Falando claramente sobre balança comercial, investimento estrangeiro e câmbio

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news_32431_big_20090526125459d1e7Quando os brasileiros vendem mais produtos para os estrangeiros do que compram deles — isto é, quando as exportações são maiores do que as importações —, diz-se que o país apresentou um superávit na balança comercial.  Quando os brasileiros compram mais do que vendem — ou seja, quando importam mais — ocorre um déficit na balança comercial.

Por algum motivo obscuro, imprensa e acadêmicos recorrentemente alertam sobres os “perigos” de se ter um déficit na balança comercial, dando a entender que uma economia só está saudável quando apresenta um superávit comercial — isto é, quando envia aos estrangeiros mais produtos do que adquire deles.  Ato contínuo, praticamente todos os anos o governo anuncia uma nova “política industrial” para estimular o setor exportador e reprimir as importações.

O que absolutamente quase ninguém diz é que, para os habitantes de um país, o único benefício trazido pelas exportações é justamente as importações; a única função de se exportar é que, com isso, pode-se importar.  Explico melhor.

Quando o Brasil vende seus produtos ao exterior, o comprador estrangeiro paga ao exportador brasileiro em dólares, que é a moeda internacional de troca.  Quando um fazendeiro do Mato Grosso vende soja para uma empresa lá em Xangai, o chinês paga o mato-grossense em dólares.  Ele deposita dólares na conta do mato-grossense.  Mas como, por decreto governamental, a única moeda corrente no Brasil é o real, esse mato-grossense terá então de trocar esses dólares por reais aqui no Brasil.  E quem vai comprar os dólares do mato-grossense?  Quase sempre, os bancos, por meio de suas corretoras.  E o que os bancos farão com esses dólares?  Venderão para importadores, que os utilizarão para, obviamente, comprar produtos do estrangeiro.

O que interessa, portanto, é que, no final, esses dólares que foram vendidos pelo mato-grossense serão utilizados para importar produtos estrangeiros.  Sem esses dólares seria impossível importar.

Para os brasileiros que não estão no setor exportador, essa é a única função das exportações: elas permitem que haja importações.  É exportando que se importa.  Ou, para utilizar um clichê já bem surrado, exportar é o que importa.

Quando se entende esse mecanismo básico, de fato torna-se um pouco mais compreensível a obsessão de economistas com as exportações.  Afinal, sem elas, não seria possível comprar nada de fora (na verdade, seria sim, como veremos mais abaixo).

Entretanto, as coisas começam a ficar mais turvas quando vemos economistas totalmente obcecados com exportações e fanaticamente contrários às importações.  Qual seria o sentido de exportar sem importar?  Do ponto de vista do cidadão brasileiro, as exportações de soja, laranja e aço do país só lhe são boas porque trazem dólares que lhe permitem importar iPads, notebooks, livros, carros e várias outras coisas.  Fora isso, as exportações não lhe são nada vantajosas.  Ao contrário até: quanto mais um país exporta, menor será a oferta desses bens exportados no mercado nacional.  Quanto maior a exportação de soja, laranja, café e aço, menor será a oferta desses produtos para os brasileiros, o que significa que seus preços no mercado interno serão maiores do que poderiam ser caso não fossem exportados.  De modo geral, sempre que a balança comercial apresenta um superávit recorde, isso significa que o cidadão brasileiro foi privado de uma maior oferta de bens, tanto aqueles produzidos nacionalmente e que foram exportados, quanto aqueles produzidos no estrangeiro e que não puderam ser importados por restrições governamentais.

Logo, a política governamental de estimular exportações e restringir importações só pode ser vista como sadismo governamental, um ato de criminosa privação da população.

“Ora, mas por que então os governos fazem isso?”

Há algumas explicações.  Em primeiro lugar, como o setor exportador possui um lobby muito bem organizado, e como o governo precisa de dólares para compor suas reservas internacionais e para intervir no mercado de câmbio, não é preciso ser um grande cientista político para imaginar que ambos (governo e exportadores) trabalharão em profunda simbiose.  Um precisa da ajuda do outro.  Por outro lado, os importadores são difusos e não possuem um lobby organizado (para dizer a verdade, eu nem sei se há algum lobby de importadores).  Adicionalmente, importação significa saída de dólares.  E saída de dólares significa governo perdendo capacidade de fazer política cambial para ajudar o setor exportador.  De novo: não é necessário diploma acadêmico para perceber que importar vai contra interesses tanto do governo quanto do setor exportador.

