Há um grande número de mitos envolvendo os países nórdicos que simplesmente não resistem a uma análise mais detalhada.
Dentre estes mitos estão a ideia de que a alta expectativa de vida dos países nórdicos é decorrente de um setor público inchado; a ideia de que generosos programas públicos explicam, por si sós, os baixos níveis de pobreza nórdica; e o mito de que os países nórdicos são como aviões sem asa que desafiam a gravidade ao não serem negativamente afetados por altos impostos.
Não obstante esses mitos, há sim uma teoria de esquerda que os países nórdicos comprovaram ser correta: políticas social-democratas podem ser populares entre o eleitorado.
Embora os partidos social-democratas tenham recentemente perdido boa parte do apoio de que sempre desfrutaram (Dinamarca, Noruega e Finlândia hoje têm governos, respectivamente, liberais, conservadores e de centro [com uma coalizão de direita]), eles conseguiram dominar a política nórdica por um longo período de tempo.
Por algum tempo, a Suécia ganhou a pecha de ser um estado formado por um só partido, dado que os Social Democratas detiveram o poder de maneira quase que consecutiva de 1932 a 2006 — período este interrompido por governos de centro-direita entre 1976 e 1982 e depois entre 1991 e 1994 (tendo sido este o governo que implantou as grandes reformas).
Para um observador externo, pode parecer surpreendente que o povo nórdico tenha repetidas vezes elegido governos que gostam de aumentar impostos. A explicação simplista para esse fenômeno é a existência de apoio ideológico para políticas assistencialistas.
Entretanto, há também outro motivo que vale a pena ser examinado em maiores detalhes: o público em geral não está totalmente ciente do custo total, em termos de maiores impostos, gerado pela expansão do setor público. Os políticos foram bem-sucedidos em criar uma ilusão fiscal: os atuais níveis elevados de tributação não teriam sido aceitos pela população caso essa tributação houvesse sido feita de maneira mais direta e transparente.
Antes de as políticas terem se radicalizado ao final da década de 1960, a carga tributária nos países nórdicos era de aproximadamente 30% do PIB — valor muito próximo ao de outros países desenvolvidos. À época, todo esse fardo tributário era bastante visível, pois a maior parte da tributação se dava por meio de impostos diretos, os quais apareciam no contracheque dos empregados.
Ao longo do tempo, uma fatia cada vez maior da tributação passou a ser arrecadada por meio de impostosindiretos. Estes são bem menos visíveis para os que arcam com eles, uma vez que tais impostos ou são cobrados antes de o salário ser formalmente pago ao empregado, ou já estão incluídos nos preços dos bens de consumo.
A Finlândia é um exemplo bem interessante dessa política. A carga tributária do país foi de 30% do PIB em 1965. Os impostos indiretos, tanto na forma de VAT (imposto sobre o valor agregado, essencialmente um imposto sobre vendas) quanto de contribuições compulsórias para a previdência social, equivaliam a 25% da tributação total.
Já em 2013, a carga tributária total já havia aumentado para 44% do PIB, sendo que metade disso estava na forma de impostos indiretos (ou, utilizando um termo mais apropriado, impostos ocultos).
Como mostra o gráfico abaixo, os governos finlandeses financiaram a expansão do setor público por meio da elevação dos impostos indiretos (ocultos), e não por meio da elevação dos impostos diretos (visíveis).
Impostos ocultos e visíveis na Finlândia (como porcentagem do PIB)
Gráfico 1 – Finlândia: a linha vermelha mostra a evolução dos impostos indiretos (VAT e previdência social); a linha verde mostra a evolução dos outros impostos (diretos); a a linha azul são os impostos totais. Fonte: base de dados tributária da OCDE e cálculos próprios.
Já a Dinamarca seguiu um caminho em que tanto os impostos ocultos quanto os visíveis foram elevados
Impostos ocultos e visíveis na Dinamarca (como porcentagem do PIB)
Gráfico 2 – Dinamarca: a linha vermelha mostra a evolução dos impostos indiretos (VAT e previdência social); a linha verde mostra a evolução dos outros impostos (diretos); a a linha azul são os impostos totais. Fonte: base de dados tributária da OCDE e cálculos próprios.
