O século XX foi marcado, especialmente depois da Teoria Geral do senhor Keynes, pelo intervencionismo estatal como pensamento dominante. Essa doença — a da crença de que o estado pode e deve solucionar os problemas das economias — manifestou-se de diversas formas, entre as quais o keynesianismo, o marxismo, oestruturalismo e outras variantes. Gerações de economistas foram e continuam sendo educadas nas cartilhas intervencionistas. O resultado disso tem sido catastrófico: causas acabaram transmutadas em efeitos, poupar virou vício e gastar ganhou status de virtude, focinhos de porcos terminaram confundidos com tomadas (embora diferentes das que a ABNT agora nos empurrou goela abaixo)…
Ontem (dia 2 de agosto) mesmo, em artigo no jornal O Globo, Paul Krugman — que se transformou em um globetrotter da economia keynesiana —, ao criticar o acordo de Obama com o Congresso para elevar o teto da dívida pública, defende que o governo dos Estados Unidos deveria aumentar mais os seus gastos. Para ele e para a maioria dos economistas e políticos, gastos públicos têm o poder extraordinário de transformar “pedras em pães“, mediante uma varinha mágica semelhante à de Harry Potter, chamada de “efeito multiplicador”.
Interrompi por instantes a continuação deste artigo para atender ao telefone. Era uma jornalista de um importante canal de TV a cabo, me convidando para comentar o novo pacote de “políticas industriais” que a equipe do sr. Mantega anunciou ontem. Delicadamente, declinei do convite, porque cheguei a um ponto em que a simples menção a esses tipos de políticas tem o poder de colocar meus nervos à flor da pele. O tal pacote, como sempre, é mais um feixe de joio inútil e minha entrevista se transformaria em uma sucessão de críticas que a maioria dos telespectadores sequer entenderia, já que a cultura intervencionista e a crença em “medidas”, “pacotes” e “planos” governamentais está enraizada na cabeça das pessoas…
Voltando ao tema do artigo, vou apresentar um resumo das três escolas de pensamento econômico que apareceram no século XX e que ousaram criticar a onda intervencionista desencadeada pelos ventoskeynesianos. As duas primeiras (o Monetarismo e seu desenvolvimento, a Escola de Expectativas Racionais) são posteriores a Keynes e podem ser colocadas dentro da “mainstream economics” e a terceira — a Escola Austríaca de Economia — é anterior e possui características bem distintas.
O Monetarismo
O principal nome do monetarismo é Milton Frieman (1912-2006), líder de um grupo de defensores do livre mercado na Universidade de Chicago. Podemos resumir o monetarismo em duas proposições básicas: (a) a instabilidade da oferta de moeda e (b) a estabilidade da demanda de moeda. Dessas premissas surge o giagnóstico; as flutuações cíclicas das economias podem ser atribuídas à instabilidade da oferta de moeda. Sendo assim, a terapia correta é que os bancos centrais devem atuar sempre no sentido de garantir uma taxa fixa de crescimento monetário (conhecida como a x-rule ).
Eis algumas das conclusões dos monetaristas:
1. Existe uma relação consistente, embora não precisa, entre crescimento na oferta monetária e crescimento na renda nominal.
2. Leva algum tempo até que o crescimento na oferta de moeda afete a renda.
3. Uma alteração na taxa de crescimento da oferta de moeda leva de 6 a 9 meses para afetar a taxa de crescimento da renda nominal.
4. Mudanças naquela taxa de crescimento afetam primeiro o produto real e só depois é que se refletem exclusivamente sobre o nível de preços.
5. Apenas transitoriamente é possível manter a economia acima de sua capacidade normal ou natural mediante políticas keynesianas de “sintonia fina” do lado da demanda. A insistência do governo em fazê-lo apenas fará com que a inflação se acelere.
6. “A inflação é sempre e em qualquer lugar um fenômeno monetário”.
7. O déficit público pode ou não ser inflacionário: o será se for financiado por expansão monetária, isto é, por aumentos no papel moeda e nos depósitos bancários.
8. A expansão monetária inicialmente reduz as taxas de juros, mas, na medida em que os gastos e os preços aumentam, a demanda de empréstimos crescerá, o que elevará no futuro as taxas de juros. Isto explica porque os monetaristas sempre insistiram na afirmativa de que a política monetária não deve ser guiada pelas taxas de juros.
