Charles de Montalembert: um pilar católico do liberalismo clássico

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Entre as muitas figuras que contribuíram para o crescimento e refinamento do liberalismo clássico na Europa, poucas merecem mais atenção renovada do que Charles Forbes René de Montalembert (1810–1870). Nobre católico francês, publicista, parlamentar e intelectual, Montalembert esteve no centro da luta do século XIX para conciliar o catolicismo com a liberdade política em um momento em que tanto monarquistas reacionários quanto secularistas militantes reivindicavam a posse exclusiva do futuro da França. Sua vida e escritos oferecem uma visão de liberdade moral, pluralista e resistente às ambições centralizadoras do Estado moderno — exatamente o tipo de visão que Ralph Raico argumentava que deve permanecer no cerne de qualquer tradição liberal autêntica.

Nascido em uma família aristocrática exilada pela Revolução, Montalembert atingiu a maioridade durante a Restauração Bourbon e a Monarquia do início de julho. Recebeu uma educação clássica e católica, imersa nos escritos de Chateaubriand, Lamennais e outros pensadores que buscavam um caminho entre reação e revolução. A experiência de viver entre esses extremos moldou o cerne de suas crenças: que liberdade e religião não eram inimigas, mas aliadas naturais; que a descentralização era essencial para a liberdade política; e que o estado, quando sem controle, tendia ao despotismo espiritual e administrativo.

Membro da Câmara dos Pares a partir de 1831, Montalembert rapidamente se tornou uma das principais vozes do catolicismo liberal — um movimento que defendia a liberdade de imprensa, o autogoverno local, os limites constitucionais ao poder e a independência da Igreja contra manipulação política. Seus discursos e ensaios parlamentares defenderam consistentemente esses princípios, mesmo quando isso o colocava em conflito tanto com reacionários quanto com anticlericais.

No cerne da visão de mundo de Montalembert estava a convicção de que a dignidade humana, a consciência e a livre associação existem antes do estado. Isso significava que a liberdade política não era um presente a ser concedido pelos governantes, mas um reconhecimento de direitos naturais que podiam ser violados, mas nunca apagados. Ele acreditava que o papel do estado deveria ser estritamente limitado: “O estado não pode ser o guardião de todos”, alertou, “pois ao proteger tudo, ele destrói a liberdade de cada um.”

Vários temas centrais recorrem em sua obra: liberdade de educação e religião, especialmente contra a centralização estatista; a autonomia das instituições locais — municípios, paróquias, associações voluntárias — que ele via como as verdadeiras escolas da cidadania; oposição à uniformidade burocrática e à tendência dos governos modernos à vigilância e controle; e a base moral do liberalismo, que ele argumentava depender não do individualismo radical, mas do cultivo da virtude interna sociedade civil.

Nessas posições, Montalembert representa uma continuidade com liberais clássicos anteriores como Benjamin Constant e um precursor de liberais católicos posteriores como Lord Acton.

Uma das contribuições mais importantes de Ralph Raico para o estudo do liberalismo foi sua insistência de que a tradição não surgia apenas de fontes anglo-americanas ou seculares do Iluminismo. Em vez disso, como Raico escreveu em seus enormes ensaios sobre a centralidade do liberalismo francês e sobre o lugar da religião no liberalismo de Constant, Tocqueville e Acton, o liberalismo se inspirou em uma rica constelação transnacional de pensadores, incluindo intelectuais católicos e continentais que fundiram direitos individuais com respeito às instituições sociais orgânicas.

Raico entendeu que Montalembert e seus colegas católicos liberais avançaram uma das percepções mais essenciais do liberalismo: que a maior ameaça histórica à liberdade tem sido a autoridade política centralizada — seja monárquica, democrática ou burocrática. A defesa deles de corpos intermediários — igreja, família, corporações, municípios — não era um obstáculo à liberdade, mas a própria condição de sua existência.

Nesse sentido, Montalembert fornece um exemplo crucial do que Raico chamou de “tradição liberal mais antiga e rica” — uma tradição que valoriza a descentralização, a associação voluntária e a independência moral do estado.

Em uma era em que os governos modernos cada vez mais assumem responsabilidade pela educação, pela liberdade de expressão, moralidade e pela regulação de quase toda a vida social, os alertas de Montalembert parecem surpreendentemente premonitórios. A centralização administrativa que ele se opunha na França do século XIX é agora um fenômeno global, intensificado pela tecnologia, burocracia e absolutismo democrático. Sua insistência de que o estado é inerentemente tentado a invadir a sociedade civil ressoa fortemente em nosso tempo.

