As pedras viram pães: o milagre keynesiano

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[Ensaio original de março de 1948]stkeynes

A característica típica de todos os autores socialistas é a idéia de que há uma abundância plena dos meios, e que a
substituição do capitalismo pelo socialismo tornaria possível prover a todos “de acordo com suas necessidades”. Já outros autores querem criar esse paraíso através de uma reforma do sistema monetário e creditício. De acordo com eles, sempre está faltando mais dinheiro e mais crédito. Eles consideram que a taxa de juros é um fenômeno criado artificialmente pela escassez dos “meios de pagamento”, escassez essa também criada propositalmente pelo homem.

Em centenas, até mesmo milhares, de livros e panfletos eles calorosamente culpam os economistas “ortodoxos” por sua relutância em admitir que doutrinas inflacionistas e expansionistas são sólidas. Todos os malefícios, eles repetem insistentemente, são causados tanto por ensinamentos errôneos da “obscura ciência” que é a economia, como pelo “monopólio do crédito” desfrutado pelos banqueiros e usurários. Libertar o dinheiro dos grilhões do “restricionismo”, criar dinheiro livremente (o Freigeld, na terminologia de Silvio Gesell) e garantir crédito barato ou até mesmo gratuito: esse é o principal ponto da plataforma política deles.

Tais idéias têm apelo para a massa desinformada. E elas são muito populares para aqueles governos comprometidos com uma política de aumentar a quantidade de dinheiro em circulação e a quantidade de depósitos à vista sacados por meio de cheques. Entretanto, os governos inflacionistas e seus partidos ainda não estavam prontos para admitir abertamente seu apoio aos dogmas dos inflacionistas. Conquanto vários países tenham embarcado em políticas inflacionistas e de dinheiro fácil, os defensores literários do inflacionismo ainda eram menosprezados como “excêntricos”. Suas doutrinas não eram ensinadas nas universidades.

John Maynard Keynes, falecido conselheiro econômico do Governo Britânico, tornou-se o novo profeta do inflacionismo. A “Revolução Keynesiana” consistiu no fato de ele ter abertamente defendido as doutrinas de Silvio Gesell. Como o precursor dos gesellianos britânicos, Lord Keynes também adotou o jargão peculiarmente messiânico da literatura inflacionista e o introduziu em documentos oficiais. De acordo com o Paper of the British Experts, de 8 de abril de 1943, a expansão do crédito opera o “milagre . . . de transformar uma pedra em pão”. O autor desse documento era, é claro, Keynes. A Grã-Bretanha realmente viajou um longo caminho desde as concepções que Hume e Mill faziam do que seriam milagres até essa declaração.

II

Keynes debutou na cena política em 1920, com seu livro As conseqüências econômicas da paz. Ele tentou provar que as somas exigidas para reparações eram demasiado excessivas em relação ao que a Alemanha poderia de fato pagar e “transferir”. O sucesso do seu livro foi devastador. A máquina de propaganda dos nacionalistas alemães, já bem entrincheirada em cada país, dedicou-se arduamente a apresentar Keynes como o mais conspícuo economista do mundo, bem como o estadista mais sábio da Grã-Bretanha.

Entretanto seria um erro culpar Keynes pela política externa suicida que a Grã-Bretanha adotou no período entre guerras. Outras forças, principalmente a adoção da doutrina marxista do imperialismo e do “capitalismo belicoso”, foram de importância incomparavelmente maior durante o período do Apaziguamento. À exceção de um pequeno número de homens perspicazes, todos os bretões apoiaram a política que acabou tornando possível aos nazistas começarem a Segunda Guerra Mundial.

Um economista francês muito talentoso, Etienne Mantoux, analisou minuciosamente esse famoso livro de Keynes. O resultado desse cuidadoso e escrupuloso estudo foi devastador tanto para Keynes o economista e estatístico, bem como para Keynes o estadista. Os amigos de Keynes ficaram perplexos, tentando encontrar qualquer contestação substancial. O único argumento que seu amigo e biógrafo, o professor E. A. G. Robinson, conseguiu promover foi que essa poderosa acusação sobre a posição de Keynes veio “como se poderia esperar, de um francês”. (Economic Journal, Vol. LVII, p. 23.) Como se os efeitos desastrosos do Apaziguamento e do derrotismo não tivessem afetado também a Grã-Bretanha!

