O governo não promove a estabilidade

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TrojanHorseQuando se critica os recentes socorros financeiros ocorridos em Wall Street, é fácil se deixar enganar pelos números. Somente na última semana o governo americano fez promessas que custarão mais de $1 trilhão (com T) se as coisas não se alterarem no mercado imobiliário. O secretário do Tesouro Henry Paulson espertamente já se colocou em uma posição análoga à de um comandante militar; poucos no Congresso ousaram votar contra o plano que ele diz ser necessário para impedir a destruição financeira.

Entretanto, é melhor não se deixar assombrar pela quantia espantosa de dólares que está sendo jogada na economia, mesmo sabendo que o déficit do próximo ano poderá facilmente ser superior a $500 bilhões. No presente artigo, pretendo atacar a principal justificação dada para essas medidas – a saber, que elas irão (supostamente) levar estabilidade ao volátil mercado financeiro. Vou mostrar que a realidade é exatamente contrária, que foram as recentes ações do governo que contribuíram enormemente – e de maneira independente – para a contração do crédito. Assim, não apenas os recentes socorros financeiros fornecem um belo exemplo de roubos maciços perpetrados pelo governo em favor dos poderosos politicamente bem relacionados, como também representam uma fonte revigorada de malefícios para toda a economia.

Em primeiro lugar, vamos nos concentrar na medida recém tomada pela SEC (a CVM americana), a proibição das vendas a descoberto de 799 ações financeiras. É isso que eu chamo de uma medida incrivelmente estúpida; mesmo os palpiteiros de praxe da mídia, sempre prontos a bajular o establishment, se mostraram dispostos a fazer uma educadíssima sugestão de que, talvez, dessa vez, o governo esteja errado. As vendas a descoberto desempenham um papel vital no mercado financeiro. Quando ações de uma determinada empresa se tornam muito altas, na opinião de um especulador, ele vende essas ações a descoberto, o que faz diminuir seu preço. (Com o tempo, o mercado elimina os especuladores ruins, de forma que aqueles que ainda seguirem arriscando dinheiro são provavelmente muito bons em escolher ações sobrevalorizadas). Por outro lado, se essas ações estiverem, na opinião de um analista, subvalorizadas, ele irá comprá-las, fazendo seu preço subir. Eliminar um lado desse mecanismo fará apenas com que os preços das ações fiquem mais voláteis.

Além do mais, a proibição de vendas a descoberto também obstrui uma outra função: o hedging. Em outras palavras, não são apenas os especuladores que vendem ações a descoberto, esperando obter ganhos com esse lance antecipado. Ao contrário, muitas pessoas também fazem esse tipo de contrato, vendendo ações a descoberto com o intuito de limitar sua exposição à queda de preços. Por exemplo, suponha que uma empresa seguradora venda um credit default swap (CDS)[*] de um grande banco de investimento XYZ. O swap é basicamente um contrato de seguro, pois um calote dado pela XYZ em seus próprios títulos irá acionar o CDS, que desembolsará o pagamento. Portanto, a existência desses credit default swaps faz com que os investidores estejam mais dispostos a comprar títulos do (isto é, emprestar dinheiro para o) banco de investimento XYZ, pois esses investidores poderão comprar um CDS e, assim, se assegurar (talvez parcialmente) contra calotes.

Agora, qual é a conexão entre tudo isso e a proibição das vendas a descoberto? Bem, suponha que a empresa seguradora lance uma grande quantidade de CDS da XYZ; e então, no dia seguinte, surjam rumores de que a XYZ está fortemente carregada de ativos lastreados em hipotecas podres. Assim, o preço das ações da XYZ iria despencar, o que faria com que ela tivesse dificuldades para levantar fundos de curto prazo para continuar suas operações. Nessa situação, ela estaria muito mais inclinada a dar calote em seus títulos, o que faria com que a empresa seguradora sofresse grandes prejuízos, pois os CDS seriam acionados.

Agüente firme, pois já estamos quase na conclusão: para se proteger contra esses súbitos movimentos nos preços das ações, a empresa seguradora pode ter que vender a descoberto algumas milhares de ações do banco de investimento XYZ. Dessa forma, a empresa seguradora estará parcialmente protegida contra súbitas quedas nas ações da XYZ, o que significa que seus ganhos com as vendas a descoberto iriam compensar parcialmente as perdas com os CDS. Desta forma, se a SEC agora impuser a proibição das vendas a descoberto, a seguradora achará muito arriscado vender CDS de bancos de investimento que são mais vulneráveis a rumores. Em outras palavras, a atitude da SEC irá efetivamente acabar com um dos métodos utilizados pelo mercado para conter o risco. Justamente as empresas mais vulneráveis perante uma contração do crédito estarão agora menos aptas a achar compradores para seus títulos, o que significa que elas estarão menos aptas a levantar financiamentos. E isso é exatamente o oposto do que a SEC alega estar fazendo.

Vender a descoberto é arriscado porque se está comercializando com dinheiro emprestado. Se você vende a descoberto, você está assumindo um contrato para pegar emprestado um ativo, vendê-lo e então devolvê-lo ao dono original. A venda a descoberto não é possível a menos que haja outros investidores dispostos a defender um ativo. Em outras palavras, você só vai conseguir vender a descoberto um ativo – baseando-se na sua crença de que tal ativo está sobrevalorizado – se alguém mais estiver disposto a aceitar o preço por você ofertado, seja porque esse alguém acredita que o ativo está valorado adequadamente ou seja porque ele acredita que o ativo está na verdade subvalorizado.