Da mesma forma, sua crença de que o liberalismo não pode perdurar sem instituições fortes e independentes fora do estado — instituições de caridade, comunidades religiosas, famílias, associações locais — oferece um corretivo necessário à caricatura estéril e individualista do liberalismo que domina grande parte do discurso contemporâneo. Sem esses órgãos mediadores, a liberdade torna-se vulnerável tanto à centralização política quanto cultural.

Por fim, a síntese de Montalembert entre filosofia moral católica e princípios políticos liberais permanece como uma das tentativas mais sofisticadas de defender a liberdade tanto em fundamentos espirituais quanto racionais. Em uma época marcada por polarização ideológica e renovada intervenção estatal, sua obra convida os leitores a redescobrir um liberalismo clássico que é humano, enraizado e resistente ao poder.

Se a tradição liberal clássica quiser permanecer vital no século XXI, ela deve recuperar figuras como Montalembert — pensadores que entendiam que a liberdade não é apenas um arranjo constitucional, mas uma ordem moral mantida por instituições independentes e uma cidadania vigilante. Como Ralph Raico ensinou, a luta pela liberdade é histórica e contínua. Em Charles de Montalembert, encontramos não apenas um campeão esquecido dessa luta, mas alguém cujos princípios merecem atenção renovada hoje.

 

 

 

 

Artigo original aqui

7 COMENTÁRIOS

  1. Esse Montalembert é um católico de IBGE. Lembrando que liberalismo é pecado. E por derivação o anarcocapitalismo, libertarianismo e outras mazelas.

    • Você nunca ouviu a longa e extensa resposta do Daniel Miorim do canal Alta Linguagem sobre a compatibilidade do catolicismo com anarcocapitalismo? Eles até tem um curso extenso sobre isso dentro da plataforma deles

      • O magistério da Igreja condenou o liberalismo. De modo que a questão está encerrada. Roma locuta, causa finita. Obviamente que estamos falando do plano sobrenatural, de modo que a Igreja considera essa doutrina prejudicial a salvação das almas. No entanto, considerando as circunstâncias atuais, é impossível um católico libertário ter que escolher entre Jesus Cristo e Herr Hoppe. Ainda que eventualmente tenha que fazê-lo no juízo particular.
        O canal Trad Talk, eu acho, já desmontou qualquer tentativa de conciliação entre libertários e católicos.

    • De fato, o liberalismo é uma heresia condenada pela Igreja, e o libertarianismo, enquanto filosofia moral, é uma continuação do liberalismo.

      Contudo, os libertários são hoje um dos grupos com a teoria econômica e política mais bem desenvolvida, removendo-se a ética liberal.

      Além de que, não há nada intrínsecamente liberal nas posições de Montalembert, pelo menos não que esteja contido neste artigo.

      Na verdade, são mais posições católicas do que liberais.

      Particularmente sou contra o uso do termo “liberal” para se referir a estes pensadores católicos do século XIX, mas entendo o uso por parte dos libertários, apesar de discordar.

      • Obrigado pelo comentário.

        “Montalembert rapidamente se tornou uma das principais vozes do catolicismo liberal — um movimento que defendia a liberdade de imprensa”

        A liberdade de imprensa é condenada pela Igreja Católica. Mas provavelmente no tempo do Montalembert, isso pudesse ser visto como uma coisa boa, no ambiente de católicos laicos.

        No passado eu acreditava ser possível conciliar a revelação divina com o austro-libertarianismo. Mas sendo um antropoteismo, os libertários colocam Murray Fucking Rothbard acima da Igreja. O que torna a filosofia política austro-libertária a única moral para o indivíduo, não é portanto, a sua teoria econômica superior a todas as outras, mas a sua rejeição contra o estado. E aqui, adicionando moderno, permite à um católico, mesmo estando em contradição Rom 13), apoiar o libertarianismo. Porque rejeitar o estado moderno ateu, materialista e satânico é belo e moral,

        • Vamos por partes.

