Contemporaneamente, não é incomum ouvir alguns asseverarem “imposto é roubo”. À pessoa intelectualmente mediana tal asseveração parece ser inteiramente subjetiva; isto é, pensa ela: “Os libertários dizem incessantemente que imposto é roubo, ou porque eles pensam o imposto de maneira tosca como se extorsão fosse, ou porque, seguramente, não gostam de pagar a parte justa à nação, ou porque estão extremamente descontentes com a ineficiência notável dos programas governamentais”. A afirmação “imposto é roubo”, assim, tende naturalmente a assustar o homem médio, pois este vê introspectivamente o imposto como sendo o meio através do qual as operações estatais são custeadas, e estas, acredita, são absolutamente imprescindíveis à ordem e à paz social. Por conseguinte, o homem médio tende a crer que tudo o que atenta contra a existência do estado é desordeiro e pende ao caos.
Porém, desconsiderando o modo evidentemente supersticioso mediante o qual o homem médio imagina o estado, a afirmação “imposto é roubo” não é oriunda de nenhum fanatismo ideológico, é aprioristicamente deduzível, e o senso comum, por sua vez, se congruente, a aprovará completamente.
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Se o estado obtivesse o financiamento das suas atividades por meios puramente voluntários e mercadológicos, não seria diferente de uma empresa corpulenta que provê serviços policias, jurídicos e protetivos. Todavia, não é isso o que ocorre factualmente.
O estado atua monopolisticamente e se mantém generalizadamente aceito e firme sobre a premissa de que, se permitisse serviços jurídico-policiais alternativos, a livre entrada de competidores empresariais nos setores sobre os quais faz pesar os seus braços tributários e regulatórios e se possibilitasse que as pessoas elegessem mercadologicamente, por meio do consumo ou da sua abstenção, o que melhor provê os serviços mais básicos e essenciais, o caos seria inevitável. Por isso, para, supostamente, garantir com continuidade a manutenção do reino imperioso da paz, o estado se solidifica no dever de monopolizar o uso das armas, com a finalidade de supostamente livrar o indivíduo da possibilidade de ser violentado agressivamente por outros ávidos em lhe subtrair os meios de sobrevivência mais indispensáveis, no dever se monopolizar o uso contínuo do poder tributário, com a finalidade de supostamente garantir o custeio de serviços protetivos à vida e à liberdade dos que governa, e no dever de monopolizar a oferta de serviços relativos à resolução de conflitos e à justiça, com a finalidade de supostamente impedir que os valores éticos mais precípuos sejam maquiavelicamente distorcidos pelos julgamentos morais subjetivos dos que se contentam com a vida mantida por meios parasíticos.
Se o cidadão comum fosse minimamente congruente com suas ideias mais basilares, rejeitaria a superstição estatista e prontamente verificaria o fato de que o estado não assegura a paz social, porém, de forma notada, o eterno conflito.
É vigorosa e típica a crença de que não é minusculamente razoável a possibilidade de os “homens comuns” proverem mercadologicamente serviços policias, protetivos e jurídicos, pois, do contrário, assim sustenta a referida crença, o caos imperaria de forma mais totalitária que a forma pela qual Stalin imperou na União Soviética. Logo, um estado que não viola coercitivamente o direito de livre uso da propriedade privada dos seus governados, principalmente no tocante ao âmbito de efetividade do direito de ofertar quaisquer serviços (sejam, por extensão: protetivos; jurídicos; policias; etc.), derivado do de usar livremente os objetos oriundos do labor ou do contrato voluntário, não se firma como um; isto é, um estado que espontaneamente deixa de usufruir o poder de taxar que lhe é substantivo e deixa livre o uso da propriedade laboriosa ou contratualmente adquirida aos seus governados, acaba por deixar de cumprir, conseguintemente, o seu suposto dever existencial – ou seja, acaba por permitir que o cidadão decida pagar ou não os tributos; acaba, sumamente, por permitir que o cidadão eleja em liberdade a empresa para a qual direcionará o seu dinheiro, o fruto do seu trabalho. Se o estado deixar de ser discricionário e acabar por garantir, de fato, o uso livre e legítimo da propriedade aos seus governados, o cidadão comum seria plenamente livre, p. ex., para pagar ou não as taxas de custeio do aparato burocrático estatal, e, homogeneamente, para decidir ou não contratar policiais privados; em adição, estes tais seriam plenamente livres para usufruir e gozar das suas competências laborativas mais especiais, ofertando-as aos que voluntariamente se puserem dispostos a pagá-las por vias manifestamente mercadológicas. O livre uso da propriedade laboriosa ou contratualmente adquirida, seria, então, a parteira mais singela da anarquia, ou do anarcocapitalismo, a antítese do estado.
À vista disso, “os modelos anárquicos de sociedade”, rumina o estatista, “seriam pontualmente os que constituiriam invariavelmente, em verdade, a parteira do caos e da morte eterna da paz”. Notadamente, o que o estatista realmente diz é, em termos coloquiais: “O estado não pode potencialmente ser permissível à garantia do livre uso da propriedade legitimamente adquirida aos seus governados, pois, se fosse, o governado poderia escolher não pagar os tributos e consequentemente escolher contratar serviços protetivos privativamente em detrimento do que, assim creio, assegura perfeitamente a ordem; e o referido governado, em tal circunstância, terminaria, finalmente, por atentar criminosamente contra a estrutura ética sobre a qual perdura a cooperação social, assim deduzo; ademais, a permissibilidade estatal à liberdade de fruição total da propriedade legítima resultaria o livre firmamento de contratos privados relativos à prestação de serviços jurídicos, visto que o indivíduo que considera que prevê especulativamente a demanda futura por serviços jurídicos de forma acertada seria totalmente livre para fornecê-los, arriscando, em consequência, ser imensuravelmente injusto para o que erradamente considerou serem profícuas as suas habilidades concernentes à prestação de serviços jurídicos, mas, felizmente, o estado é ordeiro; portanto não pode permitir incertezas, riscos ou injustiças, e a única maneira pela qual pode operacionalmente cumprir os seus deveres existenciais constitui, à vista disso, a interposição de obstáculos ao livre uso da propriedade e, sequentemente, ao livre usufruto de certas competências.”. Esta é a exata maneira pela qual se desenrolam as defesas argumentativas mais caprinas do estado.
Portanto, nada sobra ao argumentador suíno além da conclusão: a violência é fundamentalmente necessária às operações estatais. Na realidade, há uma melhor: “O monopólio do uso da força é o elemento sem o qual o estado não o é, e este deve, por sua parte, subtrair a propriedade alheia de forma a sustentar o seu corpo repressor e deve, idem, violar autoritariamente o direito de uso legítimo e livre da propriedade privada dos seus governados como forma de prezar a ordem; ou seja, o dever de utilizar discricionariamente o poder de violar o direito de uso livre e legítimo da propriedade privada dos homens e o de subtraí-la predatoriamente por procedimentos agressivos está implícito no conceito de estado”.
Categoricamente, o estatista, por sua crença mitológica, tende a pensar o sonegador de impostos, corretamente definido aqui como o que mantém possuídos os frutos do seu trabalho, como um egoísta que não auxilia o pleno funcionamento da ordem, ou, melhor dizendo, como um desordeiro que não se sujeita passivamente à discrição do que nos assegura benevolentemente a manutenção da ordem, o estado. Logo, ao tal desordeiro, em função dessa óptica corrompida, é imputado um adjetivo bastante pejorativo, o qual, por sua parte, reflete nitidamente o modo através do qual o cidadão comum verifica a moral do seu vizinho; isto é, se o indivíduo mantém possuídos os frutos da sua labuta árdua, está a pôr-se, consequentemente, assim analisa o que se entrega suinamente ao chicote estatal, como uma ameaça à ordem e à paz social. Mais precisamente, o que aqui se diz é: se, por exemplo, o estatista comum testifica não propositalmente que uma pessoa conhecida resolveu por ensaiar uma espécie de sonegação e que, com continuidade, manteve decididamente esse posicionamento perante o peso predatório dos impostos, apesar de o estatista comum em questão induzir inescapavelmente que o estado não poderia tomar a sua “parte justa” não recorrendo à violência, ele, o estatista comum, verá a referida pessoa sonegadora – pela qual, por conhecê-la há tempo, tinha determinada estima – como uma pessoa que, por decidir imperativamente não mais estar passiva aos rabiscos legislatórios estatais, se torna, inalteravelmente, uma ameaça aos que se fazem passivos aos mesmos – ou seja, por decidir com impavidez não mais se sujeitar ao chicote central, se torna uma potencial chicoteadora descentralizada. Portanto, o estado deve, assim conclui o estatista comum, para cumprir o dever o qual lhe se faz primordial, transpor, por meios agressivos, o não consentimento dos que sonegam, porque violentá-los por terem se comportado indiferentemente à ordem e à paz social não seria essencialmente diferente de violentar um assassino por ter sido indiferente à vida de quem matou.
Miseravelmente, se o estatista equino sustenta que a manutenção da ordem é moralmente justa e necessária à vivacidade da ética, lhe é, então, cabalmente imprescindível deduzir que tudo o que contrapõe a tal manutenção da ordem, seja, por extensão, a sonegação ou a desobediência civil explícita, é injusto a priori – apesar de a desobediência civil, dependentemente das condições, ser desobediência a absurdidades e, idem, apesar de a sonegação ser, de fato, o legítimo mantimento da posse dos frutos do trabalho. Se o estatista equino não pensa, então, a sonegação como algo criminoso, não estará sendo substancialmente congruente com o que acredita.
Eis agora que nos deparamos com a questão fundamental: que é sonegação? Está mais que claro que é a conservação da posse dos frutos do trabalho. Porém, se a ética estatista, própria aos caprinos, a rechaça de tal maneira que suporta a sua criminalização, o estatista caprino terá, inevitavelmente, então, de suportar que deve haver uma espécie de punição dada ao que sonega recorrente e habitualmente, porém a aplicação de tal punição, em termos práticos, não poderia possivelmente ser distinta de ou espoliação, ou repreensão ou morte. Ora, se a manutenção da ordem (estatal) é tida como objetivamente justa pelos que ruminam, estes terão obrigatoriamente de induzir que são injustas e puníveis todas as práticas que a impossibilitam parcial ou totalmente.
O pagador de impostos, conclui-se à vista do que até agora expôs-se, não é, para a ética estatista, absolutamente nada além de um escravo. Este, por sua vez, é corretamente definido como o que é coagido a ceder obrigatoriamente o montante total da sua vida e do seu trabalho a outrem, e se não ceder, ou se agir como se escravo não fosse, previsibilissimamente correrá o risco de ser ou repreendido, ou mais espoliado, ou morto por seu “proprietário” – o escravo, por definição, não é dono de si, nem da sua vida, tampouco do seu trabalho.
Que é, portanto, pagar impostos, para a ética estatista, detida pelos que pastam? Evidentemente, é o dever do indivíduo de pagar a sua “parte justa” à nação; outrossim, a legitimação discursiva de tal dever implica que o seu não cumprimento é merecedor de represálias punitivas. O pagador de impostos está numa posição perceptivelmente lastimabilíssima, na qual não pode não ceder parte da sua vida, do seu trabalho ou do seu escassíssimo tempo à nação (melhor dizendo, ao estado), e se, portanto, atuar contrariamente ao que a nação alega tencionar correrá o risco de ser repreendido pela força policial central; além do mais, para culminar, caso eventualmente decida corajosamente não se sujeitar como os demais aos mandamentos legislatórios do estado, será por este coagido a ficar encarcerado por um longo período, e, caso resista ao encarceramento, certamente será morto.
Algumas comparações analógicas serão instrutivas aos que ainda não puderam perceber a posição lamentável na qual está o pagador de impostos (ou “contribuinte”, como o pagador de impostos é nominado com amor pelo estado reinante em terras brasílicas):
(1) O escravo deve ceder o total (100%) do seu trabalho ao seu “proprietário”, e, caso engane-o de forma a fazê-lo crer que embolsou o montante total dos frutos do seu trabalho, quando, na realidade, embolsou somente 90%, correrá o risco muitissimamente pouco doce de ser repreendido, e, caso resista à repreensão, certamente será morto. O pagador de impostos, por sua vez, deve ceder uma parcela unilateralmente estipulada do seu trabalho ao estado (35%, p. ex.), e, caso drible de maneira ardilosa os braços fiscais dos órgãos federativos do governo (acabando, p. ex., por pagar apenas 20% dos seus lucros, quando deveria ter pago os referidos 35% integralmente), será repreendido policialmente e mais intensivamente espoliado por crime de sonegação, e, caso resista à repreensão e aos espólios, será encarcerado, e, caso, por fim, resista ao encarceramento, será, muito provavelmente, morto.
(2) Se o escravo fugir da senzala, passará a ser malquisto e profundamente odiado pelo seu companheiro que não obteve sucesso ao tentar libertar-se. Da mesma forma, se o contribuinte corajosamente sonegar com sucesso os tributos que pesam predatoriamente sobre os seus bolsos a fim de gozar totalmente dos frutos do seu trabalho, será alvejado como nunca o foi por objeções severas e repulsas ardorosas pelo que não obteve sucesso ao tentar driblar os tentáculos confiscatórios do poder central e pelo que teve os seus incômodos financeiros consideravelmente alargados pela carga tributária governamental, impiedosamente posta sobre os resultados do seu labor penoso.
(3) Se o escravo se referir ao seu “proprietário” da mesma maneira como a que se refere aos seus companheiros de senzala, certamente será repreendido e castigado. Se o pagador de impostos se referir ao agente policial-estatal da mesma maneira como a que se refere aos demais pagadores, seguramente correrá o risco de ser enjaulado por crime de “desacato à autoridade”.
Creio que tais comparações analógicas não precisam ser expandidas para além disso.
