Uma nova ideia está se espalhando pelos mercados financeiros: o Fed está prestes a fechar suas torneiras monetárias. O mestre supremo das impressoras, Ben Bernanke, anunciou que pode começar a reduzir o programa mensal de monetização da dívida, chamado de ‘afrouxamento quantitativo’ (quantitative easing – QE), já no segundo semestre de 2013, e que talvez possa interrompê-lo completamente já em meados do ano que vem. Mas ele também garantiu aos mercados que o Fed manteria a taxa básica de juros da economia americana próxima de zero até 2015. Ainda assim, o fim do QE é visto como o início do fim de uma política monetária extremamente frouxa, além de potencialmente ser o primeiro passo rumo à normalização, como se alguém ainda tivesse alguma ideia do que seja ‘normal’.
Temendo que o fluxo do nutritivo leite materno oriundo do Fed pudesse secar, uma resolutamente mimada Wall Street gritou “fogo!” e houve uma corrida mundial para o dólar.
Até aqui, tudo bem. Há apenas um problema: isso não vai acontecer.
Não me entenda mal: sou o primeiro a declarar em alto e bom som que o Fed deveria sim abolir o QE, e não apenas no segundo semestre deste ano e nem muito menos em meados do ano que vem, mas sim agora. Incontinenti. Por quê? Porque uma política de QE e de taxas de juro zero é uma completa insanidade. Ela distorce os mercados, impede a liquidação dos desequilíbrios e o expurgo dos desarranjos, proíbe a correta precificação de riscos e estimula novos endividamentos. Ela entorpece todos os mecanismos de cura impostos pelo mercado — ao permitir mais maquinações da indústria financeira — e acrescenta novos desequilíbrios aos antigos, os quais ela também ajuda a prolongar.
Esta política pode ter impedido — por ora — que houvesse uma deflação em decorrência da desalavancagem dos bancos, mas uma desalavancagem talvez seja exatamente aquilo de que a economia americana precisa.
O QE nada mais é do que intervenção pesada no mercado. É destrutivo. Não apenas não soluciona os problemas fundamentais da economia, como também cria outros novos.
O carro de fuga de Larry Summers
No entanto, nenhuma das objeções é sequer considerada pelo Fed. O Banco Central americano possui uma perspectiva completamente distinta: para ele, esta política foi um estrondoso sucesso, e funcionou tão bem que agora já pode ser finalizada. Não mais haverá necessidade dela em um futuro próximo. A espantosa frase pronunciada por Larry Summers (ex-Secretário do Tesouro de Bill Clinton e um dos cotados para assumir a presidência do Fed em 2014) talvez seja a que melhor captura o espírito deste raciocínio: Em pouco tempo, a economia já terá alcançado sua ‘velocidade de escape’ (na física, é a velocidade mínima necessária para um objeto deixar o campo de atração gravitacional).
As analogias, em sua maioria, são um tanto pobres, mas esta é particularmente absurda. No entanto, e de forma irônica, a referência à física mecânica captura perfeitamente a lógica dos keynesianos e dos demais intervencionistas: a economia é como um objeto físico que se move ao longo do espaço e, ocasionalmente, precisa de um pequeno empurrão para voltar a se locomover a uma velocidade adequada. As políticas governamentais fornecem tal empurrão.
Bernanke não utiliza esses termos, mas seu pensamento é similar. Em 2010, ele explicou o QE para o públicodizendo que seu trabalho era o de manipular, apenas ocasionalmente, as taxas de juros e os preços dos ativos com o intuito de estimular empréstimos, endividamentos, gastos, consumismo e outras saudáveis atividades econômicas, e que tão logo essas maquinações estimulassem o suficiente estas atividades, a economia entraria novamente em um ciclo virtuoso (essas foram exatamente suas palavras) de crescimento sustentado. A velocidade de escape estaria restaurada.
