Durante os últimos meses foram noticiadas declarações de burocratas da China e de políticos da Rússia sobre a necessidade de se criar uma nova moeda de reserva para substituir o dólar americano. Tem-se falado muito sobre os Direitos Especiais de Saque (DES), uma criação do FMI — uma instituição que não é nem governo e nem banco central. Se eu pudesse dar uma sugestão, esta seria: esqueçam isso.
O mais interessante é que nenhum burocrata ou político recomenda que a moeda de seu próprio país substitua o dólar. Isso é muito estranho, aparentemente. Afinal, os EUA possuem uma série única de vantagens em decorrência de seu status de detentor da moeda de reserva. Dentre essas vantagens estão:
- O governo americano pode recorrer ao seu banco central (o Fed) para que este crie dinheiro do nada e compre os títulos da dívida do governo em posse do Tesouro americano; esse dinheiro recém-impresso também pode ser utilizado para pagar pelos títulos americanos em posse dos bancos centrais estrangeiros.
- Os americanos podem importar petróleo com dólares criados do nada.
- Há um enorme mercado para os títulos da dívida do Tesouro (a uma taxa de quase 0% ao ano), para os títulos da dívida comercial (debêntures), e até mesmo para as ações, os quais os estrangeiros e seus bancos centrais compram animadamente, financiando assim o gigantesco déficit comercial americano.
- Os mercados futuros de commodity em todo o mundo são precificados em dólar, fazendo com que seja mais custoso transacionar em outras moedas.
Os governos nacionais possuem a vantagem de poder pagar seus credores domésticos com papel-moeda fiduciário criado do nada. Não seria de se imaginar que eles iriam amar poder fazer o mesmo com seus credores estrangeiros? Os EUA vêm fazendo isso desde 1940. Por que permitir que o país mantenha esse monopólio?
Eu consigo imaginar uma razão óbvia por que nenhum político está recomendando que a moeda de sua nação torne-se a moeda de reserva mundial. Tal sugestão seria acolhida com risadas sarcásticas. “Hein? Utilizar a moeda daquele país? Ele está falando sério?” E então os críticos da ideia iriam publicar uma lista de razões explicando por que ninguém em seu juízo perfeito iria utilizar a moeda daquele país como reserva internacional. E os críticos estariam certos.
O dólar americano adquiriu sua atual posição privilegiada de maneira justa e honesta: ficando de fora da Segunda Guerra Mundial até o governo britânico tornar-se economicamente insolvente. E então veio Hitler e cometeu a segunda decisão política mais estúpida do século XX: declarou guerra aos EUA em 11 de dezembro de 1941, algo ao qual ele não era obrigado segundo o pacto defensivo do Eixo, uma vez que o Japão já havia atacado os EUA. (A decisão mais estúpida do século também foi de Hitler: atacar a URSS em junho de 1941). Isso fez com que os EUA entrassem na guerra ao lado da Grã-Bretanha, já sabendo que o país iria substituir o Império Britânico e tornar-se a potência dominante nas questões internacionais após a guerra. Roosevelt conscientemente pôs a pique a Império Britânico, com Truman completando o serviço. (O melhor livro sobre isso é a obra-prima The Other End of the Lifeboat, de Otto Scott).
E HÁ O OURO
Não há relatos de qualquer burocrata, político ou banqueiro central que recomende um retorno ao ouro como moeda de reserva mundial. E há uma razão para isso. O ouro serviu como a moeda de reserva mundial antes da Primeira Guerra Mundial. Ele mantinha os governos nacionais e seus bancos centrais sob restrito controle. Quando eles inflacionavam, havia uma fuga de ouro. A base monetária desses países declinava em consequência dessa fuga. Isso transferia o controle da política monetária doméstica para os bancos centrais estrangeiros, para aqueles que especulavam com ouro, e para os usuários de moedas estrangeiras, como os banqueiros comerciais e os especialistas em comércio internacional.
Isso tirou a soberania sobre questões monetárias das nações-estado e a transferiu para especuladores internacionais, que colocavam seu próprio dinheiro em risco caso fizessem previsões incorretas. Eles poderiam obter portentosos lucros caso previssem corretamente que um determinado país iria desvalorizar sua moeda. Quando acreditavam que a política monetária de uma nação havia se tornado inflacionária, eles retirariam seus investimentos de lá, trocando a moeda local por ouro.
Os banqueiros centrais odiavam quando isso acontecia. Mas eles tiveram de tolerar esse sistema, que durou desde o fim das guerras napoleônicas, em 1815, até a erupção da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914. A moeda estável reduzia os riscos de depreciações artificiais. O comércio internacional cresceu rapidamente como resultado. Em 1914, os preços eram aproximadamente os mesmos de 1815.
O preço dessa estabilidade de preços foi a redução do controle que políticos e banqueiros centrais tinham sobre as moedas. Esse foi um preço político do qual os políticos sempre se ressentiram — afinal, tal mecanismo interferia em seu poder de utilizar dinheiro criado do nada para comprar votos e armas.
