[N. do T.: o texto a seguir é o resumo de uma palestra feita por Mises na década de 1960 na Foundation for Economic Education (FEE). As anotações foram feitas por um ouvinte. Consta que Mises não gostava muito de ter suas observações orais publicadas, pois elas, obviamente, não traziam o rigor, o cuidado e a precisão que ele sempre dedicava aos seus escritos. Entretanto, mesmo a maneira despretensiosa e informal presente no texto abaixo é capaz de mostrar o poder e acuidade de suas ideias.]
Sendo um meio de troca, o dinheiro está em uma categoria diferenciada em relação a todos os outros bens da economia. Se há um aumento na quantidade de bens na economia, isso sempre e invariavelmente implica uma melhora no padrão de vida das pessoas. Quanto maior a quantidade de bens disponíveis na economia, mais ricas são as pessoas. Por exemplo, se há uma maior oferta de trigo, algumas pessoas para as quais antes não havia trigo disponível agora poderão adquirir o cereal; ou elas agora poderão adquirir mais do que podiam nas condições anteriores. Porém, quando se trata de dinheiro, a situação é bem diferente.
Para demonstrar isso, é necessário apenas entender o que acontece se houver um aumento na quantidade de dinheiro na economia. Tal aumento deve ser considerado aprioristicamente ruim, pois irá favorecer aqueles que receberem esse novo dinheiro antes de todo o resto da população — parcela essa que terá seu poder de compra aumentado, normalmente pessoas com grandes conexões com o governo —, e irá prejudicar aqueles que receberem este dinheiro por último, pois, quando isso ocorrer, os preços da economia já terão sido reajustados para cima. Houve, no final, uma redistribuição de riqueza dos mais pobres para os mais ricos. Um aumento da quantidade de dinheiro na economia jamais ocorre sem alterar as relações econômicas entre os indivíduos.
Peguemos a seguinte situação. Imagine um mundo exatamente como o nosso. Algumas pessoas possuem dinheiro e emprestam esse dinheiro para terceiros. Elas são os credores. E, obviamente, há as pessoas que pegam esse dinheiro emprestado, que possuem dívidas em dinheiro. Elas são os devedores.
Agora imagine um segundo mundo, que é exatamente igual ao primeiro acima descrito, exceto por um detalhe: este segundo mundo possui exatamente o dobro da quantidade de dinheiro do primeiro mundo. A distribuição de dinheiro é a mesma. A única diferença é que, qualquer que seja a quantidade de dinheiro e a demanda por dinheiro no primeiro mundo, no segundo mundo estes valores serão o dobro. Isso significa que tudo é igual em ambos os mundos; há a mesma quantidade de pessoas, bens e serviços. Nada muda, exceto um detalhe na aritmética. No segundo mundo, tudo que esteja relacionado ao dinheiro é multiplicado por dois.
E aí você dirá: “Não faz absolutamente nenhuma diferença para mim entre viver no primeiro mundo ou no segundo. As condições são as mesmas.”
É comum — inclusive entre os economistas — pensar que, ao ocorrer tal mudança na oferta monetária, seria gerado somente um problema de aritmética, um problema de contabilidade. Os contadores teriam apenas de atualizar os números; não haveria nenhuma mudança nas relações econômicas entre os indivíduos. Logo, seria completamente irrelevante para as pessoas se elas moram em um mundo com números maiores ou menores a serem utilizados na contabilidade e nas escriturações mercantis.
Porém, a maneira como as alterações na oferta monetária realmente ocorrem no nosso mundo real não corresponde a essa acima descrita. As alterações na quantidade de dinheiro de uma economia ocorrem de maneiras distintas para diferentes pessoas e para diferentes bens; as alterações não ocorrem de maneira neutra; algumas pessoas ganham à custa de outras. Isso significa, portanto, que se a quantidade de dinheiro na economia for aumentada ou duplicada, tal fenômeno afetará de maneiras distintas cada indivíduo. Também significa que um aumento na quantidade de dinheiro não produz nenhuma melhoria geral na situação das pessoas. Foi isso o que o economista francês Jean-Baptiste Say demonstrou muito claramente ainda no início do século XIX.
Podemos abordar este problema do ponto de vista de um mercado mundial supervisionado por um Banco Central Mundial. Suponha que haja algumas pessoas que creiam que a melhor solução para os problemas financeiros e monetários do mundo seria o estabelecimento de um banco mundial ou de uma instituição mundial encarregada de emitir monopolisticamente papel-moeda para todo o mundo. E suponha agora que tal ideia esteja pronta para ser consumada. Muitos países prontamente irão se apresentar para servir de sede desta instituição. Todos consideram a ideia sensacional. O país vencedor teria a honra de sediar uma instituição de influência mundial. E essa única instituição, localizada neste país, estaria encarregada de aumentar a oferta monetária de todo o mundo. Genial!