Na década de 1980, no auge da crise da dívida externa, o governo praticamente baniu as importações e estimulou ao máximo as exportações justamente para acumular dólares e com isso poder pagar os juros dessa dívida.  Quando a coisa apertava e os dólares escasseavam, os ministros iam à TV em rede nacional anunciar uma moratória.  Dilson Funaro era especialmente ótimo nesse papel.

Já no início do Plano Real, as importações foram mais flexibilizadas, pois eram utilizadas para controlar a inflação de preços.  E como a saída de dólares via importações acabou sendo muita, a balança comercial tornou-se deficitária logo em 1995 (a última vez que isso havia ocorrido tinha sido em 1980).  Isso obrigou o governo a elevar os juros para atrair dólares especulativos, de modo a garantir essa oferta de dólares para as importações.  Ou seja: os dólares passaram a sair via balança comercial e passaram a entrar via investimentos em títulos do governo, no mercado financeiro e em investimentos diretos.  (Em terminologia contábil, diz-se que esses dólares estão entrando na conta capital e financeira).

Com a adoção do câmbio flutuante, em 1999, o déficit na balança comercial começou a se reduzir, de modo que, desde 2001, o Brasil vem apresentando seguidos superávits comerciais.  Da mesma forma, os dólares que entram na conta capital e financeira seguiram aumentando.  Essa dupla combinação de entrada de dólares — tanto via balança comercial quanto na conta capital e financeira — ajudou a aumentar sobremaneira as reservas internacionais do país (dólares que o Banco Central compra), que atualmente estão em US$ 353 bilhões.  É o alto valor dessas reservas que faz com que um país passe sem grandes sobressaltos por crises internacionais.  E isso é fácil de entender.

Quando há uma crise financeira internacional, a primeira reação dos investidores internacionais é fugir para ativos considerados seguros (historicamente, o dólar, os títulos do Tesouro americano e o ouro).  Para fazer isso, eles têm de vender a moeda na qual estão investidos e adquirir dólares.  No Brasil, o investidor em apuros vai vender reais em troca de dólares e sair daqui.  Quanto menor for a quantidade de dólares nas reservas internacionais, menor será a chance de esse investidor conseguir se desfazer dos títulos brasileiros que possui e adquirir dólares.  Por outro lado, quanto maior for a quantidade de dólares nas reservas internacionais, mais seguro estará esse investidor de que poderá restituir reais por dólares a qualquer momento.

Nas décadas de 1980 e 1990, o valor dessas reservas internacionais era baixo.  Isso fazia com que, a qualquer sinal de crise, os investidores retirassem seus dólares aplicados no Brasil.  Isso ocorreu mais recentemente nas crises asiáticas de 1997, na crise de Rússia em 1998 e no risco Lula em 2002.  A partir daí, as reservas começaram a subir e hoje estão em nível recorde.  Inclusive, se todo o valor atual do M1 (papel-moeda em poder do público + depósitos em conta-corrente) for convertido em dólares, faltam reais e sobram dólares.  Se todos os correntistas brasileiros trocassem hoje seus reais por dólares, ainda sobrariam dólares — o que significa que um investidor estrangeiro não tem motivo para retirar correndo seus investimentos do Brasil caso haja uma forte crise financeira mundial, simplesmente porque é impossível faltar dólares.  Por isso o bom desempenho do Brasil nos últimos solavancos.

Eis aí, portanto, o real motivo do estímulo às exportações e do desincentivo às importações: o dinheiro adquirido via exportações, ao contrário de investimentos e aplicações estrangeiras, não é um dinheiro especulativo, que pode sair a qualquer momento.  É um dinheiro que fica — desde que o Banco Central o compre, é claro.  E é isso que ele vem fazendo: comprando dólares para aumentar suas reservas internacionais, algo bom para se apresentar durante crises financeiras mundiais.

Então isso é bom?

Uma análise simplista da situação acima dirá que o governo está absolutamente correto ao agir assim.  Afinal, mais vale sacrificar algumas importações e com isso manter o país afastado de redemoinhos financeiros a liberar tudo, perder dólares e passar por uma forte crise cambial.  Dado que o dinheiro que entra na conta capital e financeira é um dinheiro que pode sair a qualquer momento — e dado que nunca é prudente um governo sair confiscando investimentos estrangeiros para evitar uma fuga de dólares —, então o certo é realmente evitar que os dólares saiam via importações.  Logo, estão corretos os economistas que louvam as exportações e condenam as importações.  Um superávit da balança comercial é tudo!

