Em um livre mercado, a ciência se origina na mente de cada cientista em particular, que estudou e pensou sobre os problemas que lhe interessam. Agindo desta maneira, esses cientistas podem, de tempos em tempos, chegar a novas descobertas, as quais eles desenvolvem em maior profundidade, sempre verificando os resultados. No decurso de seu trabalho e na disseminação dos resultados, eles frequentemente precisam de mais financiamento, os quais eles próprios podem obter. Nesse caso, inspirados pelo valor que veem em seu trabalho, eles recorrem a outros indivíduos para tentar obter os fundos necessários, persuadindo-os a compreender a essência do seu trabalho e do seu valor.
Em um livre mercado, a principal fonte de financiamento seriam empresários ricos e herdeiros abastados. Em um livre mercado, não haveria impostos sobre a renda e nem sobre a herança, pois ambos são uma violação da liberdade do indivíduo gastar sua própria riqueza como melhor lhe aprouver. E pelo fato de não haver impostos sobre a renda e sobre heranças, não haveria nenhuma necessidade de se criar fundações e entidades que servem como meios de se evitar esses impostos. Tampouco haveria a necessidade de se nomear gestores com o poder de determinar como seriam utilizados os fundos de uma determinada pessoa. Desta forma, haveria um maior número de empresários e herdeiros abastados, que exerceriam total controle sobre seus próprios fundos. E um empresário não teria de se preocupar com a possibilidade de entrar em conflito com alguma agência reguladora que pudesse utilizar seu poder coercivo para prejudicar seus negócios — como, por exemplo, em retaliação ao seu apoio a algum projeto de pesquisa que fosse impopular ou tido como indesejado pelo governo.
Indivíduos em posse de uma quantidade substancial de riqueza, e com o total poder de determinar como ela será utilizada, é algo de vital importância. Isso porque não somente as novas ideias se originam nas mentes de alguns poucos indivíduos — que necessariamente precisam começar do nada qualquer tentativa de mudar a mentalidade e as ideias do resto da humanidade —, mas também porque a mudança na mentalidade das pessoas — fenômeno esse que necessariamente precisa ocorrer como consequência do esforço — é algo que acontece em ritmo gradual, uma mente de cada vez.
Um indivíduo entender algo novo e significativo não é uma tarefa fácil ou automática, mesmo na melhor das circunstâncias. Pois para o descobridor original deve ser um tanto quanto desencorajador pensar que há uma verdade significativa que, até o momento, em todo o mundo e em toda a história do mundo, apenas ele compreende. Um indivíduo assim precisa ter um nível considerável de confiança no poder e na confiabilidade de sua mente. Galileu, Newton, Pasteur, Edison — todos os grandes inovadores da ciência necessariamente estiveram nessa posição.
As primeiras pessoas a serem persuadidas da verdade e da importância de uma nova descoberta, além do próprio descobridor, precisam também ter um nível considerável de confiança no poder e na confiabilidade de suas próprias mentes. Afinal, a situação delas é clara: apenas elas e o descobridor compreendem essa verdade e o valor dela. Ambos precisam estar preparados para prosseguir baseando-se unicamente em seu próprio e independente julgamento de que a descoberta é de fato verdadeira e valiosa.
Em relação a isto, deve-se notar que mesmo a maior evidência e clareza de uma verdade nunca é uma garantia de que ela será aceita por um indivíduo. Existem tantas pessoas tão inseguras da sua própria capacidade de julgar a verdade, tão receosas da possível necessidade de ter de defendê-la em uma confrontação com terceiros — os quais, espera-se, irão discordar —, que sua reação à mais extremamente óbvia porém ainda não amplamente reconhecida verdade é que ela, com efeito, provavelmente não dever ser verdade, pois se fosse, já seria amplamente reconhecida e aceita. Para tais pessoas, a capacidade de reconhecer a verdade se dissolve quando não há a certeza de que praticamente todo o mundo está preparado para confirmá-la como verdadeira.
Considere, por exemplo, como a esmagadora maioria das pessoas seguiu acreditando, século após século, que o mundo era plano. Certamente era assim que o mundo lhes parecia todas as vezes que olhavam para a enorme extensão de terra à sua frente. Mas algumas pessoas nesse período sabiam que o mundo era redondo e que sua aparente planura poderia facilmente ser conciliada com o fato de que ela era, na verdade, redonda.