Nenhum banqueiro central ou liderança política internacional está clamando por um retorno do padrão-ouro, um sistema no qual os cidadãos — tanto nacionais quanto estrangeiros — podem pressionar os governos a pôr um fim na desvalorização legalizada de qualquer moeda (algo idêntico à falsificação monetária).
Não obstante, é perfeitamente possível que o governo central de qualquer grande nação participante do comércio internacional estabeleça sua unidade monetária como a principal moeda de reserva mundial. Desde 15 de agosto de 1971 que a atual posição do dólar não está baseada no ouro. Naquele dia, Nixon unilateralmente tirou os EUA do padrão ouro-câmbio. Não mais haveria vendas de ouro para governos e bancos centrais estrangeiros ao preço de US$35 por onça.
Ofereço a estratégia a seguir para qualquer líder político mundial e seus sucessores.
O DECISIVO COMUNICADO À IMPRENSA
Suponhamos que o presidente de um banco central decida que seu banco irá se tornar o próximo Federal Reserve System: o banco central dominante da terra. Ele divulga o seguinte anunciado:
A partir de amanhã, este banco central não mais irá comprar ou vender os títulos da dívida de nosso governo ou de qualquer outro governo. Também não mais irá comprar ou vender qualquer outra forma de dívidas ou ações. Estamos congelando as operações monetárias desse banco.
Para corroborar esse intuito, criamos um novo website que disponibilizará todas as informações relacionadas aos ativos desse banco e às suas operações diárias.
O banco já fechou sua mesa de operações monetárias, tanto domésticas quanto cambiais. Aos empregados foi oferecida a oportunidade de uma aposentadoria antecipada e com benefícios integrais. Aqueles que recusarem a oferta não mais receberão qualquer aumento. Eles serão designados para a tarefa de responder todas as perguntas dos membros do Congresso e da mídia.
Este banco central não mais irá tentar influenciar as taxas de juros, tanto as de curto quanto as de longo prazo. Como o banco não mais irá comprar ou vender ativos, ele não terá como garantir seus anúncios oficiais sobre qual deverá ser a taxa de juros dos depósitos interbancários — isto é, a taxa básica de juros da economia.
Este banco central não mais fará empréstimos aos bancos comerciais, mesmo que estes ofereçam bons colaterais.
Essa política será permanente. Levará de cinco a dez anos para que possamos provar nossa intenção, mas iremos atingir nosso objetivo.
Iremos financiar nossas operações internas através dos juros recebidos sobre os ativos que atualmente possuímos.
A nossa intenção é substituir o dólar americano como a moeda de reserva mundial. Para provar a seriedade de nossa proposta, removemos todo o nosso ouro que estava depositado no Federal Reserve Bank de Nova York e já o trouxemos para o nosso cofre nacional. Isso confirma os rumores que começaram seis semanas atrás.
Tudo o que é necessário para se estabelecer uma moeda como a moeda de reserva mundial é ter um banco central imune às políticas domésticas e que siga ao pé da letra todo o comunicado acima, permanentemente.
O mesmo resultado poderia ser atingido ainda mais rapidamente caso o comunicado à imprensa fosse feito conjuntamente pelo presidente do banco central e pelo chefe de governo (Primeiro-Ministro ou Presidente)
Os rumores sobre esse comunicado já teriam vazado há semanas. A divulgação desse comunicado iria meramente confirmar esses rumores.
AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS
Inicialmente, a maioria dos investidores não acreditaria nesse comunicado. Eles iriam imaginar que o banco central não resistiria e logo teria de ceder às inevitáveis pressões do governo.
Esse país inevitavelmente entraria em recessão. Haveria uma fuga de investimentos. As taxas de juros iriam disparar. Sem impressão de dinheiro, e com a receita em queda, não haveria políticas contra-cíclicas. Bancos comerciais iriam à bancarrota, inclusive os maiores.
A economia iria contrair. Os sindicatos iriam promover inúmeras greves. A produção iria despencar. O desemprego iria subir. Os maus investimentos que haviam sido feitos na crença de que haveria expansões monetárias — ou seja, que as taxas de juros permaneceriam baixas — iriam gerar prejuízos.
Com a quebra dos bancos, haveria uma contração monetária. Os bancos solventes iriam enfrentar um efeito dominó, pois eles mantinham depósitos nos outros bancos insolventes.
Não haveria socorros. Os equivalentes locais do Bank of America, Citigroup e J.P. Morgan fechariam suas portas. Haveria um pânico financeiro. Haveria uma corrida aos bancos ruins.
A economia estaria em uma séria recessão — talvez em uma depressão dentro de seis meses.
Quando se tornasse claro que nada disso foi capaz de forçar o banco central a voltar às suas políticas antigas, o dinheiro voltaria a fluir para os bancos solventes. Esses bancos ganhariam a reputação de bravos sobreviventes.
