Tanto direita quanto esquerda podem ser classificadas como utopias delirantes, que em nenhum momento deveriam ser consideradas filosofias políticas sérias, capazes de contemplar os desafios e as complexidades da realidade. Para entender isso, vamos analisar brevemente o que cada uma dessas filosofias políticas vislumbra como sociedade ideal.
Comecemos pela direita — que, sabemos perfeitamente, busca estabelecer uma sociedade com famílias conservadoras, lideradas por homens tradicionais, casados com esposas virtuosas e comportadas, que se vestem de forma modesta e conservadora, com indumentárias ao estilo da nostálgica década de 1950. A esquerda, por outro lado, pretende construir uma sociedade igualitária — livre da opressão do patriarcado —, caracterizada primariamente pela ausência de hierarquias, e sustentada por um estado de bem-estar social que garante equidade e benefícios para todos (excetuando-se o homem branco). Ainda que essas sejam concisas generalizações, esses são basicamente os projetos de sociedade da direita e da esquerda, respectivamente. Nenhuma novidade até aqui.
Também é de conhecimento comum que direita e esquerda vem disputando espaço no cenário político dos vários países do mundo por um prolongado período de tempo. Há muitas décadas, essa disputa era travada em guerras civis sanguinolentas e acirradas. Em períodos mais recentes, no entanto, as eleições democráticas passaram a servir como o anfiteatro da batalha travada entre a direita e a esquerda pelo domínio da sociedade. Cada qual proclamando uma utopia diferente, e em radical oposição uma à outra: enquanto a direita deseja retornar a um suposto período de glória que não volta mais (e que nunca existiu de fato — o que existe na cabeça dos atuais tradicionais conservadores não passa de um agrupamento de idealizações ingênuas e infantis, de uma época que eles nunca viveram) —, a esquerda, por sua vez, pretende avançar rumo a um futuro distópico, padronizado e confuso, onde não haverá família, as crianças serão criadas pelo coletivo, e não existirá nem mesmo uma distinção precisa entre homens e mulheres, visto que a grande maioria das pessoas serão criaturas andróginas não-binárias, que serão definidas e identificadas por pronomes neutros.
Temos aqui, portanto, duas utopias, drasticamente distintas uma da outra. Uma pretende nos conduzir de volta ao passado, enquanto a outra está desesperada para nos conduzir ao futuro. Uma breve análise das duas utopias nos mostra, evidentemente, que a da direita pode ser considerada a mais aceitável, mas apenas por ser a menos pior. Essa é sua única vantagem comparativa — enquanto opção, no entanto, a direita não deixa de ser tão terrivelmente utópica quanto a esquerda.
Ou seja, é fácil perceber que nenhum dos dois lados oferece possibilidades realmente promissoras. Enquanto um lado deseja resgatar um passado razoavelmente decente, porém inviável — impossível de existir no presente —, o outro lado da disputa político-ideológica pretende construir um futuro saturado de fetiches bizarros, que, para ser estabelecido, precisa necessariamente suplantar completamente as liberdades individuais, visto que consiste em um projeto determinado a impor um agressivo e arbitrário processo de homogeneização sobre toda a sociedade.
Consequentemente, fica muito claro que nenhum desses dois lados prioriza o que realmente importa: o indivíduo e sua liberdade para fazer escolhas, de acordo com as suas preferências e circunstâncias pessoais. Ou seja, tanto direita quanto esquerda persistem em ignorar com veemência o indivíduo, bem como suas particularidades e suas necessidades. Ambos os projetos políticos são coletivistas, e veem o indivíduo apenas e tão somente como uma ferramenta, um instrumento, que em nenhum momento está autorizado a expressar ambições, objetivos ou vontade própria.
Como a batalha entre esquerda e direita, no entanto, ainda é o que determina, majoritariamente, a luta no atual cenário político das nações, podemos especular sobre quem será vitorioso em ganhar os corações das pessoas e triunfar de fato na disputa pelo comando da sociedade. Será a direita ou a esquerda? E a resposta é: a longo prazo, provavelmente nenhum dos dois. Até porque uma observação mais analítica do conflito social evidencia uma mudança radical no campo de batalha. A luta entre direita e esquerda vem sendo gradualmente substituída pela luta da liberdade contra o autoritarismo. E no microcosmo do campo de batalha que está se formando, vemos a conformação de uma disputa ainda mais coesa, porém muito mais acirrada: a luta pessoal do indivíduo contra o sistema.
Não há dúvida, portanto, de que uma análise contundente do conflito social mostra, efetivamente, que estamos vendo o eixo de batalha se deslocar para uma rotação que segmenta os grandes conflitos em conflitos cada vez menores, de maneira que eles vão ficando cada vez mais pessoais e fragmentados. E isso está acontecendo com uma intensidade e em uma amplitude jamais vista. Aí atentamos para o seguinte fato: diluído na massa amorfa e aparentemente homogênea do caos social, está o indivíduo, que — muito gradualmente é verdade, de forma quase imperceptível — se torna o protagonista da luta no campo de batalha, se convertendo na ponta da lança da luta pela liberdade contra o autoritarismo coletivo.