A conclusão de que o mundo era redondo foi uma dedução óbvia retirada de fenômenos como o fato de que o topo dos mastros dos veleiros aparecia no horizonte antes do restante do mastro, que ia aparecendo aos poucos, sendo então seguido pelo aparecimento completo do mastro, e depois de todo o corpo dos veleiros, à medida que eles vinham se aproximando. Foi também uma dedução óbvia do fato de que, quando se olhava para o horizonte, era possível ver apenas até uma determinada distância, sendo que esse campo de visão não era o limite de extensão da terra, o qual era muito maior. A curvatura da terra era a óbvia explicação para ambos os casos.
Embora algumas pessoas compreendessem esse fato à época, a maioria das pessoas não foi persuadida por essa explicação durante muitos séculos. Elas eram essencialmente imunes a esse conhecimento. Se isso correu simplesmente por medo de um conflito com outros a quem elas teriam de dar explicações e sofrer resistência ou um possível escárnio, ou se era simplesmente uma questão de preguiça intelectual da parte delas, ou ambas as coisas, o fato essencial é que essa era uma verdade extremamente simples que a grande maioria da humanidade não foi persuadida a aceitar durante muito tempo. E mesmo hoje, quando virtualmente todo o mundo finalmente reconhece que a terra é redonda, isso provavelmente ocorre porque a grande proporção das pessoas que pensa assim, o faz simplesmente porque é nisso que elas sabem que a grande maioria das pessoas acredita — e, consequentemente, é nisso que elas acham que também devem acreditar.
Pessoas intelectualmente inertes e receosas continuam a ser extremamente numerosas. Elas podem ser encontradas em todos os níveis culturais e educacionais. A diferença entre pessoas com maior nível educacional e pessoas com menor nível educacional é que aquelas simplesmente sabem mais sobre o que a maioria das pessoas pensa e no que elas supostamente acreditam. Consequentemente, elas sabem que também devem acreditar no mesmo em que a maioria acredita. O conhecimento delas é como se fosse uma coleção de pesquisas de opinião pública. Muito pouco — para não dizer nenhum — de seu conhecimento ostensivo está solidamente edificado. Elas têm pouca ou nenhuma base para formar um julgamento independente sobre a verdade ou a falsidade de um novo conhecimento.
Tais pessoas são tão numerosas que, mesmo em grupos relativamente pequenos, uma ou mais delas podem ser encontradas. É exatamente esse fato que faz com que seja tão importante que o poder de tomar decisões esteja nas mãos de indivíduos, e não de grupos, comitês ou conselhos de qualquer tipo. Caso o poder de decisão estivesse nas mãos de grupos, comitês ou conselhos, a provável presença de tais pessoas e o reforço mútuo que cada uma daria à outra constituem um grande obstáculo ao surgimento e progresso de uma ideia nova.
O avanço da ciência depende da existência de um livre mercado, pois o fato de o livre mercado dar poder de decisão a indivíduos — e não a grupos — é o que faz com que aqueles que não possuem uma capacidade própria de julgamento sejam ignorados. Estes são relegados a atividades paralelas, nas quais podem usufruir todos os benefícios do progresso econômico e científico, porém sem atrapalhar o avanço.
Agora concentremo-nos na ciência sob a tutela do estado.
Controle estatal da ciência é a tentativa de se combinar opostos. Essencialmente, ciência é alma, espírito, consciência, intelecto, mente; já o estado é pura força física. A ciência avança por meio do assentimento da verdade feito voluntariamente pela mente individual humana. Em contraste, o estado — e tudo aquilo que o estado patrocina — só avança por meio da força física e da ameaça de força física. Não há uma única lei, regulamentação, decisão, ordem ou decreto feito pelo estado que não seja respaldado pela ameaça de força física para compelir obediência a ele. O estado não diz para o indivíduo “faça isso por uma questão de racionalidade, ou simplesmente não faça isso caso pense não ser algo racional. Independente de sua escolha, leve o tempo que quiser até finalmente mudar de ideia e reconhecer que estávamos certos desde o início.” Não. O que o estado na realidade diz é “faça isso ou não faça isso se você quiser ficar longe da cadeia e evitar ser ferido ou morto caso resolva resistir.”
