Para a atual geração, Hitler é o homem mais odiado da história, e seu regime representou o arquétipo da perversidade política. Entretanto, essa visão não se estende para suas políticas econômicas. Longe disso. Elas são abraçadas por governos ao redor do mundo. Por exemplo, um banco de Chicago – o Glenview State Bank – recentemente teceu louvores às políticas econômicas de Hitler em seu boletim informativo mensal. Ao fazer isso, o banco descobriu os perigos de se louvar políticas keynesianas em um contexto errado.
O boletim informativo não está disponível online, mas o seu conteúdo pode ser percebido através do protesto emitido pela Liga Antidifamação. “Independente dos argumentos econômicos”, diz o protesto, “as políticas econômicas de Hitler não podem ser divorciadas de suas políticas que esposavam um virulento antissemitismo, racismo e genocídio…. Analisar suas ações por meio de qualquer outra lente pode severamente distorcer o real significado de Hitler.”
O mesmo pode ser dito sobre todas as formas de planejamento central. É errado tentar examinar as políticas econômicas de qualquer estado leviatã sem levar em consideração a violência política que caracteriza todas as formas de planejamento central, seja na Alemanha, na União Soviética, na China, em Cuba, ou até mesmo nos EUA. Essa controvérsia realça o fato de que a conexão entre violência e planejamento central ainda não foi compreendida, nem mesmo pela Liga Antidifamação. A tendência dos economistas em admirar o programa econômico de Hitler é um exemplo característico.
Nos anos 1930, Hitler era amplamente visto como apenas mais um planejador central protecionista que acreditava na suposta ineficiência do livre mercado e na consequente necessidade de adotar um desenvolvimento econômico nacionalmente dirigido. A protokeynesiana Joan Robinson, uma economista socialista, escreveu que “Hitler já havia encontrado a cura para o desemprego antes de Keynes ter terminado de explicá-lo.”
Quais eram essas políticas econômicas? Ele suspendeu o padrão-ouro, criou uma enormidade de obras públicas, como as Autobahns, protegeu a indústria contra a concorrência externa, expandiu o crédito, instituiu programas que davam empregos públicos, ameaçou e intimidou o setor privado implantando controle de preços e decidindo o que deveria e o que não deveria ser produzido, expandiu vastamente o setor militar, reforçou o controle de capitais, instituiu o planejamento familiar, penalizou os fumantes, criou o sistema de saúde estatal e o seguro-desemprego, impôs padrões educacionais e, por fim, gerou enormes déficits orçamentários. O programa intervencionista nazista era essencial à rejeição do regime pela economia de mercado e sua predileção pelo socialismo, que deveria ser amplamente adotado por todo o país (o fato de o partido nazista se chamar Partido Nacional Socialista mostra que, ao menos, eles eram francos em sua autodescrição).
Esses programas continuam altamente glorificados hoje em dia, mesmo quando se considera seus fracassos. Eles são parte essencial de toda democracia “capitalista”. O próprio Keynes era um admirador confesso do programa econômico nazista, chegando mesmo a escrever o prefácio da edição alemã da Teoria Geral: “[A] teoria da produção como um todo, que é o que este livro tenciona oferecer, se adapta muito mais facilmente às condições de um estado totalitário, e não às condições de livre concorrência e uma grande medida de laissez-faire.”
O comentário de Keynes, que pode chocar a muitos, não veio do nada. Os economistas de Hitler rejeitavam o laissez-faire e admiravam Keynes, chegando até mesmo a se antecipar a ele de muitas formas. Similarmente, os keynesianos admiravam Hitler (veja George Garvy, “Keynes and the Economic Activists of Pre-Hitler Germany,” The Journal of Political Economy, volume 83, edição 2, abril de 1975, pp. 391-405).
Mesmo já em 1962, em um relatório escrito para o presidente Kennedy, Paul Samuelson implicitamente elogiava Hitler: “A história nos lembra que, mesmo durante os piores dias da Grande Depressão, nunca faltavam aqueles especialistas que criticavam todas as necessárias e curativas medidas públicas…. Tivesse esse conselho prevalecido por aqui, como prevaleceu na Alemanha pré-Hitler, a própria existência de nossa forma de governo poderia estar em risco. Nenhum governo moderno cometerá esse erro novamente.”