Claramente, a linha que separa o pagador de impostos do escravo de senzala é mais ou menos tênue – quer dizer, mais especificamente, a diferença entre o contribuinte e o escravo é tão-somente de grau e não de essência. O escravo é violentamente obrigado a ceder o total da sua vida e do seu tempo ao seu “proprietário” e, sob incessante vigilância, trabalha de forma arduíssima apenas para, no término da sua jornada laborativa diária, não poder fruir ou meramente palpar os produtos que gerou, porque tais produtos lhe são quase instantaneamente tirados pelos capangas chicoteadores do referido “proprietário”. O contribuinte, por sua vez, é coativamente obrigado a ceder uma parcela significativa da sua vida e do seu tempo ao estado por meio do pagamento regular de tributos (sub-repticiamente entendidos pelos mais suínos como a “parte justa”), porém, o estado, diferente do “proprietário” de escravos comum, gentilmente permite que o governado escolha o setor no qual irá trabalhar, o seu cônjuge, os seus sonhos, as suas metas, os seus propósitos, as músicas que comporá, os favores que prestará, as mercadorias que demandará, as pessoas para as quais dispenderá afeto e doações, todavia, contanto que tais escolhas não possam potencialmente comprometer a sua parasitagem cômoda. Tradicionalmente, o estado (governo) não procura apegar-se ao costume de vigiar de perto o comportamento cotidiano do governado, mas exige deste a sua “parte justa” mensalmente, e se o governado a negar, o estado não prontamente o enjaulará, entretanto, o indenizará exigindo uma parte comparavelmente maior que a parte que antes exigia (obviamente, de maneira um tanto quanto não amigável), por assim dizer, e se, ocasionalmente, o estado julgar que o governado persistirá desfavoravelmente ao atendimento das suas demandas indenizatórias, o referido governado será encarcerado por um longo período, expresso geralmente em termos anuais, sendo consequentemente afastado das pessoas pelas quais nutre sentimentos afáveis, sendo proibido de realizar quaisquer transações comerciais, e não podendo, por conseguinte, tornar mais cômoda a vida do indivíduo que compraria as suas mercadorias caso não fosse enjaulado, caso as tivesse produzido desafogadamente.
A razão de qualquer indivíduo é absolutamente incapaz de resistir ao que daí se postula: se o contribuinte não pode gozar livremente dos frutos totais do seu trabalho, da sua vida, e do seu tempo, i. e., se não pode escolher não pagar a sua “parte justa”, ou se não pode escolher pagar apenas uma parte comparativamente inferior à que o estado previamente estipulou, sem ser por este importunado ou sem ser existencialmente eliminado, via cárceres físicos, pelos mesmos que guiam irreparavelmente o confisco tributário de cada dia, se faz, disto, absolutamente derivável o seguinte fato: a vida de um pagador de impostos é a vida de um escravo que se desavisa ininterruptamente do seu pauperismo existencial.
E, ao explicitar tal fato, não procuro fazer referência ao volume – tamanho – da carga tributária que pesa predatoriamente sobre os bolsos dos homens produtivos, mas à carga em si.
Possivelmente o estatista objetará que isso não é nada, senão um mero jogo de palavras incorretamente colocadas. Entretanto, como antes afirmei, a essência do pagamento de impostos é homóloga à da escravidão antiga, porém, o que distingue esta daquele é respeitante tão-somente ao grau, à magnitude. Existiram, afinal, relações escravistas mais brutas e outras nitidamente mais flexíveis, mas, se, p. ex., o mestre de um escravo permite que ele visite seus amigos escravos noutras senzalas, ou vá em reuniões comunitárias ou goze “livremente” do seu tempo e da sua vida desde que tenha executado perfeitamente o expediente laborativo que lhe foi atribuído da forma como mandou o mestre, não se deduz daí que o escravo é livre simplesmente porque seu mestre é comparavelmente mais flexível e mais compassivo que outros, pois, em última análise, a “liberdade” do escravo está sujeita ao arbítrio (ora permissivo, ora não) do seu “proprietário”. A vida do escravo efetivamente não é sua. Pois, ora, diz-se que dado objeto pertencente a dado indivíduo somente se este puder gozar do referido objeto independentemente doutros indivíduos. Quando, afinal, um indivíduo espontaneamente doa um bem como presente a outrem, ele diz implicitamente: “este objeto estava sob meu controle, mas, como doo agora a ti, ele é totalmente seu; i. e., não mais está sob meu controle, e poderá usufruí-lo indiferentemente à forma de usufruto que tomaria caso fosse inteiramente meu”. Logo, um indivíduo não pode coerentemente dizer que outorga um bem a outrem se ao mesmo tempo declara ao que para o qual outorga: “outorgo este bem a ti, porém não pode manipulá-lo, manejá-lo ou usufruí-lo como lhe convém ou mediante a maneira que mais lhe apraz; se o modo como proposita usá-lo não se mostrar compatível ao modo que taxo utilitariamente mais aprazível, é melhor que não fique com ele; o que quero esclarecer é o que segue: outorgo a ti este bem, que é ao que me referi anteriormente, porém o mesmo ainda estará sob os meus comandos como se meu fosse, contudo, como friso que o outorgo a ti, friso que ele é totalmente seu”. Isso é, definitivamente, o suprassumo do ilógico. Se se diz que um bem pertence a alguém, se diz, por extensão, que tal alguém pode usufruí-lo independentemente – i. e., sem que tenha de recorrer à autorização de outro. Portanto, o que um mestre de escravos diz implicitamente quando permite que um dentre eles saia de sua senzala temporariamente contanto que não vise se libertar (noutros termos, fazer-se seu) é: “Permito que você controle sua vida, porém se os fins os quais imputar deliberadamente a esta não forem parcialmente ou totalmente condizentes aos que imputo deliberadamente à minha, o controle que agora permito que tenha sobre si será cessado permanentemente conforme as minhas discrições”. O que, daí, portanto, se faz inescapável é o fato que segue: um escravo que se relaciona flexibilissimamente com seu “proprietário” de maneira tal que este muito frequentemente lhe confere dias livres e desregrados, em essência, está na classe dos escravos, e, em grau (magnitude), está na classe dos escravos que se relacionam flexibilissimamente com seus respectivos mestres.
A história dos muitos estados é a história dos muitos graus de escravidão.
Afinal, se um escravo vir a recusar entregar-se bovinamente ao arbítrio do seu mestre, se vir, porventura, a opor-se austeramente à existência ruminante e à forma de vida suína dos demais escravos, será castigado previsivelmente, e, se resistir intransigentemente ao castigo, no mais tardar, será morto – i. e., sua vida lhe escapará, lhe esquivará por completo, e, em consequência, não mais a controlará, visto que a mesma, irreversivelmente, perante a falência causada das partes mais vitais do organismo humano, passa da existência para a antítese desta.
A manutenção da vida do escravo, se conclui, depende dos arbítrios do seu mestre, ou seja, com efeito, sua vida não é sua, no entanto, é totalmente do mestre, uma vez que, se em concordância com este o escravo não se pôr, terá findada irrevogavelmente a sua vida. A morte, destarte, torna-se a sua “proprietária” eterna. Ao escravo, finalmente, não é permitida outra conclusão além de a que a sua vida jamais foi efetivamente sua. A escravidão se reduz à doação forçada. E este é o ponto fundamental; e rara e dificilmente alguém objetivará contrapô-lo.
A lógica é inalterável. Contradições não são admissíveis. E se algum indivíduo afirmar o contrário, estará se contradizendo performaticamente, pois, se o mesmo de fato crê que é completamente correta a afirmação de que contradições são admissíveis, deve necessariamente julgar válidas, por conseguinte, as proposições contrárias às suas premissas, já que, se contradições são absolutamente admissíveis, toda e qualquer argumentação a qual opera desfavoravelmente ao que defende acaba por validar-se não contraditoriamente. A clarificação deste axioma é necessária, precisamente porque através dela se faz notável a tendência do estatista em rejeitar a universalidade da lógica.
Ora, se alguém chegar ao estatista mediano mostrando-lhe um bem que visa lhe doar, e dizendo-lhe depois: “doo este bem a você, porém deve usá-lo segundo os procedimentos que mais me aprazem, indiferentemente aos procedimentos que considere mais satisfatórios; quer dizer, o bem que agora doo a ti estará inteiramente sob o meu arbítrio e sob os meus comandos e poderá usufruí-lo desde que solicite a minha autorização para tanto”, o referido estatista mediano prontamente reagiria de forma talvez um tanto quanto raivosa, versando: “livre-me dessas tolices imbecilizantes; em adição, diga simplória e sucintamente que não irá doá-lo e separa-te de mim.”. Contudo, essa forma de análise não é aplicada da mesma forma à questão do estado. O estado, ao cobrar o pagamento forçoso de seus tributos e ao criminalizar penalmente a sonegação e a burla fiscalizatória sob ameaça de encarceramento momentâneo ou permanente, gera o peso insuportável dos numerosos dilemas socioeconômicos atuais, para o qual, inclusivamente, alega poder prover uma mitigação. O governo tributa extensivamente o pobre, expropriando os seus escassos meios de subsistência, a fim de, alegadamente, tentar reduzir a sua miséria; impõe leis economicamente destrutivas como as de salário mínimo, elevando considerabilissimamente o número de desempregados em virtude do aumento artificial dos custos relativos à contratação, a fim de, alegadamente, tentar reduzir o nível de desemprego; criminaliza por vias legislativas a produção e a comercialização de narcóticos, restringindo significativamente, em consequência, o número de vendedores e o montante integral das mercadorias ofertadas, o que contribui para o encarecimento dos preços, o que acaba por incentivar facções milicianas vendedoras de narcóticos – muito fortes militarmente, aliás – a fazerem uso amplo dos meios comparativamente mais perversos de violência com a finalidade de se manterem oligopolistas, uma vez que absolutamente nenhum suporte jurídico ou protetivo poderá ser conferido ao competidor-vendedor de pequeno porte – visto que agora o poder central o vê como criminoso – e uma vez que os custos relativos à perseguição truculenta dos concorrentes menores decrescem desproporcionalmente em relação aos ganhos oriundos do estabelecimento de preços monopolísticos, o que estimula, inevitavelmente, em função disso, uma tendência à violência (i. e., a entidade vendedora de narcóticos que se fixaria no mercado, em tais condições, não seria necessariamente a mais produtiva ou a que melhor agradaria os seus clientes, porém a que obteria maior sucesso no tocante ao estabelecimento de preços monopolísticos consequente da eliminação gradativa dos competidores menores mediante tiroteios urbanos; e esta, invariavelmente, se tornará vantajosa, já que, em decorrência do baixo número de concorrentes efetivos, mantido ínfimo linearmente pelos decretos proibitivos à oferta de narcóticos, os custos referentes à eliminação bruta da concorrência decrescem mais que simetricamente em relação aos ganhos oriundos da venda consumada monopolisticamente, o que, por sua parte, desestimula efetivamente a produtividade em prol da violência urbana mortal), a fim de, alegadamente, prezar a dignidade moral dos indivíduos; sustenta programas distributivistas, premiando a improdutividade e castigando a antítese desta (a produtividade), visando esperançosamente aumentar a quantidade de bens tangíveis disponíveis aos membros das camadas socioeconômicas mais baixas, esquecendo miseravelmente, porém, que uma carga tributária imensa, se posta predatoriamente sobre o capital gordo dos que produzem, não fará absolutamente nada senão promover a fuga de capitais, diminuindo a oferta em relação à demanda, o que contribuirá, consequentemente, para o encarecimento generalizado os preços, o que acabará por, irreparavelmente, manter baixo o poder aquisitivo da moeda, o que, por sua vez, fará ser duradoura a situação demasiado paupérrima na qual está a maioria das pessoas para o salvamento econômico das quais o estado alega publicamente dispender quantias monetárias descomunais; etc.; etc. Ante a exposição de todas essas imposições restritivas à liberdade e ao uso não agressivo da propriedade e dos efeitos patentemente nefastos de tais imposições, teremos obrigatoriamente de concluir que o pagador de impostos está, em essência, na classe dos escravos e, em grau (magnitude), na classe dos escravos com liberdades não completamente (apenas parcialmente) cerceadas, isto é, nomeadamente, na classe dos escravos forçados a trabalhar durante, em média, 5 meses anualmente nos campos férteis dos seus respectivos “proprietários” – mestres.
Que o estado restringe o indivíduo como se mero gado fosse, de forma impressionantemente quase equivalente à que pela qual o mestre restringia por completo a liberdade de seu escravo nas épocas anteriores ao sucesso abolicionista, disso não tenho a menor dúvida. “Na maioria dos casos”, muge o estatista, “o contribuinte não sempre lidará com a morte ao sonegar, porém, não resistindo à prisão, é somente enjaulado até que aprenda e pratique a subserviência às leis”. Entretanto, nota-se que a questão primordial não se alterou, e isso o estatista não previu. Invariavelmente, se o contribuinte, na tentativa de se libertar, acabar por ser enjaulado, passará a ter a sua vida pobremente transcorrida sob o tédio de um cárcere, e este, por sua parte, passará a ser, efetivamente, o seu proprietário diário. “Isso é um mero jogo de palavras”, rumina o estatista, “pois como pode um cárcere escolher ser proprietário diário de um homem?”. Perante as suas incongruências, o estatista, a fim de tentar urgentemente apartá-las da órbita do que verifica criticamente, nos apresenta uma visão propositadamente literalista, sem querer perceber que a frase: “invariavelmente, se o contribuinte, na tentativa de se libertar, acabar por ser enjaulado, passará a ter a sua vida pobremente transcorrida sob o tédio de um cárcere, e este, por sua parte, passará a ser, efetivamente, o seu proprietário diário” está num sentido evidentemente figurativo, porém, isso não invalida minimamente o fato o qual a mesma simboliza: o de que o pagador de impostos não é dono de sua vida.
