Recorrentemente, vemos políticos e pessoas clamando por novas leis que reduzam a jornada de trabalho. Quanto mais rico o país, menores as horas semanais que as pessoas querem trabalhar (nos EUA, já há pedidos para uma jornada máxima de 30 horas por semana).
Abordemos, então, esse assunto de maneira franca e direta: leis impondo uma redução na jornada semanal de trabalho irão prejudicar justamente aqueles trabalhadores que elas supostamente deveriam proteger.
A idéia de que são necessárias leis que limitem a jornada para proteger os trabalhadores é um mito: o capitalismo, por meio de seus próprios mecanismos de incentivos, reduziu a jornada de trabalho ainda na época em que não havia nenhuma lei regulamentando as jornadas. O economista Robert Whaples observa que a jornada semanal média vem caindo progressivamente desde os anos 1830.
Em 1938, quando o então presidente americano Franklin Roosevelt assinou a Fair Labor Standards Act (FLSA), uma lei que estipulava a jornada semanal máxima em 40 horas, tal lei já era praticamente desnecessária. Ao longo do século anterior, as forças de mercado já haviam derrubado a jornada semanal média nas indústrias, de quase 70 horas para apenas 50 horas. Em outras indústrias, a jornada era ainda menor. Em 1930, por exemplo, operários das ferrovias trabalhavam uma media de 42,9 horas por semana. Já os carvoeiros trabalhavam uma média de apenas 27 horas. (Confira os números aqui).
Henry Ford implantou uma jornada semanal de 40 horas em 1926 porque ele acreditava que consumidores com mais tempo livre iriam comprar mais produtos. Outras grandes empresas fizeram o mesmo. Apenas um ano depois, 262 grandes empresas já haviam adotado uma semana de trabalho de 5 dias. Pela primeira vez na história, as pessoas estavam usufruindo fins de semana livres.
Essa mudança em nada se deveu às legislações trabalhistas da época, pois as poucas e esporádicas leis salariais existentes nos EUA antes da FSLA podiam, na prática, ser nulificadas pela Suprema Corte da época, a qual reconhecia a legalidade de qualquer contrato firmado voluntariamente entre empregador e empregado, independentemente das horas de trabalho que esse contrato estipulasse.
De acordo com esse trabalho acadêmico do economista Robert Whaples:
Mais de 80% dos historiadores econômicos já aceitam a idéia de que “a redução na jornada de trabalho semanal nas indústrias americanas antes da Grande Depressão deveu-se majoritariamente ao crescimento econômico e aos aumentos salariais gerados por esse crescimento econômico. Outras forças tiveram um papel apenas secundário. Por exemplo, dois terços dos historiadores econômicos rejeitam a proposta de que os esforços dos sindicatos foram a principal causa da queda na jornada de trabalho antes da Grande Depressão.
A verdade é que trabalhadores não são impotentes. Em um mercado competitivo, eles têm grande poder de barganha perante seus patrões, e sabem que, se não gostarem da proposta oferecida pelo patrão, podem simplesmente oferecer sua mão-de-obra para a empresa concorrente.
O que fez com que as jornadas de trabalho no século XIX fossem longas foi o mesmo fenômeno que obrigou agricultores a colocar seus filhos para trabalhar: a produtividade era baixa, e as pessoas simplesmente tinham de trabalhar 70-80 horas por semana se quisessem produzir o suficiente para comer. Isso, obviamente, não pode ser atribuído a “patrões exploradores”, a menos que consideremos que pais são exploradores. Tal fenômeno se devia ao fato de a economia ainda ser subdesenvolvida.
[N. do E.: como explicado neste artigo:
Ainda hoje, há pessoas que realmente acreditam que no século XVIII havia o mesmo tanto de riqueza que há hoje, de modo que, se os salários eram baixos (comparado aos padrões de hoje), se a segurança no trabalho era precária (de novo, comparado aos padrões de hoje) e se mulheres e crianças trabalhavam, isso só ocorria porque os malditos e gananciosos capitalistas se recusavam a prover segurança e salários altos, e obrigavam mulheres e crianças a trabalhar.
Tais pessoas realmente acreditam que bastava apenas um decreto governamental para que um trabalhador em 1750 gozasse dos mesmos confortos, segurança no trabalho e níveis salariais vigentes hoje! É inacreditável. Para quem está acostumado a todas as comodidades e confortos do século XXI, é claro que as condições de vida do século XVIII pareciam “sub-humanas”.
Falar que a qualidade de vida era ruim nos séculos XVIII e XIX tendo por base o século XXI, e daí tirar conclusões, é vigarice intelectual. Tal postura ignora toda a acumulação de capital que ocorreu ao logo dos séculos seguintes. Era simplesmente impossível ter nos séculos XVIII e XIX a qualidade de vida que usufruímos hoje no século XXI, a segurança no trabalho, e a renda. Naquela época, não havia a mesma acumulação de capital que temos hoje. A produtividade era menor, os investimentos eram menores, a quantidade e a variedade de bens e serviços eram menores. Era impossível ter naquela época a mesma quantidade de comodidades que temos hoje.