9. Além disso, as variações de preços provocadas pela instabilidade da oferta de moeda acabam introduzindo discrepâncias entre as taxas de juros reais e as nominais, que terminam gerando distúrbios nos setores reais (produção) da economia.
Neste modelo, existe uma curva de oferta agregada para cada valor das expectativas de preços P* (ofertas agregadas de curto prazo) e uma curva de oferta agregada de longo prazo, definida como o conjunto de todos os pontos em que P* = P. Esta curva deve passar necessariamente por yn , que representa o nível “natural” ou “normal” de produto.
O equilíbrio de curto prazo se dá sempre que ocorre uma interseção entre uma curva de oferta agregada de curto prazo com uma curva de demanda agregada e o equilíbrio de longo prazo sempre que tal interseção se der sobre a curva de oferta agregada de longo prazo.
As políticas monetárias e fiscais expansionistas elevariam transitoriamente o produto para, digamos, y’, mas a revisão das expectativas de preços para cima, com o passar do tempo, deslocaria as curvas de oferta agregada (OA) para a esquerda, o que levaria a economia, inicialmente em A, para o ponto B e daí para o ponto C, em que o nível de produto seria o inicial (nível natural ou normal), mas o nível de preços seria maior.
Friedman e os monetaristas trabalhavam com a hipótese de que as expectativas são adaptativas, ou seja, de que, com o passar do tempo, os agentes econômicos percebiam os erros cometidos em suas avaliações e os corrigiam, até que, no “longo prazo”, eles fossem totalmente eliminados.
A política monetária não deveria ser usada para objetivos de pleno emprego, mas apenas para proporcionar a estabilidade de preços necessária para o crescimento sustentado da economia, que é considerado como uma questão essencialmente de oferta (e não de demanda, como no keynesianismo), de expansão da capacidade produtiva ao longo do tempo.
Uma expansão na oferta de moeda reduziria a taxa de juros no curto prazo (efeito Keynes), mas, com o decorrer do tempo, o aumento na renda por ele gerado iria aumentar a demanda por empréstimos e a demanda de moeda, o que elevaria a taxa de juros (efeito renda). Mais tarde, os preços subiriam, reduzindo assim a liquidez real e aumentando a taxa de juros (efeito liquidez) e, por fim, com o surgimento da expectativa de inflação, esta seria incorporada à taxa de juros nominal, provocando um aumento na taxa de juros real (efeito Fischer).
Em 1958, Phillips, de inspiração keynesiana, sugeriu, em estudo que se tornou famoso, que existiria um dilema de política econômica: quando os governos resolvessem combater a inflação, o desemprego aumentaria e quando resolvessem reduzir o desemprego, a inflação aumentaria. Até hoje, muitos economistas e economistas ainda acreditam nisso. E — pior — acreditam que o desemprego é a “cura” para a inflação, o que os leva a aceitar taxas de inflação elevadas. A própria presidente do Brasil não se cansa de afirmar coisas do tipo: “precisamos controlar a inflação, mas de modo que a economia continue a crescer”…
Para a Escola Monetarista, o trade off (dilema) entre inflação e desemprego só seria relevante no curto prazo, porque existe uma curva de Phillips para cada valor das expectativas de inflação P*: suponhamos que a economia esteja no ponto A, com uma taxa de inflação ¶ 0 e no seu nível natural de desemprego, u n, e que o Banco Central resolva executar uma forte política para derrubar a inflação.
No curto prazo, o efeito será aumentar a taxa de desemprego para u’, mas, caso as autoridades monetárias permaneçam firmes em seu propósito — e se o estado equilibrar as suas contas de forma permanente — a inflação esperada irá declinar, o que fará a curva de Phillips se deslocar para baixo, até ajustar-se à nova inflação ¶ 1. A economia iria, então, de A para B no curto prazo e de B para C quando as expectativas se ajustassem (P*= P1).
