Mises e a Escola Austríaca – uma visão pessoal

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Introdução

[O]nde predominam as ideias intervencionistas, só aqueles que se identificam com os interesses de um grupo de pressão podem fazer uma carreira política. (…) O verdadeiro estadista procura invariavelmente estabelecer políticas de longo prazo; aos grupos de pressão só interessam os resultados de curto prazo.[1]

Resolvi concorrer ao Congresso devido ao desastre dos controles de salários e de preços impostos pelo governo Nixon em 1971. Quando o mercado acionário reagiu euforicamente à imposição desses controles e ao fim da convertibilidade entre o ouro e dólar, e a Câmara de Comércio americana e muitos outros grandes grupos empresariais apoiaram com entusiasmo, resolvi que alguém na política tinha de condenar os controles e oferecer a alternativa que podia explicar o passado e dar esperança no futuro: a defesa do livre mercado pelos economistas austríacos. Naquela época, eu estava convencido, assim como Ludwig von Mises, de que ninguém poderia ter sucesso na política sem servir aos interesses particulares de algum grupo de pressão politicamente poderoso.

Embora tenha acabado me elegendo, em termos de uma carreira política convencional com verdadeiro impacto em Washington, ele tinha toda a razão. Não granjeei influência legislativa junto à liderança do Congresso ou ao governo executivo. Verbas para obras rotineiras de saneamento básico em meu distrito eleitoral são deliberadamente cortadas de projetos de lei porque eu não chancelo o sistema nem voto a favor de qualquer repasse de recursos.

Minha influência, tal como se apresenta, vem apenas educando as pessoas a respeito da justiça do livre mercado. A maioria dos eleitores em meu distrito a aprova, assim como aqueles que estão familiarizados com a economia de livre mercado. E eleitores de outros distritos, estimulados por minha defesa aberta da liberdade e da moeda sólida, influenciam os seus representantes na direção de um livre mercado. Minha influência vem por meio da educação, e não das técnicas tradicionais de um político. Mas os políticos mais tradicionais no Congresso dificilmente vão resolver nossos problemas. Os americanos precisam de uma melhor compreensão da Economia Austríaca. Só então os políticos se tornarão mais estadistas.

Tomei conhecimento da Economia Austríaca quando estava estudando medicina na Duke University e me deparei com um exemplar de O Caminho da Servidão, de Hayek.[2] Após devorar o livro, estava decidido a ler tudo o que eu pudesse encontrar sobre o que eu acreditava ser uma nova escola de pensamento econômico — principalmente a obra de Mises. Embora as obras fossem esplêndidas, e me esclarecessem muitas questões, foi uma revelação ainda maior descobrir intelectuais que podiam confirmar o que eu “já sabia” — que o livre mercado é superior a uma economia centralmente planejada. Não sabia como um livre mercado realizava sua obra, de modo que o estudo da economia me mostrou a sua operação e a maneira de erguer sua defesa. Mas, como muitas pessoas, não precisei ser convencido dos méritos da liberdade individual — para mim, isso veio naturalmente.

Porque, até onde vai minha memória, sempre quis estar livre de qualquer forma de coerção do governo. Todos os meus instintos naturais a respeito à liberdade foram inevitavelmente confrontados pelo sistema escolar convencional, pela mídia e pelo governo. Esses sistemas tentaram lançar dúvidas sobre a minha convicção de que apenas um mercado sem amarras está em consonância com a liberdade individual. Embora tranquilizado pelo fato de que gigantes intelectuais como Mises aprovassem um sistema laissez-faire, ficava frustrado por saber o que era o certo enquanto assistia a um desastre em gestação em nossa economia. Quanto mais eu vinha a entender como o mercado funcionava, mais eu via a necessidade de implementar essas ideias por meio da ação política.

Ações políticas voltadas para a mudança podem, é claro, assumir formas variadas. Em 1776, nos Estados Unidos, foi em forma de uma guerra pela independência da opressão britânica. Em 1917, na Rússia, a violência foi usada para fortalecer a opressão.

Felizmente, é possível realizar o tipo certo de mudança por meio da educação, da persuasão e do processo democrático. Nossos direitos de liberdade de expressão, de reunião, de crença, de petição e de privacidade permanecem essencialmente intactos. Antes que percamos nossos direitos, temos de trabalhar para mudar as políticas de 70 anos de intervencionismo estatal. Quanto mais esperarmos, mais difícil será.

Devido ao meu interesse na liberdade individual e no livre mercado, aproximei-me muito, ao longo dos anos, de amigos e alunos de Mises, aqueles que conheciam a grandeza de Mises por uma longa amizade pessoal com ele. Meu contato com Mises, no entanto, sempre se deu por intermédio de seus escritos, exceto por uma ocasião. Em 1971, em um dia movimentado em meu consultório médico, almocei sem pressa para dirigir 100 quilômetros até a Universidade de Houston para assistir a uma das últimas palestras formais proferidas por Mises — esta, sobre o socialismo. Embora já tivesse 90 anos, ele impressionava muito, e sua apresentação me instigou a estudar mais a Economia Austríaca.

Minha amizade e encontros subsequentes com Leonard Read e sua Foundation for Economic Education também me instigaram a trabalhar mais duro por uma sociedade livre da intrusão do governo em nossas vidas pessoal e econômica. Meu conhecimento foi estimulado e apoiado pelo trabalho extraordinário do Mises Institute, com suas várias publicações e conferências, e seu inspirador trabalho entre estudantes optando por carreiras acadêmicas.

Minha amizade com dois importantes alunos de Mises, Hans Sennholz e Murray Rothbard, foi particularmente proveitosa para obter explicações em primeira mão sobre o funcionamento do mercado. Ela me ajudou a sofisticar minhas respostas à contínua enxurrada de leis estatistas que dominam o Congresso americano. Sua ajuda pessoal foi inestimável para mim, em meus esforços educacionais e políticos.

