Muito se fala sobre o problema da carga tributária e a necessidade imperativa de se cortar impostos para desonerar o setor produtivo da economia. Toda essa exigência é indiscutivelmente correta, porém é preciso deixar claro quem é o verdadeiro vilão que deve ser atacado (e que poucos se dão conta): os gastos do governo.
Um corte de impostos não irá beneficiar de fato os cidadãos de uma economia a menos que os gastos do governo sejam cortados.
Mesmo em uma economia cujo governo apresente superávit em suas contas, se os gastos do governo continuarem subindo, então nenhuma redução efetiva de impostos será possível. Caso haja uma redução de impostos sem o concomitante corte nos gastos, o governo terá de se financiar tomando dinheiro emprestado junto ao público (vamos desconsiderar, por enquanto, o pior dos métodos de financiamento, que é a simples emissão de moeda). Ao fazer isso, ele estará sugando a poupança disponível para o financiamento dos reais produtores de riqueza da economia.
A única contribuição significativa qu e o governo pode fazer para melhorar o padrão de vida dos indivíduos de uma economia é reduzir seus gastos reais. Essa redução tem de ser em termos absolutos, e não em termos da enganosa razão Gastos/PIB.
Em um sentido macroeconômico, todos os projetos de investimento que o governo empreende podem ser classificados como desperdício de riqueza. O fato de o setor privado não ter se interessado por esses projetos indica que eles são de baixa prioridade para os indivíduos. A implementação desses projetos pelo governo irá debilitar o bem-estar desses indivíduos, pois eles serão financiados à custa de outros projetos de maior prioridade que teriam sido empreendidos pelo setor privado caso não tivesse ocorrido esse desvio de recursos para as obras governamentais. Ademais, sempre que os produtores de riqueza comercializam seus produtos entre si, essa troca é voluntária. Cada produtor abre mão dos bens sob sua posse trocando-os por outros bens os quais ele acredita irão elevar seu padrão de vida.
O ponto essencial é que toda a troca tem de ser voluntária. Caso ela não seja, os agentes estarão piores do que antes.
As atividades do governo, entretanto, são de natureza coerciva; seu financiamento se dá pela violência. Os produtores de riqueza são obrigados, por meio de impostos, a ceder parte de sua riqueza para financiar serviços governamentais pouco desejáveis. Os produtores de riqueza são forçados a trocar mais por menos. Obviamente, isso diminui seu bem-estar.
Suponhamos que o governo decide construir uma pirâmide, e que a maioria das pessoas considere isso como sendo algo de baixa prioridade. As pessoas empregadas nesse projeto precisam ter acesso a vários bens e serviços para poder se sustentar. O problema é que, como o governo não é um produtor de riqueza, ele terá de impor taxas sobre os reais geradores de riqueza da sociedade – aqueles indivíduos que produzem bens e serviços de acordo com as prioridades dos consumidores – para poder financiar a construção dessa pirâmide.
Quanto mais pirâmides o governo resolver construir, mais riqueza real será confiscada dos geradores de riqueza. Disso, podemos concluir que o nível de impostos – isto é, a riqueza real roubada do setor que gera riquezas, o setor privado – será diretamente determinado pelo tamanho das atividades do governo.
Se as atividades do governo pudessem gerar riqueza, elas seriam autofinanciadas e não iriam requerer confisco algum de recursos dos outros geradores de riqueza. E a questão dos impostos jamais surgiria. Mas dada a sua natureza, o governo não é capaz de fazer qualquer contribuição para a poupança interna de um país, aumentando o conjunto da poupança real – isto é, dos recursos disponíveis para o financiamento de alguma atividade econômica. As atividades do governo consomem riqueza.
O dinheiro arrecadado pelos impostos será transferido para os vários indivíduos que são direta e indiretamente empregados pelo governo. Esses empregados do governo poderão agora trocar esse dinheiro de impostos por vários bens e serviços. Isso significa que eles estarão consumindo riqueza real sem que tenham feito qualquer contribuição para a real formação de riqueza da economia.
O governo utiliza vários métodos para tomar a riqueza daqueles que a produzem e desviá-la para suas próprias atividades. Esses métodos, que podem ser chamados de “tributação efetiva”, são: taxas e impostos diretos e indiretos; impressão monetária via banco central; e empréstimos contraídos junto ao setor privado.
O método que ele vai utilizar para desviar a riqueza real é de importância secundária. O que importa aqui é que a riqueza real está sendo confiscada dos produtores de riqueza. Quanto maior for o volume da riqueza confiscada, maior será a tributação efetiva imposta ao setor privado, que é o setor que gera a riqueza de uma economia.
