Um aspecto característico da abordagem austríaca da teoria econômica é sua ênfase de que o mercado é um processo, e não apenas uma configuração de preços, qualidades e quantidades que são consistentes entre si de modo a produzir uma situação de mercado em equilíbrio.[1] Esse aspecto da economia austríaca está intimamente associado ao descontentamento com o uso generalizado do conceito de concorrência perfeita.
É interessante notar que, mesmo entre economistas de convicções bastante divergentes dentro da tradição austríaca, todos demonstram um desencanto característico com a ênfase ortodoxa dada tanto em relação ao equilíbrio como também em relação à concorrência perfeita. Assim, a bem conhecida posição de Joseph A. Schumpeter sobre essas questões é notavelmente próxima da de Ludwig von Mises.[2] Oskar Morgenstern, em um importante artigo sobre teoria econômica contemporânea, expressou as mesmas críticas austríacas à moderna teoria econômica.[3]
EQUILÍBRIO E PROCESSO
Ludwig. M. Lachmann revelou que sua insatisfação com a noção de equilíbrio envolve essencialmente o uso da construção do equilíbrio geral walrasiano em detrimento da utilização do simples equilíbrio parcial marshalliano.[4] Mas é precisamente utilizando a construção de um mercado simples, com apenas um tipo de bem e no curto prazo, que demonstrarei algumas das deficiências da abordagem do equilíbrio.
Em nossas salas de aula, desenhamos a interseção marshalliana para descrever uma situação de oferta e demanda competitiva, e depois prosseguimos explicando como o mercado entra em equilíbrio apenas quando se atinge o preço correspondente à interseção das curvas.
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Normalmente, a explicação sobre a determinação do preço de mercado pára por aí — praticamente concluindo que o único preço possível é o preço de equilíbrio de mercado. Algumas vezes tratamos da questão de como podemos estar certos de que há realmente uma tendência de que o preço de interseção será atingido. Nesse caso, a discussão prosseguirá em termos da versão walrasiana do processo de equilíbrio. Suponha — costumamos dizer — que o preço esteja acima do preço de interseção. Sendo assim, a quantidade do bem que as pessoas estão preparadas para ofertar é, no agregado, maior do que a quantidade total que as pessoas estão preparadas para comprar. Haverá estoques não vendidos, o que fará o preço diminuir. Por outro lado, se o preço estiver abaixo do preço de interseção, haverá um excesso de demanda, “forçando” o preço para cima. Assim — costumamos explicar — haverá uma tendência para que o preço gravite em direção ao ponto de equilíbrio no qual a quantidade demandada se iguala à quantidade ofertada.
Essa explicação tem um apelo simples, porém eficaz. Entretanto, quando o preço é descrito como estando acima ou abaixo do equilíbrio, entende-se que apenas um único preço prevalece no mercado. Uma pergunta incômoda, então, seria: como sabemos qual é esse preço único antes de termos atingido o equilíbrio? Pois certamente um preço único somente pode ser estipulado como resultado do processo de equilíbrio em si. Ao menos neste quesito, a explicação walrasiana sobre a determinação do preço de equilíbrio é nula.
Novamente: a explicação walrasiana normalmente pressupõe concorrência perfeita, onde todos os participantes do mercado são tomadores de preço. Mas se há apenas tomadores de preço participando do processo, não está claro como que os estoques não vendidos ou a demanda não atendida provocam mudanças no preço. Se ninguém pode influir no preço, como os preços sobem ou descem?