A Escola de Expectativas Racionais
A Escola de Expectativas Racionais baseia-se em três hipóteses bastante fortes: primeira, todos os agentes econômicos são otimizadores; segunda, não têm qualquer tipo de “money illusion”, isto é, tomam sempre as suas decisões com base em variáveis reais (e não em variáveis nominais) e terceira, suas expectativas são racionais (conceito formulado pela primeira vez por John Muth em 1961 e que se popularizou após a publicação de artigo assinado por Robert Lucas e Leonard Rappingem 1969 sobre salário real, emprego e inflação. De forma simples, as expectativas dos agentes econômicos são racionais quando, na média, os agentes acertam em suas expectativas.
Para essa escola, cujos principais economistas são Robert Lucas (foto acima), Neil Wallace, Leonard Rapping e Thomas Sargent, com base nessas três hipóteses, nem mesmo transitoriamente é possível para o governo manter a economia funcionando acima de sua capacidade natural mediante políticas de “sintonia fina” de natureza keynesiana, pois os agentes econômicos antecipam a inflação futura e a trazem para o presente. Uma das conclusões mais importantes dessa escola é a conhecida “proposição da invariância”, segundo a qual as políticas do governo não têm qualquer poder — mesmo no curto prazo — para afetar as variáveis reais da economia, tais como o produto, o emprego e os salários reais.
Apenas no caso em que as políticas do governo contiverem algum elemento de incerteza, não previsto, é que poderiam transitoriamente afetar os níveis de produto e de emprego.
A equação de oferta de Lucas pode ser expressa como yt = yn + b (Pt – t-1Pe t) , em que yt é o PIB no período t,yn é o nível normal ou natural do PIB, b representa um parâmetro, Pt é o nível de preços no período t e t-1Pe t é a expectativa quanto ao nível de preços no período t, formulada no final do período t – 1. Sendo assim,quando as expectativas estão certas (são racionais), o PIB será igual ao seu nível natural; se o nível esperado de preços for superior ao efetivo, o PIB será menor do que o natural e se o nível esperado de preços for inferior ao nível efetivo, o PIB será superior ao seu nível normal.
Para chegar a essa equação, Lucas partiu de um mundo microeconômico de diversas ilhas isoladas umas das outras e, mediante uma elegante construção teórica, passou da microeconomia para a macroeconomia.
No gráfico seguinte, se o governo expandisse a demanda agregada DA, através de políticas monetárias e/ou fiscais, partindo do ponto A, a economia iria imediatamente para o ponto B, sem qualquer aumento no produto, mas com preços mais elevados.
Uma conclusão interessante da Escola de Expectativas Racionais é que nível de preços hoje depende da política monetária de agora — que, obviamente, é conhecida — e da política monetária que se espera vir a ser executada no futuro, a qual, por sua vez, depende do déficit governamental de hoje e do déficit esperado para o futuro.
Portanto, pode haver situações em que, na presença de desequilíbrio crônico nas contas públicas, uma política monetária austera pode significar mais inflação no futuro, bastando, para isso, que as expectativas para o déficit público sejam no sentido de que ele vai se deteriorar. Não basta, para a Escola de Expectativas Racionais, olharmos para o que o Banco Central e as autoridades fiscais estão fazendo; é preciso que olhemos para o que achamos que ambos irão fazer no futuro. Isto revolucionou a macroeconomia moderna, a partir dos anos 70 do século passado.
Outra contribuição importante da Escola de Expectativas Racionais foi que ele mostrou que deve existir coordenação entre os regimes monetário e fiscal, para que o “jogo” da economia seja cooperativo. Quando não existe coordenação, por exemplo, quando o governo apresenta forte desequilíbrio em suas contas e o Banco Central resolve atacar a inflação, a taxa de juros necessária para que a inflação caia passa a ser muito maior do que seria caso as contas públicas apresentassem equilíbrio entre receitas e despesas.
A Escola das Escolhas Públicas (Public Choice)
Seu principal expoente é James Buchanan (1919, na foto), que publicou com Gordon Tullock, em 1962, The Calculus of Consent, a obra que estabeleceu a escolha pública como um ramo da economia.
No que estão baseadas as escolhas dos agentes políticos e das sociedades? Isto é o que tenta explicar a Teoria da Escolha Pública, assunto estudado em (bons) cursos de Ciências Sociais, Econômicas e Políticas, Direito e, também, na Administração. É um elemento importante para entender os processos eleitorais. No Brasil, infelizmente, essa escola é praticamente desconhecida e tratada até com certo desdém pelos doutores keynesianos. A rigor, só há um especialista no assunto em nosso país, o Prof. Jorge Vianna Monteiro, da PUC do Rio de Janeiro.
