No relatório de consumo de países emergentes do Credit Suisse, o Brasil é o país com um consumo “discricionário mais prevalente”, o que é uma forma educada de dizer que gastamos mais dinheiro com futilidades do que outros países emergentes.
Entre os brasileiros com uma renda de até U$1.000 (mensurada pela paridade do poder de compra), 62% dos participantes disseram que pretendem comprar roupa ou tênis “de marca” nos próximos 12 meses. A proporção sobe para 74% entre os que ganham mais de U$2.000, maior do que nos demais países emergentes do relatório.
Lembrando que, mesmo considerando a paridade de poder de compra, “roupa de marca” é mais cara aqui do que em outros países emergentes.
Não sei dizer se somos mais fúteis. Se somos, não saberia explicar como ficamos assim, mas, a la Rousseau, irei propor uma hipótese de economia política para justificar parte da suposta futilidade nacional.
Todo consumo humano tem um significado que vai além da sua prometida utilidade prática. Quando compramos um sapato, estamos comprando um calçado, mas também estamos adquirindo um símbolo de distinção em relação às outras pessoas.
Thorstein Veblen fala sobre esse consumo distintivo em The Theory of the Leisure Class: “O elemento da distinção e o elemento da eficiência bruta não são separáveis na apreciação de mercadorias feitas pelo consumidor”.
Em termos secos e econômicos, pagamos o preço da sinalização do nosso status social. Parte do que uma logomarca faz é comunicar tacitamente o status social do dono.
Mesmo antes de haver Farragamo e Prada, a incrementação supérflua sempre serviu como sinalização do produto. Quanto mais essa incrementação ultrapassa o necessário para que o produto possa ser funcional, maior seu status.
Vá a qualquer museu histórico e repare como que, de utensílios a estruturas, qualquer objeto tem formas e detalhes que vão além da sua função primária. Ou pense nos relógios que são fabricados com mais técnica e detalhes do que o necessário para que um indivíduo saiba as horas a qualquer momento.
Antes da revolução industrial, a incrementação de um produto exigia alto grau de tempo e esforço. Tudo mudou com o progresso capitalista dos últimos 200 anos.
Após a revolução industrial, são as máquinas, e não os seres humanos, que conseguem realizar maior incrementação e precisão técnica. Nos países em que os pobres têm amplo acesso ao capitalismo, a produção em massa populariza a incrementação industrial, reduzindo ou até mesmo acabando com sua propriedade sinalizadora de status.
Na margem, essa popularização da produção industrial faz com que incrementação e a precisão técnica não mais estejam embutidas no preço. A produção de um relógio incrementado e tecnicamente preciso fica mais barata que um relógio produzido de modo mais artesanal. Ter um smartphone ou um tênis Nike não serve para sinalizar status nas ruas de Londres ou nos cafés de Paris.
Nesses cenários, produtos menos industriais e mais artesanais ganham em valor de sinalização de status. Dedicar tempo de trabalho pessoal à criação de um bem que pode ser produzido industrialmente parece um desperdício. Mas é um desperdício de trabalho que substitui o desperdício da incrementação. De maneira que, diz Veblen, até as “imperfeições e irregularidades nas linhas do artigo artesanal” ganham valor de status.
O Brasil não está dentro do mesmo capitalismo global. Nossos produtos industrializados continuam sendo bastante caros. De um lado, porque tributamos pesadamente a industrialização: você é penalizado se quiser aumentar sua produtividade empregando máquinas. De outro, sufocamos a importação com barreiras de exclusão comercial e com uma burocracia indecifrável.
Enquanto a diminuição dos custos da incrementação industrial diminui radicalmente seu valor sinalizador lá fora, aqui dentro ela continua sendo custosa. O que não é sinal de distinção em outros países passa a ser sinal de distinção dentro do Brasil.
Acabamos sendo um país que gasta mais com futilidades não porque os brasileiros são necessariamente mais fúteis, mas em parte porque nosso consumo de status se dá por meio de futilidades industrializadas, principalmente pela juventude.
O adolescente gringo sinaliza status andando de tênis de lona; o adolescente brasileiro sinaliza status andando de tênis cheio de amortecedores. O gringo sinaliza status bebendo um café artesanal; o brasileiro, comendo um sanduíche industrial. O gringo usa uma camisa de tricot; o brasileiro usa uma polo de marca. O gringo sinaliza status andando de bicicleta; o brasileiro, andando de carro com adesivos e aerofólios. O gringo sinaliza status saindo à noite para ver uma apresentação musical independente; o brasileiro, saindo para ouvir música industrial com um DJ. O gringo planeja passar as férias em Costa Rica ou na Indonésia; o brasileiro planeja passar férias em Las Vegas ou na Disney.
Um alemão hipster continua sinalizando tanto status quanto um brasileiro playboy. Nos dois casos, o desperdício funcional continua a ser sinal de status, mas em Berlim se desperdiça menos na incrementação industrial, e mais na mão-de-obra: consumo ambientalista, localista, zen, fair trade etc são formas de sinalizar status com desperdício funcional.
O paradoxal é que, quanto menos se tem acesso ao capitalismo, maior o valor de status dos bens capitalistas. No Brasil, esse encarecimento político afeta de modo desproporcional pobres e ricos porque os pobres sãoexcluídos do capitalismo a que o rico tem acesso.
Quando o capital é escasso, futilidade é desperdiçar capital. Quando a mão-de-obra é escassa, futilidade é desperdiçar mão-de-obra.
A vantagem é que o hipster vai rir da sua própria hipsterice com mais facilidade que o playboy brasileiro consegue rir de si mesmo.