Essas amizades são valiosas, mas a segurança dada por pensadores robustos estarem do meu lado foi inspiradora. Ela me deu a confiança de que precisava para defender intelectualmente minhas posições políticas e econômicas na campanha eleitoral e na tribuna do Congresso.

O Caráter de Mises e sua Influência

O valor da minha ligação com o pensamento econômico da Escola Austríaca tem sido inestimável para mim, assim como os testemunhos pessoais acerca do caráter de Mises. Ele jamais sucumbiu a qualquer tentação de atenuar sua posição para ser mais aceito na comunidade econômica convencional, comprovando ser um homem de vontade e de caráter firmes. Se tivesse atenuado suas posições, teria obtido maior reconhecimento durante sua vida. Mas seu objetivo era a verdade econômica, e não um posto acadêmico de prestígio ou elogios superficiais. Sua determinação e consistência estavam balizadas pela confiança de que estava certo, e essa retidão era tudo que importava. Mises sempre foi um cavalheiro, gentil e atencioso com todos, e tenho tentado imitá-lo. Quando o mundo dos economistas e dos políticos está enlouquecendo, é difícil reagir com debates tranquilos e ponderados. No entanto, essa reação lhe era útil e aumentava sua capacidade de lecionar. Em seu devido tempo, sua voz tranquila e as de seus alunos serão ouvidas, apesar da gritaria e da demagogia que afligem Washington, D.C.

Quando ficamos exasperados com o atual estado de coisas, temos de nos lembrar da admoestação de Mises: “Ninguém deve esperar que qualquer argumento lógico ou qualquer experiência possa sequer sacudir o fervor quase religioso daqueles que acreditam na salvação através da gastança e da expansão do crédito.”[3]

Mas temos de nos lembrar também de que é a aceitação do intervencionismo econômico que alimenta essa doença da demagogia que flagela o pensamento e o discurso dos políticos.

Após passarem a crer em si mesmos como planejadores e tomadores de decisão para consumidores, homens de negócio e trabalhadores, os políticos logo podem racionalizar arrogantemente qualquer posição por qualquerrazão. Não seria tão ruim se eles soubessem que são demagogos — ao menos, isso seria honesto. Mas essa arrogância se torna um modo de vida e o instrumento para levar a cabo sua próxima intervenção “importante e necessária.”

É apenas com a segurança integral obtida com a Economia Austríaca, e com o exemplo do caráter de Mises, que consigo tolerar o circo cotidiano do Congresso.

O conhecimento econômico não é tão escasso em Washington como alguém poderia imaginar ao observar o Congresso em sessão. Outros parlamentares com frequência compartilham comigo, em caráter privado, julgamentos bem fundados a respeito de déficits e de gastos descontrolados. O que lhes falta é a força de vontade de resistir aos grupos de pressão. Por mais que precisemos desesperadamente de uma melhor compreensão econômica, precisamos ainda mais da característica misesiana da firmeza cavalheiresca a respeito de questões de princípio. O caráter é mais necessário do que a eloquência na teoria econômica.

Jacques Rueff descreveu bem essa qualidade de Mises:

Com um entusiasmo incansável, e com coragem e fé destemidas, ele nunca deixou de denunciar as razões falaciosas e as inverdades oferecidas em justificação da maioria de nossas novas instituições. (…) Nenhuma consideração consegue desviá-lo o mínimo do caminho reto e íngreme pelo qual sua razão objetiva o guia. Em meio ao irracionalismo de nossa época, ele se manteve uma pessoa puramente racional.[4]

Murray Rothbard, em O Essencial von Mises, escreve que Mises:

respondeu ao obscurecimento do mundo econômico à sua volta com uma vida de grande coragem e integridade pessoal. Jamais se curvaria a tendências de mudança que percebia serem desastrosas e estarem fadadas ao fracasso. Nenhuma alteração, fosse de economia política, fosse da ciência econômica, seria capaz de fazê-lo desviar-se um milímetro sequer da busca e da apresentação da verdade tal como a via.[5]

A Teoria do Valor Subjetivo

O estudo da Economia Austríaca me ajudou de várias maneiras a compreender não só o que ocorre em nossa economia, mas também as desculpas dos economistas do sistema por não estarmos alcançando o paraíso que os políticos prometiam, contanto que suas leis fossem aprovadas. Chegou a hora, é claro, de eles prestarem muitos esclarecimentos, já que, depois de 70 anos de intervenção, as condições só pioraram e enfrentamos uma crise bancária internacional sem precedentes em toda a história.

De todas as importantes contribuições da Escola Austríaca, a teoria do valor subjetivo se mostrou a mais proveitosa para mim na compreensão do porquê as coisas não serem como os intervencionistas dizem que elas têm de ser. Segundo os adivinhos, sempre há uma desculpa fácil. Na Rússia, é sempre o clima. No intervencionista Estados Unidos são “os especialistas”, “o timing“, “os resíduos do capitalismo”, “a política tributária”, “gastos muito baixos”, “jogo de interesses” etc. As desculpas não têm fim.