A escolha pública é um ramo da teoria econômica em que os conceitos da economia de mercado são aplicados à política e aos serviços públicos. Assim, a visão romântica de que o político é um servidor altruísta do interesse público em geral é substituída por uma abordagem mais realista. Em vez de conceder aos políticos um tratamento especial, a escolha pública os trata como meros agentes humanos que priorizam a busca do seu interesse próprio.
A Teoria da Escolha Pública tem como unidade básica a análise do indivíduo político e social através do método econômico. Sustenta que cada ator político toma decisões que vão ao encontro de seus interesses pessoais, o que geraria uma maximização da utilidade deste agente social. É a influência direta dos economistas nas políticas públicas estatais. Eles perceberam que com a passagem das monarquias absolutistas para monarquias ou repúblicas constitucionais os parlamentos passaram a ter certo controle sobre a ação dos Executivos.
Basicamente a teoria foi sendo fundamentada numa redefinição da problemática das finanças públicas. O principal não era mais a manutenção de uma corte, mas o estabelecimento de uma espécie de troca entre impostos pagos pelos cidadãos e os bens e serviços recebidos através das despesas públicas. Transferindo estas mudanças para a política, significou que a democracia não deve substituir a tirania de um rei ou oligarquia pela tirania da maioria, mas servir os interesses da coletividade e as preferências dos cidadãos em relação aos bens públicos.
Estudando as diferentes formas de democracia que iam surgindo, percebeu-se que a perspectiva da teoria da escolha pública é que as decisões políticas e econômicas dos governos estão sujeitas a um conjunto de poderes repartidos por diferentes agentes com funções diferentes no sistema político. Ou seja, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a própria administração pública, os partidos políticos e os grupos de interesse interferem na possibilidade e capacidade de implementar as políticas públicas. Ao mesmo tempo, os governos têm tempos de atuação limitados, tendo que se submeter à apreciação popular periodicamente, o que acaba influenciando as decisões tomadas.
Em suma, a teoria da escolha pública mostra que o indivíduo é peça fundamental. Que a escolha coletiva é resultado das preferências dos agentes envolvidos nesta escolha e das regras e procedimentos que permitem passar de preferências diversas de cada indivíduo para uma única escolha coletiva. Autores como o professor português José Manuel Moreira defendem que os indivíduos são instrumentalmente racionais, isto é, capazes de escolher ações apropriadas aos objetivos que pretendem alcançar.
Moreira diz ainda que se não há racionalidade há o egoísmo de sempre cuidar dos interesses pessoais. Daí a necessidade de definir regras, procedimentos e instituições que evitem os piores abusos de poder e outras tentações políticas.
Em outras palavras, os cidadãos precisam, de acordo com essa escola, conter o excesso de poder do estado mediante instituições adequadas.
A Escola Austríaca de Economia
Ao se falar da EAE os primeiros nomes que nos vêm à mente são, indubitavelmente, os de Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich August von Hayek 1899-1992), retratados na imagem abaixo.. Mas a tradição austríaca remonta aos pós-escolásticos ou escolásticos tardios e também a Richard Cantillon. O fundador da EAE é Carl Menger (1840-1921) e ela prosseguiu com Wieser, Böhm-Bawerk, Murray Rothbard e prossegue com Israel Kirzner, Hans-Hermann Hoppe, Roger Garrison, Joseph Salerno, Lew Rockwell, Mark Thornton, Tom Woods, Robert Murphy, Jörg Guido Hülsmann e outros, cujas obras mantêm viva a tradição mengeriana. No Brasil há poucos economistas que desenvolvem seus trabalhos na tradição austríaca, mas esse número vem crescendo graças, em boa parte, ao trabalho do Instituto Mises do Brasil. Além do autor deste artigo, temos os professores Fabio Barbieri (da USP de Ribeirão Preto) e Antony Mueller (da Universidade Federal de Aracaju), além de jovens como Fernando Ulrich e Domingos Crosseti Branda, além de diversos jovens recém-formados que pretendem aprofundar seus estudos no exterior na tradição da EAE.