Bom, é claro que tal raciocínio carece de lógica econômica.  E o exemplo a seguir ajudará a ilustrar o problema por trás desse raciocínio tacanho.

Imagine um pequeno e pobre país isolado no meio do Pacífico, com uma economia baseada predominantemente na pesca e na agricultura de subsistência.  Um belo dia, uma excursão de geólogos descobre vastas reservas de petróleo nesse país.  Imediatamente após essa descoberta, os investimentos estrangeiros começam a afluir em massa para esse lugar.

Como o país até então não possuía uma infraestrutura avançada, esse investimento estrangeiro terá de construir basicamente tudo: poços petrolíferos, refinarias e oleodutos.  Terá também de construir estradas para escoar a produção, bem como um porto, onde embarcar o produto.  Para fazer todas essas construções, toneladas de equipamentos e materiais de construção terão de ser levados a esse país, bem como quantidades substanciais de bens consumo para prover os trabalhadores dessas construções.  Todos esses materiais, todos esses bens, constituem importações.  Mais ainda: eles representam a contrapartida física de todo o dinheiro que está entrando na conta capital e financeira.  O aumento do investimento estrangeiro possibilitou um aumento das importações.

A pergunta é: teria como esse país evitar um déficit na balança comercial?  Ou, como gostam de dizer economistas tarados por exportações, teria como esse país evitar uma balança comercial “desfavorável”?  Nem se ele exportasse todos os peixes, verduras, cocos e vacas que seus habitantes possuem.  E o principal: ele não teve de exportar absolutamente nada para pagar por essas importações — o petróleo só começará a jorrar daqui a vários anos, quando tudo isso estiver construído e operante.  Logo, essa balança comercial deficitária (“desfavorável”, segundo economistas) e todo o investimento estrangeiro que a gerou representaram na verdade um desenvolvimento econômico extremamente favorável para a economia local.  Difícil imaginar algo mais favorável do que esse arranjo.

Porém, um economista desenvolvimentista olharia para os números e lamentaria o déficit na balança comercial.  “Puxa, se ao menos vacas, peixes e cocos estivessem sendo mandados para fora para atenuar esse déficit comercial…”.  O genuíno desenvolvimentista realmente acredita que os habitantes desse país estariam em melhor situação caso abrissem mão de suas vacas, peixes e cocos, mandando-os para o estrangeiro e, em troca, alimentando-se, não sei, talvez de capim.  O que importa é a balança comercial.  Quanto menor o déficit, melhor.

Já um economista um pouco mais sensato reconheceria que o atual arranjo econômico desse país realmente é benéfico para sua população; ele reconheceria que investimentos estrangeiros produtivos necessariamente geram déficits na balança comercial, pois investimentos precisam da importação de bens de capital — se não precisassem da importação de bens de capital, então poderiam ser realizados por nativos.   Investimentos estrangeiros e o déficit na balança comercial que eles geram representam acumulação de capital para o país em questão.

Infelizmente, no Brasil atual, boa parte dos investimentos estrangeiros vai para títulos públicos — o que significa que eles vêm para cá apenas para financiar os déficits orçamentários do governo.  Porém, mesmo isso tem um lado positivo: estrangeiros financiarem parte do déficit do governo brasileiro significa que o setor privado nacional não precisa financiar esse déficit integralmente, o que significa que sobra mais recursos para serem canalizados para investimentos produtivos.  É claro que o ideal seria que os déficits orçamentários fossem eliminados.  Nesse caso, todo o capital estrangeiro seria necessariamente direcionado para o investimento produtivo no país, aumentando a riqueza nacional.  O investimento estrangeiro e as importações que ele gera ampliariam a poupança e a acumulação de capital dos cidadãos brasileiros.  Todos nós ficaríamos mais ricos.

A questão do câmbio

Embora reconheça todos os benefícios do cenário acima, um economista convencional diria que deixar a economia dependente do influxo de capital estrangeiro é muito arriscado, pois ele pode fugir a qualquer momento, provocando instabilidade na cotação do câmbio.  E isso é ruim tanto para exportadores quanto para importadores, pois eles passam a trabalhar em um cenário de grande incerteza, dedicando grande parte do seu tempo a especular qual será a futura taxa de câmbio, se o dólar vai encarecer ou baratear.  Logo, seria preferível garantir a entrada de dólares via exportações do que majoritariamente por investimentos estrangeiros.

Também há vários erros nessa abordagem.