Etienne Mantoux, filho do famoso historiador Paul Mantoux, era o mais ilustre dos jovens economistas franceses. Ele já havia feito contribuições valiosas para a teoria econômica – dentre elas uma crítica aguçada daTeoria Geral de Keynes, publicada em 1937 na Revue d’Economic Politiqueantes de começar seu livro The Carthaginian Peace or the Economic Consequences of Mr. Keynes (Oxford University Press, 1946). Ele não viveu para ver seu livro publicado. Como oficial das forças armadas francesas, foi morto na ativa durante os últimos dias da guerra. Sua morte prematura foi um duro golpe para a França, que hoje está urgentemente necessitada de economistas sólidos e corajosos.

III

Seria também um erro culpar Keynes pelas falhas e erros das políticas econômicas e financeiras da Grã-Bretanha contemporânea. Quando ele começou a escrever, a Grã-Bretanha já havia abandonado o princípio do laissez-faire. Essa realização se deve a homens como Thomas Carlyle e John Ruskin, e, principalmente, aos fabianos[1]. Aqueles nascidos a partir da década de 1880 se tornaram meros imitadores da elite universitária e dos socialistas chiques do final do período vitoriano. Eles não eram críticos do sistema vigente, como seus predecessores o foram, mas, ao contrário, apologistas das políticas do governo e de grupos de interesse, políticas cuja inadequação, futilidade e perniciosidade se tornaram mais e mais evidente.

O professor Seymour E. Harris publicou um corpulento volume de ensaios feitos por vários acadêmicos e autores burocráticos. Esses ensaios tratam das doutrinas desenvolvidas por Keynes em sua obra A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, publicada em 1936. O título do volume é The New Economics, Keynes’ Influence on Theory and Public Policy (Alfred A. Knopf, Nova York, 1947). Se o keynesianismo faz jus à denominação de “nova economia”, ou se é apenas uma repetição das já refutadas falácias mercantilistas e dos silogismos de inúmeros autores que querem tornar todos mais ricos através da emissão de papel-moeda de curso forçado, não é o que importa. O que importa para uma doutrina é que ela seja sólida; ela não tem de ser necessariamente nova.

A coisa mais notável sobre esse simpósio é que ele nem sequer tenta refutar as embasadas objeções levantadas contra Keynes por economistas sérios. O editor parece incapaz de conceber que um homem honesto e não corrupto possa discordar de Keynes. Da maneira como ele vê, qualquer oposição a Keynes advém de “interesses obscuros de acadêmicos da velha teoria” e da “influência preponderante da imprensa, do rádio, dos financistas e da pesquisa subsidiada”. Aos seus olhos, os não-keynesianos são apenas um bando de bajuladores subornados, indignos de atenção. O professor Harris adota assim os métodos dos marxistas e dos nazistas, que preferiam difamar seus críticos e questionar seus motivos ao invés de refutar suas teses.

Algumas poucas contribuições foram escritas em uma linguagem honrada e se mostram reservadas, até mesmo críticas, em sua apreciação pelas façanhas de Keynes. Mas as outras contribuições são simplesmente irrupções ardorosamente entusiásticas. Assim, o professor Paul E. Samuelson nos diz que “ter nascido como economista antes de 1936 foi uma bênção, sim. Mas ter nascido muito antes disso, não!”. E então ele cita (o poeta inglês William) Wordsworth:

“Era sublime estar vivo naquela aurora, mas ser jovem era o próprio paraíso!”

(“Bliss was it in that dawn to be alive, but to be young was very heaven!”)