O que quero dizer ao escancarar tal fato é que a vida do pagador de impostos (ou “contribuinte”) não é verdadeiramente sua se decidir comercializar narcóticos; não é sua se decidir não pagar os tributos; não é sua se decidir empregar contratualmente um trabalhador o remunerando com um salário inferior ao salário mínimo fixado, mesmo que o trabalhador em questão tenha abertamente concordado com tal salário; não é sua se decidir sair do país sem passaporte, mesmo que o país para o qual se orienta tenha promulgado leis intencionalmente favoráveis à imigração; etc.; etc. Se o pagador de impostos não operar conforme ordena o estado, será preso e, se resistir defensivamente à prisão, seguramente será morto. A morte, desafortunadamente, se torna, à vista disso, sua proprietária sempiterna após estar suficientemente nítida ao estado a burla fiscal cometida, e isso acontece identicamente à forma que pela qual o escravo antigo tinha sua vida conferida irrevogavelmente à morte após falhar na tentativa libertar-se das correias odiosas do mestre. Em muitos casos, de fato, o escravo não era morto de pronto por tentar livrar-se do domínio senhorial, mas castigado severamente, e isso acontecia identicamente à forma que pela qual o pagador de impostos é atualmente castigado pelo estado, via cárcere, por tentar não pagar a sua “parte justa”.
Poderia, se quisesse, me prolongar por mais dezenas de páginas listando as restrições legais impostas coativamente ao indivíduo pelo estado, no entanto, isso não é necessário, pois a absolutamente qualquer um que se considere intelectualmente honesto não há qualquer fato a ser racionalmente extraído disso a não ser o seguinte: o pagador de impostos não tem totalmente possuída sua vida, pois, se a tivesse totalmente possuída, não teria de compulsivamente despender uma fatia significante dela no processo de produção dos recursos com os quais pagará a sua “parte justa” sob a ameaça de encarceramento e, em última instância, de morte, caso resista impassivelmente às jaulas governamentais. O estado, em suma, exige o regular pagamento das taxas que impõe de maneira substantivamente análoga à que pela qual o mestre exigia as forças serviçais do seu escravo incondicionalmente. Ou melhor, o estado exige mandatoriamente o regular pagamento dos seus tributos de maneira substantivamente análoga à que pela qual o assaltante exige de imediato os pertencentes de quem assalta. Por isso, finalmente, imposto é roubo, por definição. Todavia, não só isso: além de ser roubo, configura a forma notadamente mais risível e vergonha deste.
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Efetivamente, o assaltante ordinário é direto e simples ao extorquir: “Cale-se! Não se escandalize! Dê tudo que tem rapidamente, senão morrerá”, porém, o estado anuncia o roubo doutra forma, i. e., mais especificamente, anuncia mais prolixa e não informalmente: “Constitui crime de sonegação fiscal: prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei [leia-se Constituição Federal de 1988]”. Um assalto é essencialmente indistinguível da imposição de taxas e tributos, e esta, por sua vez, a saber, constitui absolutamente nada mais que roubo anunciado mediante linguagem jurídica.
Embora, como se averigua, não sejam substancialmente dissemelhantes, o elemento que distingue qualitativamente a taxação – tributação – da forma mais descentralizada de roubo (assalto esporádico), relevando fatores práticos pura e exclusivamente, é o fato de que a taxação estatal é tradicionalmente antecedida pela emissão de comandos legislatórios (legislação), os quais visam informar publicamente os critérios pontuais conforme os quais o estado aplicará discricionariamente o seu poder de taxar, durante o tempo em que o assalto esporádico é normalmente consumado sem critérios permanentes, porém conforme os indefinidos e variáveis modos considerados comparavelmente menos custosos e mais lucrativos pelo assaltante. Ademais, e isso soará demasiadamente radical, o político é moralmente mais lançadiço que o assaltante ordinário, ao passo que este consegue incrivelmente ser mais honesto que aquele. “Por que?”, grita estarrecido o estatista.
Ora, que o estado nada é senão uma organização criminosa, disso não há dúvidas; contudo os seus defensores parecem ser absolutamente incansáveis ao sustentar a noção de o estado como uma entidade magnânima inextinguível, ou, melhor, como uma companhia de seguros supostamente mantida voluntariamente, embora exija o sacrifício permanente e incondicional dos que são incapazes de prezar a “sociedade” e, idem, dos que não são condoídos a ponto de deliberadamente fazê-la superior à felicidade própria (ao “egoísmo”, induz-se). Nota-se, perante tudo o que até agora foi exposto, que essa ideia é tão mitológica quanto a que suporta a existência de um unicórnio bípede, pois um cavalo chifrudo é indiscutivelmente fugaz à realidade tanto quanto um estado legítimo. Porém, o que se adequa por inteiro à realidade é a ótica através da qual qualquer ser pensante vê verossimilmente a figura do estado como uma não muito distinta da de um pistoleiro deplorável, pois, essencialmente e em termos práticos, ambos abordam o indivíduo pacífico pelas palavras que seguem: “Escolha rapidamente de o que se despojará: os bens ou a vida”! Ora, todos os impostos são pagos pelo emprego sistemático e contínuo de compulsão e de ameaças, e, por métodos praticamente homólogos, o ladrão/pistoleiro, no que lhe diz respeito, coage a vítima a entregar-lhe os seus bens, por definição. No entanto, o ponto que separa distintivamente o pistoleiro amador do estado é configurado pela cortesia linguística com a qual a ameaça é efetuada e compulsoriamente positivada. Isto é, em geral, o pistoleiro, ao ameaçar, é simples: “O dinheiro ou a vida”, e, ao efetivar a ameaça, é bastante ágil (quer dizer, se o indivíduo não ceder o dinheiro requerido, terá seu crânio aberto pela bala mortal do pistoleiro), já o estado é comparativamente mais formal ao ameaçar, quer dizer, atribui legislativamente ao “crime” de sonegação fiscal a pena que segue: “Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes o valor do tributo. [leia-se Constituição Federal de 1988]” e, posteriormente, explicita alguns critérios conforme os quais a referida pena varia: “§ 1º Quando se tratar de criminoso primário, a pena será reduzida à multa de 10 (dez) vezes o valor do tributo. § 2º Se o agente cometer o crime prevalecendo-se do cargo público que exerce, a pena será aumentada da sexta parte. § 3º O funcionário público com atribuições de verificação, lançamento ou fiscalização de tributos, que concorrer para a prática do crime de sonegação fiscal, será punido com a pena deste artigo aumentada da terça parte, com a abertura obrigatória do competente processo administrativo. [leia-se Constituição Federal de 1988]”. O estado não projeta ciladas para um indivíduo solitário, assaltando-o repentinamente, direcionando o cano de um revólver à sua cabeça, o saqueando até a última moeda embolsada, contudo não decorre daí que a coerção que emprega deixa de sê-la – muito pelo contrário, aliás. Lysander Spooner estava redondamente certo ao frisar que a coerção estatal é covarde e vergonhosa, porque o pistoleiro amador assume ele mesmo a responsabilidade criminal e corre o risco de ser fortemente machucado pela força defensiva do indivíduo sem externalizar os custos do crime; ademais, o pistoleiro amador não dissimulará as suas intenções crudelíssimas, jamais pretenderá mascarar a sua índole peçonhenta, não acreditará que possui o direito de apossar coercitivamente os bens que não produziu, nunca alegará estar extorquindo a fim de beneficiar a vítima, não objetivará velar o fato de ser nada mais que um ladrão inquestionavelmente malévolo, jamais dirá que é simplesmente protetor de sua vítima, jamais dirá a ela que a expropria para proteger outras potenciais, não alegará que ela é incapaz de proteger-se e que, por isso, é seu dever exigir sua subserviência incondicional e equina, jamais dirá que é legítimo o que faz e sempre saberá da sua própria crueldade – aparenta ser inteligente demais para não saber distinguir intelectivamente os meios justos e injustos mediante os quais adquire recursos. Além disso, depois de ter consumado o saque, o pistoleiro amador deixa a cena do crime como a vítima espera; ele não a segue esquizofrenicamente ao largo de sua rota presumindo ser seu legítimo protetor, presumindo salvaguardá-la heroicamente dos demais agressores, presumindo ser moralmente superioríssimo a ela a ponto de poder exigir autoritariamente que a mesma se curve e o sirva, presumindo que tem o direito de proibi-la ou de forçá-la, presumindo saber o que é melhor e pior a ela, presumindo poder exigir mais dinheiro quando mais lhe convier, presumindo estar redondamente certo ao estigmatizá-la como rebelde, traidora, inimiga ou merecedora de bruta morte caso conteste sua “autoridade” ou caso resista impassivelmente às suas demandas autocráticas, etc., etc. Nesse sentido estritamente, o pistoleiro amador parece ser mais cavalheiro que o político, pois jamais se permitirá presumir poder realizar tais imposturas, insultos ou depravações sem parecer ser nada além de um lunático incomparabilissimamente esquisito. Reduzidamente, o pistoleiro expropria violentamente o indivíduo, porém não exige a sua subserviência perpétua, tampouco exigirá dele que se ponha como um serviçal paupérrimo quando se faz presente. Portanto, os políticos que alegam atuar legitimamente, em termos analítico-práticos inconfundíveis, nada são além de pessoas psicologicamente perturbadas.
O estatista, bem como todos, pensa e define o roubo como sendo a subtração da propriedade alheia sem o consentimento do proprietário, e, como demonstro, o imposto nada é senão a subtração da propriedade alheia sem o consentimento do proprietário, tanto em termos práticos quanto em conceituais. Logo, por coerência intelectual e lógica, o estatista deve necessariamente rechaçar o roubo tanto quanto o imposto.
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“Contudo, os impostos são necessários à maximização da felicidade de quem os paga”, remastiga o argumentador caprino. Desconsiderando momentaneamente os argumentos apriorístico-econômicos que refutam essa objeção desdenhosa, presumiremos, apenas para fins proposicionais, que tal objeção é válida; inobstante, a definição conceitual de roubo se refere tão-só ao modo através do qual alguém adquire um bem e não faz referência ao uso (utilitário ou não utilitário) do bem em si, não importando, consequentemente, para a definição, o fim que o agente hostil atribuirá ao bem ulteriormente ao roubo. Destarte, presumindo antecipadamente, apenas para fins proposicionais, que a felicidade do indivíduo é maximizada necessariamente ao pagar impostos com regularidade, não se deduz daí que imposto não é roubo unicamente porque é supostamente fruído de modo a aumentar a felicidade dos indivíduos. Hão de ser eleitos, talvez acidentalmente, certos políticos que, pelas bandas do congresso, se porão a discursar favoravelmente à expansão dos serviços públicos prestados ao povo na tentativa de maximizar o nível de contentamento de quem os elegeu, porém, isso não vela minimamente o fato de que tais políticos, mesmo discursando intencionalmente em prol do bem-estar dos pagadores de impostos, são mantidos vivos por vias inquestionavelmente parasíticas. É bastante semelhante o caso, p. ex., de um homem que extorque visando custear o tratamento cirúrgico da sua esposa de maneira a livrá-la de suas células cancerígenas, as quais não cessam em a afligir. Alguns poderão particularmente julgar que a finalidade do homem em questão deve isentá-lo de penas, entretanto, tais alguns, de qualquer maneira, estariam objetivamente equivocados se dissessem que o homem não extorquiu, precisamente porque a definição de extorsão faz referência só ao meio pelo emprego do qual um agente adquire bens e não à finalidade imputada a estes posteriormente. Ora, finalidades socialmente consideradas nobres não fazem de um homem menos criminoso que um que se fez vigarista menosprezível tão-somente para fumar e se entreter, porém podem fazê-lo sentir-se límpido potencialmente. Portanto, o argumento estatista-utilitarista, acima citado, efetuado relativamente à suposta maximização da felicidade decorrente do uso do poder tributário, não contradita apropriadamente o fato de o imposto ser, por definição (objetivamente), roubo, mesmo que, em antecedência, assumamos a sua validade, dado que, em matéria de economia, não a tem.
“No entanto”, argumenta o ruminante, “a propriedade vige efetivamente somente sob uma burocracia administrativa, quer dizer, somente sob um aparato social [estado]”. Terei de me estender elucidativamente neste ponto para os propósitos deste trabalho. Honestamente, seria de meu gosto recorrer às teorias políticas de F. A. Hayek e às de H. H. Hoppe a fim de sistematizar uma objeção mais cabal à tal assertiva, porém não viso aqui prover teorias políticas de caráter abstrato, mas alertar os meus concidadãos ao fato de que o sendo-comum, se congruente, naturalmente rejeitará o estado pelas noções civilizacionais mais indubitáveis.