O principal — e também o mais comum dos erros, proferido abundantemente pela mídia e pelos economistas convencionais — é essa noção de que o que determina o câmbio de um país é o volume de dólares que entra e sai dele.  Logo, segundo esse raciocínio, se houver uma fuga repentina ou uma entrada maciça de capital estrangeiro, e caso isso não se reverta, o câmbio ficará permanentemente alterado.

A preocupação maior sempre é com a “fuga de dólares”.  Segundo a teoria que esses economistas seguem, uma fuga de dólares depreciaria a taxa de câmbio (o dólar ficaria mais caro em relação ao real).  Esse fenômeno estimularia contínuas conversões de reais em dólares, pois os investidores ficariam receosos de ter prejuízos ao converter seus reais cada vez mais desvalorizados em dólares.  Por exemplo, se o dólar pula dos R$ 1,60 atual para R$ 1,80, o investidor que se atrasar para converter seus reais em dólares para sair do país terá grandes perdas.  Esse temor levará a contínuas conversões, o que gerará uma progressiva desvalorização cambial, jogando o câmbio para, digamos, muito acima dos R$ 2.  Logo, segundo essa teoria, a fuga de dólares gera um processo que se autoalimenta, deixando o dólar cada vez mais caro.  Consequentemente, as importações encareceriam sobremaneira, e a inflação de preços destruiria a economia.

O erro fundamental dessa teoria advém do fato de que ela ignora quase que completamente a função do dinheiro em conter processos prolongados de depreciação cambial.  Como Ludwig von Mises demonstrou ainda em 1912, em sua obre The Theory of Money and Credit, o determinante fundamental da taxa de câmbio entre duas moedas é o poder de compra relativo de cada uma delas.  Colocando de outra forma, o que determina a taxa de câmbio entre duas moedas independentes é a paridade do poder de compra entre elas.  O equilíbrio de longo prazo — ou a taxa de câmbio “final” entre duas moedas — sempre será exatamente igual à razão entre o poder de compra das duas moedas.

Isso significa que, por exemplo, se houver uma redução do poder de compra do real em relação ao dólar — porque o Banco Central brasileiro está inflacionando mais que o Fed —, o dólar ficará mais caro em termos de reais exatamente nessa mesma proporção, independentemente da maneira como os preços da economia irão se alterar durante esse processo de depreciação (a inflação de preços sempre se dá de maneira desigual e não neutra; os preços dos bens e serviços de alguns setores se alteram mais rapidamente e com maior intensidade do que os de outros setores).

Logo, se o preço de um mesmo produto é de US$ 600 nos EUA e de R$ 960 no Brasil, então a taxa de câmbio entre as duas moedas será levada a R$1,60/US$.  A essa taxa, um brasileiro vai pagar o mesmo valor por esse produto, seja ele comprado aqui no Brasil ou nos EUA.  Se o Banco Central brasileiro inflacionar a quantidade de reais na economia, tudo o mais constante, esse excesso de reais irá aumentar a demanda por esse bem e por outros bens no mercado nacional, elevando os preços gerais e reduzindo o poder de compra do real.  Como resultado, a essa mesma taxa de câmbio, será mais barato comprar esse bem em questão, assim como outros bens, nos EUA e não no Brasil.  Ato contínuo, a demanda por dólares irá aumentar em relação à demanda por reais, fazendo com que o real permanentemente se deprecie — perca valor — em relação ao dólar e a todas as outras moedas estrangeiras que não foram inflacionadas.  Esse processo irá continuar até uma nova taxa de câmbio ser atingida.

Por outro lado, caso não haja uma alteração do poder de compra do real em relação às moedas estrangeiras, a teoria da paridade do poder de compra implica que qualquer mudança que ocorra na taxa de câmbio será estritamente temporária e autorreversível.

Nesse sentido, se a razão de preços em reais e em dólares para um dado bem for diferente da taxa de câmbio vigente entre as duas moedas, então o equilíbrio ainda não foi atingido, o que significa que há oportunidades de lucro para um especulador: basta ele vender esse bem em troca da moeda que estiver sobrevalorizada e utilizar essa receita de venda para comprar a moeda subvalorizada.  Ato contínuo, ele utiliza essa moeda subvalorizada para recomprar esse bem.  Essas operações — tecnicamente chamadas de “arbitragem” — fazem com que a taxa de câmbio e a razão do poder de compra entre as duas moedas sejam levadas à sua relação correta.