A explicação marshalliana do processo de equilíbrio — normalmente não apresentada nas discussões em sala de aula — é similar à walrasiana, porém utiliza quantidade em vez de preço como a principal variável de decisão.[5] Em vez de desenhar linhas horizontais de preços no diagrama de oferta e demanda para mostrar um excesso de oferta ou uma demanda não atendida, o procedimento marshalliano utiliza linhas verticais para delimitar os preços de demanda e os preços de oferta para determinadas quantidades. Nesse procedimento, a ordenada de um ponto sobre a curva de demanda indica o preço máximo em que uma quantidade (representada pela abscissa do ponto) será vendida. Se esse preço for maior do que o correspondente preço de oferta (o preço ao qual a mesma quantidade será oferecida para venda), quantidades maiores serão colocadas à venda. O contrário ocorre quando o preço de oferta excede o preço de demanda. E assim, a existência de uma tendência em direção ao equilíbrio foi supostamente demonstrada.
Esse procedimento também faz muitas pressuposições. Ele toma como certo que o mercado já sabe quando o preço de demanda da quantidade disponível está excedendo seu preço de oferta. Ora, mas o desequilíbrio ocorre precisamente porque os participantes de mercado não sabem qual é o preço de equilíbrio. Em uma situação de desequilíbrio, normalmente não se sabe qual é “a” quantidade e nem qual é o preço mais alto (mais baixo) pelo qual essa quantidade pode ser vendida (pechinchada dos ofertantes). Assim, não está claro como que o fato de a quantidade de bens no mercado ser menor do que a quantidade de equilíbrio irá garantir que as decisões dos participantes de mercado sejam modificadas de modo a aumentar essa quantidade.
Claramente nenhuma dessas explicações sobre como se dá o alcance do equilíbrio é satisfatória. Pela perspectiva austríaca, que enfatiza o papel do conhecimento e das expectativas, as explicações acima pressupõem tacitamente muitas coisas. O que precisamos é de uma teoria sobre o processo de mercado que leve explicitamente em conta as alterações sistemáticas nas informações e nas expectativas sobre as quais os participantes de mercado atuam, e que explique como essas alterações irão levar os participantes em direção à “solução” de equilíbrio. E, de fato, o ponto de vista austríaco nos ajuda a conceber tal teoria.
ALOCAÇÃO ROBBINSIANA E A AÇÃO MISESIANA
Ao desenvolver uma teoria viável para o processo de mercado devemos levar em conta o papel — muito negligenciado — do empreendedorismo. A omissão do empreendedorismo na análise econômica moderna é uma consequência direta de preocupação geral com a situação final de equilíbrio. Para podermos entender a distinção entre uma teoria baseada no processo de mercado — a qual faz referência ao empreendedorismo — e uma teoria baseada no equilíbrio de mercado — a qual ignora o empreendedorismo —, será útil compararmos o conceito misesiano de ação humana com o conceito econômico utilizado por Lord Robbins, a saber, o processo de decisão de alocações.
Devemo-nos recordar que Lord Robbins definiu a economia como a ciência que lida com o aspecto alocativo das relações humanas, isto é, as consequências advindas do fato de que os homens direcionam e alocam seus limitados recursos para fins múltiplos e concorrenciais.[6] Mises, por outro lado, enfatizou a noção mais ampla da ação humana intencional, abrangendo os esforços deliberados por meio dos quais os homens tentam melhorar sua situação.[7] Ambos os conceitos, é válido notar, são consistentes com o individualismo metodológico e incorporam a constatação de que os fenômenos de mercado são gerados pela interação de decisões individuais.[8] Porém, ambas as construções diferem significativamente.
O método robbinsiano afirma que os indivíduos irão utilizar os recursos disponíveis e conhecidos da maneira mais eficiente possível, de modo a atingir certos propósitos. Isso requer a implementação do princípio equimarginal, isto é, a criação de um arranjo alocativo no qual é impossível transferir uma unidade de recurso de um uso para outro uso e, com isso, ganhar um benefício líquido. Para Robbins, o processo econômico consiste apenas em rearranjar os recursos disponíveis de modo a garantir a utilização mais eficiente de insumos conhecidos considerando-se uma dada hierarquia de objetivos. É a interação no mercado dos esforços alocativos de vários indivíduos que gera todos os fenômenos que a economia moderna procura explicar.
