Como o estado deforma a ética e introduz dois parâmetros de moralidade

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éticaA velha lei cristã que nos ensina a tratar com respeito, cortesia e amabilidade as pessoas é uma regra irredutível de conduta individual, uma regra que não possui flexibilidade ou brechas que permitam interpretações deturpadas.  Trata-se de um axioma básico para que toda a cooperação social e coexistência humana seja pacífica e produtiva.  Com efeito, trata-se de um alicerce indispensável para toda e qualquer civilização que queira prosperar.

No entanto, é inegável que estejamos, de maneira inconsciente e gradativa, solapando a rigidez deste alicerce.  E tal procedimento já vem ocorrendo há várias décadas, de modo que aquele outrora robusto alicerce hoje se tornou apenas um pequeno toco não mais capaz de sustentar com vigor as relações inter-humanas e a toda a vida social.

É verdade que a lei do amor ao próximo ainda fundamenta grande parte de nossas relações individuais diretas.  Dentro de nossas famílias, praticamos — ou ao menos nos esforçamos para praticar — este mandamento.  Em nossas relações diretas com nossos parentes próximos e até mesmo com nossos vizinhos, nos esforçamos para não infligir nenhum dano sobre eles e suas famílias.  Uma relação amistosa e cordial ainda é algo mais frequente do que uma relação maliciosa e destrutiva.  Em todas as nossas interações sociais, sejam elas associações econômicas ou quaisquer outras relações casuais, basicamente respeitamos os direitos e a liberdade de nosso semelhante.

Mas tudo isso se altera quando entra em cena o estado.  Ou, colocando de outra forma, tudo isso se altera quando vemos no estado uma ferramenta legítima para a imposição e a consecução de nossas demandas.  Com o estado, somos indivíduos transfigurados.  Somos outros.  Com este organismo político, não há espaço para a lei do amor ao próximo; não há espaço para a cortesia, para o respeito e para a amabilidade.  Quando agimos utilizando o estado para atender às nossas demandas políticas, agimos de uma maneira que um indivíduo minimamente escrupuloso jamais sonharia em agir em suas relações inter-humanas diretas.  Não há espaço para a cortesia e para o respeito ao próximo quando fazemos do estado o sistema canalizador de nossas demandas.

Considere os seguintes exemplos.

Como indivíduos, não pensamos em extrair, por meio da violência ou da ameaça de violência, nenhuma fatia da riqueza ou da renda do nosso vizinho.  Porém, em nossa vida política, estranhamente passamos a nos sentir livres e moralmente desimpedidos para 1) extrair boa parte de sua renda por meio de altas alíquotas de impostos e 2) controlar sua riqueza — e a maneira como ele a investe — por meio de uma multiplicidade de regulamentações econômicas.

Como pais, não pensamos em coagir nosso vizinho para que ele contribua para a educação de nossos filhos.  Porém, como membros de um organismo político, recorremos à tributação com o intuito de coagi-lo a financiar a educação de nossos filhos, de modo que eles tenham “educação pública, gratuita e de qualidade”.  De quebra, isso faz com que nos sintamos “liberados” das nossas obrigações morais e pessoais para com nossos próprios filhos.  Alguém que quisesse propositalmente criar uma sociedade de pais indolentes e negligentes dificilmente teria uma ideia melhor.

Como seres humanos, não pensamos em surrupiar nosso vizinho de toda a sua poupança e aposentadoria.  Porém, como seres políticos, defendemos que o valor delas seja brutalmente reduzido por políticas governamentais de inflação monetária, de crédito fácil e de empréstimos subsidiados para pessoas e empresas de que gostamos.  Como indivíduos, não pensamos em encarecer artificialmente aqueles produtos que nosso vizinho mais pobre consegue comprar.  Como membros do corpo político, consideramos perfeitamente normal obrigá-lo a pagar mais caro por meio de políticas governamentais de desvalorização cambial e de imposição de tarifas de importação, as quais visam a proteger aquelas empresas ineficientes pelas quais temos alguma preferência.

