Expansões econômicas e “gastos estimulantes” – e Paul Krugman, mais uma vez

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trickle-down2Uma das principais diferenças entre a Escola Austríaca de economia e a economia convencional neoclássica é a visão acerca do indivíduo e seu comportamento.  Os austríacos veem os indivíduos como seres que atuam visando a um determinado propósito; já a maioria dos neoclássicos vê apenas pessoas atuando de forma mais mecanizada.  Desta visão de mundo dos neoclássicos advém o raciocínio de que aquilo que é bom para indivíduos pode ir contra aquilo que é supostamente “bom” para a sociedade como um todo.

E não me refiro a comportamentos violentos ou coercivos, como quando uma pessoa rouba outra e em consequência melhora sua situação ao mesmo tempo em que faz com que o roubado fique em pior situação.  Não.  Refiro-me a transações econômicas pacíficas e voluntárias, decisões que envolvem a minha pessoa ou minha família — este é o cerne da teoria austríaca.  Mises escreveu que indivíduos irão agir com o intuito de melhorar sua situação; e quando essa ação ocorre por meio de trocas comerciais voluntárias e mutuamente benéficas junto a terceiros, a ação pode ter efeitos sociais positivos.

Por exemplo, quando vou ao supermercado e faço uma transação comercial, estou comprando alimentos que, em minha crença, me deixarão em melhor situação no futuro, seja aliviando minha fome, seja me propiciando saudáveis benefícios pessoais.  Da mesma forma, as pessoas que trabalham no supermercado — proprietário e empregados — irão receber meu dinheiro e poderão utilizá-lo para alcançar seus objetivos pessoais.  Isso não é um comportamento “insensível”, como vários críticos marxistas do capitalismo gostam de afirmar; trata-se, isso sim, de um comportamento propositado e voluntário, e não baseado em coerções.

Sim, concordo que isso que descrevi até aqui é exatamente aquela economia básica que você encontra nos principais livros-textos da disciplina, especialmente nos convencionais.  Mas os austríacos divergem dos economistas convencionais quando a análise parte para um ponto de vista mais amplo acerca da sociedade.  Falando mais claramente, os austríacos acreditam que a liberdade individual para se comercializar as próprias posses — sejam essas posses a riqueza acumulada na forma de dinheiro ou de bens, ou a mão-de-obra ou os talentos dessa pessoa — terão efeitos sociais e econômicos positivos sobre toda a economia, desde que, é claro, os indivíduos sejam livres para incorrer nesses atos, sem nenhuma coerção.  Este é, simplesmente, o princípio da não-agressão em funcionamento.

Já os keynesianos, como Paul Krugman, veem as coisas de maneira distinta.  O que é bom para um indivíduo quase sempre não é bom para a economia como um todo.  Em sua recente coluna, Krugman escreveu:

… a economia não funciona como as famílias.  As famílias podem decidir gastar menos e tentar ganhar mais.  Mas, na economia como um todo, gastos e receitas caminham juntos: minha despesa é sua receita e sua despesa é minha receita.  Se todo mundo tenta cortar os gastos ao mesmo tempo, os rendimentos vão cair — e o desemprego vai disparar.

Isso é algo que, intuitivamente, parece estar certo, mas que na realidade se baseia em um princípio fundamentado na crença de que ações individuais e transações comerciais mutuamente acordadas podem ser deletérias para toda a economia, e que, mais sespecificamente, se várias pessoas decidirem, por exemplo, poupar mais dinheiro, isso irá gerar desemprego.  Esse ponto keynesiano-krugmaniano já foi feito em várias ocasiões, e não creio estar sendo controverso quando o cito desta forma.

Em um dado nível, se várias pessoas repentinamente decidirem parar de gastar toda a sua renda e decidirem poupar boa parte dela com a intenção de consumir apenas no futuro, isso obviamente terá certos efeitos sobre parte da economia, uma vez que haverá menos demanda por certos tipos de bens e serviços.  Isso é algo óbvio e nada controverso.

Há, no entanto, uma questão mais ampla que Krugman e os keynesianos ignoram, e é por causa dela que ocorreu esta mudança de comportamento.  Na visão keynesiana, a mesma que Malthus teve, esta mudança não é uma resposta racional a determinadas alterações nas condições econômicas; ao contrário, trata-se de um comportamento irracional, de um “espírito animal”.  É algo que acontece do nada.  As pessoas simplesmente param de gastar e começam a poupar, e então toda a Falácia da Composição entra em cena e derruba a economia.