Qualquer apoio financeiro que o estado propicie à ciência será por meio de impostos coletados sob a mira de uma arma, arrancado de pessoas que sabem que serão aprisionadas caso não paguem os impostos, e feridas ou mortas caso resistam à prisão. Trata-se realmente de uma fundação notável para o progresso da ciência, muito parecida com a pretensa construção de um laboratório por gorilas.
Portanto, o ponto de partida de uma ciência financiada pelo estado é o exato oposto do ponto de partida da ciência real: é a força física e não o assentimento voluntário da mente individual.
Há uma outra diferença importante em relação ao ponto de partida. A ciência se inicia na mente do indivíduo cientista que está à procura de uma verdade importante que ainda não foi anteriormente identificada. Já a ciência financiada pelo estado, em contraste, se inicia tipicamente com um já pré-estabelecido consenso em relação ao assunto a ser pesquisado. Isso porque a existência de um consenso aumenta a probabilidade de se conseguir apoio político para o projeto.
É claro que nem toda a ciência financiada pelo estado requer a existência de um consenso. Stalin não precisou de um consenso quando ele decidiu promover a carreira do biólogo Lysenko por causa do apoio deste à teoria daherança dos caracteres adquiridos.
O exemplo de Stalin e Lysenko joga luz sobre o tipo de busca científica que qualquer político ou funcionário do governo irá iniciar, caso tenha o poder para tal. Como a principal preocupação dessa gente sempre será a manutenção e o aumento do poder, os projetos que elas irão favorecer serão aqueles criados intencionalmente para aumentar seu poder e prestígio. Qualquer vínculo com uma verdade científica provavelmente será mera coincidência. Assim, no caso de Stalin e Lysenko, o objetivo não era a promoção da ciência biológica, mas sim dar apoio — tirado à força da ciência biológica — à doutrina marxista de que a vida sob um regime comunista poderia alterar a natureza humana em virtude de uma sucessão de gerações que iriam adquirir características que seriam então geneticamente transmissíveis para as gerações futuras.
Independente de se a ciência estatal vai depender de um consenso já existente ou se vai depender da iniciativa de um único político, em ambos os casos ela se difere radicalmente da ciência genuína em outro aspecto: a relação entre ciência e dinheiro. Em um livre mercado, é a veracidade e a importância da ciência que irão conduzir a angariação de fundos. Dinheiro é angariado com o intuito de facilitar o desenvolvimento e a disseminação da ciência. O dinheiro é o meio; a ciência é o fim. Com uma ciência financiada pelo estado, essa relação é completamente invertida.
O estado, com efeito, oferece fortunas na forma de “subvenções” para o estudo de assuntos escolhidos por políticos e seus nomeados; dado esse cenário, os cientistas irão escolher as áreas de investigação que tenham a maior probabilidade de garantir para si parte daquele dinheiro. Os “cientistas” se amontoam em volta do dinheiro das subvenções como abelhas em volta de um pote de mel, ávidos para conseguir uma fatia do butim. Para tanto, eles apresentam exatamente o tipo de proposta de pesquisa que creem irá melhor promover os ideais daqueles políticos que têm o poder de determina a concessão das subvenções.
O significado desse estado de coisas é que a iniciativa da ciência é transferida dos cientistas para o estado — isto é, para políticos e seus nomeados. E ao invés do dinheiro servir à ciência, é a ciência que agora serve ao dinheiro. E, deve ser enfatizado, não se trata de dinheiro comum, mas sim de dinheiro coletado sob a mira de uma arma, e disponibilizado sob condições determinadas exclusivamente por políticos e por seus apaniguados.
Em um livre mercado, obviamente, a ciência aplicada serve ao dinheiro. Se há empresas que querem desenvolver produtos específicos, elas irão empregar cientistas que ajudarão a desenvolvê-los. Mas como os fundos são angariados voluntariamente, a ciência aplicada precisa ser verdadeira, caso contrário os produtos não funcionarão. Também há empresas e indivíduos ricos que, em um livre mercado, poderão estar interessados na exploração de vários campos da ciência pura e que irão oferecer incentivos monetários para os cientistas desempenharem tais pesquisas. De novo, vale ressaltar que tal relação será, no mínimo, estritamente voluntária.