Mas, afinal, quem receberia primeiramente essa quantidade de dinheiro adicional? Não há um método de distribuição que seja satisfatório para todos.
Assim, suponha que este banco mundial que emite uma moeda mundial para todos os países decida aumentar a quantidade de dinheiro no mundo porque, de acordo com seus burocratas, o planeta está passando por uma recessão e precisa de um estímulo; ou simplesmente porque o número de habitantes no mundo aumentou. Muito bem, que rodem as impressoras! Mas aí vem a pergunta: quem recebe esse dinheiro adicional? Todas as pessoas, de todos os países, diriam a mesma coisa: “A quantia que recebemos é muito pequena para nós todos”. Os países ricos dirão, “Como a quota per capita de dinheiro em nosso país é maior do que a dos países pobres, temos de receber uma fatia maior.” Os países pobres dirão , “Não, pelo contrário. Como eles já possuem uma quantidade de dinheiro per capita maior do que a nossa, nós é que temos de receber essa quantidade adicional de dinheiro”.
Por conseguinte, todas essas discussões sobre novos arranjos monetários mundiais — como, por exemplo, a que ocorreu em Bretton Woods (1944) — são completamente inúteis, pois elas nem sequer abordam uma situação em que os burocratas teriam de lidar com esse problema real — o qual, creio eu, nenhum dos delegados e nenhum dos governos que enviaram esses delegados sequer compreendiam. Sob um Banco Central Mundial, haverá uma tendência de aumento de preços naqueles países que receberem essa quantidade adicional de dinheiro; e estes que primeiramente receberem tal quantidade, estarão com mais poder de compra em relação aos outros países. Como consequência, as pessoas destes países beneficiados começarão a adquirir bens e serviços das outras nações que não receberam esse dinheiro, ou que receberam muito pouco — os bens e serviços nestes países estarão a preços mais baixos.
Ao final desse processo, os países que receberem por último este dinheiro criado pelo Banco Central Mundial estarão com menos bens disponíveis em sua economia — e, consequentemente, com preços mais altos. Houve uma redistribuição de riqueza.
É muito fácil escrever em um livro-texto que a quantidade de dinheiro deve ser aumentada anualmente a uma taxa de 5%, 10% etc. Ninguém argumenta em prol da redução da quantidade de dinheiro; eles querem apenas aumentá-la constantemente. O senso comum entre os economistas diz que “à medida que a produção econômica — ou a população — aumenta, é necessário haver mais dinheiro na economia, mais liquidez”. Frente a isso, é sempre importante enfatizar o que já foi dito: não há nenhuma maneira de aumentar — ou de reduzir — a quantidade de dinheiro na economia de forma neutra. Este é um dos maiores e extremamente populares erros econômicos. Uma única moeda mundial, controlada por um Banco Central Mundial, criaria uma batalha entre todos os países, ou entre grupos de países, para ver qual seria o privilegiado que teria o direito de receber mais dinheiro antes de todo o resto.
É impossível aumentar a quantidade de dinheiro na economia sem que isso favoreça as condições econômicas de um dado grupo em detrimento de outros grupos. E isso é algo que não foi considerado quando criaram esta grande estrovenga — não consigo encontrar uma palavra boa para descrevê-lo — chamada Fundo Monetário Internacional (FMI). Mesmo aquele espantoso ignorante chamado Lord Keynes, idealizador do Fundo, não tinha a menor ideia destes detalhes. Tampouco o tinham as outras pessoas que o apoiaram. Pode até ser que não tenha sido tudo culpa exclusiva dele — mas, por que permitiram que ele fizesse isso?
É impossível existir duradouramente um dinheiro que seja exclusivamente criado pelo governo — criado por um governo mundial — se ele não for totalmente limitado em sua quantidade. E limitar a quantidade de dinheiro não é exatamente algo que aqueles que sugerem tal arranjo queiram fazer. Pessoas que propõem este arranjo não podem receber um passe livre. Elas têm de ser desafiadas. No que tange ao dinheiro fiduciário — ao contrário do que ocorre em um padrão-ouro, em que a quantidade de dinheiro só pode ser aumentada de acordo com as escavações de minas —, aumentar sua quantidade não é meramente um problema quantitativo; é, acima de tudo, um problema de determinar quem deve receber primeiramente esse dinheiro artificialmente criado.
Portanto, toda e qualquer ideia a respeito de uma moeda mundial completamente produzida e gerenciada por alguma instituição mundial baseia-se pura e simplesmente em uma completa ignorância acerca do problema danão-neutralidade da moeda. Aumentos na quantidade de dinheiro jamais poderão funcionar como um mecanismo de distribuição “justa”.