer é combinar os meios disponíveis de tal maneira, que em decorrência das leis da natureza ocorra o resultado pretendido.
Houve época em que era costume distinguir entre a produção de bens tangíveis e a prestação de serviços. O carpinteiro que fabricava mesas e cadeiras era considerado produtivo; mas o mesmo não se dizia do médico cujos conselhos ajudavam o carpinteiro a recuperar sua capacidade de fabricar mesas e cadeiras. Fazia-se uma diferenciação entre o vínculo médico-carpinteiro e o vínculo carpinteiro-alfaiate. O médico, afirmava-se, não produz nada por si mesmo; tira sua subsistência do que os outros produzem, é mantido por carpinteiros e alfaiates. Num período ainda anterior, os fisiocratas franceses sustentavam que todo trabalho que não tirasse algo do solo era improdutivo. Em sua opinião, só eram produtivas a agricultura, a pesca, a caça e a exploração de minas e jazidas. A indústria não acrescentava nada ao valor dos materiais empregados, a não ser o valor das coisas consumidas pelos trabalhadores.
Os economistas de hoje riem de seus predecessores por terem feito distinções tão insustentáveis. Melhor fariam se tirassem a venda dos seus próprios olhos. A maneira como muitos autores contemporâneos abordam diversos problemas econômicos — como, por exemplo, publicidade e marketing — nada mais é do que uma recaída em erros grosseiros que já não deviam mais ser cometidos.
Outra opinião também muito aceita pretende fazer diferenças entre o emprego de trabalho e o de fatores materiais de produção. Sustentam os seus seguidores que a natureza dispensa seus dons gratuitamente; mas o trabalho, tendo em vista a sua desutilidade, deve ser pago. Ao despender esforço e superar a desutilidade do trabalho, o homem acrescenta algo que não existia antes no universo. Neste sentido, o trabalho era considerado criativo. Este conceito também está errado. A capacidade de trabalho do homem é um dado do universo, como o são as capacidades inerentes ao solo e às substâncias animais. Nem mesmo o fato de que uma parte da capacidade de trabalho pode permanecer sem ser usada a diferencia dos fatores de produção não humanos; estes também podem permanecer sem serem usados. A disposição dos indivíduos para superar a desutilidade do trabalho resulta do fato de preferirem o produto do trabalho à satisfação que derivaria de um lazer mais prolongado.
Só a mente humana, que dirige a ação e a produção, é criativa. A mente também pertence ao universo e à natureza; é uma parte do mundo existente e dado. Chamar a mente de criativa não implica entregar-se a especulações metafísicas. Qualificamo-la de criativa porque só conseguimos rastrear as mudanças provocadas pela ação humana até o ponto em que nos defrontamos com a intervenção da razão dirigindo as atividades humanas. A produção não é algo físico, material e externo; é um fenômeno intelectual e espiritual. Seus requisitos essenciais não são o trabalho humano e as forças naturais e coisas externas, mas a decisão da mente de usar esses fatores como meios para alcançar fins. O que produz o produto não é o esforço e o aborrecimento em si mesmos, mas o fato de que os esforços são guiados pela razão. Só a mente humana é capaz de diminuir o desconforto.
A metafísica materialista dos marxistas interpreta esta realidade de maneira inteiramente falsa. As propaladas “forças produtivas” não são algo material. A produção é um fenômeno espiritual, intelectual e ideológico. É o método que o homem dirigido pela razão, emprega para diminuir o seu desconforto na medida do possível. O que distingue a nossa situação da dos nossos ancestrais que viveram há mil ou vinte mil anos não é algo material, mas algo espiritual. As mudanças materiais são fruto de mudanças espirituais.
Produzir é alterar o que existe segundo os desígnios da razão. Tais desígnios — as receitas, as fórmulas, as ideologias — são o fundamental; transformam os fatores originais — tanto os humanos como não humanos — em meios. O homem produz usando a razão; escolhe os fins e emprega os meios para atingi-los. A suposição popular segundo a qual a economia lida com as condições materiais da vida humana é um grande equívoco. A ação humana é uma manifestação da mente. Neste sentido, a praxeologia pode ser considerada uma ciência moral (Geisteswissenschaft).
Naturalmente, não sabemos o que é a mente, do mesmo modo que não sabemos o que são a vida, o movimento, a eletricidade. Mente é apenas a palavra empregada para designar aquele fator desconhecido que possibilitou aos homens tantas realizações: as teorias e os poemas, as catedrais e as sinfonias, os automóveis e os aviões.
[1] Livremente. (N.T.)
[2]É importante notar que este capítulo não trata de preços ou valores de mercado, mas de valor de uso subjetivo. Preço é uma consequência do valor de uso subjetivo. Ver capítulo XVI.
[3] Ver Carl Menger, Grundsätze der Volkswirtschaftslehre, Viena, 1871, p. 88 e segs.; Böhm-Bawerk, Kapital und Kapitalzins, 3. ed., Innsbruck, 1909, parte 2, p. 237 e segs.
[4] No mundo, não existem classes. É a nossa mente que classifica os fenômenos para assim ordenar o nosso conhecimento. A questão de saber se certo modo de classificar os fenômenos atinge ou não esse objetivo é diferente da questão de saber se esta classificação é logicamente admissível ou não.
[5] Ver Daniel Bernoulli, Versuch einer neuen Theorie zur Bestimmung von Glücksfällen. Trad. Pringsheim, Leipzig, 1896, p. 27 e segs.
[6] Ver Max Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, 1922, p. 149 e 372. O termo “pragmático”, como empregado por Weber, naturalmente se presta à confusão. É impróprio aplicá-lo fora do contexto da filosofia do pragmatismo. Se Weber tivesse conhecido o termo “praxeologia”, provavelmente o teria preferido.
[7] Ver adiante p. …….
[8] É claro que certos recursos naturais são tão escassos, que são inteiramente utilizados.
[9] Havendo liberdade de mobilidade do trabalho, seria desperdício explorar terras incultas, se estas não forem tão férteis de modo a compensar o custo total desta operação.
[10] Ver adiante p. …….
[11] Karl Kautsky, Die soziale Revolution, Berlim, 1911, p. 16 e segs., vol. 2. Com relação a Engels ver adiante p. …….
[12] Remar seriamente, como um esporte, e praticar o canto seriamente, embora como amador, constitui trabalho introvertido. Ver adiante p. …….
[13] Líderes (führers) não são pioneiros. Conduzem o povo pelos caminhos que os pioneiros abriram. O pioneiro abre o caminho por regiões antes inacessíveis, sem se importar se alguém trilhará este novo caminho. O líder dirige seu povo para os objetivos que esse povo deseja alcançar.
[14] Parece não haver tradução inglesa deste poema. O livro de Douglas Yates, Franz Grillparzer, a Critical Biography, Oxford, 1946, p. 57, vol. 1, faz um pequeno resumo, em inglês, do seu conteúdo.
[15] Para uma tradução inglesa do poema de Nietzsche, ver M. A. Mügge, Friedrich Nietzsche, Nova Iorque, 1911, p. 275.