Exceto por alguns poucos parlamentares, ninguém no Congresso jamais ouviu falar da teoria do valor subjetivo (ou da teoria do valor-trabalho, aliás), e ninguém dá a mínima. No entanto, creio que é crucial que eles compreendam a teoria se quisermos realizar reformas reais. Uma vez que se tem dado tão pouca atenção aos fundamentos, noções superficiais da teoria do valor-trabalho continuam a instigar muitos parlamentares a promover leis que garantam uma recompensa “justa” ao trabalhador. A explicação de como indivíduos, atuando livremente no mercado, determinam valores e preços de bens específicos dissipa os mitos propagados tanto pelos keynesianos quanto pelos monetaristas. Os keynesianos culpam os árabes pela inflação; os monetaristas, restringindo suas ideias à quantidade de moeda como o único determinante dos preços, suscitam mais perguntas do que respondem. Foi apenas por meio de uma compreensão básica de como os preços são determinados subjetivamente que não cedi aos argumentos “plausíveis” dos planejadores que conseguem se ater a verdades parciais e a consequências de curto prazo. Quando analisada sob um ponto de vista austríaco, a “estagflação” não tem nada do mistério que se proclamava na recessão de 1974 a 1976.

Há alguns que já ouviram falar da teoria do valor subjetivo mas que hesitam a aceitá-la porque preferem a “objetividade” à “subjetividade.” No entanto, se os consumidores estabelecem subjetivamente os preços e os valores afetando a oferta e a demanda (e, assim, as vendas), essa é uma importante descoberta objetiva. Apenas porque podemos medir agregados monetários, ou horas gastas na fabricação de um bem, decidimos que esses fatos objetivos podem ser utilizados para determinar o valor. No entanto, não é de fato assim que os preços são determinados, de modo que esses fatos não são objetivamente úteis para esse fim. Aqueles que usam esses fatos “objetivos” para calcular “níveis de preço” futuros negam sem pestanejar a objetividade de certas leis econômicas que são manifestamente evidentes, por exemplo, o planejamento estatal leva ao caos; imprimir moeda não cria nova riqueza; moeda de curso forçado não pode substituir a moeda-mercadoria sem uso da força ou fraude etc. Portanto, eles negam a subjetividade onde ela é importante — na compreensão de como preços individuais são estabelecidos — e ignoram leis econômicas objetivas, de modo que seus programas de planejamento possam ser levados a cabo. Esse mecanismo é tão conveniente quanto ignorante. Ele permite que os planejadores em Washington desafiem persistentemente todas as leis econômicas, a fim de que os políticos possam pôr em prática noções pré-concebidas e errôneas a respeito do que é melhor para todos.

Ao aceitarem a ideia de que os preços são uma consequência “objetiva” de certos acontecimentos anteriores — da oferta de moeda, de boicotes ao petróleo, de acertos salariais ou da política agrícola —, eles naturalmente sentem que os preços podem ser alterados com facilidade. Projetos de lei para estabelecer salários, preços, o crédito, dividendos e controles de lucros foram apresentados no Congresso e podiam concebivelmente ser aprovados, se as condições “autorizassem.” Embora a precificação de livre mercado seja crucial para transmitir as mensagens necessárias aos empreendedores e aos consumidores, sua origem é absolutamente mal compreendida em Washington, de modo que não surpreende que nossa economia permaneça ameaçada.

Se não há qualquer compreensão abrangente dos fundamentos de uma estrutura de livre precificação, a economia de mercado sempre estará ameaçada. E sem uma estrutura de livre precificação, o mercado não pode funcionar. Para compreender como os preços são determinados, temos de compreender a teoria do valor subjetivo.

A Importância da Moeda

Hoje, é difícil acreditar que foi uma grande inovação na economia Mises ter demonstrado logicamente que, sob o socialismo, os preços não podem ser estabelecidos e o cálculo econômico é impossível. É de se surpreender que os países socialistas, sem os subsídios de um país capitalista, sejam incapazes de alimentar o próprio povo? Essa é a razão por que a ameaça do comunismo diminuiria enormemente se conseguíssemos impedir nossos políticos eleitos de injetarem recursos nesses países. Somente a força permite que um sistema sobreviva sem um mecanismo de precificação de livre mercado.

Tendo-se estudado a economia de livre mercado, os efeitos desastrosos de controles de salário e de preços jamais são uma surpresa. Apesar dos fracassos recentes e antigos dos controles de salário e de preços, eles — assim como controles de crédito, controles cambiais e ataques a bens imóveis — continuarão a ser usados, para nosso grave prejuízo econômico, porque as pressões políticas para manterem-se os enormes déficits são fortes demais em Washington. Dessa maneira, o dólar será inevitavelmente destruído.

Como não podemos prever o futuro — porque não podemos prever as decisões subjetivas de milhões de consumidores e produtores —, não podemos saber exatamente quando isso virá à tona. No entanto, podemos ter certeza, dada a história, de que os políticos vão continuar destruindo nossa moeda e vão postergar tanto quanto possível as consequências necessariamente resultantes.

Mises escreve que chegará um momento em que teremos de fazer uma escolha:

Temos de escolher entre a economia de mercado e o socialismo. O estado pode preservar a economia de mercado protegendo a vida, a saúde e a propriedade privada contra agressões violentas ou fraudulentas; ou pode assumir ele mesmo a gestão de todas as atividades produtivas. Algum órgão tem de determinar o que deve ser produzido. Se não forem os consumidores por meio da oferta e demanda no mercado, tem de ser o governo por meio da compulsão.[6]

Compreender a moeda é a chave para restabelecer a saúde da economia. Desde que entrei para a política, passei mais tempo tratando do tema da moeda do que de qualquer outro. A Economia Austríaca, e sobretudo os escritos de Mises, foram particularmente proveitosos para mim. A explicação de Mises a respeito de como a moeda surgiu no mercado como uma mercadoria útil me convenceu de que a moeda deve, mais uma vez, ser restituída ao mercado como uma mercadoria.

Os políticos inevitavelmente destroem a moeda ao tomarem o controle dela, e tentam torná-la um simples bem do estado, apartado por completo de qualquer mercadoria demandada pelo consumidor. Mises entendia como a questão da moeda havia se tornado uma questão tanto política quanto econômica. Suas ideias me ajudaram a me opor tanto às desculpas esquerdistas quanto às conservadoras para déficits. Ambas as facções, independentemente da retórica, dependem de um sistema de moeda de curso forçado e da inflação, que ocultam as exações necessárias para manter o financiamento do governo ao mesmo tempo em que servem aos interesses particulares que obtêm a moeda emitida antes que a depreciação seja reconhecida pela população em geral.

