Falácias keynesianas – parte II

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Este artigo é uma continuação de Falácias keynesianas – parte I

 

Continuando com as falácias do senhor Keynes e seus seguidores, vamos neste mês mostrar mais duas, talvez as mais conhecidas e também as mais perigosas, porque a crença nelas e sua consequente aplicação na política econômica vêm causando enormes problemas em praticamente todo o mundo há muitas décadas. Refiro-me às falácias do “efeito multiplicador” e da “armadilha da liquidez”.

3. A falácia do “efeito multiplicador”

Quem, dentre quem fez algum curso de economia, não ouviu falar do “efeito multiplicador”, segundo o qual, quanto maior for a disposição para consumir (que equivale a uma menor disposição para poupar) em uma economia, os aumentos de gastos provocarão efeitos mais do que proporcionais no nível de “renda agregada”? Quando Keynes apresentou esse verdadeiro “milagre” em sua Teoria Geral, ele logo alcançou grande popularidade entre economistas e políticos, os primeiros porque acharam que a pólvora tinha sido afinal descoberta e que nunca mais existiriam nem recessões e nem ciclos econômicos e os segundos porque afinal um gênio da economia encontrara a fórmula “científica” para respaldar suas intenções permanentes de gastar o dinheiro subtraído dos pagadores de tributos.

No entanto, o “efeito multiplicador” é uma enorme falácia, porque se baseia no argumento de uma “função consumo agregada ou coletiva” estável. Podemos apresentá-lo e criticá-lo como o fez soberbamente Rothbard em seu livro Man, Economy and State: a Treatise on Economic Principles:

Renda agregada = Consumo + Investimento

O consumo é considerado pelo keynesianismo como sendo uma função estável e conhecida da renda, mediante correlações estatísticas e outros métodos econométricos. Suponhamos que, para simplificar, o Consumo seja sempre de 75% (ou, 0,75) da Renda. Assim, podemos escrever:

Renda = 0,75 (Renda) + Investimento; ou

0,25 (Renda) = Investimento

E, portanto,

Renda = 4 (Investimento)

Nesse exemplo, o “multiplicador” é igual a 4. Se, entretanto, a disposição a consumir fosse maior — por exemplo, se fosse de 0,80% da renda, o “multiplicador” seria maior, pois seria igual a 5. Quanto maior a vontade gastar da cigarra, maior o nível de renda da coletividade! Para Keynes, as formigas, poupadoras, eram mesmo umas chatas e prejudicavam a economia…

Ora, se o “multiplicador” é 4, tudo o que o governo precisa fazer para aumentar a renda agregada em um montante desejado é simplesmente aumentar seus gastos em ¼ desse montante.

Rothbard utiliza uma paródia, obedecendo rigorosamente ao raciocínio keynesiano, para desmascarar a falácia, por reductio ad absurdum, que passo a reproduzir com pequenas alterações:

Sejam: renda agregada = Y; Renda de Jorge = J; e Renda de todos os demais habitantes do país = X, sendo Jorge um habitante desse país.

X é, então, uma função estável de Y, o que pode ser visto se plotarmos ambos em coordenadas e verificarmos que para cada Y haverá um X correspondente. Como Rothbard escreveu, esta é uma função tremendamente estável, bem mais estável do que a função consumo convencional, que não exclui o consumo de Jorge. Se, agora, plotarmos a renda de Jorge, J, contra Y, encontraremos, ao invés de uma correlação perfeita, apenas conexões remotas entre a renda flutuante desse indivíduo e a renda agregada. Portanto, a renda de Jorge é um elemento ativo e volátil de incerteza nessa economia, enquanto o consumo de todos os demais indivíduos é passivo, estável, determinado pela renda da coletividade.

Suponhamos que a equação relevante seja:

X = 0,99999 Y

Temos, então,

Y = 0,99999 Y + J

E, logo,

0,0001 Y = J

Ou seja,

Y = 100.000 J

Este número fantástico é o “multiplicador” de Jorge, muito mais potente do que o multiplicador de investimentos original. Se você for o ministro da Fazenda da Dilma e quiser aumentar a renda agregada e curar a depressão e o desemprego, é necessário e suficiente mandar o Banco Central imprimir certo montante de reais e dá-los a Jorge. Os gastos desse felizardo vão bombear em 100.000 vezes a renda do país! Miracolo di San Gennaro!