Os austríacos observam que, quando o crescimento artificial da economia chega ao fim — e isso sempre ocorre — e o nível de atividade vigente em determinados setores não mais pode ser mantido por meio das transações econômicas normais, então as pessoas irão inevitavelmente ajustar seu comportamento.  Adicionalmente, os austríacos afirmam que todo crescimento econômico artificial — isto é, gerado por expansões artificiais do crédito — (1) resulta em recursos escassos investidos erroneamente, em setores para os quais não há uma genuína demanda dos consumidores, (2) é financiado por meio de dinheiro emprestado que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser quitado, e (3) cria condições que inevitavelmente levarão a uma “correção” dentro da economia tão logo o período de expansão econômica termine.

Além do mais, os austríacos também creem que, se o governo não interferir no sistema de preços e salários (não criar pacotes de estímulos que interfiram neste segmento), e não interferir na criação e na maneira como os recursos escassos são direcionados durante uma recessão, os empreendedores procurarão e descobrirão aquelas linhas de produção que são compatíveis com as recessivas condições econômicas vigentes.  São estes investimentos nestas linhas de produção que levarão a uma recuperação.

Mesmo Krugman tem de admitir que a bolha imobiliária americana não poderia ser mantida por muito mais tempo, embora ele não irá admitir que recursos escassos foram “investidos erroneamente”, pois dizer isso seria conceder uma importante vitória intelectual aos austríacos, e isso não é algo do feitio de Krugman.  Ainda assim, o que seria uma “bolha” se não uma série de investimentos ruins, com recursos alocados de forma insustentável?  Krugman certamente não afirmaria que a bolha imobiliária era infinitamente sustentável; mas, ora, se um conjunto de investimentos não pode mais ser sustentado tão logo outros fatores de produção (como mão-de-obra e bens de capital) exponham a real situação deste mercado, então estamos lidando com recursos que foram mal investidos.  Ponto.  Que ele se recuse a utilizar o termo ‘investimento errôneo’ não altera em nada a realidade do fato.

Certo.  Agora vamos à resposta sobre o que deveria ter sido feito quando os mercados expuseram os investimentos errôneos.  (Observo aqui que Krugman acredita que, a menos que burocratas do governo estejam ditando ordens para cidadãos que estejam praticando transações de mercado pacíficas e voluntárias, os mercados irão para o abismo, arrastando todas as pessoas junto a ele.  No entanto, foram os mercado que expuseram a bolha imobiliária, assim como foram os mercados que expuseram o esquema fraudulento de Bernie Madoff, e não as agências reguladoras do governo americano).

A resposta de Krugman é que o governo deveria criar ainda mais bolhas para compensar a bolha que estourou, assim como deveria estimular ainda mais investimentos ruins para compensar aqueles que entraram em colapso, neste processo desperdiçando ainda mais recursos escassos.  Sim, há aquela infame frase de Krugman, proferida há uma década, dizendo que Alan Greenspan deveria criar uma bolha imobiliária para compensar o estouro da bolha das ações pontocom, mas não é a isso que me refiro.  A questão é que Krugman acredita que os governos deveriam tomar dinheiro emprestado ou imprimir dinheiro (ou ambos) para poderem sair gastando com o intuito de preencher um “buraco” surgido nos gastos dos consumidores e dos investidores, uma vez que, sem essa intervenção, não mais haveria dinheiro sendo direcionado para aquela parte da economia que entrou em colapso (ao menos, não no mesmo volume de antes) — neste caso, o setor imobiliário.

(Por exemplo, Krugman repetidas vezes mostrou seu contumaz endosso a políticas insensatas e improdutivas como energia eólica e carros elétricos maciçamente subsidiados.  No entanto, o fato de que tais investimentos necessitam de contínuos subsídios para se manterem operantes mostra claramente sua sustentabilidade econômica.  São investimentos errôneos e insensatos, sem meios termos.  Ainda assim, Krugman e Obama querem que acreditemos que este tipo de investimento subsidiado pode fazer a economia voltar a crescer solidamente).

Os keynesianos argumentam que, se há “recursos ociosos ou não empregados”, então não é possível haver investimentos errôneos, pois a economia poderá absorver um volume maior de gastos sem que o nível geral de preços suba.  Tal raciocínio ignora a questão do real motivo de estes recursos estarem “ociosos” em primeiro lugar.  Krugman alegaria que eles estão “ociosos” porque as pessoas não estão gastando dinheiro; sendo assim, o governo deve entrar em cena e assumir o lugar de todos os cidadãos e sair gastando com o intuito de aditivar a economia novamente, criando aquele efeito de “gotejamento” que supostamente turbinaria a economia.

