Atualmente existe quase um consenso entre os banqueiros centrais de que a deflação deve ser evitada a todo custo.
No entanto, quando um indivíduo aleatoriamente escolhido é perguntado se prefere os preços mais altos ou mais baixos para as coisas que compra, certamente responderá que os preços baixos são preferíveis.
Então, como é que deflação de preços não é um objetivo proclamado da política monetária? Por que as autoridades monetárias anunciam “metas de inflação” em vez de oferecerem a opção em favor de preços mais baixos? Por que não temos uma deflação de preços, mas quase permanentemente temos inflação dos preços?
Deflação bondosa
Quando falamos de uma queda geral do nível de preços, por questão de clareza, devemos chamar isso de “deflação de preços” e não apenas “deflação”. Inflação e deflação como termos devem ser limitados ao estoque de dinheiro. Nessa perspectiva, estabilidade monetária significaria um estoque monetário mais ou menos constante. Essa constância do estoque monetário aconteceu quando a grande parte do mundo estava no padrão-ouro durante a grande parte do século XIX até o começo da I Guerra Mundial, em 1914.
Esse mesmo período era também a fase quando Europa, América do Norte e várias outras partes do mundo experimentavam a sua decolagem no caminho do crescimento econômico. Esse período se caracterizou por uma queda prolongada dos preços. Essa deflação bondosa não veio abruptamente, mas aconteceu lentamente e com moderação. Essa deflação de preços foi impulsionada pelo avanço passo a passo do progresso tecnológico. Dado um estoque de dinheiro relativamente constante, os bens e serviços se tornavam cada vez mais baratos e, mesmo sem um aumento da taxa de salário nominal, os trabalhadores se tornaram mais prósperos por causa da subida dos salários reais. Podemos, de fato, chamar esse período o período da “deflação bondosa”.
Uma forma de deflação bondosa acontece ainda hoje, mas somente em certos setores da economia. O regime da política monetária moderna do inflacionismo faz com que a deflação bondosa esteja bem limitada e somente aconteça, hoje em dia, em setores específicos da economia como, principalmente, certas áreas de tecnologia.
Assim, surgem a perguntas: por que não há mais setores com deflação bondosa? Por que não experimentamos em grande estilo os benefícios da redução do nível de preços e, assim, um aumento do nosso poder de compra? Por que estamos sofrendo uma contínua erosão do poder de compra do nosso dinheiro?
Senhoriagem
A resposta a essas perguntas na verdade é relativamente fácil de encontrar. O fato de que vivemos em um mundo inflacionário é porque os governos se beneficiam comodamente da inflação. Ou seja, o governo é o ator principal que pode se beneficiar de um aumento constante da oferta de moeda porque é o criador principal da moeda. O governo tem soberania sobre a moeda e são os bancos centrais que controlam a origem da expansão monetária e, como tal, o governo está na fonte para ganhar o que os economistas chamam de senhoriagem — receitas oriundas da própria expansão monetária.
Os governos com suas agências monetárias e junto com seus aliados no setor financeiro têm medo da deflação de preços. Já com um estoque monetário relativamente constante, eles perdem o privilégio da senhoriagem. Isso significa que o governo perderia uma importante fonte de receitas fiscais — um tipo de tributo que é largamente oculto para a pessoa que paga. Assim, outra definição de senhoriagem seria imposto inflacionário, um imposto secreto que, pior ainda, tem um grande impacto sobre a distribuição da riqueza de baixo para acima.
A meta declarada da política monetária de hoje é a política de “metas de inflação“, a mais recente moda na longa série dos muitos modismos dos bancos centrais do mundo.
Oficialmente implantada para promover uma inflação baixa, a política de metas de inflação é, na verdade, acarinhada pelos governos e bancos centrais porque promete garantir um fluxo contínuo de imposto inflacionário. Os governos sabem que deflação de preços como também inflação excessiva ou, ainda pior, a hiperinflação, provocariam a eliminação da senhoriagem.
O que é praticamente esquecido nos dias de hoje é que a política monetária de metas de inflação não é algo novo. Na verdade, a política de metas de inflação foi praticada pelo banco central americano durante os anos 1920, levando diretamente à Grande Depressão dos anos 30 do século passado.
Concentrando-se na estabilidade do “nível de preços”, as autoridades monetárias americanas se sentiam plenamente convencidas de que sua política monetária estava no caminho certo porque o índice de preços durante dos anos 1920 ficou bastante estável e a taxa de inflação ficou baixa. As autoridades monetárias do banco central americano não se davam conta de que a existência de um nível de preço estável não garante evitar a inflação monetária, ou seja, uma expansão do estoque de moeda.
A armadilha da inflação controlada
A política monetária de “metas de inflação” funcionou. O banco central dos Estados Unidos, fundado em 1913, conseguiu manter um nível de preços bastante estável durante os anos 1920. Mas essa política liderou a economia americana e a grande parte do resto do mundo no caminho para a Grande Depressão. O que aconteceu?
Ao se concentrar exclusivamente no “nível de preços” — um conceito que foi promovido entusiasticamente pelo influente economista Irving Fisher (1867-1947) apesar das críticas maciças dos economistas e notavelmente dos economistas da Escola Austríaca —, o banco central dos EUA não levou em conta o enorme progresso tecnológico que estava acontecendo nos anos 1920.
No passado, sob o regime do padrão-ouro, com um estoque de moeda relativamente constante, o nível de preços teria caído. Isso teria exercido pressões sobre a taxa real de juros e a sua subida teria restringido a expansão do crédito. Mas concentrando-se no “nível de preços”, como Fisher ensinou, as autoridades monetárias se sentiam livres para deixar a massa monetária crescer. Isto foi possível porque no começo dos anos 1920, o regime de padrão-ouro original foi substituído pelo sistema de padrão ouro-câmbio.
Ao manter a taxa de juros muito baixa e deixar a quantidade de dinheiro crescer muito fortemente, o banco central dos EUA fez a economia americana se expandir muito. As autoridades monetárias não conseguiam ver o desastre iminente, porque, seguindo o modelo de Irving Fisher de política monetária, tinham apenas que se preocupar com o “nível de preços”, e enquanto esse “nível de preços” se mantivesse relativamente estável, eles sentiam que não havia necessidade de preocupação.
Com essa política monetária, o banco central americano produziu um mega boom econômico. Este boomgigante entrou na história conhecido como os “Loucos Anos Vinte”. A bolha acabou com o advento da Grande Depressão.
Deflação ruinosa
Ao impedir que “a deflação bondosa” seguisse seu caminho natural, os banqueiros centrais provocavam uma aparente “deflação ruinosa”. Uma deflação ruinosa não é causada pelo movimento lento da difusão do progresso tecnológico, mas acontece de forma abrupta e desastrosa com um colapso do sistema monetário e financeiro. Quando isso acontece e o nível de preços cai abruptamente, as taxas de juros reais saltam e paralisam a vida econômica. Esse tipo de deflação vem junto com uma contração econômica. Esse tipo de deflação — ruinosa — tem uma origem artificial nas atuações do banco central junto ao setor financeiro e deve ser bem diferenciada da deflação bondosa que vem do setor real da economia como consequência do progresso tecnológico confinado por um estoque monetário estável.
Quando uma “deflação bondosa” acontece, não há colapso da massa monetária, mas uma redução dos preços sem contração da atividade econômica. Na deflação ruinosa, pelo contrário, temos uma contração abrupta da massa monetária junto à queda do nível de preços e uma contração econômica. Essa contração da massa monetária nasce como resultado de uma expansão prévia da própria massa monetária instigada pelos bancos centrais.
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