As vendas a descoberto são vitais para o bom funcionamento de uma economia de mercado porque elas transmitem informações valiosas à respeito das crenças dos investidores sobre a qualidade de um ativo. Ao proibir as vendas a descoberto, a SEC (Securities and Exchange Commission) baniu uma prática que produz informações necessárias para que os mercados financeiros funcionem suavemente.

E quem são os vencedores desse banimento? Não são os investidores cotidianos, a quem serão negadas informações cruciais sobre a qualidade dos ativos em seus portfolios. Não, os vencedores são os administradores das protegidas (e débeis) empresas, que assim serão capazes de manter viável a capitalização de mercado de suas empresas ao negarem para o resto de nós informações úteis. Ironicamente, esse banimento da SEC agrupou todas as empresas financeiras em uma grande categoria e carimbou um “ALERTA” governamental nelas. Isso é ruim para a indústria financeira em si, mas o que isso de fato faz é diluir as más notícias advindas daquelas empresas financeiras que mais estão carregadas de ativos lastrados em hipotecas podres.

Portanto, estamos vendo que a proibição do governo das vendas a descoberto é algo contra-produtivo, e irá apenas tornar os mercados financeiros mais voláteis e fazer com que seja mais difícil para as instituições levantarem capital. Infelizmente, a mesma conclusão se aplica para outras peripécias que o Secretário do Tesouro Henry Paulson e o Presidente do Fed Ben Bernanke andaram inventando. Essas atitudes estão causando exatamente a mesma crise financeira que eles supostamente estão tentando acalmar.

Apenas pare um pouco e reflita sobre o que o governo tem feito, até mesmo nas últimas semanas. Ele literalmente apoderou-se (palavras da imprensa, e não minhas) de empresas com trilhões de dólares em ativos. Na verdade, essas capturas foram verdadeiras “aquisições hostis”. Por exemplo, os acionistas ordinários da Fannie Mae e da Freddie Mac foram simplesmente roubados. O governo veio e garantiu injeções de capital para manter ambas as empresas solventes. Em troca, ele adquiriu ações preferenciais, colocando-se a si próprio no topo do sistema hierárquico vis-à-vis os acionistas preferenciais originais, em caso de perdas. Entretanto, se o mercado imobiliário sofrer uma guinada e as ações da Fannie e da Freddie começarem a subir, o governo irá então exercitar sua autoridade dando a si próprio a propriedade sobre 79,9% das ações ordinárias. (Observe como as pessoas estão especulando que o governo possa ganhar dinheiro no negócio). Antes, os acionistas da Fannie e da Freddie sabiam que provavelmente eles iriam perder tudo, mas ainda havia alguma esperança. Agora, não há esperança alguma.

E, no entanto, não há qualquer lógica nas decisões do governo. Por exemplo, permitiu-se corretamente que a Lehman Brothers quebrasse. Por que as outras empresas não podem? Na prática, tem-se uma enorme besta à espreita do mercado financeiro. Essa criatura tem, em última instância, trilhões de dólares à sua disposição (basta ligar uma impressora) e, ah sim, não posso me esquecer: ela não tem receio em mandar homens armados à casa de qualquer cidadão que se oponha a alguma coisa. Sob esse ambiente, é realmente de se estranhar que os mercados de crédito estejam “paralisados”? Quando a SWAT sai arrebentando a porta da casa de alguém, essa pessoa paralisa, certo? Por que as coisas haveriam de ser diferentes em Wall Street?

Haverá várias conseqüências horríveis para tudo o que Henry Paulson e Ben Bernanke andaram aprontando nas últimas semanas. Mas o que é realmente depressivo é que esses custos estão sendo contra-balanceados por “benefícios” que não existem. São benefícios que o governo espera “adquirir” no futuro (como a revenda de ações que hoje nada valem). Assim como em outras áreas, no mercado financeiro também vemos que o ataque perpetrado pelo governo aos direitos de propriedade acabam exacerbando os mesmos medos e incertezas que levaram o governo a tomar o controle em primeiro lugar.

Não quero parecer alarmista, mas realmente as coisas estão se movendo muito rapidamente. Se o sistema financeiro tiver de entrar em colapso, isso acontecerá logo, logo. Mesmo que a infra-estrutura básica permaneça, é de se esperar uma inflação de preços na casa dos dois dígitos. (Se as pessoas estiverem dizendo que os mercados de títulos não estão prevendo inflação, não acredite). Aqueles que concordam comigo, fariam bem se começassem a adquirir um estoque de moedas de ouro e prata para várias semanas – e nada de depositá-las nos cofres dos bancos, pois se forem decretados feriados bancários não haverá qualquer acesso a elas.

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[*] O “Credit Default Swap” (CDS), algumas vezes traduzido como Swap de Crédito, corresponde a uma espécie de seguro contra um eventual calote da instituição referida. Ao emitir um CDS – por meio de terceiros -, essa instituição poderá colocar em circulação um título que permita ao seu titular receber uma compensação caso ocorra alguma moratória.

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