Descendo das alturas imponentes do Parnassus para o prosaico vale das ciências quantitativas, o professor Samuelson nos fornece informações exatas sobre a suscetibilidade de economistas ao evangelho keynesiano de 1936. Aqueles com menos de 35 anos compreenderam totalmente seu significado após algum tempo; aqueles além dos 50 se mostraram bem imunes, enquanto os economistas do grupo do meio se mostraram divididos. Após nos servir uma versão requentada da giovanezza de Mussolini, ele oferece mais daqueles desgastados slogans do fascismo, como, por exemplo, o keynesianismo ser a “onda do futuro”. Entretanto, a respeito desse ponto, um outro contribuidor, o sr. Paul M. Sweezy, discorda. Aos seus olhos, Keynes, corrompido que estava pelas “falhas do pensamento burguês”, ainda não é o salvador da humanidade, mas apenas o precursor cuja missão histórica é preparar a mente britânica para a aceitação do marxismo puro e tornar a Grã-Bretanha ideologicamente madura para o socialismo completo.

IV

Ao recorrer ao método das insinuações, tentando criar suspeitas sobre seus adversários ao referir-se a eles em termos ambíguos, e que permitem várias interpretações, as vivandeiras de Lord Keynes estão imitando os mesmos procedimentos de seu ídolo. Pois o método de Keynes, que muitas pessoas veneravelmente consideram “genialidade de estilo” e “maestria de linguagem” eram, na verdade, vulgares truques de retórica.

Ricardo, disse Keynes, “conquistou a Inglaterra tão completamente quanto a Inquisição conquistou a Espanha”. Isso é mais malicioso do que qualquer outra comparação imaginável. A Inquisição, auxiliada por verdugos e condestáveis armados, sobrepujou os espanhóis, colocando-os em completa submissão. Já as teorias de Ricardo foram aceitas como corretas pelos intelectuais britânicos sem que houvesse qualquer pressão ou compulsão exercida em favor delas. Mas ao comparar duas coisas totalmente diferentes, Keynes indiretamente sugere que houve algo vergonhoso no sucesso dos ensinamentos de Ricardo, e que aqueles que desaprovam tais ensinamentos são heróis nobres e corajosos defensores da liberdade, assim como o foram aqueles que lutaram contra os horrores da Inquisição.

O mais famoso insight de Keynes foi aquele que diz que: “Duas pirâmides, duas missas para os mortos, são duas vezes melhores do que apenas uma; mas o mesmo não é válido para duas ferrovias entre Londres e York.” É óbvio que esse gracejo, digno de alguma peça de Oscar Wilde ou Bernard Shaw, não prova de maneira alguma a tese de que cavar buracos no chão e usar a poupança para pagar pelo serviço “irá aumentar o estoque nacional real de bens e serviços úteis”. Porém, o truque coloca o adversário numa embaraçosa posição: ou ele deixa um pretenso argumento sem qualquer resposta ou emprega as ferramentas da lógica e do raciocínio discursivo contra essa sutileza sagaz.

Outro exemplo da técnica de Keynes pode ser visto em sua maliciosa descrição sobre a Conferência da Paz em Paris. Keynes discordou das idéias de [Georges] Clemenceau. Por isso, ele tentou ridicularizar seu adversário discorrendo detalhadamente sobre sua aparência e vestuário, que pelo jeito não se adequavam ao padrão determinado pelos estilistas de Londres. É difícil descobrir alguma conexão entre o problema das reparações alemãs e o fato de que as botas de Clemenceau “eram de couro preto e grosso, muito boas, mas de um estilo rural, e eram, curiosamente, atadas na frente por uma fivela ao invés de laços”. Após 15 milhões de humanos terem sido mortos na guerra, os estadistas mais proeminentes do mundo foram reunidos para dar à humanidade uma nova ordem internacional e uma paz duradoura . . . e o especialista em finanças do Império Britânico estava entretido pelo estilo rústico do calçado utilizado pelo Primeiro Ministro Francês.