A dificuldade com uma teoria de mercado baseada exclusivamente em termos robbinsianos é que, no desequilíbrio, vários dos planos dos agentes robbinsianos estão fadados a não se realizar. O desequilíbrio é uma situação na qual nem todos os planos podem ser realizados conjuntamente; ele reflete erros na informação de preços sobre os quais os planos do indivíduo são feitos. Uma experiência de mercado malsucedida — que gerará escassez ou excedente de bens a serem vendidos — revela que as expectativas em relação ao preço original estavam incorretas. Embora a estrutura robbinsiana sugira que os planos malsucedidos serão descartados ou revisados, não é possível ir muito além disso. A ideia de um plano robbinsiano assume que a informação não só é dada como também é conhecida pelos indivíduos atuantes no mercado. Na ausência dessa informação, os participantes de mercado ficam bloqueados de toda a atividade robbinsiana.
Sem qualquer pista sobre quais serão as novas expectativas que virão após as frustrações no mercado, somos incapazes de postular qualquer sequência de decisões. Tudo o que podemos dizer é: se todas as decisões robbinsianas forem harmônicas, teremos um equilíbrio; se não forem harmônicas, teremos um desequilíbrio. Dentro desse arranjo, não temos justificativas para afirmar, por exemplo, que estoques não vendidos irão deprimir os preços; podemos apenas dizer que, se houver uma errada expectativa de que os preços são mais altos do que de fato são, os tomadores de decisão robbinsianos irão gerar estoques não vendidos. Como tomadores de decisão, eles não podem aumentar ou diminuir preços; eles são estritamente tomadores de preços, fazendo alocações de acordo com o ambiente em que os preços são dados. Se todos os participantes são tomadores de preços, como então os preços de mercado poderão aumentar ou diminuir? Por meio de qual processo isso irá ocorrer, se ocorrer?
Para que os estoques não vendidos comprimam os preços, aqueles participantes de mercado que possuem bens não vendidos precisariam entender que os preços anteriormente praticados estavam muito altos. Os participantes precisariam modificar suas expectativas referentes ao entusiasmo dos outros participantes em comprar seus produtos. Mas para fazermos essas afirmações precisamos transcender os limites estreitos da estrutura robbinsiana. Precisamos de um conceito de tomadas de decisão que seja abrangente o suficiente para abarcar o elemento empreendedorismo, de modo a considerar a maneira como os participantes de mercado alteram seus planos. É aqui que a noção misesiana acerca da ação humana vem ao nosso socorro.
O conceito de Mises acerca da ação humana envolve um insight, um discernimento, sobre a natureza humana que está completamente ausente em um mundo de agentes robbinsianos. Esse discernimento reconhece que os homens não apenas são agentes calculistas, como também são atentos às oportunidades. A teoria robbinsiana somente é válida após uma pessoa já ter sido confrontada por certas oportunidades; ela não explica como aquela pessoa aprende sobre essas oportunidades. Já a teoria misesiana sobre a ação humana concebe o indivíduo como um agente que tem seus olhos e ouvidos abertos para oportunidades que estão “logo ali”. Ele está alerta, esperando, continuamente receptivo a alguma coisa que possa surgir. E quando o preço vigente não equilibra o mercado, os participantes de mercado percebem que eles precisam revisar suas estimativas de preços a fim de evitar novos desapontamentos.
Esse estado de alerta e prontidão é o elemento empreendedorial da ação humana, um conceito ausente nas análises feitas em termos exclusivamente robbinsianos. Ao mesmo tempo em que transforma o ato de decisão em uma visão realista da ação humana, o empreendedorismo transforma a teoria de equilíbrio de mercado em uma teoria de processo de mercado.