Ora, está mais que óbvia a inversão causal que o ruminante eminentemente comete: o estado mantém-se exclusivamente mediante os tributos que impõe aos que visa supostamente proteger, todavia, se, genuinamente, nenhum título de propriedade é possível para fora da ordem institucional que produz, sua existência seria impossível, visto que o mesmo nada é senão uma burocracia administrativa mastodôntica cuja manutenção se dá tributariamente, isto é, cuja manutenção se dá, nomeadamente, pela captação forçada de propriedades via taxação, o que implica que a taxação – meio através do qual o estado se faz sustentável – tão-só é executável caso propriedades diretamente taxáveis tenham sido produzidas antes. Ou seja, se a propriedade viesse posteriormente ao estado, este mesmo não seria possível, uma vez que depende basilarmente da predação da propriedade, o que implica que esta deve necessariamente preceder o estado, já que o mesmo tem por fator causador o que procede da captação depredativa da propriedade. O estatista, desta forma, quando se vê caído num solo densamente espinhoso de contradições evidenciáveis, distorce o seu próprio argumento dizendo que a anarquia, quando analisada detidamente, se reduz à perpétua insegurança e à guerra de todos contra todos, porque, supostamente, o homem é inerentemente maléfico, e, por isso, ao subsistir em condições puramente anárquicas, não produziria nenhum bem se este lhe fosse tirado agressivamente logo que deixasse de estar extremamente atento quanto ao aparecimento potencial de agressores malevolentes; daí conclui-se irretocavelmente, argumenta assim o pensador suíno, que a permanente insegurança e a agressão predatória iminente forçariam o homem a subsistir por meios depredativos, o que implica tanto a inexistência de incentivos relativos à produção laboriosa de bens (propriedades) quanto o império totalitarista dos incentivos relativos à parasitagem. “Portanto, uma companhia de seguros compulsiva é absolutamente imprescindível à efetividade dos incentivos relativos à produção de bens (propriedades), porque a aquisição de recursos por vias agressivas e parasitárias, sob uma ordem punitiva severa [ordem estatal], é sistematicamente desestimulada em prol da aquisição de recursos por vias produtivas e mercadológicas, o que gera a paz e o mínimo possível de crimes, porque os custos que destes decorrem são significativamente ampliados pela aplicação centralizada das penas estatais”, conclui inabalavelmente o estatista por efeitos autênticos de uma sabedoria totalmente desconhecida a Immanuel Kant. A teoria evolutiva das instituições desmantela por completo esse argumento tosco, porém a deixarei de lado, pois expô-la resultaria em caprichos desnecessários aos intentos deste trabalho. Entretanto, para uma objeção satisfatória à ideia hobbesiana da anarquia como uma guerra de todos contra todos e à ideia do homem como um ser intrinsecamente malévolo, não são faltosos os argumentos favoráveis ao fato de que o homem não é, em verdade, intrinsecamente malévolo, pois, se fosse, isto é, se se fizesse mover meramente por impulsos agressivos, a humanidade haveria de devorar a si mesma há tempo. De fato, se o homem visse os outros como agressores potenciais, absolutamente, não seriam factuais as atividades produtivas, pois o homem somente trabalha quando espera poder gozar dos frutos oriundos da força de trabalho gasta, porém, quando espera ter de lidar com agentes hostis que desejam tirar-lhe tais frutos, impedindo-o, em consequência, de desfrutar dos mesmos, recorre fatalmente aos atos predatórios, já que, nessas condições, os custos relativos à predação praticamente se nulificam com referência aos custos relativos à produção, visto que os lucros decorrentes desta (ganhos expressos em termos de determinada porção quantitativa de bens imediatamente consumíveis) seriam quase completamente desconsideráveis, uma vez que muito certamente seriam extorquidos por outrem e uma vez que, quando extorquidos, não contrabalançam os custos; ademais, tais atos predatórios, presumivelmente, se dariam tão generalizadamente que absolutamente ninguém decidiria produzir, o que implica que qualquer homem teria obrigatoriamente de sustentar-se pela coleta de recursos alimentícios – o mero movimento da mão à boca, como frisou H. H. Hoppe em seu livro Uma Breve História do Homem. A sobrevivência humana, por si só, então, desmantela esse mito, já que se o homem sempre esperasse ser violentamente destituído de suas propriedades pela coação doutros homens, jamais produziria algum bem, visto que não poderia gozar dele se o mesmo lhe fosse tirado quase sincronicamente ao término da sua produção; assim, se os impulsos agressivos, típicos ao ser selvagem, fossem generalizados entre os homens em grau tal que o indivíduo B, um produtor, não poderia gozar dos frutos do seu trabalho sem ter de lidar impreterivelmente com vândalos e com agressores fortuitos, o indivíduo em questão, B, seguramente terminaria por incluir-se no grupo dos vândalos e dos agressores, ao qual originalmente não pertencia, se tornando, por fim, um agressor, um vândalo, pois os custos relativos ao trabalho produtivo aumentariam consideravelmente em relação aos custos relativos à agressão depredativa, já que os ganhos oriundos da produção seriam praticamente nulificados (visto que qualquer produtor tende naturalmente a esperar ser expropriado quase simultaneamente ao fim da sua labuta árdua em circunstâncias nas quais os expropriadores sejam os majoritários), enquanto os ganhos oriundos da predação, embora sejam frequentemente contrastados com a elevada periculosidade e com a possibilidade de óbito, cresceriam significativamente, o que implica que a predação (agressão) reinaria absolutissimamente sobre a produção. Quer dizer, a predação generalizar-se-ia e elevar-se-ia irrevogavelmente ao seu máximo de forma que o indivíduo que preferisse produzir em vez de predar seria sistematicamente motivado a extorquir junto aos demais, uma vez que os bens que adviriam do seu labor produtivo lhe seriam tirados coativamente pelos predadores com grande agilidade, o que acabaria consequentemente por forçá-lo a recorrer à coação a fim de subsistir, o que implica que ninguém produziria, digo, que nenhuma propriedade seria produzida, o que, notoriamente, traz-nos a conclusão de que qualquer forma concebível de taxação inexistiria, já que a definição de taxação faz referência ao ato de taxar, quer dizer, ao ato de taxar algo, sendo este algo determinada propriedade antecedentemente produzida. Como vê-se, se os impulsos agressivos do homem imperassem implacavelmente nele de forma que contrapusessem os civilizatórios, nenhuma propriedade seria produzida, e, sendo inexistente a propriedade, igualmente inexistente seria a taxação, e o estado, por sua vez, ver-se-ia quimérico, já que os seus fatores causadores ausentar-se-iam; portanto, se o estado deve existir, os impulsos civilizatórios humanos devem superar de alguma forma os agressivos, o que implica que, antes do estado, não houve uma guerra de todos contra todos.
Ninguém argumentaria desfavoravelmente ao fato de que, se todos os homens fossem animalmente agressivos para com seus próximos, a atividade produtiva inexistiria, já que os frutos advindos da mesma (expressos em termos de dada porção quantitativa de bens), em condições inalteravelmente beliquíssimas (guerra de todos contra todos), seriam violentamente roubados do indivíduo que a cultivou (uma vez que, nas referidas condições, tenderiam a imperar no homem os seus impulsos mais agressivos, visto que os mesmos, invariavelmente, quando elevados aos seus respectivos expoentes máximos, privarão o seu portador mais que absolutamente de quaisquer tendências concernentes à habilidade de cooperar, fazendo-se esta desaproveitável seletivamente, posto que, no ápice da guerra de todos contra todos, ninguém quererá cooperar, mas manter melindrosamente escondidos os meios de subsistência coletados e extorquir de outrem os que a natureza não foi capaz de conceder por si mesma, o que resulta a indispensabilidade das forças agressivas e defensivas (o animalismo comportamental, em suma)), o que implica que, se absolutamente todos fizessem uso de meios parasíticos como forma única de sobrevivência, a humanidade rumaria à inexistência ao largo de poucos anos; o que, indubitavelmente, seria factível, visto que a absolutamente qualquer indivíduo, na sumidade da guerra de todos contra todos, seria impossível dispor dos lucros decorrentes da labuta producente, uma vez que, por prevalecerem imperiosamente nos homens os seus impulsos mais animalescos, serão notavelmente majoritários os que sobrevirão pela confiscação direta dos resultados acabados do labor alheio, o que desestimulará sistematicamente a produção em prol da predação, posto que, se todos os homens pensam os meios produtivos como os mais custosos (já que percebem que a possibilidade de sofrer agressão depredativa tende a superar vastamente a possibilidade de gozar do montante integral da utilidade dos objetos trabalhosamente produzidos) e os meios parasíticos como os mais lucrativos (já que percebem que os ganhos oriundos da extorsão são mais que compensatórios aos riscos e aos custos, uma vez que os ganhos alternativos – i.e., os que advêm do trabalho produtivo – são praticamente nulificados pela expropriação prevista), seria, então, aos referidos todos os homens, comparativamente mais preferível o emprego dos meios parasitários como forma efetiva de sobrevivência e não o dos meios produtivos; isto posto, é-nos cabível deduzir conclusivamente, decerto, que tais homens, no clímax da guerra de todos contra todos, morreriam de maneira não tão demorada, precisamente porque aqueles homens todos, se não a esmagadora maioria, seriam agressores patentes; e, como os biólogos bem sabem, quando os parasitas superam quantitativamente os hospedeiros com demasiada largueza, é inconteste que os primeiros morrerão massivamente à medida que não estiverem susceptíveis à exploração parasitária os recursos dos últimos, ou, dizendo de modo mais direto, à medida que os últimos se mostrarem apreciavelmente faltosos; e, como H. H. Hoppe bem conclui em seu livro Democracia – O Deus que Falhou, quando são, no presente, totalmente ausentes os que produzem, não muito futuramente serão também os ladrões, os parasitas, pois estes não subsistem nem desgraçadamente sem os indivíduos para os quais orientam os canos dos seus revólveres (da mesma forma que o carrapato não tardará em morrer quando voltar à terra o carneiro no qual entranhar-se-ia).
Quer dizer, se absolutamente todos os homens fossem expropriadores, e, em decorrência disso, se os produtores inexistissem absolutamente, os primeiros rapidamente se fariam inexistentes tanto quanto os últimos (o que seria factual, pois, afinal, reitero que ninguém agiria produtivamente se a possibilidade de desfrutar dos objetos úteis provenientes da ação produtiva fosse imediatamente cancelada pelos que se mantêm por vias predatórias, da mesma forma que nenhum industrial, p. ex., produziria um só artigo se soubesse previamente que este lhe seria extorquido por vias tributárias, o que implica que a taxação inviabiliza-se estruturalmente ao passo que a produção se faz inviável).
Mas, como é notório, não foi isso o que aconteceu, porque o homem não é, intrinsecamente, malévolo. O fato de existir homens malévolos, não implica que a classe ontológica na qual estes se encontram é inteiramente composta por homens malévolos. Consumar essa dedução é um atentado contra os princípios da lógica. Em suma, se a paz fosse condicionada transcendentalmente pelo estado, ou, mais especificamente, se a geração pacífica de bens utilizáveis fosse procedente de uma ordem estatizada, a humanidade se devoraria antes que o estado tencionasse surgir. Ainda, se a malevolência e os impulsos agressivos humanos reinassem solidamente muito para além dos braços da razão, nenhuma ordem administrativa seria possível, uma vez que a necessidade de se ter valores éticos (isto é, a de se ter uma instituição corretiva) é tão-só percebida pelos que raciocinam objetivamente e pelos que querem cooperar com os demais, ou seja, se a agressividade configurasse um elemento ontologicamente inarredável ao homem, de maneira tal que todo e qualquer raciocínio concernente à ética fosse categoricamente inconcebível ao mesmo enquanto tal, este, por conseguinte, jamais seria afligido pela necessidade de se ter valores éticos amparados institucionalmente ou pela de retificar o comportamento dos que violam habitualmente as posses dos outros, o que não o impeliria a formar um aparato social corretor, porém, a perpetuar a violência e as agressões, visto que, se, de fato, é inerentemente malévolo, jamais seria do seu interesse constituir uma entidade cujo propósito único fosse fazer cessar terminantemente a amoralidade em todas as suas formas possíveis. Não tenho somente em meu apoio o argumento relativo à impossibilidade do estado em condições nas quais a noção de propriedade inexiste (sendo o tal, aliás, bastante contundente, pois o estado apenas perpetua-se porque opera ininterruptamente em prol da perpetuação da taxação (a qual nada é além de o meio pelo emprego do qual a quadrilha em questão mantém-se existente), ademais, uma vez que a definição conceitual de tributação faz referência ao ato de tributar algo, isto é, a propriedade alheia, necessariamente, postula-se determinantemente que a propriedade é necessária ao estado, e jamais se dará o contrário), todavia, em meu apoio também está o argumento relativo à não universalidade da malevolência humana, o qual expus acima satisfatoriamente, considero. Este último, aliás, é mais potente, pois contradita convincentemente outro usado de forma muito recorrente por estatistas de diversas espécies, especialmente pelos hobbesianos, acerca de como serão ofertados serviços de segurança e de justiça na anarquia aos indivíduos para a manutenção das suas propriedades.