Catorze anos depois houve uma outra conferência internacional. Desta vez Keynes não era um conselheiro subordinado, como em 1919, mas uma das figuras principais. Em relação a essa Conferência Econômica Mundial de Londres, em 1933, o professor Robinson observou: “Muitos economistas de todo o mundo irão se lembrar . . . da apresentação de 1933 em Covent Garden, em honra aos Representantes da Conferência Econômica Mundial, que em muito deveu sua concepção e organização a Maynard Keynes”.

Aqueles economistas que não faziam parte dos quadros de qualquer um dos lamentavelmente ineptos governos de 1933, e que portanto não eram Representantes e não estiveram presentes à encantadora noite de balé, irão se lembrar da Conferência de Londres por outras razões. Ela marcou a mais espetacular falha, na história dos assuntos internacionais, das políticas neo-mercantilistas que Keynes apoiava. Comparada a esse fiasco de 1933, aConferência de Paris em 1919 parece ter sido um grande sucesso. Mas Keynes pelo menos não publicou qualquer comentário sarcástico a respeito dos casacos, das botas e das luvas dos Representantes de 1933.

V

Conquanto Keynes tenha considerado “o peculiar e indevidamente negligenciado profeta Silvio Gesell” como um precursor, seus ensinamentos divergiam consideravelmente daqueles de Gesell. O que Keynes tomou emprestado tanto de Gesell como da miríade de outros pró-inflacionistas não foi o conteúdo de suas doutrinas, mas suas conclusões práticas e as táticas que utilizavam para solapar o prestígio de seus oponentes. Esses estratagemas são:

1. Todos os adversários, isto é, todos aqueles que não consideram a expansão do crédito como uma panacéia, devem ser universalmente amontoados e rotulados de ortodoxos. Fica subentendido que não há qualquer diferença entre eles.

2.  Assume-se que a evolução da ciência econômica culminou em Alfred Marshall e terminou ali. As revelações da moderna economia subjetivista devem ser desconsideradas.

3. Todo o esforço dos economistas, de David Hume até a atualidade, para esclarecer os resultados advindos de mudanças na quantidade de dinheiro e dos substitutos monetários deve ser simplesmente ignorado. Keynes nunca assumiu a impossível tarefa de refutar esses ensinamentos através do processo de argumentação e dedução lógica.

Em relação a tudo isso, os colaboradores do simpósio adotam a técnica de seu mestre. Suas críticas se destinam a um corpo de doutrinas criadas por suas próprias ilusões, e que não têm qualquer semelhança com as teorias expostas por economistas sérios. Eles ignoram silenciosamente tudo o que esses economistas já disseram sobre o inevitável resultado de uma expansão creditícia. Parece que eles nunca ouviram nada a respeito da teoria monetária dos ciclos econômicos.

Para uma avaliação correta do sucesso com que a Teoria Geral de Keynes foi acolhida nos círculos acadêmicos, é preciso considerar as condições prevalecentes nos cursos de economia das universidades durante o período entre guerras.

Dentre os homens que ocuparam as cátedras de economia nas décadas recentes, poucos eram de fato economistas genuínos, isto é, homens totalmente versados nas teorias desenvolvidas pela moderna economia subjetivista. No geral, as idéias dos velhos economistas clássicos, bem como aquelas dos economistas modernos, eram caricaturadas nos livros-textos e nas salas de aula; chamavam-nas de antiquadas, ortodoxas, reacionárias, burguesas ou economia de Wall Street. Os professores se vangloriavam de ter refutado de uma vez por todas as abstratas doutrinas da Escola de Manchester e o laissez-faire.

O antagonismo entre as duas escolas de pensamento tinha seu foco prático no tratamento dado ao problema dos sindicatos. Aqueles economistas menosprezados como ortodoxos ensinavam que um aumento permanente nos salários de todas as pessoas ansiosas por um salário só seria possível se houvesse um aumento na cota do capital investido per capita e, consequentemente, um aumento na produtividade da mão-de-obra. Se – por um decreto do governo ou por pressão sindical – o salário mínimo for fixado a um nível maior do que aquele que seria determinado por um mercado livre e desimpedido, o desemprego resultará como um permanente fenômeno de massa.