Muitas vezes em sala de aula utilizei esse exemplo para mostrar a falácia do “efeito multiplicador”, chamando um aluno pelo nome, dizendo que eu era o governo e que ia dar para ele um grande valor em dinheiro e que quanto mais gastador ele fosse melhor seria para a turma inteira.

E pensar que essa enorme bobagem do “efeito multiplicador” alcançou grande popularidade desde os anos 30 e até hoje, 80 anos depois e com tantos exemplos de recessões, depressões e estagnações no mundo real, ainda é ensinada nas universidades e está nos programas de concursos públicos.

Existe outra maneira de reduzir ao absurdo a falácia do multiplicador. Como sabemos, sua fórmula é 1/1-b, em que b é a “propensão marginal a consumir” e 1-b, portanto, a proporção marginal a poupar. Se supusermos uma situação em que os indivíduos, de tão endividados, gastam mais do que sua renda, recorrendo para isso a empréstimos, então b será um número maior do que 1 (b>1) e, portanto, 1-b será um número negativo (1-b<0). A propensão marginal a gastar é, neste caso, positiva e maior do que 1, o que significa que a propensão a poupar é negativa.

Logo, o multiplicador, 1/1-b, é o inverso de um número negativo, ou seja, é também negativo. Por exemplo, se b = 1,2, então 1-b = -0,2 e 1/1-b = -5. Isso significa que uma expansão dos gastos públicos de, suponhamos, 100.000 reais vai diminuir a renda agregada em 500.000 reais. Esta parte da história, reduzida ao absurdo, não consta nos manuais de macroeconomia, mas, tal como no exemplo anterior de Jorge, obedece estritamente à fórmula do “multiplicador keynesiano”. E mais: neste exemplo a tendência a poupar é negativa, o que satisfaz plenamente o chamado paradoxo da poupança de Keynes, mas, mesmo assim, o multiplicador é negativo…

Por fim, o desmonte da falácia pode ser completado com uma pergunta bem simples: se o governo aumenta seus gastos em ?G, isso significa necessariamente que ou ele emitiu  ?M de dinheiro, ou se endividou em ?D ou — o que é mais comum — que furtou ?T em tributos. Ora, por que cargas d´água esse aumento de gastos públicos ?G seria mais benéfico para a economia do que se o governo, ao invés de tributar, deixasse o montante equivalente (?T) ser gasto pelo setor privado, que foi quem suou para gerar esses recursos?

O “multiplicador” serve para justificar aumentos de gastos públicos e servir como referência para políticas de estímulos à demanda. Mas, além das impropriedades apontadas, das quais a principal é a agregação, os economistas intervencionistas ignoram sempre que a demanda é rápida como uma lebre, a oferta lenta como uma tartaruga e, sobretudo, que o mundo real está muito longe de ser uma fábula de Esopo.

4. A falácia da “armadilha da liquidez”

“A taxa de juros é o que é pela expectativa de que ela seja diferente. Se não há expectativa de que ela seja diferente, não há nada que nos diga por que ela é o que é”Está é a famosa sátira de Sir Dennis Robertson (1890-1963) à celebrada “armadilha da liquidez” formulada por Keynes. Com efeito, a “armadilha da liquidez” é uma situação imaginária em que os agentes econômicos, na presença de uma taxa de juros muito baixa, guardariam moeda na expectativa de que os juros viessem a subir. Se tal expectativa não existir, nada nos explica porque a taxa de juros é assim tão baixa. Ou seja, Keynes carece de uma teoria sobre a taxa de juros que possa ser chamada efetivamente de teoria. Grande Sir Dennis Robertson!

Curiosamente, ele trabalhou diretamente com Keynes durante os anos 20 e 30, tempo em que o segundo estava desenvolvendo algumas das ideias que mais tarde incorporaria naTeoria Geral, chegando a elogiar Robertson nestes termos: “it was good to work with someone who had a “completely first class mind”. Mas, a partir dos anos 40, Robertson afastou-se de Keynes, por diferenças de temperamento e de valores morais (Robertson era filho de um clérigo da Igreja Anglicana) e visões de teoria econômica, especialmente a partir do debate de 1937 a respeito das relações entre poupança e investimento apresentadas na Teoria Geral.

Como frisa Rothbard (A Grande depressão Americana,São Paulo,IMB, 2012, p. 79 et passim), os keynesianossustentam que a “preferência pela liquidez” ou demanda de moeda pode ser tão elevada que a taxa de juros não teria como baixar para níveis suficientes para estimular os investimentos privados que possam tirar a economia da depressão. É claro que isto pressupõe que a taxa de juros é determinada pela demanda por saldos monetários e não pelas preferências temporais, como sustentam os austríacos. Ao mesmo tempo, supõe que a ligação entre poupança e investimento seja muito fraca, sendo exercida apenas provisoriamente pela taxa de juros.