É claro que isso é um contra-senso, por mais atraente que possa soar ao público. A economia não é um objeto que necessita de um empurrão, ou uma máquina que necessite de uma ligação direta, ou uma égua preguiçosa que necessite de um gentil tapinha no traseiro para voltar a andar (é claro que você jamais deve agredir um animal!). A economia é um complexo processo de coordenação, um elaborado ferramental que permite que um amplo e diversificado grupo de agentes, com objetivos e interesses distintos e frequentemente conflitantes, coopere entre si de forma pacífica de modo a alcançar a melhor realização possível de seus próprios objetivos materiais. Uma crise econômica é uma falha ocorrida neste processo de coordenação. Trata-se de um conjunto de erros no sistema. A única explicação para a ocorrência de tal conjunto de erros é que tenha havido uma sistêmica distorção das propriedades coordenadoras do mercado, tal como ocorre quando a expansão monetária distorce as taxas de juros e outros preços relativos, e leva a desequilíbrios que desorganizam a economia.
A economia americana entrou em recessão por causa de maciças deformações financeiras. Uma política monetária frouxa levou a um endividamento excessivo, a uma bolha imobiliária e a perigosos níveis de alavancagem. Os problemas foram exatamente estas distorções, e não uma “falta de impulso” à economia. A real questão, portanto, não é se as estatísticas do PIB exibem a velocidade correta, mas sim se os desarranjos ocorridos nos fundamentos da economia — os quais, para decepção dos econometristas, não podem ser facilmente apurados pelos dados macroeconômicos — foram solucionados.
Sem escape
O Fed acredita já ter curado, utilizando uma política monetária frouxa, uma economia que havia adoecido por causa de uma política monetária frouxa. O paciente está se sentindo melhor e muito em breve poderá receber alta da unidade de tratamento intensivo. Sob minha perspectiva, o paciente não apenas ainda está doente, como agora está também perigosamente viciado. A sensação de estar momentaneamente melhor pode ser apenas uma consequência do barato fornecido pela droga ministrada em doses generosas pelo Dr. Bernanke. Sintomas de abstinência podem surgir rapidamente. Ao surgirem, o Dr. Bernanke irá simplesmente ordenar novas dosagens do remédio. Não se esqueça de que foi há apenas algumas semanas que o homem apareceu na TV tentando, por meio de suas palavras, elevar o índice de ações Russell 3000.
Não duvido de que, se mensurada exclusivamente pelos números do PIB, a economia americana esteja atualmente em melhor situação. Seria tolice de minha parte tentar atacar o Fed neste aspecto. O Fed possui uma equipe de mais de 200 economistas, a maioria deles, suponho, oriunda das melhores universidades americanas, o que não significa que eles sejam bons economistas, mas provavelmente bons estatísticos. Se eles estão dizendo que há sinais de vida na economia americana, então está bom para mim.
É na narrativa que eu discordo deles. As deformações ocorridas na economia americana ainda estão lá. Como não poderiam estar, dado o enorme esforço das políticas monetária e fiscal para suprimir as próprias forças de mercado que teriam — em um livre mercado — exposto e acabado com estas deformações? As deformações ainda existem e ainda estão bem visíveis, como, por exemplo, nos indicadores de endividamento. E eles são importantes.
É por isso que não confio nas projeções do Fed. A teoria adotada por seus economistas os leva a acreditar em coisas como ciclos virtuosos e ‘velocidade de escape’, e a desconsiderar coisas como desequilíbrios e distorções. Qualquer revogação definitiva da atual política monetária irá fazer com que estas deformações ressurjam e imediatamente obscureçam o atual aspecto positivo da economia. De acordo com minha visão de mundo, este tipo de correção é saudável e deveria ter liberdade para ocorrer, já que é parte do essencial processo de cura. Mas isso vai contra a visão de mundo do Fed e contra sua auto-imposta missão de ‘estabilidade econômica’.
A única instituição que não possui ‘velocidade de escape’ é o Fed. Ele continuará refém tanto dos monstros financeiros que criou quanto da perigosa e errônea noção de sua própria grandeza.