Meu apoio à legalização da competição entre moedas foi obviamente influenciado pela visão misesiana da moeda. Essa é uma área em que podemos fazer até os monetaristas concordarem. Mises explica que a moeda — como qualquer mercadoria — tem uma utilidade marginal e que seu valor é determinado subjetivamente. Isso me ajudou a refutar a versão pura da teoria quantitativa da moeda, tal como apresentada pela Escola de Chicago. A moeda como mercadoria precisa ter uma qualidade intrínseca, e os consumidores precisam confiar na moeda para que ela funcione — algo cada vez mais ausente hoje em dia. Quando se compreende isso, desfaz-se o mistério quanto ao motivo por que o mercado de títulos atua como atua, e por que as taxas de juros são “altas demais”, como os monetaristas e os keynesianos proclamaram.

A incompreensão mais comum em Washington no tocante à moeda é a convicção de que o crescimento econômico depende de expansão monetária. Ricardo mencionou-o, mas foi Mises quem enfatizou e esclareceu o seguinte ponto: a duplicação da quantidade de moeda não proporciona nenhum benefício social. Se proporcionasse, estaríamos em maus lençóis para explicar por que o crescimento econômico foi tão pequeno nos anos de 1970, quando o Comitê do Federal Reserve quase triplicou a oferta de moeda (M3). Ainda hoje, a ampla maioria dos burocratas e dos políticos acredita que, sem expansão monetária, não há como se ter crescimento econômico. Eles veem a moeda como algo apartado da tributação, dos gastos fiscais e das políticas regulatórias; sem uma compreensão do valor, da precificação e da qualidade da moeda, é virtualmente impossível explicar-lhes que os preços podem ser facilmente ajustados para baixo se um livre mercado o exigir. A opinião prevalente é que preços em queda são um sinônimo de depressão — uma ideia obviamente errônea. Aqueles que acreditam nisso não compreendem a natureza do capital — que ele vem do esforço produtivo e da poupança. Eles acreditam que o capital é algo que você obtém quando o Fed aumenta a oferta de moeda.

Em Uma Crítica ao Intervencionismo, Mises escreve:

Nenhum decreto governamental pode criar coisa alguma que já não tenha sido criada antes. Apenas os inflacionistas ingênuos acreditam que o governo pode enriquecer a humanidade através de emissão de dinheiro. O governo não pode criar coisa alguma; suas ordens não podem nem mesmo expropriar nada que pertença ao mundo da realidade, mas podem expulsar qualquer coisa do mundo do permissível. O governo não é capaz de tornar o homem mais rico, mas pode empobrecê-lo. [7]

Aplicando o conceito de utilidade marginal à moeda, Mises explica soberbamente a embriaguez manifestada pelo economista convencional a respeito das estatísticas de velocidade do governo. A propensão dos consumidores a reter moeda ou a gastá-la explica por que às vezes os preços sobem mais lentamente do que algumas pessoas dizem que “deviam”, e por que eles sobem mais rapidamente do que “deviam” ao final de uma destruição da moeda, apesar da redução na criação de nova moeda. Somente a Economia Austríaca pode explicar adequadamente esses acontecimentos econômicos.

Em 1913, Mises publicou A Teoria da Moeda e do Crédito.[8] Nessa obra-prima, ele nos deu tudo que seria necessário para evitar as calamidades financeiras do século XX e, possivelmente, até as guerras travadas com a arma da inflação. Tragicamente, os Estados Unidos tomaram outro caminho; com o Coronel House aconselhando o presidente Wilson, fundamos um banco central poderoso e implementamos o destrutivo imposto de renda progressivo — tudo naquele mesmo ano. O custo subsequente em sofrimento humano e em perda de liberdade tem sido incomensurável.

Vários Pontos Especiais

A explicação cristalina oferecida por Mises a respeito da natureza da moeda e da inflação me serviu, e muito, na defesa de um sistema de moeda sólida. Compreender a teoria do valor subjetivo foi imensamente proveitoso para mim, em termos pessoais, para compreender todas as contradições incorridas pelos economistas do sistema, mas não pude dar expressão popular à teoria na tribuna da Câmara. Em contraste, a verdade a respeito da moeda e da inflação, e como a inflação beneficia os políticos e os interesses particulares e atua como um imposto oculto, é muito mais fácil de se apresentar na linguagem do dia-a-dia.

Compreender o conceito de “preferência temporal” ao explicar e defender os lucros e os juros não é prático no debate aberto, mas é útil ao proporcionar os dados para demonstrar o absurdo das afirmações dos socialdemocratas e dos socialistas de que os trabalhadores são prejudicados por uma economia de livre mercado.

De modo semelhante, a refutação misesiana da teoria marxista da inevitabilidade da luta de classes é proveitosa pela segurança adicional mas não é útil em termos práticos, já que aqueles que estão no comando do Congresso nem compreendem nem querem compreender algo que eles consideram esotérico. Contudo, é importante para um defensor do capitalismo compreender a explicação austríaca de que o capitalismo acaba com a luta de classes, forma uma classe média enorme e melhora o padrão de vida de todos. As escolhas específicas dos consumidores tornam-se cruciais em um livre mercado — que só pode existir em um país que tenha uma profunda preocupação com a liberdade individual. Embora os políticos em Washington recusem-se a pensar nesses termos, o fato é que mudanças positivas só virão quando nossos líderes intelectuais reconhecerem a importância de conceitos como a preferência temporal, bem como da natureza dos conflitos de classe e de valorações subjetivas. Quando a visão austríaca tornar-se comumente aceita, o capitalismo decorrerá de uma ordem política que terá a liberdade individual em alta conta.