Praticamente todos os professores das universidades da moda atacaram severamente essa teoria. Da maneira como esses pretensos doutrinários “não-ortodoxos” interpretaram a história econômica dos últimos duzentos anos, o aumento sem precedentes havido nos salários reais e no padrão de vida foi causado pelo sindicalismo e pelas legislações trabalhistas dos governos. O sindicalismo era, na opinião deles, algo totalmente benéfico para os interesses reais de todos os assalariados e de toda a nação. Apenas aqueles apologistas ímprobos dos notoriamente injustos interesses dos insensíveis exploradores poderiam achar qualquer erro nos violentos atos sindicais, diziam eles. A principal preocupação de um governo popular, afirmavam, deveria ser encorajar os sindicatos o máximo possível e dar a eles toda a assistência necessária para que possam combater as conspirações dos empregadores e determinar os salários em níveis cada vez mais altos.

Mas tão logo os governos e as legislaturas investiram os sindicatos com todos os poderes de que precisavam para impor seu salário mínimo, as conseqüências surgidas foram aquelas que os economistas “ortodoxos” tinham previsto; o desemprego de uma parte considerável da mão-de-obra potencial foi prolongado ano após ano.

Os doutrinários “não-ortodoxos” ficaram perplexos. O único argumento que eles tinham apresentado contra a teoria “ortodoxa” era o apelo à sua própria interpretação falaciosa da experiência. Mas agora os eventos haviam se desenvolvido exatamente da maneira prevista pela “escola abstrata”. Assim, iniciou-se uma confusão entre os “não-ortodoxos”.

Foi nesse momento que Keynes publicou a sua Teoria Geral. Que alívio para os “progressistas” confusos! Agora, finalmente, eles tinham algo para opor à visão “ortodoxa”. A causa do desemprego não eram as políticas trabalhistas inadequadas, mas as deficiências do sistema monetário e de crédito. Nada mais de ficar preocupado com a insuficiência de poupança e com a acumulação de capital, tampouco com os déficits governamentais. Pelo contrário. A única maneira de acabar com o desemprego era aumentar a “demanda efetiva” através do gasto público financiado pela expansão do crédito e pela inflação.

As políticas recomendadas pela Teoria Geral eram exatamente aquelas que os “monetários excêntricos” haviam defendido há muito tempo, e que a maioria dos governos havia aplicado durante a depressão de 1929 e nos anos seguintes. Algumas pessoas acreditam que as escritas anteriores de Keynes tiveram um papel importante no processo de converter os governos mais poderosos do mundo às doutrinas de gastança imprudente, expansão creditícia e inflação. Essa é uma questão secundária que ainda pode permanecer indeterminada. Mas é inegável o fato de que os governos e as pessoas não esperaram a Teoria Geral surgir para embarcarem nessas políticas keynesianas – ou, mais acuradamente, políticas gesellianas.

VI

A Teoria Geral de Keynes, lançada em 1936, não inaugurou uma nova era de políticas econômicas; antes, ela marcou o fim de um período. As políticas que Keynes recomendava na época já estavam muito perto de gerar suas inevitáveis conseqüências, o que tornaria sua continuação impossível. Mesmo o mais fanático keynesiano não ousaria dizer que a atual aflição da Inglaterra é efeito de um excesso de poupança e de uma escassez de gastos. A essência das tão glorificadas políticas econômicas “progressivas” das últimas décadas era expropriar partes cada vez maiores das rendas mais altas e empregar os fundos assim adquiridos no financiamento do gasto público e em subsídios para membros dos mais poderosos grupos de interesse. Aos olhos dos “não-ortodoxos”, todo tipo de política keynesiana, por mais evidente que fosse sua inaptidão, era justificável como meio de trazer mais igualdade. Mas agora esse processo chegou ao fim. Com a atual carga tributária e os métodos aplicados no controle de preços, lucros e taxas de juros, o sistema se liquidou a si próprio. Mesmo o confisco de cada centavo ganho acima de 1.000 libras por ano não irá propiciar qualquer aumento perceptível nas receitas públicas da Grã-Bretanha. Os mais fanáticos fabianos não têm como negar que os fundos doravante recolhidos para o gasto público terão de ser retirados daquelas mesmas pessoas que supostamente devem se beneficiar dele. A Grã-Bretanha atingiu o limite tanto do expansionismo monetário como da gastança pública.