Mas a verdade é que esses recursos estão ociosos porque os investimentos anteriores que foram feitos com eles não mais podem ser mantidos.  Seu valor contábil já caiu.  Os mercados estão emitindo este alerta, mas os keynesianos ignoram o óbvio e preferem continuar exigindo que estes setores recebam injeções extras de gastos governamentais.

Com efeito, Krugman e os keynesianos alegam que a Lei da Escassez, a mais básica lei da economia, é abolida durante severas retrações econômicas.  No entanto, ainda pelo raciocínio deles, a menos que o governo comece a se endividar mais intensamente e saia gastando feito um marinheiro bêbado, todos os cidadãos estarão severamente limitados pela escassez.  Famílias estarão limitadas pela escassez, mas não o governo, que opera em outra dimensão.

Para que ninguém pense que estou criando um espantalho e deturpando a posição de Krugman, ei-lo aqui em suas próprias palavras:

Então, o que pode ser feito?  Um choque financeiro de menor porte, como o estouro da bolha das ações pontocom, ocorrido no final da década de 1990, poderia ser resolvido por meio de um corte das taxas de juros.  Mas a crise de 2008 foi muito maior, e até mesmo cortar as taxas de juros, reduzindo-as a zero, não foi suficiente.

Nesse ponto, os governos precisaram intervir, passando a sustentar suas economias enquanto o setor privado se reequilibrava.  E, em certa medida, isso realmente aconteceu: a receita caiu drasticamente durante a crise, mas os gastos aumentaram enquanto programas e benefícios como o seguro-desemprego foram ampliados e estímulos econômicos temporários entraram em vigor.  Os déficits orçamentários aumentaram, mas, na realidade, isso foi uma coisa boa — provavelmente eles foram o principal motivo que impediu um replay completo da Grande Depressão.

Mas por que o setor privado iria se “reequilibrar”?  Como isso ocorreria?  Afinal, se transações comerciais mutuamente benéficas possuem efeitos nocivos, e se a tendência natural de uma economia de mercado é de implodir sempre que as pessoas aumentam suas poupanças, então por que deveríamos esperar qualquer tipo de recuperação?  E por que os governos deveriam em algum momento reduzir sua gastança maciça?  Por que não continuá-la aumentando seguidamente, até o infinito, sem se preocupar com déficits?

Se você enxerga os gastos individuais como sendo algo mecânico em vez de algo propositado, então o ponto de vista keynesiano pode fazer sentido.  Sob este prisma, uma economia é pouco mais do que uma máquina em moto-perpétuo, que funciona por meio de gastos que se movem em um fluxo circular, com recursos homogêneos.

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Ou seja, não há uma estrutura do capital complexa, não há varias etapas de produção, não há preferências temporais.  Há apenas gastos, os quais fazem automaticamente o serviço de “gerar crescimento”. (Veja maisaqui).

Há um último ponto que deve ser enfatizado.  Krugman alega que a recuperação econômica americana está mais fraca do que deveria porque o governo federal não está tributando, imprimindo e tomando dinheiro emprestado na quantidade em que deveria, e que se o governo gastasse ainda mais do que já gasta — por exemplo, se fizesse preparativos para combater uma imaginária invasão de alienígenas —, então tudo estaria perfeito com o mundo e estaríamos hoje vivenciando uma sólida e esplêndida recuperação.

Em minha concepção, os EUA ainda não vivenciaram uma real recuperação por várias razões, dentre elas a insistência do governo em forçar um redirecionamento de recursos, retirando-os de setores onde são mais valorados e canalizando-os para onde são menos valorados (investimentos em “energia verde” são um bom ponto).  O governo federal, e especialmente a administração Obama, demonstram aberta hostilidade a empreendedores que não são ligados às classes políticas, e a redução da taxa básica de juros para quase zero feita pelo Fed não apenas aboliu qualquer incentivo para as pessoas pouparem, como também está enviando sinais errôneos e confusos para o mercado, tornando ainda mais difícil para os empreendedores descobrirem linhas de produção que sejam genuinamente lucrativas e que estejam sob sólida demanda dos consumidores.

Krugman acredita que tudo o que é necessário para uma recuperação econômica sólida é que o governo saia despejando dinheiro sobre aqueles empreendimentos politicamente preferidos.  Isso fará com que os gastos tenham aquele efeito de “gotejamento” sobre todos os cidadãos da economia.

Sim, se todos os recursos da economia fossem puramente homogêneos e se os indivíduos não agissem propositadamente, então Krugman teria alguma razão.  Mas, dado que a realidade não é esta, então ele está simplesmente exigindo que o governo continue exatamente com o mesmo tipo de comportamento que gerou esta depressão.

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