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A solução dos hobbesianos ao problema referente à proteção da propriedade é tão simples quanto contraditória. Tal solução se funda na noção de o estado como um ente ordenador – ou seja, como um ente que tem por primacial missão a de prestar serviços de segurança e de justiça ao povo de maneira a evitar que os que o compõe não se aniquilem selvagemente. Os hobbesianos têm como premissa a ideia de que o homem é intrinsecamente maléfico, o que logicamente os induz a sustentar, por congruência, que o homem jamais buscará raciocinar eticamente quando posto em conjunturas anárquicas, visto que a teoria política hobbesiana presume ser fundamentalmente válida a hipótese de que o estado opera imprescindivelmente garantindo a ética e a noção de direitos invioláveis como os de propriedade, livre expressão, vida, etc., etc., aos seus governados. A premissa mais precípua da teoria política hobbesiana compele o hobbesiano coerente a asseverar que “todo e qualquer raciocínio relativo à ética é impossível ao homem quando este se acha submetido à anarquia, pois”, e, do modo mesmo, a continuar, “o estado é absolutamente inescusável à cessação possivelmente mais integral da guerra de todos contra todos”. Ora, segundo os alicerces teoréticos dos hobbesianos, enquanto o estado permanecer ausente, o homem fruirá a sua razão somente para eleger os meios predatórios mais úteis e lucrativos, uma vez que é tido como um ser naturalmente malévolo, porém, se é-o realmente o homem, será correto afirmar que este não sentirá tampouco minusculamente a necessidade de corrigir-se conforme manda a ética, e, idem, não se sentirá pressionado por esta ao agir injustamente, o que implica que perfeitamente inequívoca será, então, a conclusão de que o referido homem jamais propositará compor qualquer entidade cuja função primordial seja corretiva ou essencialmente respeitante à justiça. Ironicamente, se se presume ser inquestionavelmente válido o alicerce mais capital da teoria política hobbesiana, tem-se inevitavelmente de inferir a impossibilidade de todo e qualquer estado. Logo, se o estado existe, mais que correto será sepultar qualquer ideia que o perceba como um ente que livra heroica e generosamente o homem da malevolência impulsiva que lhe é própria, visto que, se, de fato, a malevolência é insarável ao homem, este não sentiria minimamente a necessidade de haver uma entidade provedora de correções éticas, isto é, absolutamente nenhum homem, ou grupo de homens, tencionaria constituir um estado (vale, inclusive, ressaltar que a formação de qualquer grupo seria impossível em um mundo tão-só habitado por seres caracteristicamente insusceptíveis à cooperação, já que a capacidade de cooperar (sociabilidade (civilidade)) antecede transcendentalmente a formação de quaisquer grupos ou entes organizacionais, até mesmo os político-estatais); o que, invariavelmente, há de nos fazer deduzir que o estado não ver-se-á potencialmente existente se a sua formação for precedida por conjunções animalistas relativamente não muito díspares das descritas pelos hobbesianos, uma vez que, se, na anarquia, a malevolência absoluta (animalismo) reina no homem de tal modo que inibe o seu raciocínio ético e a noção de direitos objetivamente invioláveis, certo será inferir, então, que o homem nunca decidirá compor um estado ou formar grupalmente uma entidade corretiva cuja função mais substancial seja a de proteger os direitos mais básicos dos indivíduos, já que, se o referido homem é supostamente incapaz perceber a existência dos direitos invioláveis dos seus irmãos por vias analíticas, como poderá, à vista disso, supor ser desastrosa a anarquia no tocante à preservação da ética dado que não é ontologicamente apto à percepção da mesma? Como poderá considerar um sistema estatizado mais preferível à justiça que um sistema anárquico, se sempre lhe escapará a capacidade de distinguir a justiça da sua antítese? Como poderá propositar constituir uma entidade que corrija os que se comportam agressivamente na sociedade em prol da proteção continuada dos que se comportam pacificamente, se é absoluto e verídico o fato de que é inalteravelmente incapaz de distinguir os atos agressivos (malevolentes) dos pacíficos (benevolentes) uma vez que é epistemologicamente débil ao discernir o que a ética aceita como benévolo, dado que é naturalmente malévolo? Se não é suficientemente apto à delimitação da propriedade própria e da propriedade alheia, como o homem poderá considerar intoleráveis os que decidem viver parasitariamente, i. e., por meio da agressão habitual? Se a definição conceitual de agressão faz referência ao ato de lesar algo (neste contexto, a propriedade) e se o homem é absolutamente inapto à delimitação da propriedade e ao reconhecimento desta, como poderá o referido homem decidir constituir um ente institucionalmente teso para que este faça cessar as ações lesivas? Se o homem é naturalmente malévolo, por que, eventualmente, propositaria constituir um ente ordenador cuja missão mais basilar fosse a de positivar um conjunto de leis punitivas à malevolência? Sendo o homem naturalmente malévolo, não seria mais que plausível prever que prezaria diligentemente as condições mais favoráveis à efetividade da sua malevolência e à maximização dos resultados decorrentes do emprego das suas capacidades agressivas, em outras palavras, à sua impunidade? Se, na mocidade do processo civilizatório, foi interessante a determinado homem (digamos, P) compor, através de um contrato social, uma entidade institucional que se pusesse punitivamente (desfavoravelmente) à malevolência e à agressividade dos expropriadores, não seria P um homem benévolo, uma vez que desejou interditar por vias institucionais o caráter malevolente e agressivo dos seus irmãos, dado que é entendível o fato de que os que agem malevolentemente sempre operarão favoravelmente (não desfavoravelmente (não punitivamente)) à perpetração das circunstâncias conjunturais comparavelmente mais propícias à impunidade da malevolência e à maximização consequente dos ganhos oriundos do uso dos meios parasitários como forma de sobrevivência? Se, na juventude da humanidade, os homens malevolentes fossem os majoritários, não seria completamente inviável aos minoritários benévolos compor uma entidade institucional cujo compromisso existencial principal fosse o de atuar de modo a punir sistematicamente, com efeito, o uso dos meios agressivos como forma de sobrevivência, uma vez que, por serem sobremodo profusos, os malévolos acabariam por impedir o surgimento de tal entidade? São perguntas imperscrutáveis aos seguidores de Hobbes.
Entretanto, os hobbesianos as distorcem e versam que a instituição de um estado é necessária à cooperação e à ética, e acabam por esquecer miseravelmente que a existência de valores éticos lógica-objetivamente deriváveis e a capacidade de cooperar necessariamente precedem todo e qualquer estado. O estatista que quer profissionalizar-se na arte da vassalagem caprina normalmente interpela o defensor da liberdade humana acerca de como o homem pode inferir racionalmente o absolutismo do direito de propriedade como parâmetro ético até o último átomo de sua saliva. Por isso, considero que não são exageradas tampouco copiosas as perguntas que aqui apresento. Ora, pois, não é a dúvida a comadre mais insubstituível da filosofia e da ciência?
Afinal, por que se necessita de um estado – uma entidade coativa composta por homens democraticamente eleitos – para fazer valer algo como justiça se se tem como premissa a tese de que o homem é ontologicamente inapto à percepção objetiva do justo? Não é o burocrata um homem como qualquer outro? Se o homem não pode possivelmente perceber o justo, por que o burocrata o pode mesmo sendo homem? Seria sobre-humano o burocrata em questão? Se o homem não pode perceber a existência de valores éticos absolutos mediante a análise objetiva do real e agir de forma a respeitá-los, como poderá, então, um indivíduo comum afirmar com segurança que dada lei governamental é in/justa? Como um indivíduo pode, p. ex., contestar publicamente uma medida do estado como sendo antiética se defende que a subserviência passiva ao mesmo é absolutamente necessária à percepção de valores éticos inequívocos? Como o referido indivíduo pode militar favoravelmente à interdição de medidas governamentais eticamente infundadas se a subserviência passiva à máfia estatal é tida propriamente pelo mesmo como um princípio cuja observância torna possível a ação eticamente defensável? Na verdade, como o burocrata poderá legislar justamente se a justiça for epistemologicamente imperceptível ao homem? Como o político se guiará moralmente no exercício diário das suas funções se for irrefutável a tese de que a sua figura em si é absolutamente indispensável à percepção de quaisquer guias morais? Como pode dado indivíduo (digamos, Q) limitar por vias democrático-eleitorais o governo de maneira a fazê-lo não operar para além do justo se a submissão incondicional ao referido governo é tida propriamente por Q como o princípio sumário da justiça? A partir de quais princípios o indivíduo averiguará a in/validade ética das legislações governamentais se a necessidade de as positivar não condicionadamente é tida propriamente pelo mesmo como um elemento substantivo de um princípio universalmente válido? Como um legislador exercerá sua função em prol da justiça se se crê que a justiça provém da legislação por ele produzida e imposta? Como o indivíduo limitará o governo segundo princípios éticos aprioristicamente postuláveis se se sustenta que a existência de princípios éticos inequívocos se faz racionalizável ao homem somente sob uma gerência governamental impositiva? Sendo o estado nada senão um ente impositivo constituído por indivíduos popularmente influentes, porém ontologicamente indistintos dos que adoram lamber as suas botas demoradamente, quê serviço moral prestará o estado ao indivíduo se este é, supostamente, absolutamente incapaz de distinguir o moral do imoral? Se o direito de propriedade vem ulteriormente ao estado, por que deveria, então, ser dever do referido estado proteger a propriedade dos seus governados? Se for realmente verdadeira a tese de que o governo configura a entidade que condiciona transcendentemente a propriedade, por que, então, deveria ser totalmente legítimo pressionar o governo de maneira a fazê-lo assegurá-la legislativamente ao indivíduo uma vez que se presume que o direito de propriedade procede originariamente dos rabiscos legislatórios governamentais e não da pressão coletiva? Por que o estado não poderia, afinal, violar extensivamente o direito de propriedade dos seus governados se é certo que a propriedade vigerá somente enquanto reinarem as suas legislações? Se o direito de propriedade procede necessariamente do estado, basta, então, que o estado despeça arbitrariamente as suas leis protetivas à propriedade para que esta deixe de viger, de existir ou de ser válida? O nominalismo jurídico (positivismo construtivista) é o deus da ética? Se sim, por que, então, o estado é uma entidade necessária à ética se não há quaisquer valores morais objetivamente deriváveis em prol dos quais agir?
São indagações aparentemente incompreensibilíssimas aos lambedores de botas – estatistas.
Creio que esteja mais que claro que a definição conceitual de agressão faz referência ao ato de agredir algo, i. e., nomeadamente, ao ato de agredir a propriedade alheia, em matéria de ética; logo, se o hobbesiano defende que o estado é cabalmente necessário à cessação permanente das agressões (violações de direitos), põe-se, desse modo, a entrever a propriedade como algo anterior (não ulterior) ao estado, visto que se a propriedade viesse posteriormente ao estado, não haveria motivo de o estado existir, porque se não há propriedade, não há agressões (lembremo-nos que estas, em matéria de ética, são necessariamente agressões à propriedade), pois, ora, se a propriedade não vige sob condições desconhecedoras do estado, o indivíduo, conseguintemente, ao agir à sombra de condições anárquicas, jamais poderia possivelmente diferenciar os atos agressivos dos pacíficos, e, em razão disso, nunca valoraria moralmente os atos pacíficos em detrimentos dos agressivos, ou contrariamente, visto que é certo asseverar que dado ato é eticamente válido apenas se tal ato mostrar-se apreciavelmente distinguível do eticamente inválido. Quer dizer, todo e qualquer valor ético pressupõe tanto a diferenciação moral (apreciação moral) quanto a capacidade de diferenciar moralmente (a faculdade de abstrair o que torna o eticamente defensável distinto do eticamente indefensável, por suas unidades identitárias), i. e., pressupõe a valoração do que é desejável à ética (normas de valor cuja adesão cessa quaisquer agressões permanentemente) e a não valoração do que lhe é definitivamente indesejável (normas de valor cuja adesão torna parcial ou totalmente propícias quaisquer agressões), o que implica que será correto afirmar que dado ato é eticamente fundado apenas se tal for perfeitamente elogiável ao que a ética suporta (i. e., o término das agressões (a justiça, menos especificamente)), contudo, se, contrariamente, for indesejável ao que a ética suporta (i.e., se não suceder-se favoravelmente ao término das agressões, justamente por ser danoso/lesivo), será incorreto afirmar que é eticamente fundado, consequentemente. Quer dizer, diz-se que dado ato é eticamente válido se procede não agressivamente ou que é eticamente inválido se procede agressivamente. Se é desejável à ética, portanto, prezar os atos pacíficos e ser eficazmente punitiva aos agressivos, um conjunto de normas que visa adequar-se acertadamente à mesma deve necessariamente distinguir os atos agressivos dos pacíficos a fim de não pecar, definindo-os de forma correta, isto é, deverá necessariamente firmar-se no conceito de propriedade de maneira a tomá-lo como uma referência analiticamente fundamental que separa os atos pacíficos (não agressivos – eticamente defensáveis) dos não pacíficos (agressivos – eticamente indefensáveis), uma vez que uma categorização conceitualmente imprecisa dos atos possíveis, pela exclusão perceptual do elemento propriedade, induz ao erro, além de ser relativamente susceptível à aprovação enganosa de uma classe indefinida de agressões, o que contradita fundamentalmente os intentos últimos da ética (a derrogação permanente dos atos agressivos), já que o ato agressivo é o que opera danosamente à propriedade e o pacífico o que opera não danosamente à propriedade, conforme a definição conceitual correta. O que implica que antes de o homem (ou grupo de homens) tencionar propor o estado como uma forma eticamente fundada de fazer cessar as agressões, deve necessariamente abstrair a propriedade, reconhecê-la e tomá-la como parâmetro ético, já que o intento comum de quaisquer debates éticos minimamente sérios é substancialmente respeitante ao aspecto eticamente lógico e ambicionável dos atos pacíficos e ao aspecto eticamente ilógico e menosprezível dos atos agressivos, quer dizer, é respeitante à inviolabilidade da propriedade, uma vez que toda dialética ética tem por base o objetivo de clarificar irrefutavelmente as normas desejáveis à interrupção das agressões, o que há de compelir naturalmente os debatedores de ética e os que desejam construir uma ordem justa consistente a tomar a propriedade como parâmetro sumo da moral, já que a agressão só se distingue da não agressão posteriormente ao entendimento do conceito de propriedade, visto que agressão é, conceitualmente, lesão à propriedade. Sendo, afinal, a vontade de alcançar o reino da paz (a minimização máxima dos atos agressivos), a qual origina toda e qualquer discussão ética, primordialmente fundamentada pela distinção perceptual entre o que é desejável à ética e o que é indesejável à ética (respectivamente, ato pacífico e ato agressivo), deduz-se categoricamente, então, que seu fator condicionante primeiro se faz pela conceptualização correta da propriedade, que é absolutissimamente impreterível à ética, pelos elementos elucidativos postos acima: em resumo, a ética, que tem por intento principal a derrogação perpétua dos atos agressivos; e a propriedade, que serve a ética indispensavelmente visto que possibilita à mesma a distinção entre o ato agressivo e o ato pacífico, evitando que ela porventura vá contrariamente a si mesma e certeiramente à sua antítese, já que o ato agressivo é necessariamente o que lesa a propriedade.
Sumamente, a ética tem a pretensão de findar as agressões, de cessá-las permanentemente. Ora, para defini-las e para decidir agir moralmente de modo a encerrá-las, seja compondo um estado por intermédio de um contrato social ou militando favoravelmente à ordem natural (sociedade de leis privadas), o homem, inexoravelmente, tem de recorrer ao absolutismo da propriedade, posto que, como dito, se não há propriedade, não há agressões, e se não há agressões, não há ética, já que esta existe somente para equipar o homem com um conjunto de normas morais pela aderência do qual o fim das agressões torna-se possível não contraditoriamente. Logo, se o homem é ontologicamente inapto à percepção da propriedade, a percepção das agressões será consequentemente impraticável ao mesmo, o que o impossibilitará de objetivar o término das agressões e, em consequência, de compor uma forma explicitamente associativa-contratual de providenciar o referido término das agressões, posto que, tendo uma razão supostamente débil à compreensão da propriedade, jamais conseguirá distinguir os atos agressivos dos pacíficos e, em função disso, nunca procurará rechaçar as agressões em prol da justiça.