Trabalhar muito e receber pouco não era uma decisão de capitalistas maldosos. Era a necessidade da época. Quem realmente acredita que era possível trabalhar 6 horas por dia nos séculos XVIII e XIX e ainda assim viver bem não entende absolutamente nada de economia. Tal raciocínio parte do princípio de que vivemos no Jardim do Éden, que a riqueza já está dada, e que tudo é uma mera questão de redistribuição.]
À medida que a produtividade e, consequentemente, os salários foram crescendo, os trabalhadores foram se tornando aptos a viver à custa de menos horas de trabalho, o que deu a eles um incentivo para barganhar — de maneira bem-sucedida, como podemos testemunhar — jornadas semanais menores.
Mas, então, se a “exploração” não está conseguindo manter a jornada de trabalho longa, por que ela não continuou diminuindo desde 1938?
Um fator é que os salários estão subindo (contrariamente à alegação dos progressistas), o que aumenta o custo de oportunidade de não trabalhar. Os trabalhadores estão optando por trabalhar mais e comprar mais bens do que ter mais tempo livre. Salários crescentes fazem com que a hipótese de se trabalhar mais horas seja mais atrativa.
Outro fator é que, no mundo desenvolvido, a jornada semanal já está de fato diminuindo, só que por decisão voluntária dos patrões. Empresas como a Treehouse, do setor tecnológico, estão experimentando uma jornada semanal de 32 horas.
Abaixo, um gráfico que mostra a evolução do PIB per capita dos EUA (linha pontilhada, eixo da direita) e a evolução das horas de trabalho anual por trabalhador.
Ou seja, leis que impõem uma jornada máxima aparentemente tendem a ser inócuas para os trabalhadores. Só que pode ser muito pior do que isso: esse tipo de regulação, na realidade, prejudica a capacidade dos trabalhadores de ganhar um salário decente.
Trabalhadores são pagos de acordo com o que produzem, de modo que, se não estão trabalhando e produzindo o suficiente, não há como eles ganharem o suficiente. Empresas não são instituições de caridade; se um empregado produz 100, não há como ele ganhar mais do que 100. Leis que impõem uma jornada máxima reduzem a capacidade dos trabalhadores de aumentar seus salários, o que poderia ocorrer caso eles trabalhassem mais e produzissem mais.
Isso é algo que os próprios sindicatos já haviam reconhecido. Terence Powderly, líder do sindicato americano Knights of Labor (o maior e mais importante do país na década de 1880), afirmou que os trabalhadores não queriam jornadas menores se isso implicasse uma redução salarial. Mas foi exatamente isso o que as greves e as leis trabalhistas criaram.
[N. do E.: nos países ricos, em que os trabalhadores possuem uma grande quantidade de maquinários e bens de capital tecnológicos à sua disposição, tais trabalhadores tendem a ser mais produtivos. Sendo assim, eles podem se dar ao luxo de trabalhar menos horas. Já nos países ainda em desenvolvimento, que não usufruem de bens de capital abundante e de qualidade para seus trabalhadores — o que faz com que eles sejam menos produtivos —, não há alternativa senão trabalhar mais para produzir o mesmo tanto que um trabalhador de um país desenvolvido. (Mais detalhes sobre isso neste artigo).
Essa tabela (fonte), que mostra a quantidade anual de horas trabalhadas por país, diz tudo]
Um argumento sempre usado em prol da redução da jornada de trabalho é do que ela criará mais empregos. O argumento é o de que, se cada empregado tiver de trabalhar menos, os patrões serão obrigados a contratar mais apenas para manter toda a produção.
Ou seja, se o patrão puder obrigar João a trabalhar 60 horas, ele fará isso; mas se ele for proibido disso, e João ter de trabalhar apenas 40 horas semanais, então o patrão será obrigado a contratar mais uma pessoa para ajudar João.
Só que tal raciocínio está errado por dois motivos.
Em primeiro lugar, o trabalhador contratado para ajudar João não será tão eficiente quanto João (afinal, se ele fosse, então, por uma questão de lógica, o patrão já o teria contratado de qualquer maneira). Sendo assim, transferir parte do trabalho de João para esse recém-contratado fará com que a empresa seja menos eficiente. Isso pode significar preços mais altos, menor produção, menos capacidade de investimento e expansão, ou todos os três.
Em segundo lugar, essa medida serve apenas para ajudar os desempregados à custa dos empregados. Se João quisesse ou necessitasse de trabalhar mais horas, azar o dele. Ele acabou de sofrer um corte salarial de 33% para que o outro pudesse ser contratado.
Desnecessário dizer que, se o governo impuser uma redução da jornada e, ao mesmo tempo, proibir reduções salariais, o resultado será o desemprego (vide a França) e a estagnação. Com menos produção e mais custos, não haverá muito dinheiro para as empresas fazerem novos investimentos e se expandirem.
Conclusão
Se o objetivo é criar empregos, há melhores alternativas do que jogos de soma negativa que punem tanto trabalhadores quanto empresários.
Apenas para ficar claro: uma jornada semanal de 30 horas em países ricos e de 35 horas em países em desenvolvimento não é impossível e nem mesmo é indesejável. Mas se o objetivo é ajudar os trabalhadores, a melhor alternativa é deixar que cada um decida o melhor para si, e não políticos.