De certa forma, isso não é nada surpreendente. Hitler instituiu um New Deal para a Alemanha que era diferente apenas em detalhes do New Deal de Roosevelt e de Mussolini. E mesmo que o PIB daquela era tenha apresentado uma tendência de crescimento, essas políticas funcionaram apenas no papel. O desemprego permaneceu baixo porque Hitler, embora tenha intervindo no mercado de trabalho, nunca tentou aumentar os salários para além de seu nível de mercado. Mas por baixo do pano, fora das vistas dos “especialistas”, graves distorções estavam ocorrendo na economia, assim como elas ocorrem em qualquer economia que não seja de mercado. Essas distorções podem até gerar um crescimento do PIB no curto prazo (que é o que provavelmente ocorrerá na atual crise, com os gastos governamentais estimulando artificialmente os PIBs), mas elas não funcionam no longo prazo.
“Escrever sobre Hitler sem considerar o contexto de milhões de inocentes brutalmente assassinados e dezenas de milhões que morreram lutando contra ele é um insulto à memória de todos eles”, escreveu a Liga Antidifamação em protesto à análise publicada pelo Glenview State Bank. De fato é.
Mas ser indiferente quanto às implicações morais das políticas econômicas é a característica típica da profissão. Quando os economistas clamam por um estímulo na “demanda agregada”, eles não explicitam o que isso realmente significa. “Estimular a demanda agregada” significa suprimir violentamente as decisões voluntárias de consumidores e poupadores, violando seus direitos de propriedade e sua liberdade de associação com o objetivo de se atingir as ambições econômicas do estado. Mesmo que alguns desses programas possam vir a funcionar de alguma forma técnica, eles devem ser rejeitados por serem totalmente incompatíveis com a liberdade.
Vejamos, por exemplo, o protecionismo. A maior ambição do programa econômico de Hitler era expandir as fronteiras da Alemanha de modo a tornar viável a idéia de autarquia, o que significava impor enormes barreiras protecionistas às importações. O objetivo era tornar a Alemanha um produtor autossuficiente, de modo que ela não mais tivesse de temer qualquer influência estrangeira e não condicionasse o destino de sua economia às atividades dos outros países. Foi um caso clássico de xenofobia economicamente contraproducente.
E no entanto, em todo o mundo atual, políticas protecionistas estão sendo tragicamente ressuscitadas. Nos EUA, por exemplo, uma vasta gama de produtos, desde a madeira até os microchips, está sendo protegida contra a concorrência externa e barata. A França quer que suas montadoras retornem todas as suas fábricas para a França. Segundo o presidente Sarkozy: “É justificável construir uma fábrica da Renault na Índia e vender carros da Renault para os indianos. Mas não é nada justificável construir fábricas da Peugeot e da Citroën na República Tcheca e vender esses carros na França”.
Todas essas políticas protecionistas são normalmente combinadas com tentativas de se estimular a oferta e a demanda através de maiores gastos públicos, mais assistencialismo, maiores déficits e, principalmente, a promoção de um maior fervor nacionalista. Tais políticas podem criar a ilusão de uma crescente prosperidade, mas a realidade é que elas distorcem o mercado, tirando recursos escassos de usos produtivos e desviando-os para inutilidades.
Talvez a pior parte dessas políticas é que elas são inconcebíveis sem a existência de um estado leviatã, exatamente como Keynes disse. Um governo grande e poderoso o suficiente para manipular a demanda agregada é grande e poderoso o suficiente para violar as liberdades civis das pessoas e atacar seus direitos de todas as formas. Políticas keynesianas (ou hitleristas) liberam a guilhotina do estado sobre toda a população. Planejamento central, mesmo em sua variedade mais trivial, é incompatível com a liberdade.
Hitler, assim como Roosevelt, deixou sua marca na Alemanha e no mundo ao acabar com todos os tabus que ainda existiam contra o planejamento central e fazendo com que o estado máximo se tornasse uma característica aparentemente permanente nas economias ocidentais. David Raub, o autor do artigo para o banco Glenview, foi ingênuo ao pensar que poderia ver os fatos da mesma forma que os economistas convencionais os veem e sugerir o que ele pensava ser uma medida convencional. A Liga Antidifamação está correta neste caso: o planejamento central jamais deve ser louvado. Devemos sempre ter em mente seu contexto histórico e seus inevitáveis resultados políticos.