Ora, se é ontologicamente inarredável ao homem presumir tacitamente a inexistência de direitos invioláveis, tem-se, então, de admitir que, ao referido homem, não haverá atos agressivos ou pacíficos, porém, somente atos, já que o ato agressivo se distingue do pacífico por operar danosamente à propriedade. Se, portanto, o homem não pode distingui-los, por não poder supostamente identificar a unidade elementar que os cataloga distintivamente (lesão à propriedade – sendo o ato agressivo lesivo à propriedade e o pacífico não lesivo à propriedade) em decorrência da sua inaptidão epistêmica no que tange a captação perceptiva de tal lesão (sendo tal inaptidão perfeitamente prognosticável, uma vez que é supostamente inábil à abstração do que é lesado (propriedade)), presumivelmente, não poderá, por conseguinte, valorar um em detrimento do outro, o que implica crucialmente que jamais propositará constituir uma entidade institucional cujo desempenho prático se dá punitivamente aos agressores e favoravelmente aos produtores ou respeitar a propriedade de outrem. Pois, a rigor, se, de fato, é ao homem absolutamente impraticável perceber a existência de direitos invioláveis em conjunturas desconhecíveis ao estado, ser-lhe-ia, então, epistemologicamente impossível conhecer o modo por intermédio do qual atua de forma eticamente defensável ou o que por intermédio do qual atua de forma eticamente indefensável, e tampouco saberia o método correto de obtenção do discernimento concernente à ética, uma vez que nunca apreciaria potencialmente a interdição permanente dos atos agressivos, já que não poderia diferenciá-los dos pacíficos, posto que ser-lhe-ia substancialmente peremptório presumir inexistir qualquer forma de propriedade (qualquer forma de agressão, por extensão), porque agressão, em matéria de ética, é necessariamente agressão à propriedade; o que implica a impossibilidade de discernimentos éticos e, consequentemente, de ilações referentes às formas possíveis correções institucionais (entre elas, o contrato social), o que, mais que categoricamente, traz-nos a impossibilidade do estado como uma forma de entidade corretiva previamente pensada, já que, na anarquia, como pressupõe o hobbesiano, todos são absolutamente inábeis à captação perceptiva da propriedade e, em consequência, de valores éticos lógico-objetivamente postuláveis.
Esta conclusão – a qual toca a imprescindibilidade da propriedade enquanto elemento em torno do qual se dá toda e qualquer discussão ética séria – não é diferente da que expus anteriormente, todavia se apresenta de forma mais completa e sistemática.
Toda discussão ética opera fundamentalmente em torno da tentativa de solucionar lógica e racionalmente o seguinte dilema: como evitar agressões? Uma sociedade justa – todos terão de concordar – é a que na qual a agressão seja completamente inexistente. Portanto, em debates relativos à ética, o indivíduo que efetivamente proposita conceber uma resolução racional ao problema da agressão incorrerá necessariamente em contradições performáticas ao ter como pressuposto a inexistência da propriedade, visto que os atos agressivos são os que se realizam em violação à propriedade de outrem, enquanto que os atos pacíficos são os que se realizam não em violação a propriedade de outrem, o que torna necessária a conceptualização do elemento a cuja inviolabilidade objetiva serve a ética; além disso, em matéria de ética, incontestavelmente, é indefensável o ato agressivo e defensável o pacífico, uma vez que a imprescindibilidade da ética decorre precipuamente da necessidade de fazer desaparecer as agressões como forma singular de paz e de cooperação (não agressão), o que implica que um indivíduo que alega arguir em prol da ética por propor atos de agressão incorre necessariamente em contradições, pois alega arguir em prol da tese ética (suspensão da agressão) ao propor favoravelmente à antítese ética (perpetração da agressão). Em vista disso, se, de antemão, se presume a inexistência da propriedade, todo e qualquer debate que se refira essencialmente à ética despoja-se instantaneamente da sua indispensabilidade, uma vez que, se não há propriedade, torna-se totalmente ilógico distinguir os atos agressivos (violentos) dos pacíficos (voluntários), já que a definição de ato de agressivo faz referência à ação lesiva, i. e., mais especificamente, à ação lesiva à propriedade; portanto, se não há propriedade, não há atos agressivos ou pacíficos, no entanto, apenas atos. O que implica que o indivíduo que argumenta favoravelmente à ideia de que propriedade inexiste, em suma, está a argumentar, por conseguinte, favoravelmente à tese de que a ética é desimportante ou, melhor, de que ela é despropositada, posto que, se efetivamente não há agressões em circunstâncias nas quais a propriedade é inexistente (visto que, como já disse, a definição de agressão se refere necessariamente ao ato o qual se efetiva danosamente à propriedade), deduz-se, então, que, ao viver-se nestas condições tais, nenhum valor ético é minusculamente relevante, já que todo e qualquer valor ético, seja qual for, em substância, é somente concebido como guia ao homem e como um auxílio ímpar ao seu propósito de cooperar, de cessar as agressões e, conclusivamente, de obstruir as suas tendências antissociais possíveis. Afinal, a ética é indispensável somente aos que vivem socialmente, e não ao indivíduo cuja locomoção se limita às beiras de uma ilha na qual é o único de sua espécie (a este último são inteiramente desconsideráveis os valores éticos, pois se não há ninguém na ilha referida além de ele próprio, não há, então, ninguém sobre as posses do qual possa possivelmente exercer a sua força depredativa, o que implica que jamais agredirá ninguém, visto que está plenamente solitário na ilha; e se, portanto, não há possibilidade de haver agressões, não há mínima necessidade de ter-se valores éticos claramente definidos).
Entretanto, poucos tiveram audácia de levar à frente as ideias hobbesianas. Quer dizer, foram comparavelmente poucos os filósofos que desrespeitaram a ética a ponto asseverar com firmeza que mesma está na classe das temáticas ilógicas, ou, melhor, a ponto de asseverar que é ontologicamente inelutável ao “bom selvagem” desconsiderar a propriedade ao agir.
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Soaria, porém, sem dúvida, mais ou menos impreciso se afirmasse que é a inaptidão perceptiva do “bom selvagem” no que toca a consideração da propriedade o ponto mais fortemente defendido pelos estatistas e hobbesianos. Certo grupo minoritário destes frisam centralmente que a propriedade vem posteriormente ao estado enquanto ente metafísico.
Ora, se se diz que a propriedade é posterior ao estado, se diz, então, que a vigência da propriedade enquanto elemento normativamente limitante à ação deriva dos escritos legislatórios do estado, o que implica invariavelmente que basta que os agentes do estado decidam arbitrariamente remover dos seus papéis legislativos os parágrafos “garantidores” da propriedade para que esta deixe de viger e de ser a base normativa sobre a qual repousa fundadamente a sociedade.
O que o hobbesiano realmente defende ao dizer que o estado é primacial à propriedade, não a par de todas as minhas considerações anteriores presumivelmente, é a propriedade meramente como algo oriundo de papéis legislatórios.
Além do mais, pressuporá coerentemente o hobbesiano que se não fossem existentes tais papéis legislatórios, a propriedade ruiria desgraçadamente enquanto norma, não somente em termos práticos, mas, idem, em termos lógicos, posto que, pressuporá também o referido hobbesiano, toda propriedade que não seja expressamente prescrita ou levada ao concreto pelos verbos legislativos do poder central não é, fidedignamente, norma, porém, meríssima vagueza, um passeio idealista pelos que se declaram libertários. Conclusivamente, segundo as implicações lógicas desse argumento, não existem atos morais ou amorais (i. e., a/moralidade) porém, tão-somente atos legais e ilegais.
Se o estatista, assim, tem como pressuposto ético mais basilar o que opera rigorosamente conforme a filosofia política hobbesiana, o mesmo tem de pressupor, por coesão, que o governo não é, p. ex., imoral ao predar tributariamente 40% da propriedade alheia, visto que a porção da propriedade correspondente aos referidos 40% não vale efetivamente como fator normativamente limitante à ação se é verdadeira a tese de que o estado constitui o ente que pode fazer viger ou não viger a propriedade enquanto fator normativamente limitante à ação por vias legislativas. Se é tida, portanto, como universalmente absoluta a tese a qual suporta a propriedade como algo meramente prescrito pelo estado, conclui-se, então, por dedução, que este sempre será moral, isto é, não correrá o risco de ser imoral, posto que, se a propriedade vige enquanto elemento normativo tão-somente pela positivação dos escritos constitucionalistas estatais, basta, então, que o estado decrete expressamente, por vias legislatórias, o término da vigência normativa da propriedade de dado indivíduo para que a carga tributária que fará pesar predatoriamente sobre as posses do referido indivíduo deixe de ser vista como o que é: extorsão. Dessa forma, os hobbesianos geralmente falam bastante sobre atos agressivos e pacíficos, porém, tais atos são bizarra e brutalmente relativizados. Nenhum hobbesiano distorcerá a definição de agressão a ponto de asseverar que a mesma não faz referência aos atos que se efetivam lesivamente à propriedade; contudo, todo hobbesiano, se levar congruentemente as suas ideias às suas consequências últimas, dirá que se, p. ex., o indivíduo A expropria 300 libras do indivíduo B mediante o emprego de ferramentas danosas, o indivíduo A não deverá ser punido de forma alguma contanto que o estado não tenha previamente garantido de forma expressa, por decreto, a vigência normativa da propriedade sobre as 300 libras ao indivíduo B. A propriedade, então, como se nota, conforme as pressuposições hobbesianas, deixa de ser elemento normativamente limitante à ação se o estado decreta o término da sua vigência, i. e., da sua vigência normativa. Por esse motivo, o hobbesiano afirma com fervor que imposto não é roubo, porque, assim crê, todo imposto incide sobre uma parcela das posses do indivíduo para a qual não existem decretos afirmativos ou amparos legislativos – sumariamente, porque, assim crê, toda propriedade emana das legislações governamentais, portanto, se o estado não legisla afirmativa e protetoramente a, p. ex., 40% das posses de dado indivíduo, estes 40% não constituem propriedade e, por conseguinte, apossá-los discricionariamente por quaisquer meios não configuraria agressão, visto que, de novo, não são propriamente tidos como propriedade, pois o estado não os firmou legislativamente como sendo. Este é, em essência, o relativismo jurídico hobbesiano, de acordo com o qual é ilógica uma norma protetiva ao direito de propriedade que independa metafisicamente dos rabiscos legislatórios do estado.
Os céticos niilistas argumentam desfavoravelmente ao objetivismo epistêmico de conceitos como os de in/verdade, in/validade, etc. – em função disso, reconhecem eles mesmos que são relativistas. O cético niilista erra profundamente, porém, o seu erro não tem como consequência última o surgimento de ditaduras e de regimes totalitários.
Ora, o juspositivismo, afinal, inculca inevitavelmente no político parasita uma concepção moral quase completamente homóloga à de Kira (ou Light Yagami), o personagem principal da série Death Note, que, simplesmente por ter adquirido a capacidade de matar qualquer indivíduo ao fim de 40 segundos na condição de saber o seu nome e a sua face, podendo, consequentemente, decidir quando uma pessoa viverá e quando não, afirmou ser a justiça. Da mesma forma, o político, simplesmente por poder impor mediante coerção os seus decretos (gozando de aceitação, inobstante), podendo, consequentemente, decidir quando uma norma valerá e quando não, afirma ser a justiça cotidianamente. Porém, obviamente existem diferenças brutas, mas a mais abismal e desalentadora é a que segue: Kira (ou Light Yagami) – sucinta, porém, claramente descrito acima – é ficcional, enquanto o político parasita é real – e é igualissimamente real a predação que efetua.
Logo, se o hobbesiano não sustenta que o burocrata parasita estatal deve ser uma espécie de sobre-humano, se põe a contraditar insoluvelmente os seus pressupostos básicos próprios. Se, todavia, até aqui não ficou suficientemente claro o fato de que a propriedade é precondição à necessidade de qualquer aparato ordenador, Frédéric Bastiat o clarificará definitivamente:
“Recebemos de Deus [Bastiat era jusnaturalista teológico] um dom que engloba todos os demais. Este dom é a vida – vida física, intelectual e moral.
Mas a vida não se mantém por si mesma. O Criador incumbiu-nos de preservá-la, de desenvolvê-la e de aperfeiçoá-la.
Para tanto, proveu-nos de um conjunto de faculdades maravilhosas. E nos colocou no meio de uma variedade de recursos naturais. Pela aplicação de nossas faculdades a esses recursos naturais, podemos convertê-los em produtos e usá-los. Este processo é necessário para que a vida siga o curso que lhe está destinado.
Vida, faculdades, produção – e, em outros termos, individualidade, liberdade, propriedade – eis o homem. E, apesar da sagacidade dos líderes políticos, estes três dons de Deus precedem toda e qualquer legislação humana, e são superiores a ela.
A vida, a liberdade e a propriedade não existem pelo simples fato de os homens terem feito leis. Ao contrário, foi pelo fato de a vida, a liberdade e a propriedade existirem antes que os homens foram levados a fazer as leis.”
E acrescenta,
“O que é então a lei? É a organização coletiva do direito individual de legítima defesa.
Cada um de nós tem o direito natural, recebido de Deus, de defender sua própria pessoa, sua liberdade, sua propriedade. Estes são os três elementos básicos da vida, que se complementam e não podem ser compreendidos um sem o outro. E o que são nossas faculdades senão um prolongamento de nossa individualidade? E o que é a propriedade senão uma extensão de nossas faculdades?
Se cada homem tem o direito de defender – até mesmo pela força – sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, então os demais homens têm o direito de se concertarem, de se entenderem e de organizarem uma força comum para proteger constantemente esse direito.
O direito coletivo tem, pois, seu princípio, sua razão de ser, sua legitimidade, no direito individual. E a força comum, racionalmente, não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as forças isoladas que ela substitui.
Assim, da mesma forma que a força de um indivíduo não pode, legitimamente, atentar contra a pessoa, a liberdade, a propriedade de outro indivíduo, pela mesma razão a força comum não pode ser legitimamente usada para destruir a pessoa, a liberdade, a propriedade dos indivíduos ou dos grupos.
E esta perversão da força estaria, tanto num caso como no outro, em contradição com nossas premissas. Quem ousaria dizer que a força nos foi dada, não para defender nossos direitos, mas para destruir os direitos iguais de nossos irmãos? E se isto não é verdade para cada força individual, agindo isoladamente; como poderia sê-lo para a força coletiva, que não é outra coisa senão a união das forças isoladas?
Portanto, nada é mais evidente do que isto: a lei é a organização do direito natural de legítima defesa. É a substituição da força coletiva pelas forças individuais. E esta força coletiva deve somente fazer o que as forças individuais têm o direito natural e legal de fazerem: garantir as pessoas, as liberdades, as propriedades; manter o direito de cada um; e fazer reinar entre todos a justiça.”