Como pessoas caridosas, jamais pensaríamos em atacar a herança de uma viúva e de seus órfãos, e jamais pensaríamos em coagi-los para que eles nos colocassem como co-herdeiros.  Como membros do corpo político, podemos obrigá-los a repassar metade de sua herança para nós.

Como indivíduos empreendedores, não cogitamos obrigar nossos concidadãos que vivem em outras partes do país a nos auxiliar em nossos empreendimentos locais; como participantes do sistema político, obrigamo-los a nos ajudar a alcançar nossos objetivos econômicos por meio de subsídios, repasses obrigatórios e outras contribuições governamentais.

Dois parâmetros distintos de moralidade

Se homens malvados e violentos passassem a assediar nosso vizinho com o intuito de extorquir uma parte de (ou toda a) sua renda, ou simplesmente se pusessem a oprimi-lo de alguma forma, nós corajosamente sairíamos em sua defesa.  Se ele porventura ferisse ou até mesmo matasse um de seus agressores, iríamos absolvê-lo de qualquer acusação criminosa por ter agido em legítima defesa.

No entanto, se este mesmo vizinho, por ter se recusado a ter seus bens confiscados pelo estado por não ter pagado devidamente seus impostos, viesse a ferir ou até mesmo a assassinar em legítima defesa um “representante do estado” que foi à sua propriedade para confiscá-la, iríamos condená-lo por ter se recusado a abrir mão de parte de sua riqueza e por consequentemente ter privado o governo de utilizá-la para financiar aqueles programas de que gostamos.  E com toda a nossa fúria e desejo de vingança, defenderíamos que ele fosse jogado em uma penitenciária e por lá ficasse “por um bom tempo”.

Utilizamos dois padrões distintos de moralidade para mensurar nossos feitos e atitudes.  Somos rápidos e severos para condenar os delitos que nosso vizinho comete.  Mas somos incapazes de julgar com a mesma severidade nossas próprias ações quando estas são efetuadas por meio do sistema político.

Condenamos um vizinho quando este comete fraude, roubo, esbulho, usurpação, sequestro ou assassinato contra nossos semelhantes.  No entanto, somos incapazes de fazermos um auto-julgamento quando defendemos que o governo confisque a riqueza alheia por meio de impostos, sequestre aqueles indivíduos que não “pagaram devidamente” esses impostos, assassine aqueles indivíduos que oferecerem resistência a este sequestro, reduza a poupança e o poder de compra da população por meio da impressão de dinheiro (falsificação), estatize ou assuma forçosamente o controle majoritário de empresas privadas, e usurpe por meio de regulamentações e burocracias o direito de indivíduos exercerem atividades econômicas que concorram com as empresas favoritas do governo.

Duas almas em nosso peito

Condenamos um indivíduo por desconsiderar suas promessas, seus acordos e seus contratos, e nos esforçamos para fazê-lo cumprir suas obrigações contratuais por meio de ações judiciais e de outros meios legais ao nosso dispor.  Mas prontamente condescendemos com práticas governamentais que desprezam promessas e até mesmo os mais básicos mandamentos éticos.  Podemos até mesmo chegar ao cúmulo de nos simpatizarmos com políticas explicitamente ilegais e condenar aqueles que são prejudicados por elas e que agiram em legítima defesa para se proteger.

A realidade é que temos duas almas em nosso peito: uma que procura fazer o que é moral e eticamente certo, e outra que renega a própria existência de padrões morais e éticos.  A humanidade já pagou, está pagando e ainda irá pagar um enorme preço por ter rejeitado os mais básicos princípios cristãos do respeito, da cortesia e do amor ao próximo na esfera da ação política, a qual só faz crescer.  O preço foi, é e será pago na forma de escravidão, guerras e crescentes tensões sociais.

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