Os Ciclos Econômicos

Há alguns integrantes do Congresso americano que conhecem em profundidade e são entusiastas do socialismo, e que lutariam por ele com tanto afinco quanto eu lutaria pelo livre mercado. Mas eles formam um grupo pequeno. Em sua maior parte, os congressistas são benfeitores ostensivamente pragmáticos — “pragmáticos” o bastante para se agarrar ao intervencionismo mais vantajoso às suas necessidades políticas particulares e para lhes proporcionar uma defesa intelectual. Sejam keynesianos, apoiadores da economia da oferta ou monetaristas, sempre há uma explicação para déficits, impostos, bancos centrais, moedas de curso forçado, inflação e todas as modalidades de intervencionismo. No entanto, a maior parte dos congressistas continua bem-intencionada, mas, devido às suas concessões, seriamente desorientada. Na verdade, concessões tornam-se uma “filosofia benéfica” em si mesmas. Se alguém não faz concessões, torna-se “rígido”, “estéril”, “contra o que é prático”, “egotista”, “ideológico” e “ineficaz.” A política torna-se a arte da concessão. No entanto, em uma análise mais aprofundada, percebe-se com facilidade que são os parlamentares que fazem concessões que são rígidos, estéreis, contra o que é prático, ideológicos e egotistas em sua defesa do sistema muito perigoso baseado no intervencionismo e na inflação.

É raro em Washington que alguém seja acusado de prejudicar deliberadamente os pobres. Ninguém gera desemprego deliberadamente. Ninguém gosta de taxas de juros elevadas, de preços em alta ou de padrões de vida em queda. Todos afirmam que sabem como evitar o sofrimento provocado pelos ciclos econômicos — no entanto, quase todos aceitam a tese de que o ciclo decorre do capitalismo desenfreado. Como apenas uma meia dúzia já estudou a explicação soberba de Mises a respeito de como a política monetária do governo cria o ciclo, apenas soluções ingênuas e politizadas são propostas. Mesmo o monetarismo não oferece ajuda, uma vez que a moeda-mercadoria é condenada e a teoria do valor subjetivo, rejeitada.

É trágico assistir, dia após dia, à enxurrada de soluções estatistas de ambos os partidos em Washington, sabendo que as respostas estão inteiramente à disposição, apenas se nossos líderes atuais abrissem os olhos, expelissem os demagogos e restabelecessem a ordem com um sistema monetário saneado e uma economia de livre mercado.

Considerei as explicações austríacas de Rothbard e Sennholz a respeito da Grande Depressão realmente esclarecedoras. Convencido da real causa da Depressão tanto do ponto de vista teórico (Mises) quanto mais prático (Rothbard e Sennholz), fiquei mais determinado do que nunca a trabalhar por um sistema monetário saneado — sem um banco central ou (papel) moeda política. Todas as pessoas preocupadas com o sofrimento e a degradação do desemprego deveriam estudar a explicação austríaca de como taxas de juros distorcidas, investimentos ruins, cálculos econômicos enviesados e tratamentos preferenciais a empresas favorecidas e a distritos eleitorais originam o crime dos ciclos econômicos.

Políticos são facilmente desorientados e convenientemente tentados pela fase de crescimento do ciclo. Como Mises salienta:

(…) provou-se conclusivamente que todo o declínio econômico, cuja aparência os inflacionistas atribuíam a uma insuficiente oferta monetária, é, ao contrário, o resultado inevitável das tentativas de se reverter tal suposta escassez de dinheiro através da expansão do crédito….

Essa demonstração poderia ter algum apelo ao estadista que tivesse o interesse de promover um bem-estar duradouro a sua nação. Ela não poderia influenciar demagogos que só pensam em seu sucesso eleitoral e não estão nem um pouco preocupados com o que acontecerá depois do amanhã.[9]

Obviamente, é impossível lidar com política sem ficar a par da natureza humana e de como o intervencionismo atrai demagogos. Refutar os demagogos que se vangloriam de sua grande habilidade durante o crescimento econômico, e que gritam cada vez mais alto a favor do estatismo enquanto os colapsos ficam mais severos a cada ciclo, parece uma tarefa hercúlea. É fácil perceber que muitas “recuperações” econômicas não passam de mais do mesmo — entrar em um novo ciclo por meio de gastos fiscais e da inflação, esperando mais uma bonança, que pode ou não se materializar. Em algum momento, o truque ilusório da inflação deixará de criar “prosperidade”? Quando essa hora chegar, devido ao período prolongado de inflação que atravessamos, podemos esperar uma crise política e econômica séria na civilização ocidental. Os encantamentos da economia do lado da oferta, do monetarismo ou do keynesianismo não bastarão, e as vozes fascistas e socialistas da opressão ficarão cada vez mais altas e influentes.

Política Internacional

Minha principal motivação para entrar na política foi dar alguma contribuição para o estabelecimento de uma sociedade livre. Esse desejo, aliado aos argumentos austríacos em defesa do funcionamento eficiente da economia de mercado, serviu-me muito. O interesse em especial que tem ocupado meu tempo é o tema da moeda e da inflação.