Ante isso, o estatista certamente questionará: “Não digo que a propriedade emana substancialmente dos escritos legislatórios estatais, mas acredito que seja mais lógico pensar positivamente à tese de que a propriedade, em condições sociopolíticas idealmente anárquicas, não seria protegida apropriadamente”. “Aliás”, muge o estatista, “a propriedade é norma válida hoje tanto quanto era em épocas extremamente primitivas, porém, o que nos separa dos que muito custosamente conseguiram sobreviver em tais épocas é a institucionalização central da defesa da propriedade, conferida por forças governamentais desmesuradamente potentes; além disso, certo é que essas forças compõem elementarmente uma entidade inigualável que opera como um árbitro social evitando a guerra de todos contra todos, pois, afinal, a maioria dos que se dizem humanos é composta por pessoas naturalmente malevolíssimas.”.
O estatista, assim, desvia-se da temática central para uma na qual se sente mais seguro: o problema da defesa da propriedade na anarquia.
Propor, porém, o estado como solução ao problema da seguridade é uma atitude ilógica.
Antes de elucidar o porquê de o estado ser ilógico à provisão de segurança e de defesa, no entanto, voltarei brevemente à questão da malevolência humana.
Ora, nunca se provará confiável uma pessoa que afirma com constância ser mentirosa, já que tal pessoa se contradiz paradoxalmente. Se dada pessoa (digamos, T) presume ser absolutamente incapaz de expor verdades e, desse modo, informa a outrem a sua anormal condição neuropatológica pressupondo implicitamente a sua veracidade, teremos inevitavelmente de concluir que tal informação é inverídica caso a hipótese de que T é absolutamente incapaz de expor verdades não for tida como genuína, porém, se tal hipótese for verossimilhante, nos será, então, inelutável deduzir que T é perfeitamente capaz de expor verdades, uma vez que pôde comunicar veridicamente as suas anomalias neurológicas supostas; paradoxalmente, entretanto, se prova-se que tais anomalias são factuais, a informação dada por T destitui-se logicamente do seu valor-verdade, já que provou-se que T, o informante, é incontrolavelmente afligido pelas anomalias referidas, isto é, é absolutamente incapaz de expor verdades, inclusive as relativas às suas anomalias, o que nulifica peremptoriamente a validade do que informou.
E eis que nos deparamos com um paradoxo, o qual está indissociavelmente ligado à questão do ceticismo e a da malevolência humana.
A premissa na qual o cético se firma nos prove a ideia de que não existem verdades absolutas ou, doutro modo, que o homem é absolutamente incapaz de descobrir pelo emprego de sua razão as leis constantes da realidade. Porém a premissa em questão, se válida, invalida-se, porque se é verídico e inalterável o fato de que não existem verdades absolutas, até o mais intelectualmente débil concluirá invariavelmente que as premissas ceticistas não são absolutamente verdadeiras, tampouco axiomáticas, uma vez que, se não existem verdades absolutas apresentáveis ao homem, o mesmo jamais poderá esperar conceber irrefutavelmente nada que lhe pareça válido, posto que presume ser cognoscitivamente inapto à apreensão do que é válido (aliás, o presume burramente, pois sustenta que não pode saber nada, no entanto, se absolutamente nada pode saber de facto, não poderá, portanto, abstrair absolutamente nada que se refira ao estado supostamente débil da sua faculdade cognoscitiva, tampouco aos saberes referentes ao niilismo enquanto tal), o que acaba por impeli-lo, por coesão, a não firmar-se incontestavelmente em nada que deduz, visto que pressupõe não poder deduzir nada validamente; todavia, o que não percebe o niilista é que o que pressupõe, se demonstrável, terá de valer não tão-só para os saberes concernentes à identidade objetiva da existência material, mas, homologamente, para os que tocam a identidade objetiva da cognição humana. Logo, se o niilista pressupõe ser absolutamente inconteste a tese de que tudo o que deduz o homem é inválido, deverá, por coerência, concluir que, por ser homem, todas as suas pressuposições, inclusive as que tangem substantivamente o niilismo enquanto vertente filosófica, jamais poderão ser válidas ou rigorosamente tidas como aceitáveis. O niilista, ao argumentar favoravelmente à sua filosofia, jamais poderá presumir estar argumentando validamente, posto que tem como premissa fundamental a tese de que nada que seja minimamente válido se concebe à cognição humana, o que o impeliria, por congruência, a repudiar automaticamente tudo o que lhe parece indiscutível, inclusive o niilismo, a filosofia defensora da tese de que não existem verdades absolutas. Em suma, se o homem é incapaz de descobrir verdades, jamais poderia esperar descobrir as verdades concernentes à natureza das suas incapacidades.
Como se nota, o mesmo raciocínio é passível de aplicação à ideia defensora da tese de que o homem é intrinsecamente malévolo.
Ora, se o homem é naturalmente malévolo, não há motivos razoáveis, então, para esperar que o mesmo ocasionalmente venha a expor argumentativamente o seu caráter malevolente ao seu mais próximo de modo a alertá-lo disso. Não seria, afinal, interessante à pessoa malévola que absolutamente ninguém a conhecesse de fato, de maneira a, evidentemente, impedir que outros não viessem a obstaculizá-la ou a limitar significativamente os lucros advindos da sua conduta? Se se tem como premissa a ideia de que o homem é intrinsecamente malévolo e se é uma possibilidade plausível a de um homem porventura buscar incessantemente esclarecê-la, mais que óbvia está, portanto, a conclusão de que, se é inequívoca a referida premissa, o indivíduo (digamos, W) que visa explicitamente clarificá-la não o faz por magnanimidade, mas, como deduz-se, por malevolência, já que é um ser intrinsecamente malévolo, o que inevitavelmente há de fazer qualquer um rechaçá-la com incomplacência, visto que, por operar servindo de algum modo à consecução dos intentos necessariamente maquiavélicos de W, um homem, um ser intrinsecamente malévolo, é, muito provavelmente, então, mentirosa.
É bastante intuitivo pensar que, se C, um indivíduo sabidamente malévolo, proposita convencer outrem da validade da tese de que o homem é intrinsecamente malévolo, C assim atua apenas porque tal propósito é tido por ele como o mais importante, e à sua consecução esforços significativos são dispendidos por C, porque este, o referido indivíduo sabidamente malévolo, especula, com efeito, que a consecução do propósito em questão será a que mais lhe trará ganhos, e estes serão, conclui-se, necessariamente perniciosos, posto que o indivíduo que objetiva os auferir (C) possui, em essência, uma índole eticamente reprovável, i. e., é intrinsecamente malévolo; o que nos empurra impreterivelmente à desconfiança da tese de que o homem é um ser naturalmente malévolo, já que sempre é exposta por homens, seres intrinsecamente malévolos, presume-se.
Em suma, se é verdadeira a tese de que o homem é um ser naturalmente malevolente, correto será, então, pensar que o mesmo jamais propositaria expor argumentativamente a natureza da sua conduta aos seus próximos, uma vez que tal exposição operaria negativamente à maximização dos ganhos oriundos do exercício diário da sua malevolência, e, se o propositar, será, portanto, mais que plausível antecipar que o fará unicamente por razões maquiavélicas e fundamentalmente ególatras, o que nos oferece motivos suficientes para rechaçar tal tese logo que é defendida por um homem, visto que o mesmo, se a tese em foco for factível, a defenderá tão-somente porque ela lhe servirá e servirá aos seus interesses, i. e., aos seus interesses naturalmente malévolos.
Ora, se o homem é inalteravelmente malévolo, tudo o que fizer tenderá a corresponder positivamente à sua índole; inclusive, tudo o que propor será merecedor de represálias, já que as suas proposições serão consumadas sempre malevolamente, posto que, presume-se, a malevolência impera substancialmente nele; e, como deduz-se, o mesmo necessariamente terá de valer para as proposições favoráveis à tese de que o homem é inerentemente malévolo.
Portanto, se argumentarmos favoravelmente à tese de que o homem é naturalmente malévolo sendo homens, teremos necessariamente de rechaçá-la com rispidez, posto que, sendo homens, tudo o que argumentarmos tenderá a corresponder positivamente à malevolência que nos é, supostamente, substantiva.
Assim, o indivíduo que defende com ardor a noção do homem como um ser intrinsecamente malevolente, sendo homem, se contradiz paradoxalmente.
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No entanto, em decorrência de uma defesa ideologicamente enviesada da tese de que o homem é naturalmente malévolo, as contradições paradoxais cometidas no âmbito da política são mais absurdas que as cometidas no âmbito da filosofia. Para transparecê-las de devido modo, será bastante conveniente transcrever aqui uma passagem do livro Democracia – O Deus que Falhou, de Hans-Hermann Hoppe, a qual compreende inteiramente a seção I do capítulo Sobre o Governo e a Produção Privada de Segurança e espero não ser criticado por ter transcrevido uma passagem mais ou menos longa, embora seja enormemente esclarecedora:
“Entre as crenças mais populares e impactantes dos nossos tempos, encontra-se a crença na segurança coletiva. Nada menos do que a legitimidade do estado moderno se baseia nessa crença.
Demonstrarei que (1) a ideia de segurança coletiva é um mito que não oferece qualquer justificativa para o estado moderno e que (2) toda segurança é – e deve ser –privada. No entanto, antes de chegar a essa conclusão, eu começo com o problema. Em primeiro lugar, apresentarei uma reconstrução em dois passos do mito da segurança coletiva; e, a cada passo, suscitarei algumas preocupações teóricas.
O mito da segurança coletiva também pode ser chamado de mito hobbesiano. Thomas Hobbes – e incontáveis filósofos políticos e economistas depois dele – sustentava que, no estado de natureza, os homens viveriam em pé de guerra. Homo homini lupus est. Formulado no jargão moderno: prevaleceria, no estado de natureza, uma subprodução permanente de segurança. Cada indivíduo, entregue aos seus próprios recursos e aos seus próprios suprimentos, investiria “muito pouco” em sua defesa, o que resultaria em conflitos interpessoais permanentes. A solução para essa situação presumivelmente intolerável, de acordo com Hobbes e os seus seguidores, é a instituição de um estado. Com a finalidade de estabelecerem uma cooperação pacífica entre si, dois indivíduos, A e B, exigem que uma terceira parte independente, E, atue como juiz de última instância e mediador. Contudo, essa terceira parte, E, não é apenas mais um indivíduo, e o serviço oferecido por E – i.e., o de segurança – não é apenas mais um serviço “privado”. Na verdade, E é um soberano, gozando, como tal, de dois poderes únicos, singulares. Por um lado, E pode insistir que os seus súditos, A e B, não busquem proteção de ninguém, exceto dele; i.e., E é um monopolista territorial compulsório de proteção. Por outro lado, E pode determinar unilateralmente quanto A e B têm de investir em sua própria segurança; i.e., E tem o poder de impor tributos (cobrar impostos) a fim de oferecer segurança “coletivamente”.
Ao comentar esse argumento, não é de grande ajuda discutir se o homem é tão mau e tão parecido com um lobo como Hobbes supõe, mas sim notar que a tese de Hobbes obviamente não pode significar que o homem é movido por – e apenas por – instintos agressivos. Se este fosse o caso, a humanidade teria desaparecido há muito tempo. O fato de ela não ter desaparecido demonstra que o homem também possui a razão e que ele é capaz de refrear os seus impulsos naturais. O debate deve se fixar apenas na solução hobbesiana. Dada a natureza do homem como animal racional, a solução proposta ao problema da insegurança é um avanço? A instituição do estado pode reduzir o comportamento agressivo e promover a cooperação pacífica, oferecendo, assim, melhores segurança e proteção privadas? Os problemas do argumento de Hobbes são óbvios. Primeiro: não importando quão maus sejam os homens, E – um rei, um ditador ou um presidente eleito – continua sendo um homem. A natureza do homem não é transformada ao tornar-se E. De qualquer modo, como pode haver melhor proteção para A e B se E tem de cobrar impostos deles para oferecê-la? Não haveria uma contradição na própria visão de E como um protetor que expropria propriedades? Na verdade, isso não seria exatamente aquilo a que se refere – e mais apropriadamente – como uma máfia da proteção? E, certamente, promoverá a paz entre A e B, mas apenas para que ele possa, em seguida, roubá-los mais lucrativamente. E encontra-se, sem dúvida, mais bem protegido; porém, quanto mais protegido ele está, menos protegidos estão A e B dos ataques de E. Pareceria, assim, que a segurança coletiva não é melhor do que a segurança privada. Na realidade, ela é a segurança privada do estado, E, obtida por meio da expropriação – i.e., do desarmamento econômico – dos seus súditos. Ademais, os estatistas – de Thomas Hobbes a James M. Buchanan – sustentam que um estado protetor E surgiria como o resultado de algum tipo de contrato “constitucional”. Entretanto, quem em seu juízo perfeito assinaria um contrato que permitisse a um protetor determinar unilateralmente – e inapelavelmente – a quantia que os protegidos têm de pagar pela sua proteção? E o fato é que ninguém jamais o assinou!
Permitam-me interromper aqui a minha discussão e retornar à reconstrução do mito hobbesiano. Ao supor-se que, para estabelecer uma cooperação pacífica entre A e B, é necessário haver um estado – E –, segue-se uma conclusão de duas partes. Se houver mais de um estado – E1, E2, E3 –, então, assim como presumivelmente não pode haver paz entre A e B sem E, não poderá haver paz entre os estados E1, E2 e E3 enquanto eles permanecerem em um estado de natureza (i.e., em um estado de anarquia) uns em relação aos outros. Portanto, para que seja alcançada a paz universal, é necessário estabelecer a centralização política, a unificação e, por fim, um único governo mundial.