Por exemplo, suponhamos que o mesmo bem A esteja custando R$ 2 ou US$ 1.  E suponha que a taxa de câmbio vigente seja R$ 1 = US$ 1.  Nesse caso, a julgar pelos preços de A, nota-se que o poder de compra do real é menor que o do dólar.  Porém, pela taxa de câmbio, o poder de compra de ambos são iguais.  Logo, comparando-se os preços com a taxa de câmbio, vemos que o real está sobrevalorizado e o dólar está subvalorizado.  O real está sobrevalorizado porque seu poder de compra, que é menor que o do dólar, está igual ao do dólar quando se analisa a taxa de câmbio.  Assim, claramente o câmbio está errado.  Um especulador esperto irá vender A em troca de reais (irá obter R$ 2) e, em seguida, irá trocar R$ 2 por US$ 2 (pois a taxa de câmbio é de 1:1).  Ato contínuo, irá recomprar esse bem por US$ 1, embolsando o dólar extra.  Essa contínua troca de reais por dólares encarecerá o dólar em relação ao real, finalmente levando a taxa de câmbio para seu valor correto, de R$ 2 por dólar.

Uma vez entendido esse conceito básico, porém fundamental, torna-se possível entender por que é errada a teoria de que o que determina o câmbio é o volume de dólares que entra ou sai do país.  Da mesma maneira, isso explica por que está errada a teoria de que uma súbita fuga de dólares irá gerar uma deterioração progressiva da taxa cambial.  Assim, abordando diretamente o temor desses economistas: se os investidores estrangeiros repentinamente ficarem desconfiados da solvência dos brasileiros e começarem a retirar seus dólares do país, num primeiro momento isso de fato geraria uma enorme procura por dólares e um excesso de oferta de reais, o que temporariamente jogaria a taxa de câmbio nas alturas.  Entretanto, tão logo essa transferência estiver completada, e desde que o Banco Central não aumenta a quantidade de moeda na economia, as forças de mercado irão rapidamente levar a taxa de câmbio para seu equilíbrio de longo prazo, restaurando a paridade do poder de compra entre o real e o dólar.

Daí a importância de o governo não intervir no mercado de câmbio, não proibir especulações e não colocar barreiras às importações.  Quanto mais livre for o mercado, mais rapidamente ocorrerá o processo de arbitragem e mais rapidamente o câmbio voltará ao valor correto.  Quanto mais obstáculos o governo colocar nesse mercado, mais lento será esse processo de reajuste, e mais a economia sofrerá com seu câmbio fora do lugar.

Lições cambiais

Tendo entendido todos esses detalhes, pode-se compreender por que é desnecessário se preocupar com déficits comerciais ou mesmo com “fuga de dólares”.  Uma fuga de dólares poderá de fato causar um aumento de juros no país, mas não fará com que, por si só, gere uma progressiva depreciação cambial.  A única medida governamental capaz de gerar uma progressiva depreciação cambial é uma contínua inflação da quantidade de dinheiro na economia, pois isso fará com que a moeda nacional perca poder de compra em relação às moedas estrangeiras.

Isso também explica por que medidas como controle de capitais ou tributação sobre a entrada de dólares (como as recentemente instituídas pelo governo brasileiro) não geram efeito de longo prazo sobre o câmbio.  Tais medidas servem apenas para diminuir a entrada de capital estrangeiro na economia, o que prejudica seriamente os investimentos estrangeiros e, por conseguinte, todos aqueles benefícios listados no início deste artigo.  É realmente difícil imaginar uma “medida cambial” mais asinina do que o controle de capitais.

A redução do influxo de dólares causada, por exemplo, por um aumento do IOF sobre operações de câmbio irá, no máximo, exercer um efeito de curto prazo na taxa de câmbio, por uma simples questão momentânea de oferta e demanda.  No longo prazo, no entanto, o que vai determinar o câmbio é o poder de compra das moedas — isto é, o quanto cada uma delas esta sendo inflacionada por seus respectivos bancos centrais.

Da mesma forma, ao contrário do que alega Guido Mantega, não é verdade que, não fossem essas medidas de controle cambial, o dólar hoje estaria muito mais barato (ele alega que estaria a R$ 1,40). Não.  Ele estaria aproximadamente com o mesmo valor que possui hoje.  Quem realmente impediu a desvalorização do dólar foi o Banco Central brasileiro, que nos últimos dois anos expandiu voluptuosamente a quantidade de dinheiro na economia brasileira, reduzindo o poder de compra do real (a inflação de preços acumulada em 12 meses beira os 7%, a maior desde maio de 2005).  Caso o Banco Central tivesse inflacionado menos, aí sim a taxa de câmbio hoje estaria mais apreciada (o dólar estaria mais barato).