Uma visão mais superficial poderia argumentar que empréstimos junto ao setor privado não podem ser considerados tributação. Entretanto, quando o governo incorre nessa prática, ele não tem como repagar essa riqueza real que obteve como empréstimo. Apenas aqueles que produzem riqueza têm essa capacidade. Somente produtores de riqueza podem utilizar sua produção futura de riqueza para pagar juros e principal. Tudo o que o governo pode fazer para pagar sua dívida é (1) imprimir dinheiro, (2) criar mais impostos, ou (3) pegar mais empréstimos, com isso empobrecendo ainda mais os reais produtores de riqueza.
Similarmente, quando o governo imprime dinheiro por meio do banco central, esse novo dinheiro será utilizado para adquirir bens que, de outra forma, seriam utilizados pelo setor privado. Isso significa que o setor privado está perdendo recursos. O governo obteve bens em troca de nada, sem ter criado riqueza alguma (estamos desconsiderando o problema da inflação aqui). Pode-se também argumentar que o governo poderia obter empréstimos externos, desta forma reduzindo o fardo sobre o setor privado. Entretanto, como o governo não é um gerador de riquezas, será novamente o setor privado que ficará com o ônus do serviço dessa dívida.
E quando há um superávit nas contas públicas? Ora, isso significa que está entrando mais dinheiro no Tesouro do que saindo. Trata-se de um superávit monetário, apenas isso. Esse superávit produz o mesmo efeito de uma política monetária contracionista.
[No Brasil, criou-se por imposição do FMI dois tipos de superávit: o superávit primário e o superávit nominal. A diferença entre eles é que o primeiro não leva em conta o pagamento de juros. Nesse caso, quando há um superávit primário, pode estar havendo um déficit nominal, que é quando a despesa total do governo – inclusive pagamento de juros da dívida – é maior que a arrecadação. Nesse cenário, obviamente, não está havendo um superávit efetivo nas contas. Portanto, o superávit equivalente ao exemplificado no parágrafo acima é o superávit nominal, raríssimo no Brasil].
Sobre essa questão dos superávits, Ludwig von Mises escreveu:
A restrição dos gastos do governo pode certamente ser uma boa medida. Mas tal medida não provê os fundos de que o governo precisará mais tarde quando voltar a expandir suas despesas. Um indivíduo pode proceder assim; pode acumular poupança quando sua renda é alta e gastá-la mais tarde quando sua renda diminuir. Mas a situação não é a mesma quando se trata de uma nação ou do conjunto de todas as nações. O Tesouro pode guardar uma parte considerável das abundantes receitas fiscais que são arrecadadas no período do boom econômico. Enquanto ele mantiver esses fundos fora de circulação, sua política de fato estará sendo deflacionária e anticíclica, e poderá enfraquecer o boom econômico criado pela expansão do crédito. Mas esses fundos, quando forem novamente postos em circulação, alterarão a relação monetária e gerarão uma tendência de queda do poder aquisitivo da unidade monetária. De forma alguma esses fundos poderão prover os bens de capital necessários à execução das obras públicas planejadas.
Contrariamente à visão amplamente aceita, um superávit orçamentário não irá automaticamente abrir espaço para um corte nos impostos. Independente dos superávits, os impostos não serão efetivamente baixados enquanto os gastos governamentais – de qualquer espécie – não forem reduzidos, isto é, enquanto o governo não diminuir o número de pirâmides que planeja construir.
E se, ao invés de um corte, houvesse uma taxa menor de crescimento nos gastos? Isso permitiria uma redução efetiva nos impostos? Não há dúvidas de que uma taxa menor de crescimento nos gastos governamentais é preferível a uma taxa maior. Contudo, ainda estará havendo um confisco do conjunto real da riqueza e dos fundos do setor privado – os gastos do governo ainda estão aumentando, só que a uma taxa menor.
Somente um corte real e absoluto nos gastos do governo resultará em um corte efetivo de impostos. Tudo o mais constante, um corte de impostos simultâneo a um aumento nos gastos governamentais irá apenas fazer com que o governo imponha um ônus cada vez maior sobre os produtores de riqueza, seja por meio de mais taxas, mais impostos indiretos, mais empréstimos contraídos pelo governo (mais juros a serem pagos), ou mais inflação monetária. Um desses – ou uma combinação desses – certamente será implementado em algum momento futuro.
[Como exemplo, o governo Bush cortou impostos ao mesmo tempo em que aumentou pornograficamente os gastos. O resultado não foi nada invejável. Esse site, que calcula o PIB real da economia americana, mostra que não houve crescimento econômico algum durante o governo Bush. Veja a linha azul entre 2000 e 2008].
A única maneira de tornar autêntico um corte de impostos é casando-o com um corte de gastos.
O Problema desse radicalismo em relação ao governo não gastar nada é que existem setores chaves da economia que não podem estar nas mãos da iniciativa privada (geração de energia elétrica, captação de água, pavimentação de ruas). Partindo do pressuposto que existem indivíduos com diferentes níveis de riqueza e tecnologia dentro de uma sociedade, isso acarretaria a formação de monopólios ou oligopólios nesses setores.