Contudo, é impossível concentrar-se na moeda e na inflação e ignorar a política externa. Elas estão entrelaçadas. O fato de que o intervencionismo econômico leva a uma redução de nosso padrão de vida é ruim o suficiente, mas sua produção de excessivo nacionalismo, protecionismo, isolacionismo econômico, militarismo e guerras deveria despertar em todos nós o temor pelo destino da liberdade e da própria civilização. A previsão de Mises de que o tipo americano de intervencionismo levará a um tipo alemão de nacional-socialismo parece ser precisa. Em Ação Humana, Mises sustenta:

Um ponto essencial na filosofia social do intervencionismo é a pressuposição da existência de fundos inesgotáveis que podem ser drenados permanentemente. O sistema intervencionista entra em colapso quando essa fonte seca: desmorona o mito do Papai Noel econômico. [10]

Evidências confirmando a previsão de Mises estão hoje por toda parte. Podemos apenas ter esperança de que consigamos mudar as coisas antes que a previsão de que estamos a caminho de um fascismo de tipo alemão torne-se realidade.

Conservadores que reconhecem o fracasso de sua modalidade de intervencionismo agora esboçam planos para a “reindustrialização” — um eufemismo para fascismo (“parceria” entre governo e empresas). A Regulamentação Bancária Número Um e a Lei de Defesa da Produção, já nos livros, permitem, sob circunstâncias emergenciais, que um déspota econômico assuma o controle quase imediatamente. Em uma situação de pânico, não será preciso muito para todos ruirmos. Como os americanos desaprovam a propriedade estatal direta, teremos a ilusão da propriedade privada em conjunção ao controle autoritário do governo sobre a economia. E alguns empresários, sob esse sistema, esperarão sempre garantir lucros maiores às custas de vítimas inocentes (e desconhecidas).

Em Ação Humana, Mises salienta:

O nacionalismo agressivo é uma consequência necessária das políticas intervencionistas e do planejamento central. Enquanto o laissez-faire elimina as causas dos conflitos internacionais, a interferência do governo na atividade econômica e o socialismo criam conflitos para os quais não se consegue encontrar qualquer solução pacífica. Enquanto num regime de livre comércio e de liberdade de migração nenhum indivíduo se preocupa com o tamanho do território de seu país, num regime de medidas protecionistas adotadas pelo nacionalismo econômico quase todo cidadão tem um interesse substancial nessas questões territoriais. O aumento do território sujeito à soberania do seu próprio governo significa uma melhoria material para si mesmo ou pelo menos um alívio em relação às restrições que são impostas ao seu bem-estar, por um governo estrangeiro. O que transformou a guerra limitada entre exércitos reais em guerra total, num conflito entre povos inteiros, não foram as tecnicalidades da arte militar; foi a substituição da filosofia do laissez-faire pelo estado provedor (welfare state). [11]

E, novamente, mais adiante ele reitera:

O intervencionismo gera nacionalismo econômico e o nacionalismo econômico gera beligerância. Se os homens e as mercadorias são impedidos de cruzar as fronteiras, por que não haveriam os exércitos de fazê-lo? (…)A raiz do mal não é a construção de novas e terríveis armas; é o espírito de conquista.

Como Mises mostra, o “espírito de conquista” é o problema, e não as armas em si. Por essa razão, ele não deposita qualquer confiança em tratados e em conferências, que para ele não passavam de tolices burocráticas.

As tensões internacionais estão crescendo como nunca, com a guerra ao terror alimentando mais terrorismo, o que proporciona mais razões para a guerra. A magnitude dessas tensões é ainda maior do que nos anos de 1930. A dívida internacional é mais elevada; o nível de inflação mundial é mais ameaçador.

O ouro foi “desacreditado” por todos os governos. Os mecanismos da inflação por todo o mundo estão operando a todo vapor, lutando para evitar que a pirâmide da dívida desmorone. A real formação de capital diminui ano a ano. Incrementos militares continuam a taxas sem precedentes. Os governos ocidentais continuam a financiar regimes cruéis, emprestando mais de 100 bilhões de dólares. À medida que a capacidade militar de outros países é fortalecida com financiamento nosso, ouvimos demandas prementes tanto dos democratas quanto dos republicanos para aumentar vastamente os gastos militares. Nunca questionamos nossos subsídios aos “aliados e amigos” por meio de enorme ajuda militar e econômica. Desmontamos nossas bases aéreas na Costa do Golfo do Texas e enviamos aeronaves com sistema AWAC para a Europa e o leste asiático, deixando nossas costas vulneráveis. Todas as necessidades de defesa do Japão são custeadas pelo pagador de impostos americano e sua poupança é repassada às montadoras de carros e outros exportadores japoneses. As indústrias de automóvel e de aço americanas pedem, então, mais protecionismo, por meio de cotas e de tarifas.

Toda essa insanidade, claro, é financiada por meio de uma altíssima carga tributária e de inflação suportada por nossos pagadores de impostos. Sem a moeda de curso forçado, esses programas desvairados seriam impossíveis. E mais inflação e mais planejamento só pioram as coisas. E estamos agora em meio à compensação dos problemas que criamos com barreiras ao comércio, desvalorizações, taxas de câmbio flutuantes, resgates de bancos e ajuda financeira a governos estrangeiros e do terceiro mundo. A única resposta dada ao panorama em deterioração é ou gastar mais em bombas ou assinar tratados sem valor com governos indignos de confiança. E, no entanto, há claramente outra opção.

Ninguém quer considerar seriamente a moeda sólida e o livre comércio como uma alternativa. Banco central e moeda de curso forçado provocam os ciclos econômicos e desemprego. Eles também nos proporcionam crises internacionais e guerras. Para alcançar a paz e a prosperidade, temos de aceitar as ideias do livre mercado e da moeda honesta.