Podemos resumir a EAE em um núcleo, formado por uma tríade básica — ação, tempo e conhecimento — e três elementos de propagação — a saber, o conceito de utilidade marginal, o subjetivismo e a definição de ordens espontâneas. Em meu novo livro, Ação, tempo e conhecimento: a Escola Austríaca de Economia (IMB, 2011) analiso esse núcleo e esses elementos de difusão e mostro como se estendem à Filosofia Política, à Epistemologia e à Economia.
Para efeitos deste modesto artigo, contudo, é suficiente esboçarmos alguns conceitos. A Escola Austríaca baseia-se na ideia filosófica de individualismo (em oposição ao conceito de coletivismo). Sua visão aristotélica/racionalista da economia diverge das teorias econômicas neoclássicas dominantes da mainstream, baseadas numa visão platônica/positivista da economia.
Considera o individualismo metodológico como única fonte válida para a determinação de teorias econômicas, ou seja, dada a complexidade e infinitos fatores que influenciam as decisões econômicas dos vários indivíduos numa sociedade, a única forma válida de explicar essas decisões é estudar quais os princípios fundamentais que regem todas as ações humanas.
À aplicação formal do individualismo metodológico dá-se o nome de praxeologia, que visa a definir leis econômicas válidas para qualquer ação humana, ou seja, a praxeologia preocupa-se em analisar quais os conceitos e implicações lógicas por detrás das preferências e escolhas dos indivíduos, considerando verdadeiras apenas as leis econômicas que são válidas até prova em contrário (por fatos reais), independentemente do tempo ou lugar em que se aplicam. É o falsificacionismo popperiano.
A praxeologia supõe o axioma de que o homem age sempre com a intenção de aumentar o seu conforto ou reduzir seu desconforto, respeitando sempre uma escala ordinal de necessidades que nem sempre são objetivas ou racionais.
Utilizando o mesmo axioma, conclui que um mercado livre da influência estatal é a forma mais eficiente de suprir as diversas necessidades que surgem numa sociedade, dada a incapacidade do estado em interpretar corretamente e suprir com eficiência as necessidades em constante mutação dos diferentes indivíduos que compõem a sociedade.
Características da EAE
(esta seção foi extraída, com algumas alterações, de O Processo de Mercado na Escola Austríaca Moderna,dissertação de mestrado de Fabio Barbieri, USP, São Paulo, 2001).
(a) Individualismo Metodológico: este preceito busca a explicação dos fenômenos econômicos na ação dos indivíduos, e não em entidades coletivas, como, por exemplo, faz o historicismo. Rejeita-se da mesma forma conceitos e agregados macroeconômicos que não sejam fundamentados na ação individual. A ação humana individual ao longo do tempo e sob condições de incerteza genuína é o ponto de partida para a Escola Austríaca.
(b) Subjetivismo Metodológico: o subjetivismo da EA não se limita às preferências do consumidor, mas parte da noção de ação humana baseada em planos individuais, que incorpora também as expectativas e o conhecimento geral dos agentes econômicos, como conjecturas empresariais. Os meios e fins dos planos individuais têm sua origem na mente dos agentes, são imaginados e definidos pelas pessoas. É um subjetivismo “epistêmico”: as expectativas, o conhecimento das preferências, dos bens e as conjecturas empresariais são conhecimento falível e conjectural, imaginados pelos agentes, não sendo “dados” de antemão ao economista. A relação entre o conhecimento individual e as realidades objetivas do mercado faz parte dos problemas estudados pela Escola Austríaca.
(c) Análise de Processo: os austríacos não centram sua análise nas propriedades de um estado de equilíbrio, mas sim no processo de trocas que levaria ou não a tal estado. Estuda a ação humana fora do equilíbrio. A análise de processo parte das conjecturas empresariais, cuja implementação leva a erros que surgem das ações baseadas em conhecimento sempre limitado e disperso e prossegue estudando os mecanismos de correção de erros. A Escola Austríaca estuda a ordem espontânea do mercado, que surge da interação de indivíduos que agem conforme seus planos independentes, baseados em conhecimento imperfeito e sujeito a mudanças inesperadas.
Os austríacos não utilizam a concepção newtoniana do tempo, mas o conceito de tempo real ou dinâmico de Henri Bergson. Para os austríacos, o mercado é um processo.