Na verdade, a questão não é se a poupança e o investimento recebem ou não isoladamente os efeitos da taxa de juros, porque poupança, investimento e taxa de juros são, individual e conjuntamente, determinados simultaneamente pelas preferências intertemporais individuais no processo de mercado. E a preferência pela liquidez ou demanda de moeda não tem nada a ver com isso.

Ainda seguindo Rothbard, os keynesianos sustentam que se a demanda “especulativa” por moeda subir durante uma depressão (ou seja, se os indivíduos resolverem guardar mais dinheiro) então a taxa de juros subirá. Mas, para os austríacos, uma coisa não decorre da outra de jeito nenhum, porque o aumento no entesouramento pode ser resultado de fundos anteriormente consumidos, de fundos investidos anteriormente ou de um mix de ambos que mantenha inalterada a proporção entre consumo e investimento e, sendo assim, a menos que as preferências temporais se alterem, a última alternativa prevalecerá.

A taxa de juros para os austríacos depende exclusivamente da preferência temporal e nunca de uma “preferência pela liquidez”! Se o maior entesouramento for proveniente do consumo, um crescimento na demanda de moeda baixará as taxas de juros, porque nesse caso as preferências temporais caíram, ou seja, está-se a valorizar menos o consumo presente do que a poupança.

Os adeptos de Keynes sustentam que, em uma crise financeira, os indivíduos esperam aumentos nas taxas de juros e, assim sendo, vão entesourar dinheiro e não comprar títulos e, portanto, vão contribuir para que as taxas de juros se mantenham baixas. Essa “demanda especulativa de moeda” é que se constitui na “armadilha da liquidez”, que supostamente indicaria a relação entre a demanda de moeda e a taxa de juros. Mas este tratamento da taxa de juros é muito superficial, porque a considera apenas como sendo o preço dos empréstimos, quando a taxa de juros que importa, a crucial, é a taxa natural, ou seja, a margem de lucro no mercado, que é determinada pelas preferências temporais. E, como empréstimos são apenas uma das formas de investimentos, a taxa que incide sobre esses empréstimos é tão somente um tênue reflexo da taxa natural.

Rothbard coloca, então, a pergunta fulminante: o que, então, realmente significa uma expectativa de que as taxas de juros aumentem? Sua resposta é que significa que os indivíduos esperam um aumento na taxa de retorno líquido no mercado, com salários e outros preços de bens de produção de ordens mais elevadas caindo mais rapidamente do que os preços dos bens de ordens baixas, que são os bens de consumo. Mas isso não requer nenhuma explicação do tipo quebra-cabeças, pois, já que os investidores esperam quedas nos salários e em outros preços de bens de capital, seguram os investimentos nesses bens de capital até que seus preços efetivamente caiam. Tal expectativa, na verdade, além de não ser um elemento perturbador, contribui para acelerar o ajuste, da mesma forma como toda especulação acelera os ajustes aos níveis de mercado, esta também acelera a queda nos salários e outros fatores (bens de capital), acelerando assim a recuperação e permitindo que a economia retorne ao seu estado natural mais rapidamente. Como escreveu Rothbard (p. 80), “o entesouramento “especulativo”, longe de ser um bicho-papão da depressão, é na verdade um bem vindo estimulante para uma recuperação mais rápida”.

Além disso, somente uma “preferência pela liquidez” infinita, ou seja, uma curva de demanda de moeda horizontal poderia impedir o retorno da economia ao seu estado natural. Só que a demanda de moeda nuncapode ser “infinita”, simplesmente porque os agentes no mundo real, independentemente de suas expectativas, sempre precisam continuar a consumir, ou seja, a desfazer-se de dinheiro e, como os indivíduos precisam continuar a consumir, também têm que continuar a produzir, o que nos leva a concluir que pode perfeitamente haver ajuste e estado natural de emprego sem qualquer dependência de haver ou não entesouramento.

Para finalizar, recorramos mais uma vez a Rothbard: “a omissão da justaposição de entesouramento e consumo deriva, mais uma vez, da negligência keynesiana de mais de duas margens ao mesmo tempo e de sua crença errônea de que o entesouramento reduz o investimento, e não o consumo”.

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