Ao comentar esse argumento, é útil, em primeiro lugar, indicar o que pode ser considerado incontroverso. Para começar, o argumento, como tal, é válido. Se a premissa está correta, então segue-se a conclusão apresentada. Os pressupostos empíricos envolvidos no relato hobbesiano parecem, à primeira vista, ser também confirmados pelos fatos. É verdade que os estados estão constantemente em guerra uns contra os outros; e uma tendência histórica em direção à centralização política e a um governo mundial parece, de fato, estar em operação. Discussões surgem apenas quanto à explicação desse fato e dessa tendência e quanto à classificação desse estado mundial unificado como um progresso na oferta de segurança e proteção privadas. Em primeiro lugar, parece haver uma anomalia empírica que o argumento hobbesiano não consegue explicar. A razão para as guerras entre os diferentes estados E1, E2 e E3, de acordo com Hobbes, é que eles estão em um estado de anarquia uns vis-à-vis os outros. Todavia, antes do surgimento de um único estado mundial, não apenas os estados E1, E2 e E3 estão em um estado de anarquia uns em relação aos outros, mas na verdade cada um dos súditos de um estado está em um estado de anarquia vis-à-vis cada um dos súditos de qualquer outro estado. Ora, deveria haver tantas guerras e agressões entre os cidadãos dos vários estados quantas entre os diferentes estados. Empiricamente, no entanto, isso não ocorre. As relações privadas entre estrangeiros parecem ser significativamente menos conflituosas do que as relações entre governos diferentes. Isso tampouco parece ser surpreendente. Afinal, o agente estatal E, ao contrário de cada um dos seus súditos, pode contar com impostos domésticos na condução das suas “relações externas”. Dada a sua natural agressividade humana, não importando quão pronunciada ela seja de início, não é óbvio que E será mais ousado e agressivo em sua conduta perante estrangeiros se puder externalizar o custo de tal comportamento sobre terceiros? Certamente, fico disposto a me envolver em mais provocações e agressões e a correr riscos maiores se puder fazer terceiros pagarem por eles. E, com certeza, há uma tendência a um estado – uma máfia de proteção – desejar expandir o seu monopólio territorial de proteção à custa de outros estados, trazendo à tona, assim, como o resultado final da competição interestatal, um governo mundial. Mas como isso poderia ser um progresso na oferta de segurança e proteção privadas? Parece que ocorre o contrário. O estado mundial é o vencedor de todas as guerras – ele é a última máfia de proteção sobrevivente. Isso não o torna especialmente perigoso? E o poderio físico de um governo mundial não será esmagador em comparação ao de qualquer um dos seus súditos individuais?”
Hoppe é sobremaneira idôneo no que toca a clarificação de questões intrincadas. Cri, em virtude disso, que não poderia reproduzir o seu argumento tão claramente quanto; por consequência, foi necessário citá-lo e pôr uma passagem relativamente extensa do seu livro mais magistral.
Sumariamente, se o homem é intrinsecamente malévolo, não seria, destarte, minimamente razoável demandar qualquer intervenção que advenha dele, tampouco os seus serviços de segurança, posto que, se, de fato, é malevolíssimo, interviria malevolamente e, decerto, usufruiria o seu monopólio da prestação de serviços de segurança unicamente com o fim de manter-se monopolista, cuja materialização é necessariamente inclusiva à repreensão violenta de indivíduos pacíficos e à privação coercitiva do uso dos meios de defesa mais profícuos, já que a livre comercialização de meios de defesa (armas) opera sempre desfavoravelmente à efetividade de qualquer entidade que monopolize legalmente a prestação de serviços protetivos (estado), uma vez que, na ausência de quaisquer restrições burocrático-legais à entrada de novos competidores mercadológicos nos âmbitos setoriais relativamente aos quais o estado descontenta amargamente os seus financiadores (tal como no tocante ao fornecimento de proteção, p. ex.), a oferta de serviços de segurança seria drasticamente amplificada, em decorrência do número crescente de ofertantes totalmente novos, o que naturalmente compeliria o estado a não só aumentar o valor qualitativo dos seus serviços protetivos a fim de tentar ao menos expandir as suas chances de manter-se financeiramente sustentável, mas, idem, a diminuir em termos relativos o preço dos seus serviços de policiamento, caso a oferta de serviços alternativos e mais producentes cresça muito apreciavelmente em relação à demanda, presumivelmente em função da remoção de barreiras burocráticas economicamente depreciativas ao capital em ócio e à inovação privada, o que operaria, evidencia-se, muito desfavoravelmente à maximização da arrecadação pública, posto que o governo, em condições puramente livre-mercadológicas, impreterivelmente teria de, por um lado, elevar o valor qualitativo dos seus serviços a um nível acima do que está os dos seus concorrentes, de maneira a angariar mais financiadores, e de, por outro, reduzir o preço dos seus serviços de modo a torná-los mais atrativos aos compradores potenciais. Isto posto, temos de constatar que o estado perderia poder inevitavelmente se não monopolizasse a alocação organizacional de recursos bélicos (defensivos) ou se não restringisse legalmente a entrada de ofertantes novos no âmbito setorial da proteção populacional, isto é, perderia poder se não limitasse coativamente a segurança dos seus governados. Por que, então, perante isso, deveríamos aceitar as razões daquele que propõe o monopólio estatal como forma única de protegermos as nossas propriedades, tendo, ainda, como premissa a noção do homem como um ser intrinsecamente malévolo?
Ora, se o homem é intrinsecamente malévolo, jamais será, então, aceitável esperar que dado homem proveja serviços de segurança eficientes, pois, se lhe concedêssemos uma posição política quase soberana, não estaríamos fazendo absolutamente nada além de elevar ao máximo a sua malevolência, já que à sua disposição estaria um aparato social através do qual poderia coagir indivíduos pacíficos autocraticamente com impunidade e arbitrar ao seu bel-prazer acerca do que vale como moral e do que vale como imoral. É, incontestadamente, portanto, utópica uma sociedade benévola submetida à regência de uma entidade composta por pessoas inerentemente malévolas. Por que, então, deveríamos aceitar as razões daquele que propõe concedermos ao estado, um ente composto inteiramente por homens, o poder de legislar via coerção a vida dos homens supostamente em virtude de estes serem malévolos?
Seria plausível, para a derrogação máxima de todas as injustiças possíveis, propor concedermos a um grupo, constituído por homens, seres tidos como intrinsecamente malévolos, o poder de coerção para que tal grupo corrija outros homens, tidos como ontologicamente homólogos aos que compõe o grupo em questão? Não!
O estado, em suma, não é desejável se os homens são naturalmente malévolos.
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Em conclusão, sendo os homens naturalmente malévolos, seria, no mínimo, muito menos utópica uma sociedade na qual os homens mandassem somente neles mesmos e não nos demais, quer dizer uma sociedade anárquica, uma vez que, em tal sociedade, o âmbito de atuação do homem seria reduzido maximamente, visto que os direitos naturais invioláveis alheios limitariam a sua ação, diminuindo consideravelmente, por conseguinte, o grau de malevolência que exerceria.
“Contudo”, muge com dor o estatista, “essa sociedade à qual tu se referes com pedantismo é essencialmente equitativa a uma sociedade democrática, na qual a malevolência humana é reduzida ao mero voto”. Ora, o estatista, evidentemente, continua a manter a premissa de que o homem é intrinsecamente malévolo e, por essa razão, defende a democracia, ou melhor, o seu deus democracia. Espero um dia, redigir um trabalho elucidando os seus defeitos e o quão antiético é o regime político que lhe concerne, entretanto, para os propósitos deste trabalho, é somente necessário esclarecer que a democracia absolutamente nada faz à redução da malevolência humana, porém, pelo contrário, opera favoravelmente à conjunção maior das índoles malévolas isoladas. Isto é, se o homem é, de fato, intrinsecamente malévolo, votará malevolamente elegendo, em consequência, indivíduos pertencentes à classe dos mais perniciosos e maquiavélicos.
Aliás, em contrapartida, é muito mais admissível arguir que a malevolência imanente do homem, num sistema democrático, motivará continuamente o mesmo a nutrir com amplidão as suas habilidades relativas à demagogia, à mentira e à enganação, de modo a torná-las perfeitamente empregáveis em disputas eleitorais e no convencimento ideológico das massas impetuosas. Ademais, estas, por serem constituídas, como presume o estatista, por pessoas intrinsecamente malévolas, sempre agirão malevolamente, visto que o todo nunca diferirá substantivamente das suas partes integrantes. À vista disso, concluo que é totalmente desambiguada a frase que um dia ouvi: “Os que defendem a democracia acabam por defender implicativamente a ilusão da inteligência coletiva resultante da conjunção das ignorâncias individuais”. Para os nossos fins, entretanto, podemos alterar os seus termos constitutivos de modo a formar outra com sentido quase equivalente: “Os que defendem a democracia acabam por defender implicativamente a ilusão da benevolência coletiva resultante da conjunção das malevolências individuais”.
Em vista das suas próprias contradições, o estatista argumentará apelativamente recorrendo aos jargões fraseológicos mais críveis ao senso comum. Dirá, muito provavelmente, que uma sociedade anárquica é utópica; que bandidos, nela, roubarão televisões diariamente; que o horizonte será quase por inteiro manchado por automóveis a ponto de explodir; que um homem traria sua filha da escola à casa mediante um tanque militar; que uma mulher estressada cessaria o congestionamento rodoviário que a retarda disparando mortalmente contra os carros mais paulatinos em trânsito por meio de sua bazuca caso estivesse insuportavelmente impaciente; que um pistoleiro invadiria impunemente a morada de uma viúva a fim de estuprá-la, matá-la em seguida e, por fim, assassinar suas proles; etc.; etc.
A qualidade do estatista que me soa mais admirável diz respeito à sua criatividade mor, pois creio que não é demasiado fácil conceber imaginativamente situações tão ilusórias quanto as postas acima.
Quando um liberal-clássico/libertário incorre num debate com um estatista, aquele quase sempre começa definindo o imposto da mesma forma que define o roubo, enquanto o último contrapõe ferrenhamente.
Entretanto, o estatista jamais poderá distorcer suficientemente a realidade de modo a velar o fato de que o estado é financiado por vias coercitivas ou o de que o indivíduo, se não pagar regularmente os tributos, será encarcerado e, se resistir ao encarceramento, será morto pela força policial estatal. O estatista deduzirá invariavelmente, no mais tardar, que imposto nada é senão extorsão governamental, mas tal dedução abalará implacavelmente a base sobre a qual fez repousar as suas crenças mais entranhadas. O estatista, desse modo, infere introspectivamente nada mais que o óbvio, que imposto é, por definição, roubo, todavia lhe é incomensuravelmente desconfortável rever-se ideologicamente de acordo com suas novas inferências; por conseguinte, decide priorizar a evasão, acabando por sentir-se compelido a, com a finalidade de não discutir frontalmente o que sempre lhe soou indiscutível, interpelar o libertário relativamente aos temas que, em geral, não podem ser tradados satisfatoriamente de forma não cansativa.
O estatista responde normalmente de forma negativa à asserção: “imposto é roubo”, visto que a mesma, quando vocalizada, o motiva a questionar o que sempre lhe soou absolutamente inquestionável.
Ora, o estatista sabe que se começar a conceber o imposto como o que é (roubo), terá de concluir, por coesão, que uma sociedade justa é necessariamente uma sociedade anárquica, já que é ausente de impostos (lesões governamentais à propriedade), o que o impelirá de modo inevitável a desmistificar intelectivamente praticamente tudo o que “aprendeu” acerca dos assuntos políticos, o que, com certeza, o incomodará e o traumatizará em demasia, talvez por compeli-lo a admitir melancolicamente que tudo o que havia antes sustentado em temáticas políticas pressupunha a iniciação de violência, i. e., a iniciação de violência governamental, mais especificamente.
O que “aprendeu”, afinal, o estatista? Aprendeu que uma economia sólida é aquela rispidamente controlada pelas sábias mãos intervencionistas dos parasitas políticos (porém, sem nunca entender o modo através do qual tais mãos interferem na economia); aprendeu que é obrigação do estado fornecer gratuitamente ao povo serviços educativos públicos (porém, sem nunca entender o modo através do qual tal obrigação é “forçada” ao referido estado); aprendeu que a democracia decorre da liberdade (porém, sem nunca entender o motivo de o cidadão ser coativamente obrigado a participar dela, inclusive, obrigado a sacrificar considerável parcela da sua liberdade em prol das políticas democráticas); aprendeu que o estado administra inteligentemente os seus ativos (porém, sem nunca ao menos tentar descobrir o guia pelo emprego do qual o estado se faz um administrador inteligente); etc. etc.
Em suma, o estatista “aprendeu” que uma sociedade justa é aquela que se faz segundo os comandos estatais (porém, sem nunca empregar os instrumentos racionais que o capacitam à descoberta da justiça enquanto tal – à descoberta do fato de que a missão comum e transcendental de todo e qualquer raciocínio relativo à justiça (ética) é a de prover ao homem um código de valores objetivamente derivável através da adesão do qual o mesmo pode atuar de maneira eticamente defensável, ou seja, não agressivamente à propriedade alheia e, obviamente, não é a de legitimar a perpetração das agressões pela legitimação do estado, visto que o objetivo fundante de todo e qualquer raciocínio relativo à ética jamais será outro além de o de abolir quaisquer formas de agressões (inclusivamente, as estatais)).
O estatista sabe que, se não mais se esforçar para evadir do fato de que imposto é roubo, será invariavelmente impelido a conceber o ideal de uma sociedade justa (eticamente justificável) como o de uma sociedade anárquica, contrariando, assim, tudo o que havia antes sustentado, posto que, se a ética tem, de facto, o dever de fornecer ao homem um código de valores racional cuja aderência o faz ser capaz de agir não agressivamente, mas pacificamente, consta-se, daí, então, que os que dizem desejar uma sociedade justa e eticamente defensável não podem aceitar congruentemente qualquer forma de roubo (lesão à propriedade), uma vez que a sua aceitação contrapõe diametralmente o que a ética tenciona (o término do roubo, i. e., o término das agressões). Logo, se aceitamos o fato de que o ato de taxar/tributar pertence substancialmente à classe dos atos agressivos (i. e., antiéticos), devemos, por coerência, deduzir que uma sociedade impecavelmente harmonizável aos preceitos éticos será a que for completamente ausente de todas as formas possíveis de agressão – i. e., completamente ausente, induz-se, de impostos (lesões governamentais à propriedade), anárquica.
À vista disso, absolutamente, nada tenho a concluir em exceção dos dois seguintes fatos: estado é quadrilha; e imposto é roubo!