Direitos Naturais

Ludwig von Mises foi o maior economista de todos os tempos. Mas ele nunca me convenceu de que

É um disparate metafísico juntar a “escorregadia” e vaga noção de liberdade com as leis absolutas e invariáveis da ordem cósmica. Assim, a ideia básica do liberalismo é desmascarada como uma falácia. (…)No quadro da observação experimental dos fenômenos naturais, não há espaço para o conceito de direitos naturais.[12]

Mises também escreveu:

Os utilitaristas não combatem o governo arbitrário e os privilégios por serem contrários à lei natural, mas por serem prejudiciais à prosperidade. Recomendam igualdade perante a lei civil, não porque os homens sejam iguais, mas porque tal política é benéfica à comunidade. Ao rejeitar as noções ilusórias de lei natural e igualdade humana, a moderna biologia não fez mais do que repetir o que os utilitaristas defensores do liberalismo e da democracia já haviam ensinado antes, e de maneira bem mais persuasiva. É óbvio que nenhuma doutrina biológica poderá jamais invalidar o que a filosofia utilitarista predica em relação à utilidade social do governo democrático, da propriedade privada, da liberdade e da igualdade perante a lei. [13]

Embora Mises sustente que a “ideia de lei natural é bastante arbitrária”, eu poderia sugerir que também o são asinterpretações da utilidade. A inflação é muito “útil” para aqueles no poder. Apenas um conceito de direitos naturais pode condenar a utilidade “percebida” do intervencionismo. Em um esforço para refutar aqueles que advertem das consequências “a longo prazo” de uma política, Keynes apoiou-se no utilitarismo, respondendo que “no longo prazo, todos estaremos mortos.” Todos os argumentos que já ouvi no Congresso são apresentados como utilitaristas e — para os grupos de pressão representados — as propostas certamente são “utilitaristas.” Esses argumentos nunca estão baseados em princípios morais atinentes ao direito natural das pessoas de cuidarem de suas próprias vidas. O Papai Noel vence o debate “utilitarista” até que seja tarde demais para reagir.

O amparo do intervencionista no apelo do Papai Noel, o “utilitarismo” e uma preocupação ostensivamente generosa com os oprimidos só podem ser enfrentados por uma defesa mais verdadeiramente utilitarista do livre mercado e pelo conceito de direitos naturais — o que permite aos não intervencionistas assumir o padrão moral realmente elevado. Na ausência de um argumento baseado em direitos naturais, forma-se um vácuo moral, para o qual os socialistas se precipitam, vencendo todas as vezes. Eles venceram ao longo de todo o século XX, ao passo que o conceito de direitos conferidos por Deus foi quase obliterado. A austeridade em benefício da próxima geração não conseguirá votos o bastante em um sistema político democrático. Alie-a ao argumento moral em defesa do direito natural, e as chances de êxito aumentam enormemente.

A rejeição do direito natural por Mises lhe deu brecha para ser “utilitarista” na questão do serviço militar obrigatório:

A tarefa essencial do governo é defender o sistema social, não apenas contra os malfeitores internos, mas também contra os inimigos externos. Aquele que, nos dias de hoje, se opõe ao armamento e ao serviço militar está sendo cúmplice, talvez até mesmo sem percebê-los, dos que visam à escravização geral. [14]

O serviço militar obrigatório afronta a ideia de uma sociedade de fato livre. Mas, ironicamente, um estudo aprofundado do alistamento revela que ele não é prático nem eficiente, mas acima de tudo perigoso. O argumento utilitarista em prol do serviço militar obrigatório é um argumento “arbitrário.” Uma filosofia do direito natural não é arbitrária no tocante ao alistamento, que é particularmente perigoso em uma época em que o intervencionismo econômico montou o palco para a guerra. O serviço militar obrigatório, sob essas condições, fornece os atores.

Sim, o intervencionismo leva ao nacionalismo militante e ao isolacionismo econômico. As guerras que geralmente seguem na esteira de políticas econômicas insensatas dependem de um sistema monetário de curso forçado para obter financiamento e do serviço militar obrigatório para obter participantes. Uma guerra de fato defensiva, em uma sociedade livre, tem de ser travada com voluntários. Apenas aliando uma economia de livre mercado a uma filosofia do direito natural, podemos pretender minimizar a probabilidade da guerra.

Resumo

A Economia Austríaca forneceu-me a munição intelectual para amparar minha tendência natural a dizer “não” a todas as formas de intervenção do governo. Mises proporciona inspiração para agarrar-me aos princípios e para defender, tranquila e confiantemente, a superioridade de um mercado descentralizado, guiado pelo consumidor, em contraste a uma economia burocrática, planejada centralmente.

Mises é cristalino a respeito da responsabilidade que todos temos de estabelecer uma sociedade livre. Ele conclui a obra Socialism com o seguinte conselho:

Todos carregam consigo uma parte da sociedade; ninguém está livre de sua quota de responsabilidade para com os outros.  E nenhum indivíduo poderá estar seguro se a sociedade em que vive estiver se encaminhando para a destruição.  Portanto, cada indivíduo, para seu próprio bem, deve se lançar vigorosamente nesta batalha intelectual.  Ninguém pode se dar ao luxo de ficar indiferente e impávido; os interesses de todos dependem do resultado.  Queira ou não, cada homem fará parte dessa grande batalha histórica, essa batalha decisiva em que fomos jogados pelos atuais eventos.[15]

E, em Ação Humana, ele afirma:

Ninguém tem como fugir à sua responsabilidade pessoal. Quem — seja quem for — não usar o melhor de sua capacidade para examinar esses problemas estará voluntariamente submetendo seus direitos inatos a uma autodesignada elite de super-homens. Em assuntos tão vitais, confiar cegamente nos “entendidos” e aceitar passivamente mitos e preconceitos vulgares equivale a renunciar à sua própria autodeterminação e submeter-se à dominação de outras pessoas. Para o homem consciente, nada é mais importante na atualidade do que a economia. Está em jogo o seu próprio destino e o de sua descendência.[16]

