A distinção entre propriedade privada dos meios de produção (economia de mercado ou capitalismo) e propriedade pública dos meios de produção (socialismo, comunismo ou “planejamento central”) é bastante nítida. Cada um desses dois sistemas de organização econômica da sociedade pode ser descrito e definido de maneira precisa e sem ambiguidades.
Não podem jamais ser confundidos um com o outro; não podem ser misturados ou combinados; não podem transitar gradualmente de um para o outro; são mutuamente incompatíveis. Um fator de produção ou é de propriedade privada ou pública.
Se, no contexto de um sistema de cooperação social, alguns meios de produção são de propriedade pública, enquanto os demais são controlados por entidades privadas, isto não configura um sistema misto combinando socialismo e propriedade privada. O sistema continuará sendo uma sociedade de mercado desde que o setor socializado não se tornar inteiramente separado do setor não socializado, passando a ter uma existência estritamente autárquica. (Neste último caso, estaríamos diante de dois sistemas que coexistem independentemente lado a lado — um capitalista e outro socialista).
Empresas estatais funcionando em um sistema no qual existam empresas privadas e um mercado — assim como países socialistas que trocam bens e serviços com países não socialistas — estão integradas em um sistema de economia de mercado. Estão sujeitas às leis do mercado e têm a possibilidade de recorrer ao cálculo econômico.
Se quisermos considerar a ideia de colocar lado a lado a estes dois sistemas, ou entre eles, um terceiro sistema de cooperação humana baseado na divisão do trabalho, teremos necessariamente de partir da noção de economia de mercado e não da noção de socialismo. A noção de socialismo, com seu monismo e centralismo rígidos, em que uma só vontade tem o poder de escolher e agir, não dá margem a qualquer tipo de acordo ou concessão; não é um sistema passível de ajustes ou alterações.
Mas o mesmo não ocorre em relação à economia de mercado. Neste sistema, a coexistência do mercado com o poder de coerção e compulsão do governo dá margem a diversas possibilidades. Seria realmente necessário ou conveniente, perguntam-se as pessoas, que o governo se mantenha fora do mercado? Não seria uma tarefa do governo interferir e corrigir o funcionamento do mercado? Será que não há uma terceira alternativa entre capitalismo e socialismo? Será que não existem outros sistemas viáveis de organização social que não sejam nem o comunismo e nem a pura economia de mercado?
Em resposta a essas questões já foram arquitetadas várias soluções — também chamadas de terceira via — que, segundo os seus criadores, estariam tão distantes do socialismo como do capitalismo. Alegam esses autores que tais sistemas não são socialistas porque preservam a propriedade privada dos meios de produção, e não são capitalistas porque eliminam as “deficiências” da economia de mercado.
Um tratamento científico dessa questão deve necessariamente ser neutro em relação a quaisquer julgamentos de valor — e, portanto, não pode condenar de antemão nenhum aspecto do capitalismo como sendo prejudicial, defeituoso ou injusto. Consequentemente, não faz sentido recomendar, em bases puramente emocionais, o intervencionismo. Cabe à ciência econômica analisar essas questões e buscar a verdade; não pode ser invocada para louvar ou condenar a realidade a partir de postulados preconcebidos e de preconceitos. Em relação ao intervencionismo, cabe à ciência econômica apenas perguntar e responder: como é que funciona?
O intervencionismo
Existem duas maneiras de se chegar ao socialismo.
A primeira (podemos denominá-la de modelo leninista ou russo) é puramente burocrática. Todas as fábricas, lojas e fazendas são formalmente estatizadas; passam a ser departamentos do governo dirigidos por funcionários públicos. Cada unidade do aparato de produção mantém com o órgão superior central a mesma relação que uma agência local dos correios mantém com a central dos Correios.
A segunda maneira (podemos denominá-la de modelo alemão ou de Hindenburg) preserva nominal e aparentemente a propriedade privada dos meios de produção, fazendo parecer que continuam a existir mercados, preços, salários e juros. Entretanto, já não existem empreendedores, mas apenas gerentes de empresas (Betriebsführer na terminologia nazista).
Esses gerentes de empresa parecem estar efetivamente no comando das empresas que lhes foram confiadas; compram e vendem, contratam e dispensam trabalhadores, fixam remunerações, contraem dívidas, pagam juros e amortizam empréstimos. Mas, ao exercer a sua atividade, são obrigados a obedecer incondicionalmente às ordens emitidas pela agência central do governo encarregada de dirigir a produção.