Já na Noruega e na Suécia, os impostos visíveis são hoje menores do que eram na década de 1960, muito embora a carga tributária total seja consideravelmente maior.
Como pode ser visto no gráfico abaixo, resta claro que os governos de ambos os países seguiram uma estratégia baseada em substituir a receita oriunda de impostos visíveis pela receita oriunda de impostos ocultos.
Consequentemente, embora o trabalhador comum esteja pagando cada vez mais para o governo, os contracheques desse mesmo trabalhador mostram, enganosamente, uma redução na tributação.
Impostos ocultos e visíveis na Noruega (como porcentagem do PIB)
Gráfico 3 – Noruega: a linha vermelha mostra a evolução dos impostos indiretos (VAT e previdência social); a linha verde mostra a evolução dos outros impostos (diretos); a a linha azul são os impostos totais. Fonte: base de dados tributária da OCDE e cálculos próprios.
Impostos ocultos e visíveis na Suécia (como porcentagem do PIB)
Gráfico 4 – Suécia: a linha vermelha mostra a evolução dos impostos indiretos (VAT e previdência social); a linha verde mostra a evolução dos outros impostos (diretos); a a linha azul são os impostos totais. Fonte: base de dados tributária da OCDE e cálculos próprios.
Em outras palavras, com a exceção da Dinamarca, o aumento na tributação se deu integralmente por meio de um aumento na tributação indireta (oculta).
Isso está totalmente de acordo com as previsões sobre “ilusão fiscal” feitas pelo economista italiano Amilcare Puviani, ainda em 1903. Puviani explicou que os políticos têm todos os incentivos para ocultar o real custo do governo, e o farão recorrendo cada vez mais a impostos indiretos e cada vez menos a impostos diretos. Como consequência disso, afirmou Puviani, o público irá subestimar o verdadeiro custo das políticas adotadas.
Desta maneira, é possível criar a ilusão de que um setor público em contínuo inchaço beneficia indivíduos e famílias ao mesmo tempo em que custa menos do que de fato custa. Na prática, em vez de financiar o estado por meio de sua declaração de imposto de renda, o indivíduo financia o estado cada vez que vai ao supermercado comprar comida ou ao shopping comprar roupas.
O Nobel James Buchanan e outros estudiosos desse fenômeno explicaram que é mais fácil para os políticos elevarem impostos ocultos e indiretos do que impostos visíveis e diretos.
É por isso que não deveria ser surpresa nenhuma constatar que aqueles que defendem uma maior carga tributária optaram por seguir uma estratégia similar à dos países nórdicos. A ONG esquerdista Roosevelt Institute, dos EUA, recomenda abertamente a adoção de “impostos menos visíveis, os quais os americanos têm mais probabilidade de apoiar”.
A própria reforma do sistema de saúde americano, o Obamacare, representa uma forma de tributação indireta — por meio de um sistema extremamente complexo — que é ainda mais difícil de ser percebida pelo cidadão comum do que o sistema adotado nos países nórdicos.
Em qualquer país do mundo — seja nos EUA ou Reino Unido [N. do E.: no Brasil, essa sempre foi a tática] —, a adoção e o aumento de impostos menos visíveis é um caminho muito mais fácil para aumentar a carga tributária do que elevar os impostos visíveis.
[N. do E.: é sempre bom ressaltar que, segundo o site Doing Business, nas economias escandinavas, você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130 no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média (7,9% no Brasil); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34% no Brasil); o investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restrições); os direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem fazendas e a justiça os convida para um cafezinho); e o mercado de trabalho é extremamente desregulamentado. Não apenas pode-se contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem qualquer justificativa e sem qualquer custo. E tudo com o apoio dos sindicatos, pois eles sabem que tal política reduz o desemprego. Não há uma CLT (inventada por Mussolini e rapidamente copiada por Getulio Vargas) nos países nórdicos.]
Eis aí uma lição que a esquerda mundial pode realmente aprender com os nórdicos [e com o Brasil].
Mas, é claro, a questão permanece: não seria muito mais moral e ético ter um sistema honesto, em que as pessoas saibam exatamente quanto estão pagando pelo governo?