          De fato, a liberdade de imprensa, e por consequência a de expressão, se tomada como absoluta, confronta a filosofia moral católica clássica, nisso estou de acordo. Segundo São Tomás e o magistério da Igreja, o erro não possui nenhum direito intrínseco, embora possa ser temporariamente admitido como um mal menor em relação à sua repressão direta em certos casos.

          Contudo, não sabemos ao certo de que modo e até que ponto Montalembert compreendia e defendia a liberdade de imprensa, se em um sentido liberal, como um direito irrestrito em relação ao conteúdo moral ou em um sentido católico, como uma liberdade de se dizer a verdade contra os poderes estabelecidos.

          Em relação a conciliação entre o libertarianismo e o catolicismo, de fato, moralmente não há possibilidade de relação, pois o libertário toma o sujeito cartesiano, o indivíduo liberal, como centro e medida de todas as coisas. Trata-se, portanto, de um moral imanente e desprovida de juízos intrínsecos de valor.

          Já a moral católica parte do homem enquanto ser criado, finito e teleológico, que deve buscar a virtude e viver conforme a lei natural inscrita por Deus.

          Contudo, e aqui está meu ponto principal, se depurarmos a filosofia política libertária de seu conteúdo moral, veremos que em muito ela se aproxima dos princípios católicos. Subsidiariedade, limitação do poder humano, negação da engenharia social, etc.

          Ainda, não nos esqueçamos que a Escola Austríaca atual deriva diretamente da Escolástica tardia em Salamanca, algo reconhecido até mesmo pelo próprio Murray Rothbard, tendo sido retomada no século XIX por outro Católico, Carl Menger em “Princípios de Economia Política”.

          Menger insere uma noção essencial para analisarmos as ciências sociais, o “Individualismo Metodológico”, que não deve ser confundido com o individualismo moral, ou seja, uma base sólida de análise baseada na lógica clássica aristotélico-tomista, que busca compreender os eventos através das relações de causa e efeito.

          Ou seja, tudo isso dentro de uma visão metafísica realista, de que a realidade existe independente da mente e pode ser compreendida pela razão ou como diria São Tomás “A adequação do intelecto à coisa”.

          Posteriormente, Mises e Rothbard irão desenvolver tal metodologia recorrendo a noção Kantiana de “Juízo sintético a priori”, apesar de que o próprio Kant não reconhecia tais relações causais entre a mente o mundo, ou entre o “nômeno” e o “fenômeno” como ele diz, dado sua noção de “Idealismo Transcendental”.

          Ou seja, mesmo a Escola Austríaca atual, sendo missessiana e rothbardiana, ainda opera dentro de uma visão metafísica realista, mais tomista do que kantiana.

          Em resumo, os libertários possuem uma das melhores teorias políticas e econômicas atualmente, pois essas são, em grande parte, empréstimos da filosofia e do pensamento católico.

          Depurada a distorção da moral cartesiana-liberal, temos muito o que aprender com eles, e devemos sim reconhecer suas contribuições, sendo a maior de todas elas a manutenção deste pensamento na modernidade.

          E sim, o estado moderno é satânico, e não somente isso como é também um produto do protestantismo luterano, e este, por sua vez, do judaísmo rabínico.

          Não à toa a maçonaria, que é o principal meio de ação do judaísmo internacional, tem estado por trás de todos os golpes, revoluções e agendas anticristãs no Ocidente, desde a Revolução Francesa em 1789, passando pelo movimento Bolchevique na Rússia czarista até a deposição da Família Real brasileira em 1889.

          Nossa única saída é retomarmos o princípios fundamentais da Cristandade carolíngia que governou a Europa por quase mil anos, atualizados pela filosofia política e econômica da Escola de Salamanca.

          Em resumo, é nosso dever construir a Nova Cristandade, o período que irá por fim e suceder a modernidade Iluminista-Liberal.

          • “se depurarmos a filosofia política libertária de seu conteúdo moral, veremos que em muito ela se aproxima dos princípios católicos.”

            Exatamente meu irmão! Veja que, quando um indivíduo se aproxima dos princípios da lei natural, ele é um libertário. Só que a Igreja Católica é a continuação lógica do direito natural, não outra coisa ou contra esses direitos. Na verdade, é a sua plenitude. Assim como Jesus Cristo Nosso Senhor disse: eu não vim para mudar a Lei, mas para dar-lhe pleno cumprimento.

            Muito bom seu comentário, concordo plenamente contigo.

            Salve Maria Santíssima. E viva Cristo Rei

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