As condições atuais dos EUA não são essencialmente diferentes. A receita keynesiana de fazer os salários decolarem não mais funciona. A expansão do crédito, na escala sem precedentes orquestrada pelo New Deal, mascarou por um curto tempo as conseqüências negativas das políticas trabalhistas inadequadas. Durante esse intervalo de tempo, o governo e os líderes sindicais se vangloriaram dos “ganhos sociais” que garantiram ao “homem comum”. Mas agora as conseqüências inevitáveis do aumento na quantidade de dinheiro e depósitos à vista se tornaram visíveis; os preços não param de subir. O que está ocorrendo hoje nos EUA é o fracasso final do keynesianismo.

Não há dúvidas de que o público americano está se afastando dos slogans e das idéias keynesianas. O prestígio delas está definhando. Há apenas alguns anos os políticos estavam ingenuamente discutindo o tamanho da renda nacional em dólares, sem levar em conta as mudanças que a inflação provocada pelo governo havia trazido ao poder de compra do dólar. Demagogos especificavam o nível para o qual queriam levar a renda nacional (em termos de dólares). Hoje, essa forma de argumento deixou de ser popular. Finalmente o “homem comum” aprendeu que aumentar a quantidade de dólares não torna o país mais rico. O professor Harris ainda louva a administração Roosevelt por ter elevado nominalmente a renda. Mas tal consistência keynesiana é encontrada atualmente apenas nas salas de aula.

Ainda há professores que dizem a seus alunos que “uma economia não pode se erguer por seus próprios meios” e que “devemos gastar até chegar à prosperidade”.[2] Mas o milagre keynesiano não consegue se materializar; as pedras não viram pães. Os elogios dos autores versados que ajudaram na produção do presente volume meramente confirmam a declaração introdutória do editor, que diz que “Keynes era capaz de despertar em seus discípulos um fervor quase religioso por sua economia, o que poderia ser aproveitado de maneira até mesmo afetiva na disseminação da nova economia.” E o professor Harris vai além, e diz que “Keynes de fato tinha a Revelação”.

Não faz sentido argumentar com pessoas que são guiadas por “um fervor quase religioso” e que acreditam que seu mestre “tinha a Revelação”. Uma das tarefas da economia é analisar cuidadosamente cada um dos planos inflacionistas, tanto os de Keynes e Gesell como os de seus inumeráveis predecessores, de John Law até C. H. Douglas. Entretanto, ninguém deve esperar que qualquer argumento lógico ou qualquer experiência possa sequer sacudir o fervor quase religioso daqueles que acreditam na salvação através da gastança e da expansão creditícia.

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[1]”Fabianos” é o nome dado àqueles que seguiam os princípios e políticas socialistas da Fabian Society(Sociedade Fabiana), fundada em 1884 com o objetivo de introduzir o socialismo na Grã-Bretanha de forma lenta e sagaz. A sociedade ganhou esse nome em homenagem ao general romano Quintus Fabius Maximus (morto em203 a.C), um homem que evitava qualquer confrontação aberta e decisiva; ao invés disso, ele preferia fatigar seus oponentes com táticas procrastinadoras e cansativas, manobras enganadoras e assédios contínuos. Dentre os fabianos proeminentes estavam Sidney e Beatrice Webb (1859-1947, 1858-1943), Bernard Shaw (1856-1950) e Harold J. Laski (1893-1950)


[2] Cf. Lorie Tarshis, The Elements of Economics, New York 1947, p. 565.

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

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