O PAPEL DO EMPREENDEDORISMO
É verdade que há outras definições da função empreendedorial. As principais visões sobre o assunto têm sido aquelas de Schumpeter, Frank H. Knight e Mises. Entretanto, como já argumentei, todas essas definições alternativas têm em comum o elemento do alerta às oportunidades.[9] Este alerta deve ser cuidadosamente distinguido da mera possessão do conhecimento. E é a distinção entre estar alerta e possuir conhecimento que nos ajuda a entender como o processo empreendedorial de mercado sistematicamente detecta e ajuda a eliminar erros.
Uma pessoa que possui conhecimento não é — apenas por esse critério — um empreendedor. Mesmo quando um empregador contrata um especialista por causa do conhecimento deste, é o empregador — e não o empregado — quem é o empreendedor. O empregador pode não ter toda a informação que o empregado possui; no entanto, o empregador está mais bem “informado” do que todos os outros concorrentes — ele sabe onde o conhecimento pode ser obtido e como ele pode ser proveitosamente empregado.
O especialista contratado aparentemente não sabe como seu conhecimento pode ser proveitosamente empregado, uma vez que ele não está preparado para agir como seu próprio empregador. Ele não percebe a oportunidade fornecida pela posse de tal informação. O empregador, por outro lado, percebe. O conhecimento empreendedorial é um tipo de conhecimento refinado e abstrato — o conhecimento sobre onde obter informação (ou outros recursos) e como colocá-lo em prática.
Esse alerta empreendedorial é crucial para o processo de mercado. O desequilíbrio representa uma situação de ampla ignorância sobre as reais condições do mercado. Essa ignorância é responsável pelo surgimento de oportunidades lucrativas. O alerta empreendedorial explora estas oportunidades enquanto outros a ignoram.
Lachmann e G.L.S. Shackle enfatizaram a imprevisibilidade do conhecimento humano, e de fato não entendemos claramente como os empreendedores obtêm esse lampejo de presciência superior à dos concorrentes. Não sabemos explicar como alguns homens descobrem determinadas oportunidades antes de outros. Podemos certamente explicar por que os homens exploram petróleo de modo a estarem sempre ponderando maneiras alternativas de gastar uma quantia limitada de recursos; porém, somos incapazes de explicar como um empreendedor presciente percebe antes dos outros que uma busca por petróleo pode ser recompensadora.
Em termos empíricos, entretanto, sabemos que as oportunidades tendem a ser percebidas e exploradas. E é sobre essa tendência observada que se assenta nossa crença na existência de um determinado processo de mercado.
A PUBLICIDADE COMO UM ASPECTO DO PROCESSO COMPETITIVO
A caracterização do processo de mercado como um processo de descoberta empreendedorial clarifica várias ambiguidades sobre o mercado e dissipa vários mal-entendidos sobre como ele funciona. A propaganda fornece um excelente exemplo sobre o qual podemos basear nossa discussão.
A publicidade, uma característica dominante da economia de mercado, é amplamente incompreendida e frequentemente condenada como dispendiosa, desperdiçadora, ineficiente, inimiga da concorrência e geralmente destruidora da soberania do consumidor. Houve, nos anos recentes, alguma reabilitação do assunto na literatura econômica, dentro do modelo da economia da informação. De acordo com essa visão, mensagens publicitárias voltadas para potenciais consumidores representam quantidades de conhecimento necessárias, pelas quais eles estão dispostos a pagar um preço. A quantidade certa de informação é produzida e entregue pela indústria publicitária em resposta aos desejos do consumidor.
Por razões ligadas a custos, é mais eficiente que essa informação seja produzida por aqueles que possuem mais facilidade para tal, a saber, os produtores dos produtos sobre os quais são desejadas informações. Essa abordagem tem seu valor e explica muito da economia da propaganda, porém não explica tudo. A abordagem sob a ótica da economia da informação tenta explicar os fenômenos da publicidade totalmente em termos da oferta e demanda de conhecimento não empreendedorial, informações que podem ser compradas, vendidas e até mesmo empacotadas. Porém tal abordagem não vai além de um mundo de maximizadores robbinsianos, e é incapaz de compreender a real função da publicidade no processo de mercado.