É importante entender que a luta em favor da liberdade — em muitos casos — não surge necessariamente de forma espontânea, nem por motivações ideológicas. Em muitas situações e circunstâncias, ela emana da necessidade. Ou seja, para sobreviver e não ser esmagado pela tirania arbitrária da coletividade, o indivíduo se insurge e se revolta, afirmando: “Eu estou aqui, eu existo… e não concordo com nada disso. Ninguém irá dominar ou ter poder sobre mim. Eu tenho ideias, crenças e pensamentos próprios. E nenhum dos dois lados nessa luta me representa.”
Essa é uma das principais razões pelas quais direita e esquerda vem perdendo espaço, e deixam de ser os protagonistas na coletividade da luta política, que gradualmente vai sendo substituída pela luta do indivíduo contra o autoritarismo. Ou seja, poucas pessoas perceberam, mas estamos vivendo basicamente em uma era de transição, um período em que esquerda e direita vão gradualmente perdendo importância, conforme as inexoráveis urgências da realidade vão se impondo, e o público de uma forma geral vai atribuindo cada vez menos valor à direita e a esquerda no cenário político.
Evidentemente, isso não significa dizer que direita e esquerda irão desaparecer rapidamente, sendo superadas na próxima semana ou no próximo ano. Muito pelo contrário, pode demorar anos ou até mesmo décadas, mas invariavelmente a luta se tornará mais orgânica e realista, conforme as pessoas se identificam menos com o coletivo, e passam a se identificar mais com os seus próprios valores e anseios individualistas de liberdade e prosperidade pessoal. Então elas invariavelmente irão perguntar a si mesmas: para que votar, se nenhum dos dois lados me representa?
É verdade que muitos indivíduos nos dias de hoje já fazem isso. Mas a tendência será que a massa dos não-votantes ficará cada vez maior com o passar dos anos (já é consideravelmente expressiva atualmente, ainda mais se comparada a anos anteriores, e vem aumentando a cada ano). Especialmente conforme a inércia do estado com relação ao indivíduo se torna cada vez mais evidente. Isto é, na hora de auxiliar os indivíduos. O estado não é inerte da hora de taxar, penalizar, multar ou punir os indivíduos, especialmente quando violam regras estúpidas, tirânicas e arbitrárias, como deixar de usar uma máscara que comprovadamente não serve para nada, ou abrir o seu estabelecimento comercial em um período de pandemia decretado pela OMS.
Na prática, direita e esquerda não significam muita coisa para quem realmente sabe como o sistema funciona. Direita e esquerda são artifícios políticos que servem para manipular as massas de forma astuta e oportunista, de maneira a fazer o populacho brigar entre si. Quando cidadãos comuns passam a encarar uns aos outros como inimigos, eles certamente não irão se congregar para derrubar o sistema, tampouco irão lutar unidos para combater as reais causas do problema. Além do mais, quando uma parcela da população se identifica com a ideologia dos tiranos, é improvável que ela se insurja de alguma forma. Na verdade, o mais provável é que o regime conquiste certo grau de apoio popular.
A verdade, no entanto, é que as inúmeras complexidades das fatídicas ingerências da realidade que afligem a sociedade humana estão muito além de qualquer solução que possa ser apresentada pela direita ou pela esquerda. Olhe para todas as pessoas que residem na sua comunidade ou no bairro onde você mora. É improvável que você, por mais bem-intencionado que seja, consiga resolver todos os problemas delas. O que dirá tentar resolver os problemas de todas as pessoas de uma determinada cidade, de um determinado estado ou, pior ainda, de um país inteiro. A única solução plausível — que está mais de acordo com a realidade das limitações humanas — é deixar as pessoas livres para resolverem os seus próprios problemas. O estado, isso é um fato, não resolve os problemas da sociedade. O estado existe para resolver problemas que ele próprio cria, e que não existiriam se o estado não existisse.
Mas problemas de fato existem. Sabemos perfeitamente que a sociedade humana é afligida por uma grande variedade de problemas. Guerras, criminalidade, fome, recessão, desemprego, governos autoritários e enfermidades estão por toda a parte — isso para citar apenas os principais problemas que afligem os seres humanos. Ao dividir a sociedade em direita e esquerda, incorremos no erro de dizer que os problemas de determinadas pessoas, ou de determinados grupos de pessoas, são de menos importância do que os problemas enfrentados por pessoas de outros grupos, visto que tanto direita quanto esquerda tendem a priorizar os grupos que afirmam representar.
