[Este artigo foi extraído do prefácio do livro SEPARANDO – Em defesa da secessão, da descentralização radical e de entidades políticas menores, de Ryan McMaken, publicado hoje pelo Instituto Rothbard]
A tradição liberal clássica defende o direito de secessão por muitos motivos. Uma das principais razões é que a dispersão territorial do poder limita a dominação política muito mais do que as constituições formais. Os estados pequenos não podem adotar facilmente políticas protecionistas e as suas classes políticas são controladas de perto pelos cidadãos; ademais, a redistribuição é mais difícil e os governantes têm informações mais diretas sobre sua própria realidade. Além disso, o nacionalismo é uma coisa absurda em uma jurisdição minúscula de apenas 30.000 pessoas (como no caso de Liechtenstein). Por conseguinte, se queremos proteger os nossos direitos fundamentais, precisamos de estados pequenos concorrentes e a melhor forma de alargar o mercado é multiplicar as jurisdições.
Em Separando, Ryan McMaken retoma e elabora uma série de argumentos libertários que sustentam o autogoverno e chama a atenção para uma questão que nem sempre é examinada: a da defesa e da paz.
Nos momentos mais gloriosos da história holandesa, na entrada do porto de Amsterdã havia este lema: Commercium et pax (comércio e paz). O livre mercado, a cooperação social e o diálogo cultural andam sempre de mãos dadas. É por isso que não é surpreendente que em tantos protagonistas do pensamento liberal clássico – de Montesquieu a Constant, de Cobden a Bastiat – o livre comércio esteja associado à paz. Por consequência, uma defesa libertária do autogoverno local pode ser apoiada por uma forte ênfase na ideia de que processos de desintegração política possibilitariam um mundo menos conflituoso.
No entanto, durante cinco séculos, o estado derivou sua legitimidade da reivindicação de garantir a ordem e evitar o caos. Essa tese, em particular, é central para a filosofia de Thomas Hobbes. Da mesma forma, qualquer processo de unificação implica sempre que a dispersão territorial do poder seria acompanhada de tensões, enquanto as unificações garantiriam a harmonia entre os povos. Para muita gente, falar em divisão política já implicaria alguma desarmonia e inimizade.
Pelo contrário, contra essa ideia kantiana de uma federação global que leva ao desaparecimento das fronteiras, McMaken se concentra repetidamente na ligação entre uma ordem internacional pacífica e a difusão do autogoverno local.
A análise da soberania, da territorialidade ou de qualquer outro aspecto do estado moderno poderia levar uma vida inteira, sem se chegar a uma compreensão de qual desses elementos mais caracteriza essa instituição. No entanto, é claro que é preciso olhar para o estado como uma máquina voltada para centralizar todo o poder decisório.
Como aponta McMaken, o estado tende a se ampliar: “os megaestados são o estado ideal”. Afinal, no início da Idade Moderna, o modelo de estado (França) surgiu no final de um processo de alargamento que eliminou a autonomia e a diversidade, lançando as bases para uma crescente homogeneização do que antes era uma área muito articulada e não homogênea em termos linguísticos, históricos e culturais.
Hoje, um dos argumentos mais usados em apoio aos processos de unificação (contra qualquer hipótese de secessão de estados americanos individuais, contra qualquer ceticismo em relação à unificação europeia, e assim por diante) é que somente construindo entidades políticas muito grandes é possível garantir uma defesa eficaz: contra a China, a Rússia ou qualquer outra potência estatal.
A primeira objeção é que, se as guerras são travadas por estados, então é necessário superar a lógica estatal para chegar a um mundo mais pacífico. Quanto mais aumenta o número de estados, menos eles podem realmente ser atribuídos ao modelo estatal. Como apontou Hegel, em algumas situações a quantidade pode se tornar qualidade.
No entanto, permanece a questão de como um conjunto de pequenas entidades muito mais respeitosas dos direitos individuais pode se contrapor às grandes potências imperialistas.
Basicamente, muitas pessoas pensam que os estados grandes são mais poderosos militarmente. Obviamente, isso não é totalmente falso, mas devemos comparar um estado grande armado e uma aliança de pequenas jurisdições emergindo da dissolução de grandes instituições. A tese de McMaken é que a liberdade proporcionada pelo autogoverno local confere mais dinamismo econômico, melhor tecnologia e maior apego à realidade local. Além disso, não é de se estranhar que, durante o século passado, as grandes potências militares tenham estado em apuros quando tentaram ocupar pequenas localidades onde os cidadãos estavam dispostos a se tornarem soldados para defender suas famílias e casas.
Afinal, mesmo que os historiadores ainda estejam muito incertos sobre vários aspectos desses eventos, as guerras greco-persas não podem ser lembradas como um triunfo indiscutível por parte do conglomerado mais compacto e unitário.
No final, nesse contraste entre aqueles que acreditam ser preciso aceitar (mesmo que relutantemente) fazer parte de um estado grande para evitar ser conquistado e aqueles que, em vez disso, acreditam que mesmo nesse caso é importante entender as vantagens da dispersão do poder, nos deparamos com esse trade-off incompreendido entre liberdade e segurança. E por isso vale sempre lembrar a lição de Benjamin Franklin, convicto de que “aqueles que abririam mão da Liberdade essencial, para obter um pouco de Segurança temporária, não merecem nem Liberdade nem Segurança”.
O problema é que, como a história dos estados grandes muito bem mostra, escolher a segurança sem liberdade leva à perda dos direitos e da paz.