A dor da recessão tem sido, desde 1933, algo enorme demais para que qualquer regime político ou qualquer banco central tente resistir a ela. É por isso que vivemos em uma era de inflação de preços. A resistência ao ajuste de preços feito pelo mercado — isto é, deflação — é universal, especialmente entre economistas, sejam eles keynesianos, chicaguenses ou supply-siders. Todos pregam a salvação via inflação.
A ECONOMIA INTERNACIONAL
O dólar americano começaria a se desvalorizar contra a moeda reformada. Haveria, obviamente, altos e baixos, pois ninguém iria realmente acreditar que um banco central e seu governo se manteriam fieis a tal esquema.
A moeda reformada ganharia um novo status: “papel-ouro”. Os Direitos Especiais de Saque do FMI foram chamados assim no início da década de 1970. Porém, os adeptos da moeda forte já alertavam que isso seria o equivalente a diamantes de vidro. E foi exatamente o que ocorreu com os DES.
O governo nacional seria forçado a se financiar apenas com as poupanças doméstica e internacional. Por um lado, os investidores iriam imaginar que o novo plano seria abandonado assim que o governo não mais encontrasse investidores dispostos a comprar títulos a juros baixos. Porém, se o banco central se mantivesse firme em sua política, os investidores mudariam sua visão. Por outro lado, os banqueiros centrais estrangeiros poderiam decidir comprar os títulos da dívida desse país. Como de praxe, os setores exportadores de todos os países do mundo estão sempre querendo vender mais bens para o exterior. E os bancos centrais estrangeiros tentariam dar seu auxílio através do método politicamente mais fácil: imprimindo dinheiro domesticamente, de modo que sua moeda se desvalorizasse e suas exportações se tornassem mais atraentes. Isso levaria a uma competição entre bancos centrais rivais para ver quem desvalorizaria mais sua moeda — o que faria com que a moeda reformada parecesse ainda melhor.
Com o tempo, tornar-se-ia cada vez mais aparente que o valor da moeda reformada seria função apenas da lei da oferta e demanda — sendo que essa moeda seria um ativo de oferta fixa. Isso poderia levar dois anos, ou até mesmo cinco. Porém, ano após ano, a coisa iria ficar cada vez mais clara: essa moeda é o equivalente a ouro. Os investidores não teriam sua riqueza solapada por uma política de expansão monetária feita pelo banco central.
Todos os investidores privados estão atrás de lucro. Uma moeda que se aprecia com o tempo é um bom chamariz de capital privado. Os mercados de futuros iriam adotar a nova moeda.
Se as nações exportadoras de petróleo começassem a transacionar também na moeda reformada — além de no próprio dólar americano — os mercados mundiais veriam uma vantagem. “Compre a moeda reformada e espere. Sua inevitável apreciação fará com que o petróleo fique mais barato”. Aqueles que mantivessem dólares iriam sofrer perdas comparativas.
Bancos centrais não estão em busca de lucro. Seus diretores não são os donos desses bancos, e tampouco representam os interesses de investidores em busca de lucro. Eles não estão sob pressão para comprar ativos de alto rendimento.
Em algum momento, entretanto, os bancos centrais iriam abandonar o depreciado dólar e iriam atrás da moeda reformada. Por quê? Por causa da pressão política. Tornar-se-ia fato conhecido que o dólar seria um jogo de perdedores. E banqueiros centrais não querem ser identificados como perdedores.
O CUSTO DA REFORMA
A razão pela qual os países do BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China — não querem ver suas moedas substituindo o dólar é porque seus banqueiros centrais e políticos são keynesianos. Eles acreditam na salvação via inflação. Os poucos economistas devotos da Escola de Chicago presentes nas equipes estão convencidos de que o banco central pode e dever inflacionar para impedir uma recessão. Esse foi o principal legado de Milton Friedman para o mundo moderno, no que tange os líderes desse mundo moderno. Ele culpou a depressão de 1930-33 no Banco Central americano (o Fed), argumentando que este não havia inflacionado o suficiente.
É por isso que não vemos nenhum país candidatando sua moeda para substituir o dólar americano como moeda de reserva mundial. Qualquer um dos países do BRIC poderia estabelecer políticas que elevariam suas respectivas moedas ao status de número um. Mas o preço seria muito alto. Tão alto quanto adotar um padrão monetário baseado em moedas de ouro. Isso significaria o fim das intervenções monetárias.
O mundo moderno acredita na salvação via inflação. E assim caminha toda civilização, com uma única exceção: os bizantinos, que tiveram uma estável moeda de ouro por mil anos desde 235 d.C.
O custo da reforma seria muito alto para os políticos e banqueiros centrais. O custo seria a restauração da liberdade monetária. E nenhum deles está disposto a pagar esse preço.
CONCLUSÃO
A não-moeda do FMI não pode substituir o dólar nos mercados monetários mundiais. Todas as moedas atuais são fraudulentas. O investidor tem de decidir qual moeda fiduciária terá o melhor desempenho durante sua vida. Todas elas são escolhas ruins.
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