O que vai determinar o câmbio brasileiro no longo prazo é a inflação monetária praticada pelos bancos centrais mundiais.

Reservas internacionais e balança comercial

Por fim, tendo explicado isso tudo, falta agora apenas explicar como um país poderia viver bem, sem sobressaltos, caso não tivesse um setor exportador robusto (com o qual adquirir dólares) e caso não tivesse volumosas reservas internacionais (para acalmar investidores em fuga).

E isso seria relativamente simples.  Ele teria de fazer “apenas” duas coisas: adotar uma política monetária não inflacionista e adotar o respeito absoluto à propriedade privada, assegurando aos investidores estrangeiros a total liberdade de investimentos e a total segurança para seus investimentos, além do total direito à repatriação de lucros.

Caso um país — por exemplo, o Brasil — adotasse uma política monetária não inflacionista, seu câmbio se apreciaria continuamente.  Esse ambiente de moeda estável, com crescente apreciação cambial, é extremamente atrativo para investimentos estrangeiros.  Imagine, por exemplo, que US$ 100 sejam investidos no Brasil quando o câmbio está a R$1,50.  Ao chegar aqui, 100 dólares viram R$ 150.  A uma taxa de lucro de, suponhamos, 10%, R$ 150 viram R$ 165.  Como durante esse período o real foi se apreciando continuamente em relação ao dólar — por causa da política monetária não inflacionista —, suponha que, na hora de repatriar os lucros, o dólar esteja custando R$ 1,30.  Sendo assim, R$ 165 viram US$ 127.  Portanto, 100 dólares viraram 127 dólares, o que dá uma taxa de lucro real de 27%, muito maior do que os 10% iniciais.

Ou seja, o investidor ganha duplamente.  Essa contínua apreciação cambial, em conjunto com a garantia de respeito à propriedade privada e aos contratos, tornaria o país excepcionalmente atraente para investidores internacionais e asseguraria o fluxo de investimentos estrangeiros, o que consequentemente garantiria as importações necessárias para o país.  O país teria divisas estrangeiras sem a necessidade de ter de ficar acumulando reservas.  O país não precisaria acumular grandes reservas internacionais porque os investidores não teriam o que temer.  Um grande volume de reservas internacionais é necessário apenas para países que operam com âncora cambial ou países que não possuem estabilidade macroeconômica.

(Ademais, o que ocorrerá aos 353 bilhões de dólares que o Brasil acumulou como reservas internacionais na eventualidade de o dólar virar pó?)

Mesmo na eventualidade de uma fuga de dólares, a política não inflacionária do país, aliada à liberdade de seu mercado de câmbio, garantiria a pronta estabilização cambial.  Inevitavelmente os investimentos estrangeiros voltariam.

Ou seja, um país pode perfeitamente obter as divisas estrangeiras de que necessita sem precisar para isso ter grandes indústrias exportadoras.  Nesse cenário, tais indústrias poderiam perfeitamente se voltar para a demanda nacional.  E se não houver demanda por seus produtos, seja no mercado nacional, seja no estrangeiro, então é porque ninguém os quer.  E não faria sentido insistir nisso, subsidiando tais indústrias.

Conclusão

O que determina o câmbio é a paridade do poder de compra entre as moedas.  O que vem mantendo a nossa taxa de câmbio quase que inalterada em relação ao dólar é o fato de a paridade do poder de compra entre o real e o dólar estar se mantendo a mesma, em decorrência das políticas monetárias adotadas pelos respectivos bancos centrais do Brasil e dos EUA.  Não tem nada a ver com as medidas manteguísticas — as quais, com efeito, seviram apenas para atrapalhar o mercado e prejudicar investimentos.

O atual nível das reservas internacionais brasileiras de fato ajuda o país a se sair relativamente bem durante uma crise financeira mundial, mas o custo de mantê-las é muito alto.  Seria muito mais eficaz economicamente o país adotar uma política monetária não inflacionária.  O nível de poupança, de investimentos, de acumulação de capital e, como consequência, de enriquecimento seria enorme.  Nossos leitores já sabem como funcionaria uma economia em que a oferta monetária fosse constante.  Com esse adendo aqui apresentado sobre o setor externo, a integração da teoria fica mais completa.

Não se deixe enganar por economistas e jornalistas que esperneiam contra déficits na balança comercial e contra o “perigo” das importações.  Quase sempre estão a soldo de interesses mercantilistas.

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