Consideremos o produtor do bem anunciado. Em sua função empreendedorial, o produtor antecipa os desejos dos consumidores e observa a disponibilidade dos recursos necessários para um produto satisfazer os desejos dos consumidores. Essa função pode parecer cumprida assim que o produtor produzir o produto e torná-lo disponível para a compra. Em outras palavras, pode parecer que a função do empreendedor foi cumprida assim que ele transformou uma oportunidade de produzir um determinado produto em uma oportunidade para que o consumidor compre o produto finalizado. Os próprios consumidores não estavam cientes das oportunidades que esse processo de produção representa; foi o alerta mais arguto do empreendedor que o possibilitou cumprir essa tarefa.
Não é suficiente, entretanto, apenas disponibilizar o produto; os consumidores precisam saber de sua existência. Se a oportunidade de comprá-lo não for percebida pelo consumidor, será como se a oportunidade de produzi-lo não tivesse sido notada pelo empreendedor.
Não basta apenas cultivar alimentos os quais o consumidor não sabe obter; os consumidores precisam saber que o alimento foi de fato cultivado. Fornecer informações aos consumidores não é o suficiente. É essencial que as oportunidades disponíveis ao consumidor atraiam sua atenção, não importa qual seja o seu grau de alerta. Não basta ao empreendedor-produtor canalizar recursos para atender os desejos do consumidor; ele também deve garantir que o consumidor não deixe passar despercebido o que já foi produzido. Para esse propósito, a publicidade é um instrumento claramente indispensável.
Ao vermos a publicidade como um instrumento empreendedorial, podemos entender por que a distinção feita por Edward Chamberlin entre custos de fabricação e custos de venda é inválida.[10] Os custos de fabricação (ou produção) supostamente ocorrem durante a produção do produto, em contraposição aos custos de venda, que ocorrem quando se tenta convencer os consumidores a comprar o produto. Os custos de venda supostamente deslocam a curva de demanda pelo produto, ao passo que os custos de fabricação (produção) afetam apenas a curva de oferta. A distinção feita por Chamberlim foi criticada com base no fato de que os custos de venda são na verdade custos de fabricação disfarçados, de um tipo ou de outro.[11]
Nossa abordagem nos possibilita ver essa questão através de um contexto mais geral, que incorpora a percepção de que todos os custos de fabricação são, ao mesmo tempo, custos de venda. Por exemplo, se o produtor tivesse um mercado garantido no qual pudesse vender todos os seus produtos a um determinado preço, então seu custo de fabricação total seria apenas os próprios custos de fabricação. Ele não teria de incorrer em gastos adicionais para tentar convencer o consumidor a comprar o produto. Mas a realidade é que nunca há um mercado garantido. As decisões do produtor sobre qual produto produzir e com que qualidade serão, invariavelmente, um reflexo daquilo que ele acredita ser capaz de vender a um preço vantajoso. Trata-se de uma escolha puramente empreendedorial. Os custos nos quais ele incorre são aqueles que, em suas estimativas, são necessários para que ele possa vender seu produto ao preço que ele anteviu. Cada melhora no produto é feita para torná-lo mais atraente para os consumidores, e certamente o produto em si foi produzido exatamente com esse intuito. Todos os custos são, em última análise, custos de venda.
LUCROS E O PROCESSO COMPETITIVO
O conceito austríaco da função empreendedorial enfatiza o lucro como sendo o objetivo fundamental do processo de mercado. Como tal, o lucro tem implicações importantes para a análise do empreendedorismo em contextos que não sejam de mercado (tais como dentro de empresas, ou em um regime socialista ou em burocracias em geral). Como já observei, não sabemos precisamente como ocorre a presciência superior de alguns empreendedores em relação a outros, porém sabemos que, ao menos de modo geral, o alerta empreendedorial é estimulado pela existência de lucros potenciais. O alerta a uma oportunidade depende da atratividade desta oportunidade e, obviamente, do fato de ela ter sido percebida e agarrada.