O crucial é que, em um livre mercado, há espaço para cientistas independentes, cientistas que tomam iniciativa por conta própria e que, graças principalmente à existência de uma quantidade substancial de empresários ricos e herdeiros abonados, têm a chance real de obter os fundos de que necessitam para realizar seu trabalho e disseminar seus resultados. Com efeito, em um livre mercado, sem impostos sobre a renda, é bem possível que haja um significativo apoio financeiro para a ciência independente oriundo inclusive da classe média.
A ciência financiada pelo estado surge em grande escala em um ambiente em que as bases da genuína ciência pura já estão amplamente solapadas pela existência de impostos progressivos sobre a renda e sobre heranças, e por uma concomitante coletivização até mesmo das decisões privadas: a saber, a substituição do ato de decisão individual pela decisão tomada por grupos de vários tipos, particularmente conselhos e comitês.
Tão logo o financiamento estatal da ciência torne-se uma realidade, as chances de que isso promova grandes avanços na ciência são mínimas. Um grande avanço na ciência representa o surgimento de algo radicalmente novo e diferente. Mas por mais verdadeiro que seja esse algo novo e diferente, sua veracidade ainda não possui partidários. E exatamente por essa razão, é praticamente certo que ele seja rejeitado por aqueles cujo único critério de veracidade é a aceitação de terceiros. É claro que esse algo novo ainda não pode ter essa aceitação justamente pelo fato de ser uma novidade. Se for para ser aceito, isso terá de acontecer com base em critérios independentes de julgamento, e nada mais. Porém, o exercício da independência de julgamento necessita virtualmente que haja uma riqueza independente para financiá-la. Uma riqueza independente — isto é, que seja propriedade privada — pode ser utilizada para dar suporte a tudo que é radicalmente novo e diferente. Nesse caso, se o julgamento estiver errado, o prejuízo será unicamente da pessoa que o fez. Porém, quando a riqueza que está sendo utilizada é “pública”, então quem quer que esteja fazendo o julgamento sobre como utilizá-la, deve acima de tudo ter a certeza de que pode provar que não fez absolutamente nada fora do comum com ela. Somente dessa maneira poderá ele não ser responsabilizado por qualquer perda.
A ciência financiada pelo estado é necessariamente um atoleiro de mediocridade. É o âmbito dos jornais acadêmicos e dos estudos estatísticos. Nos jornais acadêmicos, em que há revisão por pares, nada é considerado digno de publicação a menos que assim seja considerado pelos “pares”. O que isso significa é que, para que uma nova e radical ideia seja aceita para publicação, ela deve imediatamente ganhar o apoio daqueles cujas ideias ironicamente agora ficaram obsoletas e antagônicas em decorrência da descoberta dessa nova ideia. Se estes não apoiarem, então essa nova ideia não será publicada.
Tal arranjo é o equivalente a exigir que Galileu só possa publicar suas descobertas após suas ideias terem sido endossadas pelos mesmos astrônomos que, até aquele momento, eram seguidores fieis do sistema ptolemaico de astronomia. É o equivalente a exigir que Louis Pasteur só possa publicar sobre a teoria germinal das enfermidades infecciosas após sua ideias terem o assentimento daqueles que negam a própria existência dos germes.
A ciência financiada pelo estado tem enorme semelhança com os estudos estatísticos. Isso porque ambos podem ser adaptados para se ajustar a critérios facilmente especificados em relação a questões como tamanho da amostra, intervalos de confiança e níveis de confiança. Ambos são, portanto, uma ótima maneira de se manter empregados um grande número de “cientistas” cuja função é tentar estabelecer ou negar a probabilidade de existir uma relação entre praticamente quaisquer duas coisas no universo. Desde que o “cientista” possa comprovar que seguiu as regras de tal estudo, ele pode ter a certeza de que conseguirá manter sua subvenção estatal; mais ainda, de que irá participar do próximo “estudo” e da próxima subvenção estatal.
Cientistas sérios estão preocupados com a busca da verdade científica, e não com a politicagem por trás da ciência. É improvável que eles estejam interessados nesse jogo. Esse jogo interessa exatamente aos tipos opostos de “cientistas” — a saber, aqueles para quem é a política da ciência que conta, e não a verdadeira substância da ciência. Esses são os tipos que realmente gostam de ser membros de comitês. E são essas pessoas, vários degraus abaixo na hierarquia burocrática, que hoje comandam o destino da ciência.
A ciência financiada pelo estado é a destruidora da ciência. Se quisermos que a ciência sobreviva, o financiamento estatal da ciência deve acabar.