Essa agência (a Reichswirtschaftsministerium na Alemanha nazista) instrui os gerentes das empresas sobre o que e como produzir, de quem comprar e a que preços, e a quem vender e a que preços. Especifica o emprego de cada trabalhador e fixa o seu salário. Decreta a quem, e em que termos, os capitalistas devem confiar os seus fundos. Em tais circunstâncias, as trocas de mercado tornam-se meramente uma farsa. Os salários, preços e juros são fixados pelo governo; são salários, preços e taxas de juros apenas na aparência; na realidade, são meramente as expressões quantitativas das ordens do governo, as quais determinam o emprego, a renda, o consumo e o padrão de vida de cada cidadão.
O governo de fato dirige toda a atividade econômica. Os gerentes das empresas obedecem às ordens do governo e não à demanda dos consumidores e à estrutura de preços do mercado. Isso é socialismo, só que disfarçado pelo uso da terminologia capitalista. Alguns rótulos da economia de mercado capitalista são mantidos, mas com um significado inteiramente diferente do que têm na economia de mercado.
É necessário salientar este fato a fim de evitar que se confunda socialismo com intervencionismo. O intervencionismo — ou a economia de mercado obstruída — difere do modelo alemão de socialismo pelo simples fato de ainda ser uma economia de mercado. As autoridades interferem no funcionamento da economia de mercado, mas não desejam eliminá-la completamente. Querem que a produção e o consumo sigam caminhos diferentes dos que seguiriam se não houvesse as obstruções, e querem atingir esse objetivo por meio de ordens, comandos e proibições, para cujo cumprimento contam com o respaldo do seu poder policial e de seu correspondente aparato de compulsão e coerção.
Tais medidas, entretanto, são atos isolados de intervenção. Não pretendem as autoridades integrá-las a um sistema que determinaria todos os preços, salários e taxas de juros, colocando em suas mãos o controle absoluto da produção e do consumo.
O sistema de economia de mercado obstruída, ou intervencionismo, procura preservar o dualismo de duas distintas esferas: a atividade do governo de um lado e a liberdade econômica do sistema de mercado de outro. O que caracteriza o intervencionismo é o fato de que o governo não limita suas atividades à preservação da propriedade privada dos meios de produção e à proteção contra as tentativas de violência ou fraude; o governo interfere na atividade econômica através de ordens e proibições.
A intervenção é sempre um decreto emitido, direta ou indiretamente, pela autoridade responsável pelo aparato administrativo de coerção e compulsão que força os empreendedores e os capitalistas a empregarem alguns dos fatores de produção de maneira diferente daquela que o fariam se estivessem obedecendo apenas aos ditames do mercado. Tal decreto pode ser uma ordem para fazer ou para deixar de fazer alguma coisa.
Não é necessário que o decreto seja emitido diretamente pelo poder legitimamente constituído e estabelecido. Pode ocorrer que algumas outras agências se arroguem o direito de emitir tais ordens ou proibições, e as imponham por meio do seu próprio aparato de coerção e opressão. Se o governo legalmente constituído tolera esse procedimento ou até mesmo o apoia por meio de seu aparato policial, as coisas se passam como se a ordem fosse do próprio governo. Se o governo se opõe à ação violenta dessas outras agências, e, embora o desejando, não consegue evitá-las nem com o emprego de suas forças armadas, advém a anarquia.
É importante lembrar que intervenção do governo significa sempre ou ação violenta ou ameaça de ação violenta. Os fundos gastos pelo governo em qualquer de suas atividades são obtidos por meio de impostos. E os impostos são pagos porque os contribuintes não se atrevem a desobedecer aos agentes do governo; eles sabem que qualquer desobediência ou resistência seria inútil. Enquanto perdurar esse estado de coisas, o governo tem a possibilidade de arrecadar tanto quanto queira para suas despesas.
Governo é, em última instância, o emprego de homens armados, de policiais, guardas, soldados e carrascos. A característica essencial do governo é a de impingir os seus decretos por meio do espancamento, do encarceramento e do assassinato. Quem pede maior intervenção estatal está, em última análise, pedindo mais coerção e menos liberdade.