(d) Complexidade: A Escola Austríaca identifica na diversidade micro a causa fundamental de vários fenômenos econômicos. Suas teorias evitam utilizar agregados homogêneos, apontando em vez disso para as relações estruturais entre os elementos diferenciados de tais agregados: enfatiza-se a estrutura do capital em detrimento de sua quantidade total, os movimentos relativos nos preços são mais importantes do que o estudo do “nível de preços”, o conhecimento e expectativas variam conforme os agentes e o sistema de preços é visto como um complexo processo de adaptação a mudanças freqüentes e desconhecidas pelos agentes, formando uma ordem espontânea auto-organizável.
(e) Heurística Positiva: orientada por estes preceitos básicos, a Escola Austríaca desenvolve teorias nas seguintes direções: tornar os fenômenos inteligíveis em termos de ação humana proposital, em especial o estudo de planos individuais; traçar conseqüências não intencionais da ação humana; lidar com as conseqüências da passagem do tempo e da imperfeição do conhecimento, como o estudo da inconsistência de planos; desenvolver teorias sobre a aquisição de conhecimento por parte dos agentes; estabelecer as condições para se admitir a existência de uma tendência ao equilíbrio; estabelecer as condições em que ocorrem desequilíbrio, como na teoria de ciclos; construir teorias com relações estruturais entre seus elementos, que dêem conta da diversidade e complexidade do fenômeno estudado.
(f) Heurística Negativa: paralelamente a este programa positivo, os austríacos seguem regras negativas como: não construir teorias que estabeleçam relações causais entre agregados e médias, mas que careçam de base em ações humanas individuais; não construir teorias nas quais as ações humanas são completamente determinadas por situações externas, negando-se alguma autonomia à mente humana; não utilizar teorias que admitem conhecimento perfeito ou otimamente imperfeito; não desconsiderar diversidade individual dos agentes e o realismo das hipóteses (rejeita-se o instrumentalismo metodológico).
Comentários finais
Esboçamos as linhas principais das três escolas econômicas liberais que marcaram o século XX, um século em que prevaleceram idéias coletivistas e intervencionistas, em que o relativismo moral passou a dar as cartas e em que as chamadas “soluções políticas” prevaleceram sobre as soluções da economia de mercado.
Dentro desse quadro extremamente adverso, temos que louvar os economistas da Escola Monetarista e os chamados Novos Clássicos, bem como os da Public Choice e os que prosseguiram com a tradição austríaca iniciada por Carl Menger. Foram — e ainda são — verdadeiros heróis, semelhantes a dom Quixotes lutando contra os moinhos movidos pelos ventos do estatismo, do intervencionismo, do keynesianismo, da social-democracia e do socialismo. Quem trabalha como professor em uma universidade — pública ou privada — sabe muito bem do que estou falando. Em um departamento de Economia com, digamos, 30 professores, encontrar um ou dois monetaristas ou novos clássicos é muito difícil — porque quase todos são keynesianos ou marxistas (!) — e achar um seguidor da public choice ou um austríaco é praticamente impossível. Anima-nos, contudo, a receptividade que as idéias austríacas encontra entre muitos alunos interessados em alargar o seu leque de conhecimentos.
Todos sabem que há alguns anos passei a me considerar um economista austríaco e isso pressupõe que considero a Escola Austríaca superior à Monetarista e à da Escolha Pública, no sentido de explicar com mais propriedade a economia do mundo real, seja por sua metodologia mais apropriada para as ciências sociais, seja pelo fato de encarar os mercados como processos de permanentes descobertas, ou por ser a única que possui uma teoria do capital, dentre outras vantagens. Mas isto, neste artigo, não vem ao caso. Em um mundo marcado pela crença nas pajelanças do estado como indutor do “crescimento”, o que importa é que há economistas que nadam contra a maré, sejam eles monetaristas, seguidores de Buchanan ou austríacos.
Porque o inimigo é o mesmo: o estado. Nossa luta é para recolocá-lo em sua devida função, que é a de nos servir naqueles poucos setores em que sua presença pode ser aceita, e não a de servir-se de nós, cidadãos de bem e pagadores de tributos.
Palmas para Friedman, Buchanan, Mises e Hayek, então! E, para os dois últimos, palmas com bis…