Esse incentivo é diferente dos incentivos presentes em um mundo robbinsiano. No contexto não empreendedorial, o incentivo é constituído pelas satisfações alcançáveis à custa de sacrifícios relevantes. Os incentivos robbinsianos são transmitidos aos agentes quando o arranjo do sistema demonstra que as satisfações oferecidas são mais significantes (do ponto de vista deles) do que os sacrifícios demandados deles. O incentivo é, portanto, fornecido pela comparação entre alternativas conhecidas. No entanto, no contexto empreendedorial, o incentivo a estar alerta a uma oportunidade empreendedorial é bem diferente do incentivo a se fazer uma troca entre oportunidades já conhecidas; com efeito, não tem nada a ver com a comparação de alternativas. Para se perceber uma oportunidade à espera de ser descoberta, não é preciso ter feito alguma escolha anterior. O incentivo é tentar obter alguma coisa em troca de nada — caso o empreendedor ao menos seja capaz de saber o que pode ser feito.
Incentivos robbinsianos podem ser oferecidos em contextos que não sejam de mercado. Por exemplo, um burocrata ou um empregador oferecer um bônus pelo maior esforço. Por outro lado, para que incentivos empreendedoriais funcionem, é necessário que aqueles que percebam oportunidades de fato ganhem algo por descobri-las. Uma característica notável do sistema de mercado é que ele fornece esse tipo de incentivo. É somente pela análise do processo de mercado que esse aspecto empreendedorial extremamente importante da economia de mercado é percebido.
Os reais problemas econômicos de qualquer sociedade surgem do fenômeno das oportunidades não-percebidas. A maneira como uma sociedade de mercado lida com esse fenômeno não pode ser compreendida utilizando-se exclusivamente uma teoria de equilíbrio de mercado. Os arranjos institucionais mais propícios para a descoberta de oportunidades devem ser estudados e respeitados.
[1] Para uma melhor elaboração sobre as várias questões abordadas nesse artigo, ver Israel M. Kirzner, Competição e Atividade Empresarial.
[2] Joseph A. Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia (New York: Harper & Row, 1942), pp. 81-106.
[3] Oskar Morgenstern, “Thirteen Critical Points in Contemporary Economic Theory: An Interpretation,” Journal of Economic Literature 10 (Dezembro de 1972): 1163-89.
[4] Ludwig M. Lachmann, “Methodological Individualism and the Market Economy,” in Roads to Freedom: Essays in Honour of Friedrich A. von Hayek, ed. Erich Streissler et al. (London: Routledge & Kegan Paul, 1969), p. 89.
[5] Alfred Marshall, Princípios de Economia Política, ed. C. W. Guillebaud, 2 vols. (London: Macmillan & Co., 1961), 1:345-48; Marshall algumas vezes utilizava a abordagem walrasiana (ibid., pp. 333-36).
[6] Lionel Robbins, An Essay on the Nature and Significance of Economic Science (London: Macmillan & Co., 1962), pp. 1-23.
[7] Ludwig von Mises, Ação Humana (New Haven: Yale University Press, 1949), pp. 11-142; para uma comparação entre as noções misesianas e robbinsianas, ver Israel M. Kirzner, The Economic Point of View (Princeton: D. Van Nostrand, 1960), pp. 108-85.
[8] No prefácio da primeira edição deste livro, Robbins reconhece sua dívida para com Mises (On the Nature, pp. xv-xvi).
[9] Kirzner, Competição, pp. 75-87.
[10] Edward Hastings Chamberlin, The Theory of Monopolistic Competition, 7ª ed. (Cambridge: Harvard University Press, 1962), pp. 123-29.
[11] Ver a literatura citada em Kirzner, Competição, pp. 141-69.