Estou convencido, como Mises, de que as soluções para a crise que enfrentamos têm de ser positivas (o que é apenas uma razão por que estou tão satisfeito com a fundação do Ludwig Von Mises Institute). Ele afirmou, emA Mentalidade Anticapitalista, que o “movimento do contra” não “possui chance alguma de ter êxito” e que “a única coisa que pode impedir as nações civilizadas da Europa Ocidental, da América e da Austrália de serem escravizadas pelo barbarismo de Moscou é o amplo e irrestrito apoio ao capitalismo laissez-faire.  [17]

Sem a Economia Austríaca, eu não teria tido minha carreira política. A força motivadora mais vigorosa em minhas atividades políticas é viver livre, já que nasci livre. A liberdade é meu objetivo primordial. O livre mercado é apenas o resultado que pode ser esperado de uma sociedade livre. Não aceito a liberdade individual porque o mercado é eficiente. Ainda que o livre mercado fosse menos “eficiente” do que o planejamento central, continuaria preferindo minha liberdade pessoal à coerção. Felizmente, não preciso fazer uma escolha. A Economia Austríaca sustenta a eficiência do mercado, e isso reforça meu desejo e meu direito incomensuráveis de ser livre.

Se nenhuma explicação intelectual adequada a respeito da eficiência do livre mercado existisse, nenhum ativismo político, de qualquer tipo, seria possível para uma pessoa pró-liberdade. Nossa posição seria apenas um sonho teórico irreal.

No entanto, não vejo conflitos entre uma defesa utilitarista da economia de mercado e o argumento em favor de um mercado livre como uma consequência de um compromisso moral com direitos outorgados por Deus — porque não há conflito algum. A aprovação do mercado pelo economista por razões puramente utilitaristas torna-se de fato uma análise mais “objetiva” se não for formulada a partir de uma posição baseada em direitos naturais. Mas, quando aliada à filosofia do direito natural, é ainda mais poderosa. Nenhuma escolha precisa ser feita. O argumento utilitarista não exclui a crença em que a vida e a liberdade provêm do Criador. Quando são somadas, tornam-se duplamente importantes.

Quando alguém defende o livre mercado com base em argumentos utilitaristas, começa com as ações particulares do indivíduo. Começando com um argumento baseado em direitos naturais, o “a priori” torna-se “o dom da vida e da liberdade” natural ou outorgado por Deus.

Os utilitaristas podem ser neutros ou antagônicos a respeito da origem da vida e da liberdade, mas isso não enfraquece de maneira alguma sua explicação das vantagens técnicas de um sistema econômico livre. Por sua vez, aqueles que aceitam uma filosofia do direito natural não têm qualquer escolha senão aceitar o capitalismolaissez-faire.

A defesa utilitarista do mercado de Mises abre carreiras políticas para aqueles que acreditam na liberdade, na coragem, e até desafia quem acredita de verdade no sistema a apresentá-lo em termos políticos.

Mises, em Ação Humana, diz:

O florescimento da sociedade humana depende de dois fatores: da capacidade intelectual de homens excepcionalmente dotados e da habilidade desses ou de outros homens para tornar essas ideologias aceitáveis pela maioria. [18]

Ludwig Von Mises certamente ofereceu teorias econômicas e sociais robustas. Espero que meu modesto sucesso na política possa estimular outros a tentar seguir o meu caminho e ajudar a provar que Mises estava “errado”, demonstrando que uma carreira política está aberta a homens e a mulheres que não se identificam com os interesses de um grupo de pressão, mas, sim, com a liberdade de todos.
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Tradução: Ricardo Bernhard


[1] Ludwig von Mises, Ação Humana (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2011), p. 984.

[2] Friedrich A. Hayek, O Caminho da Servidão (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2010).

[3] Ludwig von Mises, “As pedras viram pães: o milagre keynesiano,” Planning for Freedom (South Holland, Illinois: Libertarian Press, 1974), p. 63.

[4] Jacques Rueff, “The Intransigence of Ludwig von Mises,” in On Freedom and Free Enterprise, Mary Sennholz, ed. (Princeton, New Jersey: D. Van Nostrand, 1956), p. 15.

[5] Murray Rothbard, O Essencial von Mises (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2010).

[6] Ludwig von Mises, Planned Chaos (Irvington-on-Hudson, New York: Foundation for Economic Education, 1947), p.34.

[7] Ludwig von Mises, Uma Crítica ao Intervencionismo (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2010).  p.23.

[8] Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit (New Haven, Connecticut: Yale University Press, 1953).

[9] Mises, “Lord Keynes e a Lei de Say“, Planning for Freedom, p. 68.

[10] Mises, Ação Humana, p. 968.

[11] Ibid, p. 930.

[12] Ibid, p. 216.

[13] Ibid, p. 216.

[14] Ibid, pp. 341-42.

[15] Ludwig von Mises, Socialism (New Haven, Connecticut: Yale University Press, 1951), p. 515.

[16] Mises, Ação Humana, p. 993.

[17] Ludwig von Mises, A Mentalidade Anticapitalista (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2010).  p. 80.

[18] Mises, Ação Humana, p. 977.

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Ron Paul
é médico e ex-congressista republicano do Texas. Foi candidato à presidente dos Estados Unidos em 1988 pelo partido libertário e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2008 e 2012 pelo partido republicano. É autor de diversos livros sobre a Escola Austríaca de economia e a filosofia política libertária como Mises e a Escola Austríaca: uma visão pessoal, Definindo a liberdade, O Fim do Fed – por que acabar com o Banco Central (2009), The Case for Gold (1982), The Revolution: A Manifesto (2008), Pillars of Prosperity (2008) e A Foreign Policy of Freedom (2007). O doutor Paul foi um dos fundadores do Ludwig von Mises Institute, em 1982, e no ano de 2013 fundou o Ron Paul Institute for Peace and Prosperity e o The Ron Paul Channel.

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