A direita, por exemplo, tentará resolver os problemas da classe empresarial, por livrá-los de taxas, obrigações fiscais e tributação excessiva — o que de fato prejudica demais a produtividade das empresas e o dinamismo no ambiente de negócios. Esse é um problema especialmente preponderante no Brasil, um dos piores países do mundo para se fazer negócios, e o segundo país no mundo que mais tributa empresas. A esquerda, por sua vez, tentará proteger homossexuais, mulheres e negros através de leis e de políticas de ação afirmativa, alegando que essas pessoas são vítimas de abusos cometidos pelo patriarcado.
O que nenhum dos dois lados parece entender, no entanto, é que todos os seres humanos estarão — uns mais, outros menos, obviamente, dependendo das circunstâncias de cada um — lutando contra inúmeros problemas. A vida consiste, efetivamente, em uma amarga e brutal sucessão de obstáculos a serem vencidos diariamente. Nunca temos carência ou escassez de problemas. E a grande maioria das pessoas vive vidas terrivelmente turbulentas, tendo que enfrentar uma vasta profusão de problemas. É claro que os problemas enfrentados por pessoas ricas não serão, via de regra, tão graves ou urgentes quanto os problemas enfrentados por pessoas pobres. E pessoas ricas, em função de sua riqueza, conseguirão mais facilmente obter soluções para os seus problemas e ter todas as suas necessidades plenamente atendidas, ao passo que os pobres encontrarão maiores dificuldades em sua busca. Mas até mesmo pessoas ricas, de uma forma ou de outra, estarão lutando contra problemas. Nem mesmo a vida dessas pessoas é um gracioso oceano de tranquilidades. Ao menos, não o tempo inteiro.
De qualquer maneira, uma análise meticulosa da sociedade humana — e sobretudo dos mecanismos pelos quais ela funciona — evidencia quão demasiadamente complexa e intrincada ela é, especialmente para uma equação política tão simplória e binária quanto direita e esquerda.
Uma análise contundente e objetiva dos fatos mostra que tanto direita quanto esquerda são idealizações utópicas. A direita, de um passado que não volta mais. A esquerda, de um futuro onde todos serão plenamente atendidos pelo supremo, onipotente e infalível estado benfeitor assistencialista. Nenhuma dessas duas visões políticas possui, de fato, soluções amplas e abrangentes, capazes de consolidar sua versão do paraíso na Terra. De forma pragmática e realista, o máximo que podemos almejar são formas e maneiras menos árduas de lidarmos com as dificuldades da vida. No entanto, é impossível que um governo ou um grupo de indivíduos consiga resolver satisfatoriamente os problemas de todas as pessoas da sociedade. O mais correto é permitir que as pessoas sejam livres, para que cada uma delas consiga atingir os seus objetivos da melhor forma possível, de acordo com as suas circunstâncias pessoais (sem que isso envolva qualquer tipo de violação, agressão ou violência contra terceiros).
A verdade é que tanto direita quanto esquerda são carentes de perspectivas realistas sobre a sociedade e a natureza humana. É verdade que uma análise meticulosa de ambas nos mostrará que a direita é um pouco menos autoritária e um pouco menos utópica, mas isso não a torna uma opção necessariamente viável, muito menos pragmática. A única vantagem que a direita tem a seu favor é a de não ser a esquerda. Quando somos governados pela direita, descobrimos que algumas coisas — como livre mercado, por exemplo —, ela só defende na teoria. Na prática, a direita adora empresas estatais robustas e fortes, celebra autarquias e subsídios, venera as companhias alardeadas como campeãs nacionais e seus dirigentes, ativistas e porta-vozes adoram receber verbas do estado. Quando está no poder, o comportamento da direita é muito similar ao da esquerda.
A verdade é uma só, doa a quem doer — tanto direita quanto esquerda se tornarão conceitos obsoletos em um futuro próximo. Darão lugar a um componente social muito mais grandioso e indispensável. Serão sumariamente atropelados, esmagados, escorraçados e vencidos por quem nunca deveriam ter desprezado: o indivíduo. Direita e esquerda eventualmente deixarão de existir. E com isso, virá a inevitável emancipação do indivíduo.
Texto irretocável e corajoso, porque apontar as contradições a a natureza muitas vezes utópica e autoritária da direita, dada a idealizações e fanática por “ordem” e “autoridade”, hoje é raridade no meio libertário brasileiro.
Sim; a direita tem um fetiche com o autoritarismo militar, o militarismo alinhado à direita.
A esquerda despreza os militares só porque estes tem uma visão de direita, pode ver que eles criam as suas próprias instituições militares de esquerda quando chegam ao poder, é “exército da libertação popular”, “forças revolucionárias de não sei o que”, etc…
Logo ambos são terrívelmente autoritários, a direita só é menos ruim por ter ideais menos utópicos.
Concordo com tudo oque foi dito, Direita só é um pouco melhor que a esquerda, pois defende um pouco mais a liberdade……Agora, os libertarios tem que parar de ficar puxando saco dos conservadores e de politicos conservadores…Podem ser aliados contra a esquerda, mas são tbm autoritários……